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Influência prognóstica da síndrome nefrótica na progressão da glomerulonefrite
membrano-proliferativa
Reinaldo Martinelli, Heonir Rocha
Disciplina/Serviço de Nefrologia - Faculdade de Medicina, Hospital Universitário Prof.
Edgard Santos/ Universidade Federal da Bahia.
Endereço para correspondência: Reinaldo Martinelli
Hospital Universitário Prof. Edgard Santos
Rua João das Botas S/N
CEP 40110 160 Salvador BA
Tel.: (071) 339-6209, Fax: (071) 245 7110
Título resumido: Proteinúria e progressão da glomerulonefrite membrano-proliferativa
Unitermos: Glomerulonefrite membrano-proliferativa, progressão, estágio final da
doença renal , proteinúria
Membranoproliferative glomerulonephritis, progression, end-stage renal failure ,
proteinuria
Sumário
A glomerulonefrite membrano-proliferativa é uma doença glomerular crônica,
progressiva e sem tratamento específico. Embora a maioria dos pacientes se
apresente com síndrome nefrótica, 20% a 30% se apresentam com proteinúria
não nefrótica. O objetivo do presente estudo foi analisar o curso clínico e o
prognóstico dos pacientes com o diagnóstico dessa glomerulopatia com e sem
síndrome nefrótica, acompanhados em uma mesma instituição. Dos 58 pacientes
2
estudados, 47 pacientes tiveram o diagnóstico de síndrome nefrótica e 11 de
proteinúria não nefrótica. Exceto pela maior freqüência de insuficiência renal
entre os pacientes nefróticas, os 2 grupos não diferiram significantemente. Após
o período médio de acompanhamento de 60,1 meses, 38 pacientes com síndrome
nefrótica estavam com insuficiência renal, sendo terminal em 20, diferente do
grupo de pacientes com proteinúria não nefrótica: 5 pacientes com insuficiência
renal, sendo terminal em 3 deles. A sobrevida renal em 5 anos não foi diferente
entre os dois grupos (74% para os pacientes nefróticos e 62% para os não
nefróticos), embora fosse notada uma tendência para melhor sobrevida para os
pacientes não nefróticos, após esse período. Estudos adicionais envolvendo
maior número de pacientes e controlados para variáveis clínicas e demográficas
são, entretanto, necessários.
Introdução
A glomerulonefrite membrano-proliferativa é uma doença glomerular crônica,
progressiva, sem tratamento específico definido, na qual 40% a 60% dos
pacientes desenvolvem insuficiência renal crônica terminal em torno de 10 anos
após o diagnóstico. É caracterizada à microscopia óptica pelo espessamento da
membrana basal do capilar glomerular e pela proliferação difusa de células e
expansão da matriz mesangial. 1-4
.
A maioria dos pacientes com a glomerulonefrite membrano-proliferativa
apresenta-se com o quadro de síndrome nefrótica, porém 20% a 30% se
apresentam com proteinúria menor que 3,5 g em 24 horas.1,2,4 O prognóstico
desses dois grupos de pacientes é tido como diferente, os pacientes com
proteinúria não nefrótica, tendo o curso clínico mais benigno e maior
sobrevida.5-10
3
O objetivo do presente estudo foi analisar o curso clínico e avaliar a sobrevida
dos pacientes com o diagnóstico de glomerulonefrite membrano-proliferativa
com e sem síndrome nefrótica, acompanhados em uma mesma instituição.
Pacientes e Métodos
Foram incluídos, no presente estudo, todos os 58 pacientes com o diagnóstico de
glomerulonefrite membrano-proliferativa avaliados e acompanhados pela
Disciplina/Serviço de Nefrologia da Universidade Federal da Bahia por um
período mínimo de 10 meses. À época da avaliação inicial procurou-se
estabelecer a duração da doença, a presença de dados clínicos e/ou laboratoriais
que caracterizassem a presença de doença sistêmica que pudesse estar
relacionada à doença renal, o tipo da apresentação clínica da glomerulpatia e a
presença de hipertensão arterial, edemas, hepato-esplenomegalia; a avaliação
laboratorial constou dos exames parasitológico de fezes, bioquímico da urina e
microscópico do sedimento urinário, excreção urinária de proteínas em 24 horas
e da determinação dos níveis séricos de creatinina, uréia, albumina e colesterol.
Não foi realizado o teste sorológico para o diagnóstico de hepatite C em nenhum
paciente. O curso clínico foi avaliado pelos níveis da pressão arterial, pelo uso
de medicações antihipertensivas, pela proteinúria e níveis séricos de creatinina,
albumina e colesterol.
O diagnóstico histológico de glomerulonefrite membrano-proliferativa foi
baseado nos critérios de Churg e cols.11. Definiu-se síndrome nefrótica pela
proteinúria igual ou superior a 3,5 g/24 horas, albumina sérica inferior a 3,0 g/dl,
colesterol sérico superior a 250 mg/dl, associados a edemas; a proteinuria foi
considerada não nefrótica quando inferior a 3,5 g/24 horas. Considerou-se
duração da doença o período entre a percepção da primeira manifestação clínica
da doença pelo paciente e o início do acompanhamento, embora para as análises
das sobrevidas houvesse sido considerada como início da doença a época da
primeira avaliação clínica. Insuficiência renal foi definida pela creatinina sérica
4
igual ou superior a 1,4 mg/dl ou/e a uréia sérica > 40 mg / dl; a insuficiência
renal avançada (estágio final de doença renal) foi considerada quando a
creatinina estava maior do que ou igual a 10,0 mg/dl ou pela necessidade de
tratamento dialítico. Hipertensão arterial foi definida pela presença de níveis
pressóricos superiores a 140/90 mmHg ou pelo uso continuado de medicações
antihipertensivas.
Esquistossomose
mansônica
foi
diagnosticada
pela
documentação de ovos viáveis de S. mansoni no exame parasitológico de fezes;
a forma hepato-esplênica da esquistossomose foi diagnosticada quando havia,
associadamente, hepato-esplenomegalia ao exame clínico.
Os dados estão apresentados como média + desvio padrão ou como proporções.
Foram utilizados o teste t de Student e o teste exato de Fisher, quando
apropriados. O tempo de sobrevida foi considerado como o período
compreendido entre a avaliação inicial e a necessidade de diálise ou a avaliação
final. As curvas de sobrevida e os tempos de sobrevida média foram calculados
pelo método de Kaplan-Meier, e as comparações entre as curvas de sobrevida
através do teste "log rank". Estão apresentados os "odds ratios" (OR) e seu
intervalo de confiança a 95% (IC95%). Considerou-se estatisticamente
significante quando p<0,05. O programa utilizado para as análises estatísticas foi
o SPSS para Windows versão 6.1.
Resultados
Dos 58 pacientes incluídos no presente estudo 40 eram do sexo masculino e 18
do feminino, com idade média de 32,0 + 13,7 anos. A apresentação inicial foi de
síndrome nefrótica em 47 pacientes e de proteinúria na faixa não nefrótica em
11. Os principais dados demográficos dos dois grupos de pacientes estão
apresentados na Tabela I: houve maior número de pacientes de cor branca entre
os pacientes não nefróticos (p < 0,01) e de esquistossomóticos hepato-esplênicos
entre os não nefróticos. Não houve diferença significativa quanto a duração da
5
doença: 11,1 + 17,5 meses para os pacientes não nefróticos e 12,9 + 13,8 meses
para os nefróticos (p=0,09).
À época da avaliação inicial (Tabela 2), não houve diferença significativa quanto
a freqüência de hipertensão arterial (p = 0,53, OR = 0,8; IC 95% 0,2-3,9) entre
os dois grupos. Entretanto, insuficiência renal foi mais freqüente entre os
pacientes com apresentação clínica de síndrome nefrótica (p < 0,01). Durante o
acompanhamento nenhum paciente desenvolveu quadro clínico compatível com
crioglobulinemia. À época da avaliação final, após um período de
acompanhamento de 60,1 + 47,5 meses (63,2 + 50,8 para o grupo dos pacientes
nefróticos e 47,0 + 27,4 para os não nefróticos, p = 0,10), 36 pacientes com
síndrome nefrótica e 7 pacientes com proteinúria não nefrótica estavam
hipertensos (p = 0,29, OR = 0,5; IC 95% 0,1-2,7). Dos pacientes nefróticos, 38
tinham insuficiência renal, 20 dos quais com insuficiência renal terminal,
diferindo dos não nefróticos: 5 pacientes com insuficiência renal (p = 0,02, OR =
0.2; IC 95% 0,04-0,9), estando 3 deles em tratamento dialítico .
As curvas de sobrevida renal dos 2 grupos estão mostradas na figura I. A
probabilidade do não desenvolvimento de insuficiência renal terminal foi de
74% em 5 anos e de 44% em 10 anos, para o grupo dos pacientes com a
apresentação de síndrome nefrótica, e de 62% em 5 anos para o grupo de
pacientes com apresentação clínica de proteinúria não nefrótica. A sobrevida
renal média para o grupo dos pacientes com a apresentação nefrótica foi de 112
meses (mediana, 118 meses) e a dos pacientes com proteinúria menor que 3,5
g/24 horas de 74 meses, não havendo diferença estatisticamente significativa
entre os dois grupos ( p = 0,98, "log rank").
Discussão
6
O curso clínico dos pacientes com o diagnóstico histológico de glomerulonefrite
membrano-proliferativa com a manifestação clínica de proteinúria não nefrótica
é tido como mais benigno do que aqueles que se apresentam com síndrome
nefrótica. No presente estudo, os pacientes com proteinúria menor do que 3,5
g/24 horas tiveram um curso clínico e prognóstico semelhantes ao dos pacientes
com síndrome nefrótica nos primeiros 5 anos de acompanhamento: a sobrevida
foi de 62% para os pacientes não nefróticos e de 74% para os nefróticos. Mesmo
quando consideramos o início da doença como o período a partir do início da
sintomatologia relatada pelo paciente, a diferença não alcança significância.
Entretanto, ao final do período de acompanhamento um percentual
significativamente
maior
de
pacientes
nefróticos
havia
desenvolvido
insuficiência renal. É verdade, também, que à análise da Figura I se pode
observar uma nítida tendência para melhor sobrevida renal para os pacientes não
nefróticos, após o 5 0 ano de acompanhamento. Embora significante do ponto de
vista clínico, o mesmo não aconteceu estatisticamente, muito provavelmente
devido ao pequeno tamanho da amostra estudada. É possível que com o aumento
do número de pacientes e do acompanhamento, sobretudo no grupo de pacientes
não nefróticos, a diferença entre os grupos alcance significado estatístico.
É bem conhecido que as doenças renais crônicas progridem para o estágio final
independentemente da atividade da doença inicial e vários são os fatores
envolvidos nessa progressão, como revisto recentemente por Remuzzi e cols.
12
Embora a proteinúria maciça seja considerada um dos fatores de progressão da
doença renal, na glomerulonefrite membrano-proliferativa os dados existentes na
literatura são controversos: Cameron e cols. 6 estudando 104 pacientes, adultos e
crianças com essa glomerulopatia, relataram um prognóstico mais reservado,
tanto no que concerne ao desenvolvimento de insuficiência renal terminal como
à sobrevida, entre os pacientes nefróticos do que os não nefróticos. Também
outros grupos
7-9
relataram prognóstico mais reservado para os pacientes com
síndrome nefrótica. Diferentemente, porém, Schmitt et al.,10 estudando 220
pacientes, não encontraram qualquer significância prognóstica na quantidade da
7
proteinúria, mesmo quando compararam os pacientes nefróticos com os não
nefróticos.
As razões para essas discordâncias não são inteiramente claras. É verdade que os
estudos sobre este assunto disponíveis na literatura, assim como o apresentado,
são passíveis de críticas: são retrospectivos e envolvem número variável de
pacientes e comparam, seguramente, grupos heterogêneos. É conhecida, por
exemplo, a variabilidade de critérios para a indicação de biópsia renal nos
diversos serviços e, no mesmo serviço, em determinadas épocas. É também
provável que os pacientes com proteinúria não nefrótica submetidos a biópsias
renais representem a minoria ou talvez, mesmo, os pacientes com formas mais
graves da doença, já que procuraram espontaneamente ou foram referenciados ao
centro médico, desde que inexistem programas populacionais rotineiros para
detecção de doenças renais. É bem conhecida a importância da seleção dos
pacientes e dos critérios para a indicação e para a interpretação da biópsia renal,
sobretudo
em
pacientes
assintomáticos,
nos
estudos
envolvendo
acompanhamento a longo-prazo e prognóstico das doenças glomerulares. 13
A série estudada não difere das demais relatadas na literatura, exceto pelo
número de pacientes portadores de esquistossomose mansônica; o curso clínico e
o prognóstico desse pacientes não diferem, entretanto, daqueles dos pacientes
sem esta parasitose. 14.Nos grupos que constituem o presente estudo houve maior
número de pacientes de cor branca entre os pacientes não nefróticos e maior
número de pacientes coma forma hepato-esplênica da esquistossomose
mansônica entre os nefróticos, porém o pequeno número de pacientes não
permite avaliar a influência dessas duas variáveis na evolução dos dois grupos.
Deve ser chamada a atenção, entretanto, que exceto pelo grupo de Somers e col.,
9
constituído por crianças normotensas e sem insuficiência renal, e o presente,
em nenhuma outra série na literatura as características clínicas dos pacientes
com e sem síndrome nefrótica foram definidas. É possível que naquelas séries
com um percentual importante de pacientes adultos, hipertensos e/ou com
insuficiência renal, como a apresentada, o curso clínico de ambos os grupos de
8
pacientes seja semelhante, ao contrário de outros constituídos por crianças, com
pequeno número ou sem pacientes hipertensos, com insuficiência renal ou com
ambos os fatores, entre outros. Embora a severidade da proteinúria seja
importante,
a
presença
concomitante
de
outros
fatores
influi
mais
significantemente para a progressão da doença renal. Locatelli e cols.
15
estudando os fatores prognósticos em pacientes não nefróticos com diversas
doenças renais encontraram para pacientes com o mesmo nível de proteinúria
progressão mais rápida para o estágio final da doença renal naqueles com
pressão arterial média mais elevada. Os resultados do The Modification of Diet
in Renal Disease Study
16,17
têm acentuado a importância dos níveis da pressão
arterial para o mesmo grau de proteinúria na evolução das doenças glomerulares,
chamando atenção para o papel da associação de fatores que influem na
progressão da doença renal mais do que a presença de um fator único, isolado.
Em pacientes com nefropatia por IgA e com glomerulonefrites membranosa e
membrano-proliferativa, D`Amico,
18
em extensa revisão de seus próprios casos
e os da literatura, encontrou uma importante associação entre a gravidade da
proteinúria, hipertensão arterial e insuficiência renal à época do diagnóstico
inicial e a progressão da doença renal. É possível, também, que mais importante
que os dados clínicos e laboratoriais à época da avaliação inicial seja a
persistência dos fatores de progressão da doença renal e da síndrome nefrótica.
Em resumo, analisando a nossa série de pacientes com o diagnóstico de
glomerulonefrite
membrano-proliferativa,
não
encontramos
diferença
significante no prognóstico dos pacientes com e sem síndrome nefrótica nos
primeiros 5 anos de acompanhamento. Estudos clínicos envolvendo maior
número de pacientes e controlados para variáveis clínicas e demográficas e com
maior período de acompanhamento são necessários para melhor caracterização
do papel da intensidade da proteinúria como fator prognóstico nesses dois
grupos de pacientes.
SUMMARY
9
Membranoproliferative glomerulonephritis is a chronic and progressive
glomerular disease. Although most of the patients present with nephrotic
syndrome, 20% to 30% present with non-nephrotic proteinuria. To analyze the
clinical course and prognosis of patients with and without nephrotic syndrome,
58 patients with membranoproliferative glomerulonephritis were retrospectively
studied. From this number, 47 had the diagnosis of nephrotic syndrome and 11
of non-nephrotic proteinuria. Except for renal failure among the patients with
nephrotic syndrome, there were no differences between the groups, at the initial
evaluation. Thirty-eight with nephrotic syndrome evolved to renal failure, 20 of
them to end-stage renal disease; differently, 5 patients with non-nephrotic
proteinuria had renal failure, 3 of them with end-stage renal disease, at the end of
the follow-up (mean, 60.1months). The renal survival at 5 years was not
different: 74% and 62% for patients with and without nephrotic syndrome,
respectively (p= 0.98, log rank), although there was a trend for a better survival
for patients without nephrotic syndrome with a longer follow-up. Further studies
involving a large number of patients and adjusted for clinical and demographic
variables, however, are needed.
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294
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Artigo recebido em 25 de setembro de 1997 e aceito para publicação em 22 de
abril de 1998.
Figura I - Sobrevida renal dos pacientes com o diagnóstico de glomerulonefrite membrano-proliferativa
com e sem síndrome nefrótica
100
90
80
60
Proteinuria
S. Nefrótica
50
40
30
20
10
Acompanhamento (meses)
19
0
16
8
14
4
12
0
96
72
48
24
0
0
Sobrevida renal (%)
70
13
Tabela I. Alguns dados demográficos dos pacientes com o diagnóstico de
glomerulonefrite membrano-proliferativa.
Síndrome
Proteinúria
Nefrótica
não nefrótica
32,0+13,8
31,7 +13,2
masculino
33
7
feminino
14
4
12
8
Idade,
anos
(x + DP)
Sexo
Cor
branca
14
não
Síndrome
Proteinúria
Nefrótica
não nefrótica
35
3
23
3
branca
HEME*
* esquistossomose mansônica, hepato-esplênica
15
Tabela 2. Avaliação clínica ao início e ao término do período de
acompanhamento dos pacientes com glomerulonefrite membrano-proliferativa.
Síndro
Proteinúria
me
não
Nefróti
Nefrótica
ca
N (%)
N (%)
Insuficiência renal
Início
30
0 (00.0)
(63.8)
Término
38
5 (45,5)
(80.9)
EFDR*
20
3 (27,3)
(42.6)
Hipertensão arterial
Início
26
7 (63,6)
(55.3)
Término
36
7 (63,6)
(76.6)
Sobrevida
média
112
74
63.1
47,0
(meses)
Acompanhamento
(meses)
* estágio final de doença renal
16
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