12-03-2013 Tiragem: 16903 Pág: 6 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 27,04 x 37,31 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 1 de 4 DESTAQUE RECESSÃO ECONÓMICA Exportações deixam de puxar pela economia O único motor da economia portuguesa parou no último trimestre de 2012. Com a Europa em recessão, será difícil continuar a aumentar vendas lá fora. Luís Reis Pires e Margarida Peixoto [email protected] O único motor da economia portuguesa está a começar a gripar. No último trimestre de 2012, as exportações recuaram 0,5% em termos homólogos, naquela que foi a primeira quebra desde 2009, ano da crise mundial. Para este ano, com os principais parceiros europeus em dificuldades, será difícil as vendas ao exterior puxarem pela economia, avisam os economistas. O Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmou ontem que, no ano passado, Portugal mergulhou na recessão mais profunda desde 1975, com o Produto Interno Bruto (PIB) a sofrer uma quebra de 3,2%. A riqueza produzida pelo país ficou cerca de mil milhões de euros abaixo do previsto pelo Governo e pela troika. E, ao contrário do que era esperado inicialmente pelo Executivo, a quebra da actividade económica foi-se acentuando ao longo do ano, acabando a economia por contrair 3,8% entre Outubro e Dezembro. Um desempenho pior que os partidos da oposição aproveitaram para criticar a política de austeridade seguida pelo Executivo. A deterioração no quarto trimestre deve-se, sublinha o INE, à “redução das exportações” e à “diminuição menos acentuada das importações”. É que, no final do ano, as importações recuaram 3,1%, abaixo dos 8,1% do terceiro trimestre, por exemplo. E as exportações sofreram a primeira quebra desde 2009: diminuíram 0,5%, depois de um crescimento de 1,9% no terceiro trimestre que já de si era o aumento mais modesto desde o ano da crise mundial. As greves nos portos - que afectam os bens - e na TAP - que afectam as exportações de serviços - explicam uma parte da quebra. Mas não toda. A recessão na zona euro e nos principais parceiros comerciais ajudam a ilustrar a evolução das vendas ao exterior. É essa a análise de Rui Serra, economista-chefe do Montepio, que acredita que “o comportamento das exportações no final do ano, apesar de implicar necessariamente uma revisão em baixa das previsões de crescimento anual das exportações para este ano, (...) não de- verá ser visto como uma inversão da recente tendência de ganho de quota nos mercados internacionais”. Apesar desse ganho de quota, sublinha Paula Carvalho, economista do BPI, o principal mercado português “continua a ser a União Europeia, que pesa 68% no total, com destaque para a Alemanha e para Espanha”. Uma opinião corroborada por José Reis, economista e professor da Universidade de Coimbra. “Apesar da diversificação do comércio externo alcançada há alguns anos, Portugal é pesadamente dependente de destinos que conhecem problemas de estagnação económica sérios”, explica. “Em 2013 vai ser sempre muito complicado ter contributos positivos para o PIB vindos da exportação”, avisa Paula Carvalho, economista do banco BPI. A variação das exportações, no final de 2012, implica “uma revisão em baixa das previsões de crescimento das exportações para este ano”, diz Rui Serra, do Montepio. “Portugal é pesadamente dependente de destinos que conhecem problemas de estagnação económica sério”, diz José Reis, da Universidade de Coimbra. Este ano, a Europa a 27 vai continuar estagnada, enquanto a economia da moeda única até vai recuar 0,3%. Por isso, diz Paula Carvalho, “em 2013, vai ser sempre muito complicado ter contributos positivos para o PIB vindos da exportação”. A economista conta “com um contributo positivo, mas marginal”. No entanto, apesar da travagem que se tem vindo a verificar nas vendas ao exterior, os dados do INE mostram que o ajustamento externo do país está a surtir algum efeito. O défice comercial, por exemplo, passou para “apenas” 0,5% do PIB no ano passado, quando em 2011 valia 4,4%. E a economia terminou 2012 com um excedente externo de 0,4% do PIB, algo que não acontecia pelo menos desde 1995, ano em que se inicia a série do INE. Uma melhoria que se explica pelo facto de as exportações e as importações já apresentarem um peso semelhante na economia. No ano passado, as vendas ao exterior somaram 37,4% do PIB, enquanto as compras atingiram os 37,7%. Um diferencial negativo de três pontos percentuais, quando em 2010, ano em que a ‘troika’ chegou a Portugal, esse mesmo diferencial era de 8,8 pontos. Investimento caiu menos, mas o sinal ainda não é positivo A contracção do investimento no último trimestre do ano passado foi menos acentuada, mas os sinais ainda não são, de qualquer forma, positivos. É que o abrandamento das quedas - que chegaram ao final do ano na ordem dos 2,6%, depois de terem estado nos 24,1% no quarto trimestre de 2011 - ficou a deverse a variação de existências e a efeitos estatísticos, explica o reporte do INE. “Identificou-se apenas um sinal menos negativo”, corrobora Paula Carvalho. “Que motivos haveria para que a economia portuguesa estivesse a reagir positivamente”, questiona José Reis. “Algo se alterou na circulação de rendimentos na economia, de tal forma que as empresas sintam que o clima regressivo se atenuou”, pergunta ainda. O professor defende que o Estado não assumiu um papel positivo e lembra que o financiamento continua a ser um motivo de asfixia das empresas. ■ Barroso preocupado com custos da crise O presidente da Comissão Europeia indicou, numa carta enviada aos líderes europeus em vésperas de mais um Conselho Europeu, que o seu executivo está particularmente preocupado com os custos sociais da crise, que importa agora combater. Durão Barroso adianta que vai focar a exposição que fará ao Conselho nas questões da competitividade e combate ao desemprego jovem. “Ainda não saímos da crise, como mostram os níveis inadmissivelmente elevados do desemprego, mas podem constatar que os esforços de reformas dos Estados-membros estão a começar a produzir frutos, corrigindo desequilíbrios muito significativos na economia europeia”, aponta o presidente da Comissão, acrescentando todavia que os ajustamentos para corrigir a dívida e o défice “continuam a pesar extraordinariamente no crescimento a curto prazo” e que “as consequências sociais da crise dão um motivo de preocupação particular para a Comissão”. 12-03-2013 REACÇÕES Eurico Dias, do secretariado nacional do PS, avisa que a queda da economia compromete a execução do Orçamento do Estado deste ano. É a primeira consequência da recessão mais agravada do que o previsto, diz. Tiragem: 16903 Pág: 7 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 27,59 x 36,53 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 2 de 4 O dirigente nacional do PCP, Vasco Cardoso, defende que os dados do INE confirmam que está em curso um “processo de desastre nacional” e que é necessária uma inversão de política. O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, considera que os números do INE são “a confirmação do desastre” e deviam levar o Governo a “deixar de uma vez por todas” o “dogma da austeridade”. Famílias cortam no consumo de bens de primeira necessidade Consumo privado vai continuar a cair ao longo deste ano. Margarida Peixoto e Luís Reis Pires [email protected] Pela primeira vez desde, pelo menos, 1996, as famílias cortaram no consumo de bens alimentares. Os dados revelados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que cortar no que faz menos falta já não chega e que as famílias estão a reduzir também o consumo dos bens de primeira necessidade. No ano passado, o consumo de bens alimentares caiu 0,4% - um comportamento inédito, pelo menos, nos últimos 16 anos. Em 2011, os gastos com a alimentação já revelavam o efeito da crise, mas na altura as famílias conseguiram evitar o corte nestes bens de primeira necessidade, estagnando o seu consumo, e reduzindo antes os gastos com outros bens correntes e com bens duradouros (como por exemplo, os automóveis). Em 2012, essa estratégia não chegou. “Os dados indiciam que se está a entrar no corte dos bens de primeira necessidade”, comenta Paula Carvalho, economista do BPI. No total, as despesas das famílias caíram 5,6% e regressaram a níveis de 2003. Mas a informação do INE vem apenas contabilizar uma tendência que já tinha sido frisada por várias empresas. No último trimestre do ano passado foram vários os sectores que alertaram para o impacto fortemente negativo do anúncio de mais medidas de austeridade. No dia seguinte ao anúncio da subida da Taxa Social Única para os trabalhadores (medida que acabou por ser substituída pelo aumento do IRS), os supermercados Continente, por exemplo, registaram uma quebra abrupta nas vendas, que até estavam, lentamente, a recuperar da redução sentida em 2011. Na mesma altura, o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária (APEMIP) garantiu que muitos compradores de casas desistiram do negócio. A procura de casas caiu para metade, assegurou o presidente Luís Lima. No sector do calçado, Fortunato Frederico, presidente do grupo Kyaia que detém a rede de sapatarias Foreva, sentiu o mesmo impacto. “Cada medida de austeridade que se anunciava era uma desorientação no merInfografia: Marta Carvalho | [email protected] cado, o mercado mostrou-se sempre muito sensível e reagiu sempre” em baixa a esses anúncios, conta ao Diário Económico. Para este ano, as expectativas não são animadoras. “O consumo privado continuará em trajectória de queda, mas menos acentuada do que no ano passado”, antecipa Paula Carvalho, explicando que com “os rendimentos a encolher e o mercado de trabalho sem melhorar é difícil vislumbrar justificações para um quadro mais positivo”. Ainda assim, a economista lembra que o consumo privado continua a pesar 63,6% no PIB, pouco menos do que o valor pré-crise, de 2008, quando pesava 66,6%. “Ainda não reduzimos o suficiente, quando comparado com outras economias”, garante. ■ Com S.S.P. EFEITOS DA AUSTERIDADE Supermercado No Continente, as vendas caíram de forma abrupta no dia seguinte ao anúncio de mais austeridade para este ano. Compra de casa O presidente da APEMIP, Luís Lima, conta que a procura de casas caiu para metade e que foram cancelados negócios. Calçado Fortunato Frederico, presidente do grupo Kyaia, conta que a cada medida de austeridade, o mercado fica desorientado. 12-03-2013 Tiragem: 16903 Pág: 8 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 26,72 x 35,27 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 3 de 4 Akio Kon/Bloomberg ENTREVISTA SILVA LOPES Ex-ministro das Finanças Só em 2014 Portugal irá começar a criar emprego, ano em que irão surgir 25 mil postos de trabalho, e segundo Bruxelas. “Enquanto o investimento cair é um desastre” Silva Lopes defende que o salário mínimo não deve perder valor em termos reais. Margarida Peixoto [email protected] José Silva Lopes, ex-ministro das Finanças e ex-governador do Banco de Portugal, não hesita em reconhecer que os resultados do PIB português são “uma desgraça”. E avisa: sem investimento a economia não vai crescer. Meio milhão de postos de trabalho destruídos na última década A economia portuguesa chegou ao final do ano passado com o mesmo nível de emprego que se registava em 1996. Luís Reis Pires e Margarida Peixoto [email protected] Na última década foram destruídos meio milhão de postos de trabalho em Portugal. A chegada da ‘troika’ acentuou a tendência de destruição, de tal forma que a economia chegou ao final do ano passado com o emprego em níveis de 1996. No ano passado, o emprego na economia portuguesa recuou 4,2% em termos homólogos. O que significa que foram destruídos cerca de 205,6 mil postos de trabalho. Foi o culminar de uma década ‘horribilis’ para o mercado de trabalho em Portugal. É que, entre 2002 e 2012, o país só conseguiu criar emprego em dois anos: em 2006 e 2008, sendo que em ambos o emprego teve uma variação de apenas 0,5%, ou seja, foram criados cerca de 25 mil postos de trabalho em cada um dos anos. Valores insuficientes para evitar que, no conjunto da última década, se tenham perdido 495,6 mil postos de trabalho. Deste total, mais de metade foram destruídos nos últimos dois anos, ou seja, desde a chegada da ‘troika’. De tal forma que, no final do ano passado, Portugal registava 4.656 milhões de postos de trabalho, o valor mais baixo desde 1996. Os números são ainda mais preocupantes quando se tem em EMPREGOS DESTRUÍDOS Nos últimos dez anos, Portugal só criou emprego em dois. O número de postos de trabalho em 2012 ficou ao nível de 1996. 3 2 1 0 -1 -2 -3 -4 -5 1996 Fonte: INE 2012 conta que a taxa de desemprego atingiu os 16,9% da população activa no final do ano passado, acima do que estava previsto pelo Governo e pela ‘troika’. E as últimas previsões da Comissão Europeia, publicadas a 22 de Fevereiro, apontam para que o desemprego atinja os 17,3% este ano. De acordo com Bruxelas, só em 2014 Portugal irá começar a criar emprego, ano em que irão surgir 25 mil postos de trabalho. “A recuperação dos empregos será um trajecto bastante lento”, diz Paula Carvalho, economista do BPI. “Estamos a assistir a alterações estruturais no tecido produtivo português, com uma reorientação para o sector dos transaccionáveis. Mas ainda estamos na fase de destruição de empresas e empregos”, explica, acrescentando que “é difícil antecipar uma retoma no mercado de trabalho”. A economista frisa que só em 2015 espera “alguma melhoria”, sublinhando ainda que “uma grande parte da [actual] destruição do emprego vem da construção, pelo que será sempre preciso muito trabalho de requalificação destas pessoas”. ■ A queda das exportações no final de 2012 terá sido um caso isolado? O que se está a passar nas exportações é extremamente grave. Pode explicar-se por perturbações como a greve nos portos, mas é uma parte relativamente pequena. O importante é que a procura europeia desceu muito, nomeadamente de Espanha, por a Europa estar em recessão. A ser assim, para o ano corrente não se adivinham grandes notícias. Não podemos contar com o aumento da procura interna. A esperança está em aumentar a exportação e essa não está a aumentar. Sou extremamente crítico das políticas restritivas que estão a ser adoptadas na Europa. A austeridade não está só a ser aplicada a Portugal e à Grécia. Está a ser seguida países como a própria Alemanha, o que é um crime contra o interesse da Europa. Temos dado passos positivos para fortalecer as exportações? Andamos a fazer o possível para melhorar a competitividade. Alguma coisa se melhorou nos custos unitários de trabalho, mas não podemos esperar que a competitividade resulte só daí ou da alteração das leis laborais. Mesmo que dê algum resultado, só aparecerá com o tempo. Por outro lado, temos as empresas dos sectores não transaccionáveis – telefones, gás, petróleo, energia – cujos preços são administrados em áreas pouco concorrenciais. Não contribuem para melhorar a competitividade, pelo contrário, contribuem para piorar. A ideia de que ganhamos competitividade só com a moderação dos salários é evidentemente um disparate. Moderar os salários é uma condição necessária, mas está muito longe de ser suficiente. Qual a sua opinião sobre o aumento do salário mínimo? Não faz muito sentido o Governo estar a insistir na posição de que deixar baixar o salário mínimo aumenta o emprego ou faz com que o desemprego não aumente muito. Não digo que o efeito seja zero, mas é marginal. Não se aumentar o salário mínimo nacio- nal significa que se vai perder 2% [em termos reais]. Há muita coisa para cortar antes de se cortar o salário mínimo. Acho uma ideia incompreensível, inaceitável. O investimento caiu menos. É um sinal positivo? O importante é a formação bruta de capital fixo e especificamente os equipamentos. Os números mostram quedas, e enquanto cair é um desastre. Quer dizer que o país está a perder capacidade produtiva, e já perde há vários anos. Quando reduzimos o investimento em equipamentos, melhoramos a balança de pagamentos porque importamos menos, mas estamos a criar um problema para o futuro. O país não pode crescer se o capital em equipamentos continuar a cair. Só há um caminho, só pode descer. Estes resultados são uma desgraça. Como vai evoluir o consumo das famílias? Não vai poder ser melhor. Não há dinheiro. Se não se cortar a uns, corta-se a outros. Pode ser que não se corte aos militares, mas nessa altura vão cortar no salário mínimo. Pode lá ser! Há expectativas de recuperar os postos de trabalho que foram destruídos? A curto prazo não. E a curto prazo é um ano. Mas mesmo depois também será difícil porque não estamos a investir. Enquanto não houver novas iniciativas empresariais para substituir aquelas que desapareceram, não vejo muito bem como é que se arranjam empregos novos. A taxa de desemprego terá dois dígitos durante muito tempo? Sim, durante alguns anos. Não me admiraria nada. ■ “ Há muita coisa para cortar antes de se cortar o salário mínimo. Acho uma ideia incompreensível, inaceitável. 12-03-2013 Tiragem: 16903 Pág: 1 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 13,25 x 6,43 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 4 de 4 RECESSÃO Exportações nacionais caíram pela primeira vez desde 2009 Exportações diminuem. Consumo das famílias recua para níveis de 2003. Economia destrói 500 mil empregos em dez anos. ➥ P6