josé manuel de sacadura rocha

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JOSÉ MANUEL DE SACADURA ROCHA
FUNDAMENTOS DE FILOSOFIA DO DIREITO:
DA ANTIGUIDADE A NOSSOS DIAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
SEÇÃO I – A FILOSOFIA CLÁSSICA GRECO-ROMANA
1. SÓCRATES E O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
1.1 SOFISTAS E O PODER DA RETÓRICA
1.2 A FILOSOFIA E A DIALÉTICA SOCRÁTICA
2. PLATÃO: UM DISCÍPULO GRANDIOSO
2.1 TRANSCENDÊNCIA E ALMA
2.2 O CICLO VIRTUOSO – ALMA E CORPO
2.3 A MORAL SOCRÁTICA-PLATÔNICA
2.4 MITO DA CAVERNA
3. ARISTÓTELES E A PRÁTICA DO JUSTO ÉTICO
4. EPICURO DE SAMOS
5. O ESTOICISMO DE MARCO TÚLIO CÍCERO
5.1 A PRIMEIRA CATILINÁRIA
SEÇÃO II – A FILOSOFIA MEDIEVAL
6. CRISTIANISMO E DIREITO DIVINO
6.1 A PATRÍSTICA DE SANTO AGOSTINHO
6.2 A ESCOLÁSTICA DE SANTO TOMÁS DE AQUINO
SEÇÃO III – DO RENASCIMENTO AO ILUMINISMO
7. O JUSNATURALISMO RENASCENTISTA
7.1 JUSNATURALISMO INATO DE HUGO GRÓCIO
7.2 JUSNATURALISMO INATO DE SAMUEL PUFENDORF
7.3 CONSEQÜÊNCIAS PARA O DIREITO MODERNO
7.4 CÓDIGO DE NUREMBERG
8. O EMPIRISMO SOCIAL DO CONTRATUALISMO
8.1 THOMAS HOBBES
8.2 JOHN LOCKE
8.3 JEAN-JACQUES ROUSSEAU
8.4 DISCURSO SOBRE A ORIGEM E OS FUNDAMENTOS DA
DESIGUALDADE ENTRE OS HOMENS
9. DAVID HUME E O UTILITARISMO
9.1 EMPIRISMO E RAZÃO
9.2 DIREITO E MORAL
10. O CRITICISMO DE EMMANUEL KANT
10.1 O CRITICISMO DE KANT
10.2 A MORAL E A LEI POSITIVA
10.3 O PAPEL DO ESTADO E DO DIREITO EM KANT
11. FRIEDRICH HEGEL E O PAN-IDEALISMO
SEÇÃO IV – A FILOSOFIA NA MODERNIDADE
12. KARL MARX
12.1 CLASSES SOCIAIS
12.2 A IMPORTÂNCIA DA FILSOFIA
12.3 SUPERESTRUTURA: O DIREITO E O ESTADO NO
MARXISMO
13. POSITIVISMO E POSITIVISMO JURÍDICO
13.1 JURISPRUDÊNCIA E POSITIVISMO
13.2 TIPOS DE JURISPRUDÊNCIA
13.3 ESCOLAS DE JURISPRUDÊNCIA
13.4 CONCEITOS IMPORTANTES
14. HANS KELSEN
14.1 NORMATIVISMO E JUSTIÇA
14.2 CONCEITOS NORMATIVOS DE KELSEN
14.3 TEORIA PURA DO DIREITO
14.4 ATO INSTITUCIONAL NO. 5
15. CARLOS COSSIO: REMODELANDO O NORMATIVISMO
16. HANNAH ARENDT
16.1 A NÃO-VIOLÊNCIA COMO POSSIBILIDADE JURÍDICA DO
ESTADO
16.2 ESPAÇO PÚBLICO E DEVER-SER
16.3 O PENSAMENTO DE GANDHI
17. JEAN-PAUL SARTRE E A FILOSOFIA EXISTENCIALISTA
17.1 EXISTÊNCIA E DECISÃO
17.2 LIBERDADE E DIREITO
17.3 O INÍCIO DE TUDO - KIERKEGAARD
SEÇÃO V – A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
18. JOHN RAWLS E O NEOCONTRATUALISMO
19. VIEHWEG E TÓPICA JURÍDICA
20. PERELMAN E A LÓGICA JURÍDICA NÃO FORMAL
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Nunca a Filosofia foi tão importante como nos dias atuais, em todas as atividades
humanas e nos mais diversos momentos do cotidiano – a irracionalidade, a insensatez; o
pérfido cotidiano de um lado e o medo que, por outro, incrustou-se em nossas almas -, são
prova cabal disso. Ainda que, obviamente, correntes e escolas filosóficas tenham se
sucedido umas às outras, ora aprimorando pensamentos ora inovando em direção a outras
dimensões, o fato é que princípios e idéias fundamentais escritas por pensadores há mais de
2500 anos (para ficarmos no escopo deste trabalho), permanecem tão ou mais atuais do que
quando foram elaboradas. A Filosofia é uma ciência eterna e infinita.
Inicialmente, deve-se afirmar que a Filosofia é uma parte especial do conhecimento
humano. A ela se junta a Ciência tradicional propriamente dita e o Senso Comum. Ciência,
Filosofia e Senso Comum formam uma totalidade de saberes que possibilitam a aventura da
existência humana. Neste sentido, de totalidade e saberes complementares, nenhum dos
ramos do conhecimento é mais ou menos importante, pois cada um define uma dimensão e
utilidade para o homem. É bem verdade que ao longo da história a complementaridade
entre Ciência e Filosofia não se verificou de forma harmoniosa.
De forma geral, pode-se perceber o quanto estes dois ramos do conhecimento se
separam e aproximam, no seguinte quadro:
Quadro 1 – Paradigmas, teorias e Ciência x Filosofia
ÉPOCA
PARADIGMAS
TEORIAS
TÉCNICOCIENTÍFICOS EPISTEMOLÓGICAS
8 mil a.C.
Neolítico – Pensamento Fetichismo
Mágico

CIÊNCIA E
FILOSOFIA
Mitos
Misticismo
Adaptado de ROSA, Luiz Pinguelli. Tecnociências e Humanidades: Novos paradigmas, velhas questões.
V.1. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
Séc. IV a.C.
Revolução Racional
Idealismo
A
Ciência
faz
Materialismo
parte da Filosofia
Indutivismo
Holismo
Idade Média
Patrística e Escolástica
Idealismo
A Ciência e a
Filosofia
Cristianismo
Séc XVI e XVII
Revolução Científica
Realismo
(Heliocentrismo e
Empirismo
fazem
parte da Teologia
A Ciência separase da Filosofia
Mecânica de Newton)
Racionalismo
Criticismo
Séc. XIX
Revolução Industrial
Materialismo
A Filosofia imita
Dialético
a Ciência
(Eletromagnetismo
e
teoria
– Jusnaturalismo
do
Caos
Entropia)
Positivismo
Séc. XX
Revolução Informacional
Neopositivismo
A Filosofia critica
a Ciência
(Relatividade e Mecânica Neorealismo
Quântica;
Tempo
Incerteza)
Unificação
e
Espaço;
Culturalismo
Probabilismo
Fenomenologia
Neoholismo
Destarte esta disputa por certa predominância entre os ramos do conhecimento
humano, disputa marcada pelo progresso do saber humano e o domínio sobre as forças que
comandam a natureza em nosso redor, a verdade é que parece mais sensato procurar a
complementaridade entre esses saberes específicos. A Ciência tradicional (chamamos assim
para distinguir da Filosofia, que também é uma ciência), prima por duas características
fundamentais: 1. ela busca sempre estabelecer uma única verdade, o paradigma – por isso é
conclusiva e convergente; 2.
sua metodologia é a experimentação, o empirismo
metodológico que lhe confere o status de ciência e avaliza suas descobertas e afirmações. Já
a Filosofia, de forma antagônica, fundamenta-se em outros dois princípios: 1. procura
desconstruir sempre a verdade, o paradigma existente – por isso é compulsoriamente
inconclusiva e divergente; 2. sua metodologia é a iconoclastia, a utopia como forma de
percorrer outros caminhos e alcançar outros olhares e dimensões inexploradas.
Entre estes dois ramos do conhecimento, ainda devemos acrescentar uma outra
dimensão, própria do saber cotidiano, nem Ciência e nem Filosofia: o Senso Comum. Não
erramos se dissermos que a esmagadora parte das atividades cotidianas dos homens é feita a
partir de saberes que não passaram pelo crivo da experiência laboratorial da Ciência
paradigmática e da reflexão mais específica da Filosofia. E ainda assim dão conta da arte de
viver e possibilitam a subsistência dos homens. Muitas das idéias que o Senso Comum
produz de forma superficial são matérias-primas para que a Ciência e a Filosofia se
dediquem a pesquisar e refletir. Da mesma forma, os paradigmas científicos e filosóficos
elaborados e “aprovados” pela comunidade científica e pela sociedade passam a se
incorporar ao cotidiano.
Por outro lado, a dinâmica entre Ciência tradicional e Filosofia pode ser entendida
melhor se se imaginar um dinamismo onde aquilo que a Ciência repassa como verdade
pode ser imediatamente questionado e conseqüentemente levar a novas descobertas e
verdades, e assim sucessivamente. Então, este efeito “sanfona” – convergente pela Ciência
paradigmática e divergente pela iconoclastia da Filosofia -, é que possibilita todo o
movimento rumo ao desconhecido e ao desenvolvimento do saber humano. Se os homens
puderem harmonizar e aproveitar todo o potencial deste dinamismo, poderão efetivamente
alcançar seu bem-estar.
*
A presente obra é um manual! Mas poderia repetir as palavras de outrora1: não é um
livro neutro! Sua necessidade, entrementes, nasce de uma certa carência didática
simplificada para alunos ingressantes no curso de Direito com relação à Filosofia e sua
contribuição especial para o Direito. “Pela Porta da Frente I – Fundamentos de Filosofia
para o Direito”, tem por objetivo, de forma sucinta e absolutamente didática, introduzir o
pensamento filosófico ao Direito através de alguns pensadores, escolhidos entre tantos
outros, a partir dos quais se busca uma base de pensamento capaz de se referir
especialmente a temas jurídicos tais como Lei, Igualdade, Justiça, Liberdade, Felicidade,
Bem-estar, Paz, Poder e Estado.
A pretensão, diga-se desde já, foi, antes de tudo, resumir a poucos parágrafos o
pensamento de cada pensador selecionado, complementando, à guisa de um FICHÁRIO, as
pertinências e conseqüências “jurídicas” de tais filosofias. Os pensadores, um bemintencionado recorte dos grandes filósofos do Direito, foram divididos em quatro grandes
SEÇÕES, correspondentes a grandes períodos históricos do pensamento ocidental: I. A
Filosofia Clássica Greco-Romana (Século IV a.C. – Século V); II. A Filosofia Medieval
(Século V – Século XV); III. A Filosofia do Renascimento ao Iluminismo (Século XV –
Século XVIII); IV. A Filosofia da Modernidade (Século XIX e XX); V. A Segunda Metade
do Século XX. Manteve-se, no entanto, a seqüência numérica única dos capítulos, com a
finalidade de melhor se identificar os autores.
Com o intuito de enriquecer o conteúdo da obra, e de dar oportunidade aos
educadores e educandos de explorarem amiúde o pensamento dos autores e, livremente,
intuírem num trabalho construtivo suas próprias conclusões – haja vista que a Filosofia não
pode ser trabalhada como ciência de verdades e conclusões definitivas, muito ao contrário , para alguns autores apresenta-se ao final de cada capítulo, como APÊNDICE, recortes de
obras originais e textos afins. Assim, as Referências Bibliográficas ao final do livro não se
referem às obras dos pensadores apresentados para estudo, mas sim a outras obras que
podem servir de consulta complementar, ainda que, esclareça-se logo, nem sempre as
1
Fundamentos e Fronteiras da Sociologia Jurídica, São Paulo: 2005. pág. 3-4.
classificações e conclusões apresentem unanimidade em relação aos clássicos. Poupamos
propositadamente as notas de rodapé, só inserindo-as quando absolutamente pertinentes.
Uma nota especial merece a classificação dada por mim às CORRENTES
FILOSÓFICAS, mencionadas nos Fichários. Procurei ser fiel mais ao conteúdo que é
relevante deduzir juridicamente de cada pensador, do que aos manuais classificatórios já
existentes, ainda que não exista nada que os desmereça: apenas essa classificação deve ser
adequada à leitura que se objetiva fazer no âmbito didático-pedagógico específico. Para
dirimir de vez dúvidas e auxiliar na compreensão de tal classificação, resumimos a seguir o
significado de cada termo:
• Idealismo (Sócrates – cap.1 ; Platão - cap. 2; Sto. Agostinho e Sto. Tomás de
Aquino – cap. 6 e Hegel – cap. 11): dá um papel superior às formas abstratas que se
produzem na mente ou, no caso de filosofias de transcendência religiosa, na alma ou
espírito.
• Materialismo (Epicuro – cap. 4 e Marx – cap. 12): reduz a explicação última dos
fenômenos à matéria, às forças da natureza e à realidade fática tal como se acredita que ela
se manifesta concretamente, e tende a acreditar que o futuro é determinado pelo presente
(determinismo).
• Indutivismo (Aristóteles – cap. 3): postula que as teorias se desenvolvem a partir
das sensações provocadas na mente pelas sensações advindas da realidade fática (como em
Bacon).
• Empirismo (Hobbes, Locke e Rousseau – cap. 8; Hume – cap. 9 e Rawls – cap.
18): assemelha-se ao Indutivismo, com a preocupação adicional de comprovar essas teorias
na própria experiência social.
• Racionalismo (Grócio e Pufendorf – cap. 7 e Kant – cap. 10): os racionalistas
colocam acima das impressões da mente, a racionalidade como capaz de produzir em si
mesma a verdade.
• Realismo (Arendt – cap. 16): o realismo entende que as teorias tratam do que
ocorre realmente no mundo físico, ou a isto a teoria deve sua devoção e vocação.
• Positivismo (Comte – cap. 13 e Kelsen – cap. 14): de teor absolutamente
conservador, acredita que os fenômenos de toda a natureza, inclusive os produzidos pelos
homens, podem ser reduzidos a especificações meramente determinísticas, propriedades
imutáveis, ainda que os sentidos tenham dificuldade de apreender além da superfície da
realidade.
• Culturalismo (Cossio – cap. 15): toda a realidade só pode ser entendida enquanto
produto de identidade cultural de um povo (como em Reale), também como aspecto macro
e totalizante, onde os homens se identificam a si mesmos a partir de um repertório de
valores morais internalizados a partir das estratégias coletivas de sobrevivência.
• Reducionismo ou Fenomenologia (Sartre – cap. 17): confunde-se com o
“dedutivismo” por seu conteúdo eminentemente analítico (como em Descartes), ou seja,
chegar à verdade a partir da fragmentação e posterior composição do objeto de estudo,
portanto, onde a essência deve ser pesquisada “bem abaixo” da realidade observada.
• Holismo (Cícero – cap. 5): considera, acima das partes, o todo, enaltecendo as
estruturas macro onde o objeto de estudo se localiza, lançando mão das relações entre essas
partes, como um sistema complexo irredutível para cuja compreensão concorrem todos os
conhecimentos.
• Probabilismo (Viehweg – cap. 19 e Perelman – cap. 20): diferente do
determinismo e do positivismo, modernamente, há a crença de que mesmo que algo esteja
determinado será imprevisível ou de previsibilidade muito limitada, devido à insuficiência
das teorias existentes diante do “caos” e complexidade sistêmica e dinâmica dos fenômenos
naturais ou sociais.
Obviamente que esta lista é apenas uma tentativa aproximada de “purificar” o
pensamento dos autores, um reducionismo em si, pois em inúmeros casos, quando olhamos
de perto as características dos filósofos, percebemos que existe uma sobreposição de
correntes filosóficas, explicável até pelo fato de reiteradamente suas teses serem
aprimoramentos, discussões e antíteses construídas a partir dos predecessores. Neste
sentido, muitas vezes, para melhor explicitação do conteúdo jurídico que nos importa,
acabamos ou por optar pela classificação que parece “mais típica”, mais forte, ou por
acrescentar outros termos aos constantes desta lista, como no caso de Cícero, onde a
natureza é absolutamente fundante de sua visão jusnaturalista, mas cujo caminho de
integração do homem com o cosmos passa pelo uso que a razão (racionalismo) faz ao se
apropriar de todos os conhecimentos e ciências físicas e naturais (indutivo e empírico).
Neste caso optamos por classificá-lo como Holista. Caso oposto é o de Grócio, onde apesar
da absoluta defesa do Jusnaturalismo, apenas a razão é portadora de eficiência suficiente
para determinar os direitos dos homens (racionalismo).
*
Apesar de ser fundamentalmente um manual didático de Filosofia para o curso de
Direito, ao longo das observações e explicações que este livro contém pode-se verificar
sempre a proposta de criticidade própria daqueles que se dedicam com seriedade e fervor
aos conhecimentos das humanidades, e vêem no Direito uma das mais preciosas
ferramentas de justiça social que os homens já se propuseram a produzir como ciência. Aos
que assim pensam e labutam, professores, alunos, juristas, intelectuais, empreendedores,
dedico este livro.
José Manuel de Sacadura Rocha
São Paulo, Julho de 2006
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