PERMEAÇÃO MICROBIANA E PROPRIEDADES DE BARREIRA DE FILMES DE QUITOSANA Amanda Luiza Basílio Belisário1, Lívia de Siqueira Estevam1, Henrique Selli Debone1, Cristiana Maria Pedroso Yoshida1, Patrícia Santos Lopes1, Classius Ferreira da Silva1 1 Depto. de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal de São Paulo, Diadema (SP), Brasil E-mail: [email protected] Resumo. Filmes de quitosana têm sido utilizados como curativos cicatrizantes para queimaduras. A quitosana é um polímero natural que apresenta vantagens como atividades bacteriostática e fungistática, baixa toxicidade, biocompatibilidade, além de propriedades cicatrizantes. As propriedades físicas e biológicas destes filmes podem ser modificadas pela adição de substâncias ativas como fitoterápicos. Neste trabalho utilizou-se a técnica de espalhamento – evaporação de solvente para preparação de filmes de quitosana contendo dois diferentes fitoterápicos: um hidrofílico e outro hidrofóbico. Os filmes obtidos foram avaliados quanto às propriedades de barreira ao vapor d’água e a capacidade de movimentação de fluidos (Fluid Handling Capacity) de acordo com as normas ASTM E-96-00 e British Standards EN 13726-1, respectivamente. Cinco repetições foram realizadas para estes testes. Os resultados mostraram que os filmes contendo o fitoterápico hidrofóbico apresentaram menores capacidade de movimentação de fluido e permeabilidade ao vapor d’água se comparados ao filme contendo o fitoterápico hidrofílico. Para a determinação da permeação microbiana os filmes previamente esterilizados foram fixados na boca de frascos de vidro contendo caldo nutriente estéril e deixados sobre a bancada do laboratório pelo período de 10 a 15 dias. Como controle negativo utilizouse um filme de polímero sintético impermeável a microrganismos e o controle positivo foi realizado com os frascos de vidro sem quaisquer filmes. Os resultados foram avaliados através da turvação do meio que é um indicativo de permeação de bactérias. Palavras-chave: Quitosana, Filmes, Curativos, Fitoterápicos 1. INTRODUÇÃO Segundo o Ministério da Saúde (disponível em www.datasus.gov.br, acessado em 02/05/2009), em 2008, aproximadamente 34 milhões de reais foram gastos em procedimentos hospitalares no tratamento de queimados, sendo que 25 milhões correspondem aos gastos com pacientes graves, que representam menos de um terço dos pacientes. O custo médio de internação de um paciente em estado grave é de R$ 4.300,00 (quatro mil e trezentos reais) por um período de aproximadamente de 13 dias. O tratamento, custeado pelo poder público, inclui o uso de curativos caros que na maioria das vezes são importados e exigem troca freqüente. Desta forma, o desenvolvimento de um curativo de baixo custo e proveniente de fontes renováveis e naturais consiste em um grande desafio. Os curativos cicatrizantes ainda são cada vez mais estudados no Brasil, embora existam trabalhos e patentes de curativos de filmes biopoliméricos empregando até mesmo a quitosana, não há curativos deste material que contenham fitoterápicos . A demanda por medicamentos fitoterápicos vem crescendo mundialmente, sendo que no Brasil, seu faturamento tem crescido mais de 10% ao ano (Freitas, 2007). Nos países desenvolvidos representam uma alternativa de tratamento mais saudável ou menos danosa. Em países em desenvolvimento, uma alternativa mais barata aos medicamentos alopáticos. Neste sentido, o desenvolvimento de filmes de quitosana contendo fitoterápicos torna-se muito atrativo. Sob o ponto de vista econômico, a quitosana é um biopolímero relativamente barato, abundante e produzido no Brasil. Por outro lado, a flora brasileira disponibiliza uma diversidade de fitoterápicos com propriedades cicatrizantes e antiinflamatórias já reconhecidas na literatura. Sob o ponto de vista da propriedade intelectual, pois muitas empresas estrangeiras têm realizado o depósito de patentes envolvendo fitoterápicos da flora brasileira. Biopolímeros, como a quitosana, têm sido utilizados na produção de filmes para aplicação como curativos. A quitosana é um biopolímero constituído de polissacarídeos catiônicos, com atividades antiinflamatória, antitumoral, bacteriostática, fungistática e homeostática (Paul & Sharma, 2004). Derivada da quitina do esqueleto de crustáceos, vem recebendo um maior interesse de empresas farmacêuticas especialmente, devido à possibilidade de produção de filmes bioativos para uso no tratamento de queimaduras e úlceras crônicas. Os filmes de quitosana foram caracterizados pela elasticidade, flexibilidade e difícil rompimento, além disto, formam uma matriz filmogênica coesa (ausência de poros ou falhas) e apresentam coloração levemente amarelada (Yoshida et al. 2009). A quitosana além de apresentar características antimicrobianas, interessantes para o processo de cicatrização, promove ativação e proliferação de células inflamatórias em tecidos granulares (Alemdaroğlu et al., 2006), estimula à proliferação celular e reorganização histoarquitetural do tecido (Muzzarelli, 1989) e afeta a função de macrófagos, acelerando dessa forma o processo de cicatrização (Balassa & Prudden, 1984). A quitosana demonstrou uma diminuição substancial no tempo de cicatrização e formação de cicatrizes mínimas em diversos animais (Paul & Sharma, 2004). O objetivo deste trabalho foi produzir filme de quitosana contendo um fitoterápico hidrofílico ou hidrofóbico e avaliar suas propriedades mecânicas e de barreira a permeação de microrganismos. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Utilizou-se quitosana (grau de desacetilação: 82%) da empresa Polymar (Fortaleza, Brasil), sem purificação prévia. Utilizou-se um extrato em pó atomizado do fitoterápico hidrofílico e um óleo essencial como fitoterápico hidrofóbico. 2.1 Solução de Quitosana Foi preparada através da dissolução de 2% (em massa) em solução aquosa contendo ácido acético adicionado em quantidade estequiométrica mais 50% em excesso, baseado no grau de desacetilação e massa de amostra. A solução foi agitada durante 2 h para completa solubilização da quitosana. 2.2 Preparação dos Filmes Adicionou-se 0,5% em massa do fitoterápico à solução de quitosana e procedeuse a ultra-homogeneização à 24.000 rpm por 10 minutos. A solução de quitosana foi espalhada em placas de Petri de polietileno na proporção constante de 0,21 g/cm². As placas foram secas em estufa com circulação forçada de ar (40ºC/24 h). Os filmes foram removidos das placas e armazenados. 2.3 Propriedades Mecânicas As propriedades mecânicas foram medidas baseadas na metodologia padronizada ASTM D-882 (ASTM, 1995). Os filmes foram cortados em dimensões de 10 cm x 2,54 cm. Utilizou-se o analisador de textura TexturePro CT V1.2 da marca Brookfield, modelo CT3 50K. As amostras foram pré-acondicionadas por 48 horas em dessecador (U.R. 75%). Dez repetições foram realizadas. 2.4 Capacidade de Movimentação de Fluidos (Fluid Handling Capacity) Foi realizado de acordo com a norma britânica BS EM 13726-1 para hidrocolóides e curativos. Utilizou-se também solução simulada de exsudato de feridas. Inicialmente adicionou-se 20 g desta solução salina em um frasco, o filme previamente pesado foi fixado sobre a boca do mesmo. Sobre o filme, adicionou-se um pedaço de tecido tule (100% poliamida) com o mesmo diâmetro do filme para dar maior resistência mecânica ao filme. O frasco foi selado de forma a permitir o contato do filme com o ambiente, em seguida pesado e colocado na posição invertida em um dessecador contendo sílica gel. Após 24 h à 37ºC, o frasco foi removido, mantido por 30 min a temperatura ambiente para equilibrá-lo e pesado novamente. A Capacidade de Movimentação de Fluidos (CMF) é a soma da Capacidade de Absorção (CA) mais a Taxa de Permeação de Vapor Úmido (TPVU), calculadas pelas equações a seguir: (1) (2) (3) em que, x é a massa do sistema completo (filme + tule + solução salina) no início do teste; y é a massa do sistema completo (filme + tule + solução salina) após 24 h de teste; b é a massa do filme no início do teste; a é a massa do filme após 24 h de teste. Cinco repetições para o cálculo da média e desvio padrão. 2.5 Permeação ao Vapor d’Água A permeabilidade ao vapor de água (PVA) é a quantidade de vapor que passa por uma unidade de superfície de um material de certa espessura, por unidade de tempo, quando entre os dois lados existe uma diferença de umidade relativa. Este teste foi determinado utilizando o método padronizado ASTM E96-95 e gradiente de umidade relativa de 75%. Neste ensaio, utilizou-se os mesmos frascos utilizados na determinação da Capacidade de Movimentação de Fluidos, no entanto, ao contrário destes testes, adicionou-se 20 ± 0,5 g de sílica ao interior dos sistemas e não foi necessário o uso do tecido tule. Os sistemas montados foram então colocados, sem invertê-los, em um dessecador com solução de cloreto de sódio saturada para manter a atmosfera controlada. O ganho de massa do sistema foi determinado por meio de pesagens periódicas em balança analítica e o vapor de água transmitido (TPVA) e a permeabilidade ao vapor de água calculados pelas Equações 4 e 5, respectivamente, lembrando que o valor de G/t foi determinado pelo coeficiente angular do gráfico G x t. TPVA PVA G t. Aep G.e t. Aep.S .( R1 R 2) (4) (5) em que, G é o ganho de massa do sistema, em g; t é o tempo no interior da estufa, em dia; Aep é a área do filme exposta a permeação, em m²; S é a pressão de vapor de água para a umidade em que o experimento foi realizado; (R1-R2) é a diferença de umidade relativa, expressa em porcentagem (%). Para estes experimentos foram realizadas cinco repetições para o cálculo da média e desvio padrão. 2.6 Microscopia Eletrônica de Varredura A estrutura final da matriz foi feita na superfície longitudinal e na área transversal de ruptura, após fratura criogênica utilizando nitrogênio líquido. A amostra foi previamente metalizada e analisadas em um microscópio eletrônico de varredura 440i (LEO) com 10kV de voltagem, 100pcA de corrente elétrica. 2.7 Permeação de Microrganismos Frascos de vidro contendo 50 mL de caldo BHI (Merck, Alemanha) foram esterilizados em autoclave (121ºC/20 minutos). Os filmes previamente cortados foram esterilizados com radiação UV em fluxo laminar durante 10 minutos em cada lado do filme. Sob condições assépticas, os filmes foram fixados entre as partes da união soldável de PVC. As uniões de PVC foram previamente imersas em álcool 70% durante 2 horas e esterilizada com radiação UV. Os frascos de vidro foram acoplados em uniões de PVC contendo o filme (Figura 1). O controle negativo foi realizado com frascos fechados com parafilme (sem filme de quitosana) e o controle positivo consistiu de frascos abertos sem filmes. Os frascos foram deixados durante 10 dias sobre a bancada do laboratório para verificar a turvação do meio (indicativo da permeação da bactéria). Os frascos de controle positivo são usados para certificar-se de que o caldo é adequado para o crescimento de microrganismos e o controle negativo representa uma condição livre da contaminação bacterial intrínseca (Wittaya-Areekul & Prahsarn, 2006). Figura 1- Sistema utilizado no teste de permeação microbiológica: (a) Partes isoladas do sistema, (b) União de PVC montada e frasco de vidro, (c) Sistema montado sem meio de cultura. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Micrografias de microscopia eletrônica de varredura são apresentadas nas Figuras 2 a 4. Os filmes contendo fitoterápico hidrofílico ou isentos de fitoterápicos apresentaram aspecto de membrana densa, com uma única fase e ausência de poros. Por outro lado, os filmes contendo o fitoterápico hidrofóbico (óleo essencial) apresentam a formação de duas fases, uma fase contínua, o polímero, e uma fase dispersa na fase contínua, na forma de gotículas, o óleo. Yoshida et al. (2010) também observaram uma matriz mais amorfa com a incorporação de ácido palmítico em filmes emulsionados de quitosana. Glóbulos lipídicos foram observados em filmes emulsionados de caseinato/óleo de tungue (Pereda et al., 2010a), de hidroxipropilmetilcelulose/óleo essencial de chá (Sánchez-González et al., 2009). Verificou-se também a presença de poros e cavidades na superfície dos filmes contendo óleo que podem afetar os resultados de permeação de vapor através dos filmes, como será visto mais a frente nos resultados de permeação de vapor úmido, permeação ao vapor d’água, capacidade de absorção e capacidade de movimentação dos fluidos. Figura 2 – Micrografia do filme de quitosana sem fitoterápico: (a) superfície e (b) fratura. Figura 3 – Micrografia do filme de quitosana com fitoterápico hidrofílico: (a) superfície e (b) fratura. Figura 4 – Micrografia do filme de quitosana com fitoterápico hidrofóbico: (a) superfície e (b) fratura. As Tabelas 1 e 2 apresentam, respectivamente, as propriedades de barreira e as propriedades mecânicas dos filmes. De acordo com Thomas & Young (2008), para atingir a taxa ótima de cicatrização de feridas, o conteúdo de umidade de um tecido novo ou vulnerável deve ser cuidadosamente controlado. Mudanças no conteúdo de umidade de uma ferida e da pele ao redor da mesma podem afetar o processo de cicatrização. O acúmulo de fluidos em excesso pode causar maceração ou infecção, por outro lado, se a ferida se torna muito seca, a cicatrização pode ser atrasada ou comprometida. Tabela 1 – Propriedades de barreira dos filmes. Sem Ativo Ativo Hidrofílico Taxa de Permeação Vapor Úmido (TPVU)* 3,24 0,22 7,84 0,40 3,35 0,28 Capacidade de Absorção (CA)* 3,43 0,21 1,27 0,04 3,00 0,19 Capacidade de Movimentação de Fluidos (CMF)* 6,67 0,30 9,11 0,40 6,35 0,33 Taxa de Permeação ao Vapor Seco (TPVA)* 0,43 0,04 0,32 0,02 0,36 0,04 Permeabilidade ao Vapor d’Água (PVA)** 8,54 ± 0,47 6,44 ± 0,57 5,73 ± 0,59 Propriedade de Barreira *(g/10 cm2/24h); ** (g/m.s.Pa) x 1011 Ativo Hidrofóbico Observa-se que os valores obtidos para a TPVU e para a CA são da mesma ordem dos valores observados por Thomas & Young (2008) para alguns curativos comerciais que utilizaram a mesma técnica de caracterização. De acordo com Thomas & Young (2008), a produção de exsudato para queimaduras de terceiro grau, sítios enxertados e tecidos granulados inespecíficos variam entre 3,4 e 5,1g de exsudato/10cm2/24h. Desta forma, um curativo visando aplicação em queimaduras deve apresentar absorção do exsudato para mantê-las úmidas, sobretudo deve ser capaz permitir a passagem do exsudato apresentando taxa de permeação de vapor úmido maior do que a produção de exsudato apresentada pelo local de aplicação. A adição do bioativo hidrofóbico praticamente não alterou os valores de TPVU e CA, conseqüentemente o valor da CMF. Por outro lado, o bioativo hidrofílico promoveu um aumento significativo no valor de TPVU e uma redução no valor da CA. A redução na capacidade de absorção de filmes é decorrente de processos de reticulação que ocorrem nos filmes de quitosana. Adicionalmente, um dos polissacarídeos mais encontrados no extrato fitoterápico hidrofílico é a pectina. Chen et al. (2010) verificaram que os grupos carboxilas carregados negativamente da pectina são capazes de interagir ionicamente com os grupos amino da quitosana para formar complexos polieletrólitos e reduzir a quantidade de grupos aminos livres em solução. De acordo com Pereda et al. (2010b), os processos de reticulação promovem uma redução na permeabilidade ao vapor d’água (PVA) de filmes de caseinato reticulado com glutaraldeído. Tal fato se deve ao aumento do volume livre o que facilita a difusão de moléculas de água através dos filmes. A permeabilidade ao vapor d’água (PVA) do filme foi medida e está apresentada na Tabela 1. Observa-se que os valores de TPVA são inferiores aos valores de TPVU. Thomas & Young (2008) também compararam a permeação do vapor d’água em condições úmidas, na qual o fluido entra em contato direto com o curativo, e em condições secas, na qual o fluido não entra em contato com o curativo. Eles também observaram uma redução significativa da permeação do vapor d’água em condições secas. A taxa de permeação de vapor d’água ideal para um curativo deve ser 2,5 g/10 cm2/24h, embora o resultado seja bem inferior, há curativos comerciais com valores de até 0,9 g/10 cm2/24h. (Wu et al., 1995). Verificou-se que a adição de quaisquer dos bioativos promoveu uma redução na permeabilidade ao vapor d’água (PVA) e na Taxa de Permeação ao Vapor Seco (TPVA). Bifani et al. (2007) também verificaram uma redução na Permeabilidade ao Vapor d’Água de filmes de carboximetilcelulose contendo diferentes concentrações de extrato de murta (Ugni molinae Turcz), uma planta medicinal nativa do sul do Chile. Eles atribuíram a redução na permeabilidade à maior presença de flavonóides no extrato. O filme contendo fitoterápico hidrofóbico apresentou valores de TPVA da mesma ordem de grandeza dos filmes contendo o fitoterápico hidrofílico, como pode ser verificado na Tabela 1. A adição do hidrofóbico promoveu uma redução na Taxa de Permeação do Vapor d’Água, bem como na Permeabilidade ao Vapor d’Água. Tal redução pode ser atribuída ao caráter hidrofóbico. Pelissari et al. (2009) produziu filmes de quitosana e amido com as mesmas proporções de óleo de orégano (0,1; 0,5 e 1,0%). Eles determinaram valores de permeabilidade ao vapor da mesma ordem de grandeza dos valores obtidos para fitoterápico hidrofóbico deste trabalho, e também verificaram que o aumento da concentração de óleo promove uma redução na permeabilidade ao vapor d’água. Filmes de quitosana (1,0%) contendo ácido palmítico (0,5%) reduziram a TPVA na ordem de 33% se comparado ao filme de quitosana pura, e na ordem de 11,3% com a adição de cera de carnaúba (Yoshida et al., 2010). Resultados semelhantes foram observados por Pereda et al. (2009) para filmes de caseinato contendo óleo de tungue, por Ghasemlou et al. (2011) para filmes de kefiran contendo ácido oléico, por Pereda et al. (2012) para filmes de quitosana contendo óleo de oliva, por Bertan et al. (2005) para filmes de gelatina contendo uma resina natural altamente hidrofóbica e por SánchezGonzález et al (2010) para filmes de quitosana contendo óleo de bergamota. De acordo com Ghasemlou et al. (2011), a adição de lipídios promove a redução na permeabilidade ao vapor d’água devido a formação de uma rede de lipídio interconectada dentro da matriz polimérica, sendo que a presença de uma fase hidrofóbica dispersa, até mesmo em pequenas proporções, introduz descontinuidades na fase hidrofílica que aumentam o fator de tortuosidade para a transferência de massa, desta forma, reduzindo a permeabilidade ao vapor d’água. Com relação às propriedades mecânicas, a tensão na ruptura e a porcentagem de elongação indicam a integridade esperada do filme sob condições de tensão que poderiam ocorrer durante o processamento, manuseio e estocagem, e estão diretamente relacionadas com a estrutura filmogênica, ou seja, a ligações presentes na matriz (Robertson, 1993). O módulo de Young indica a rigidez do filme, quanto maior o módulo de Young, mais rígido é o material. A Tabela 2 mostra que a adição do fitoterápico hidrofílico não promoveu alterações no módulo de Young e na Tensão de Ruptura do filme, no entanto, a deformação de ruptura reduziu praticamente pela metade. Redução na deformação de ruptura foi um comportamento típico de filmes de caseinato após reticulação com gluteraldeído (Pereda et al., 2010b). Esta tabela também mostra que há uma redução da deformação de ruptura com a adição do fitoterápico hidrofílico, deve-se ressaltar que um dos principais componentes deste fitoterápico é o polímero pectina. Chen et al. (2010) também observaram uma redução na deformação de ruptura a medida que aumenta o teor de pectina em filmes da blenda quitosana/pectina. A adição de fitoterápicos hidrofóbicos promoveu aumento significativo em todas as propriedades mecânicas. Este aumento também foi observado por Pereda et al. (2012) para filmes de quitosana contendo óleo de oliva. Segundo estes autores, a microestrutura do filme poderia ser usada para explicar este resultado uma vez que as microestruturas de óleo de oliva localizadas entre as cadeias de quitosana atuariam como lubrificantes, aumentando a capacidade de deformação do filme compósito. Pelissari et al. (2009) verificaram resultados contrários com a adição de diferentes concentrações de óleo em filmes de quitosana/amido. O aumento da concentração do óleo de orégano promoveu uma redução no módulo de Young, uma redução na tensão de ruptura e um aumento na deformação da deformação de ruptura. A redução na tensão de ruptura foi atribuída à capacidade plastificante do óleo de orégano. Bonilla et al. (2012) verificaram este mesmo comportamento para filmes de quitosana contendo óleo de manjericão ou óleo de tomilho. Por outro lado, Pereda et al. (2010a) estudaram a adição de óleo de tungue em filmes de caseinato e também verificaram que a adição de óleo promove um aumento no módulo de Young e na tensão de ruptura, no entanto, também não verificaram efeito significativo da concentração de óleo nestas propriedades. Eles também verificaram uma redução na deformação de ruptura com a adição do óleo e justificaram este redução através das descontinuidades introduzidas pela adição de lipídios que supostamente afetam a capacidade de alongamento da película, dependendo características dos lipídios adicionados. Filmes contendo lipídios são caracterizados pela baixa propriedade mecânica. A adição de lipídios na matriz filmogênica de quitosana reduziu a elasticidade dos filmes, representada pela diminuição da porcentagem de elongação na ruptura em função da concentração de lipídeo. Tabela 2 – Propriedades mecânicas dos filmes. Propriedade Mecânica Sem Ativo Ativo Hidrofílico Ativo Hidrofóbico Módulo de Young (MPa) 64,58 5,49 61,49 5,29 90,21 8,65 2 171,21 14,01 174,47 16,39 268,18 26,18 22,56 1,86 10,53 1,15 28,23 2,90 Tensão de Ruptura (N/m ) Deformação de Ruptura (%) As Figuras 5 a 8 mostram as fotografias digitais dos sistemas utilizados nos testes de permeação de microrganismos. O início da turvação do meio contido nos sistemas do controle positivo foi observado macroscopicamente a partir do terceiro dia (fotografias não apresentadas) de exposição ao ambiente, sendo que após 10 dias de exposição, apenas estes sistemas apresentaram turvação do meio (Figura 6). Por outro lado, os sistemas do controle negativo bem como os sistemas contendo filmes de quitosana, com ou sem fitoterápico (Figura 8) não apresentaram qualquer turvação perceptível macroscopicamente após 10 dias de exposição. O crescimento de fungos foi observado nos sistemas do controle positivo apenas no 9º dia de exposição ao ambiente ocorrendo a formação de aglomerados de fungos sobre a superfície do meio (Figura 5). Estes aglomerados também podem ser observados na Figura 6, para o controle positivo após 10 dias de exposição (sistema ao centro da foto). A Figura 7 apresenta sistemas diferentes em uma mesma fotografia para melhor visualização da turbidez do meio decorrente do crescimento microbiano. Nestas fotografias também é possível verificar os aglomerados de fungos sobre a superfície dos meios. Deve-se ressaltar que os experimentos foram realizados à temperatura ambiente que foi de cerca de 20ºC na época de realização dos experimentos de permeação microbiológica. Esta temperatura, relativamente baixa, retarda o crescimento dos microrganismos. Figura 5 – Fotografia digital do sistema do controle positivo após 10 dias de exposição ao ambiente. Figura 6 – Fotografia digital dos sistemas utilizados no teste de permeação microbiológica: controles positivo e negativo. Figura 7 – Fotografia digital dos sistemas utilizados no teste de permeação microbiológica após 10 dias de exposição ao ambiente: comparação com o controle positivo. Figura 8 – Fotografia digital dos sistemas utilizados no teste de permeação microbiológica: filme com fitoterápico hidrofílico, filme com fitoterápico hidrofóbico e filme sem fitoterápico. 4. CONCLUSÕES Os filmes de quitosana, com e sem fitoterápicos, apresentaram propriedades mecânicas e de barreira adequadas para a utilização em curativos. Porém, a natureza hidrofílica ou hidrofóbica dos fitoterápicos promoveu mudanças significativas nas propriedades mecânicas e de barreira dos filmes. Os filmes contendo o fitoterápico hidrofílico apresentaram menor capacidade de absorção de água, o que é um indicativo de fortes interações, iônicas ou covalentes, entre a matriz da quitosana e o fitoterápico. Estas interações carecem de um estudo aprofundado para confirmá-las. O fitoterápico hidrofóbico não alterou a capacidade de movimentação de fluidos dos filmes, no entanto foram observadas alterações substanciais das propriedades mecânicas destes filmes. Nenhum dos filmes apresentou permeação de microrganismos o que é um fator muito positivo para sua utilização em curativos protegendo o ferimento ou queimaduras de infecções de patógenos presentes no ar. AGRADECIMENTOS À FAPESP pelo financiamento do projeto (Processo n. 2010/17.721-4) e ao CNPq pela bolsa de iniciação científica da aluna Lívia de Siqueira Estevam. 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This work used the casting - solvent evaporation technique for the preparation of chitosan film containing two different phytotherapics: one hydrophilic and other hydrophobic. The barrier properties (Fluid Handling Capacity, Water Vapor Transfer Rate and Water Vapor Permeability) were evaluated according to ASTM E-96-00 and British Standards EN 13726-1. Five replicates were performed for these tests. The results showed that the films containing the hydrophobic herbal showed lower ability to move fluid and permeability to water vapor compared to the film containing the hydrophilic herbal. For the determination of microbial permeation, film were previously sterilized and were fixed in the mouth of glass vials containing sterile nutrient broth and left on the lab bench for a period of 10 days. As a negative control we used a synthetic polymer film impermeable to microorganisms and the positive control was carried out with glass bottles without any movies. The results were evaluated by turbidity of the medium is indicative of permeation of bacteria. Keywords: Chitosan, Films, Dressing, Phytotherapics