OS MODOS ASILAR E PSICOSSOCIAL DE ATENÇÃO AO USUÁRIO DE SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL Marco Aurélio Velozo (Psicologia Unicentro), Cléa Ballão (Orientadora – Departamento de Psicologia/UNICENTRO). Email: [email protected] Palavras-chave: Modos de atenção, CAPS, Saúde Mental. Resumo: Este trabalho faz parte de uma pesquisa que tem por objetivo principal conhecer a proposta terapêutica do psicólogo do CAPS para o trabalho com pacientes depressivos. Pelo fato da pesquisa ainda estar em andamento, aqui será apresentada parte da revisão de literatura, com o intento de explanar algumas diferenças entre o modo asilar de atenção e modo psicossocial, pois isto aumenta o entendimento sobre o trabalho no CAPS. Introdução As discussões sobre saúde mental e sobre o modo de auxílio oferecido a pacientes com algum tipo de sofrimento ou transtorno já não são novas. Já faz alguns séculos que muitos pesquisadores se ocupam de temas como estes. Desta forma, a doença mental, bem como suas formas de tratamento, já foi alvo de inúmeras e diferentes análises, cada qual em sua perspectiva. Desde o momento em que a doença mental deixou de ser pensada a partir do misticismo, tornou-se objeto de estudo da Medicina, mais precisamente da Psiquiatria. Da mesma maneira, a instituição que se tornou clássica no tratamento de doentes mentais foi o hospital psiquiátrico. Contudo, a partir do século XX, as formas tradicionais de se conceber saúde mental começaram a ser repensadas e criticadas. Surgiram movimentos visando a melhora na qualidade do serviço prestado aos doentes mentais. O mais evidente destes movimentos é a chamada Reforma Psiquiátrica, que tem como sua principal meta a proposta de desinstitucionalização. Materiais e Métodos Este trabalho faz parte de uma revisão de literatura de uma pesquisa que visa conhecer a proposta terapêutica do psicólogo do CAPS no atendimento de pacientes depressivos. Como o CAPS trata-se de uma unidade de saúde pautada no modo de atenção psicossocial, para cumprir o objetivo proposto foi realizado um levantamento bibliográfico buscando comparar o antigo modo de atenção tradicional (asilar) e os novos modos de atenção (psicossocial). Resultados e discussão Reforma psiquiátrica e os modos de atenção ao usuário Tal como já foi mencionado acima, a principal proposta da reforma psiquiátrica é a desinstitucionalização. Segundo Boarini (2000) desinstitucionalizar significa romper não apenas como o hospital psiquiátrico, mas como todo tipo de instituição totalitária. E não se trata apenas disto, a desinstitucionalização se caracteriza por ser uma nova forma de se pensar saúde mental. A Reforma Psiquiátrica representa então novos paradigmas para tratar a questão da saúde mental. Uma de suas principais características é o modo psicossocial de conceber os fenômenos mentais. Este modo se faz presente nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), que consistem, num certo sentido, numa proposta de ampliação da intensidade dos cuidados com a pessoa doente. Rosa (2000) contrapõe o modo psicossocial ao modo tradicional, isto é, ao modo asilar. Para este autor “o modo que se contrapõe ao asilar, vai surgindo por diferenciações operadas nas práticas deste último” (ROSA, 2000, p.150). Mas vale a pena ressaltar que estes dois modos de olhar a saúde mental se contrapõem ferreamente. Algumas das principais contrariedades entre elas são dignas de serem pontuadas. Quanto ao modo asilar pode-se dizer que se caracteriza pelos seguintes pressupostos. Sua ênfase é nas determinações orgânicas do corpo, o que traz a conseqüência de ter a medicalização como a forma básica de tratamento. Assim sendo, existe pouca ou nenhuma consideração com a existência do sujeito, que é visto apenas como um doente. Quando as instituições pautadas no modo asilar dispõem dos serviços de uma equipe interdisciplinar, o trabalho é realizado de forma fragmentada, não havendo diálogo entre os profissionais. O diálogo é inexistente também em relação à população. Os profissionais da instituição são tidos como os detentores do saber e deste modo exercem uma posição de poder perante a população. Vale ainda mencionar que a instituição que caracteriza o modo asilar é o hospital psiquiátrico fechado. Sob o ponto de vista de Alvarenga (2005) a psiquiatria historicamente ocupou-se da doença em detrimento da pessoa que vivencia o sofrimento, criando uma imagem estigmatizada que se justapõe a própria pessoa que experencia tal sofrimento. Isto faz com que os pacientes sejam reduzidos as características de seus sintomas. Uma vez rotulados como doentes, serão sempre tratados como tais. Em contrapartida, o modo psicossocial tem como principais características uma grande ênfase nos fatores políticos e biopsicoculturais como determinantes das demandas a serem atendidas sendo assim, este modo utiliza como meio de trabalho um amplo arsenal de estratégias de intervenção sociocultural. Existe também uma grande ênfase no paciente enquanto pessoa, ou seja, como ser que pode ser agente de sua transformação. As formas de participação da família e da comunidade são efetivas, pois parte-se da idéia de que a doença mental não é um fenômeno apenas individual. O sofrimento, por sua vez, é entendido como inerente a condição da existência humana, não como uma patologia. Freire (2005) também pontua que o modo psicossocial vem se constituindo em uma estratégia de atuação em saúde mental, substitutiva ao modelo asilar. Para esta autora, este modo, ao se inserir no campo sociocultural, se traduz em uma via de atuação que permite trabalhar com diversos segmentos da sociedade. Ela considera a adoção deste modo como uma tomada de responsabilidade. Neste sentido, “o cuidar de uma pessoa significa construir como plano de atuação um projeto terapêutico que implique a existência do sujeito para além da remissão do sintoma, reparação do dano ou olhar para a doença.”. (FREIRE, 2005, p.117). Este modo de atenção baseado na tomada de responsabilidade também é proposto por Furtado (2001), que advoga um aumento da responsabilização e do vínculo com os usuários. Para este autor, o que sustenta este novo modelo é a particularização da atenção em intervenções centradas nas demandas individuais dos pacientes e no estímulo ao vínculo entre o paciente e os membros da equipe. Nas suas palavras, “o principal objetivo do projeto terapêutico individual é particularizar a atenção oferecida aos pacientes, contrapondo-se à tradicional coletivização dos planos e ações que sempre organizam o funcionamento dos hospitais psiquiátricos.” (FURTADO, 2005, p.42). Conclusões Pelo fato da pesquisa ainda estar em andamento ainda não pode-se chegar a afirmações conclusivas sobre o tema. Mas as primeiras percepções são de que o modo asilar de atenção ao usuário apresenta-se fracassado na realidade contemporânea. Por outro lado, vem surgindo o modo de atenção psicossocial, que se constitui de modificações no modo asilar, mas apresenta novos paradigmas bastante diferenciados que parecem ser uma alternativa consistente às práticas tradicionais. Referências ALVARENGA, A.P. A loucura interrompida nas malhas da subjetividade. In: AMARANTE, P. (Org.) Archivos de saúde mental e atenção psicossocial 2. Rio de Janeiro: NAU, 2005. BOARINI, M. L. O psicólogo e a desinstitucionalização. In: BOARINI, M. L. (Org.) Desafios na atenção à saúde mental. Maringá: Eduem, 2000. FURTADO, J. P. Responsabilização e vínculo no tratamento de pacientes cronificados: da unidade de moradores ao CAPS estação. In: HARARI, A. & VALENTINI, W. (Orgs.) A reforma psiquiátrica no cotidiano. São Paulo: Hucitec, 2001. FREIRE, F. A. Os centros de atenção psicossocial e o impacto do sistema de financiamento do modelo assistencial. In: AMARANTE, P. (Org.) Archivos de saúde mental e atenção psicossocial 2. Rio de Janeiro: NAU, 2005. ROSA, A. C. O Modo Psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. In: AMARANTE, P. (Org.) Ensaios: subjetividade, saúde mental e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000.