Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO MAINARDES DA SILVA, Lenir A. Professor do Programa de doutorado em Ciências Sociais Aplicadas da UEPG-PR E-mail ([email protected]) SAMAHA, Michel Jorge Estudante de doutorado do Programa de Ciências Sociais Aplicadas da UEPG-PR E-mail ([email protected]) RESUMO O artigo contém revisão teórica sobre as funções da política social no âmbito microeconômico. Oito funções foram analisadas buscando estabelecer conexões relacionadas com as políticas sociais. O marco teórico utilizado foi o elaborado por Gösta Esping-Andersen e suas derivações. É nessa tradição que fica mais explícita a construção da dimensão sistêmica da política social. Conclui-se que existe uma relação bidirecional entre políticas sociais e comportamento econômico dos agentes privados no âmbito dos regimes de bem-estar e que esta relação impacta o desenvolvimento. Palavras-chave: Política Social, Funções Microeconômicas, Estado de Bem-Estar. ABSTRACT The article contains theoretical review about the functions of social policy at the microeconomic level. Eight functions were analyzed to establish related connections with social policies. The theoretical framework used was prepared by Gosta Esping-Andersen and its derivations. It is in this tradition that the construction of the systemic dimension of social policy is more explicit. It is concluded that there is a bidirectional relationship between social policies and economic behavior of private agents under the welfare regimes and this relationship impacts the development. Key-words: Social Policy, Microeconomic Functions, Welfare State. A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir A.; SAMAHA, Michel Jorge 421 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 1 INTRODUÇÃO Este artigo apresenta algumas ideias, colhidas na literatura, para apanhar a relação entre políticas sociais e a dinâmica microeconômica de uma sociedade. A grande maioria dos trabalhos que discutem proteção social e desenvolvimento econômico, no marco do Estado de Bem-Estar, o faz buscando desvendar os impactos dessas relações no âmbito macroeconômico. A premissa fundamental aqui é de que existe uma relação bidirecional entre políticas sociais e comportamento econômico dos agentes privados. A Política Social - como de resto são as Políticas Públicas – é fenômeno ligado ao modo de produção capitalista e produto das relações sociais estabelecidas em seu seio. O século XIX foi marcado por grandes transformações, como as revoluções burguesas e o alargamento da hegemonia do capitalismo industrial. Tem início uma tensão entre a consolidação dos direitos políticos, por um lado e, por outro, os princípios econômicos de cunho liberal, como a defesa da propriedade privada e a extração dos benefícios gerados pelo trabalho assalariado. É justamente o trabalho assalariado e seus riscos que impulsionam a ideia de proteção social. No século XX, principalmente a partir da Segunda Grande Guerra Mundial, os países europeus mais desenvolvidos experimentaram a realização de um pacto entre organizações políticas e sindicais da classe operária e os capitalistas, que resultou no que veio a ser chamado de “Estado de Bem-Estar Social”. É nesse período que as políticas sociais passam a assumir um caráter de regulação do livre mercado, os direitos sociais assumem um perfil universal e são garantidos pelo Estado. A ampliação da atividade regulatória do Estado veio acompanhada do aumento da estrutura administrativa e acréscimo das fontes de financiamento para garantir os novos direitos sociais; ao mesmo tempo, houve um elevado crescimento econômico e de bem-estar social. O welfare state “significou mais do que um simples incremento das políticas sociais no mundo industrial desenvolvido. Em termos gerais, representou um esforço de reconstrução econômica, moral e política” (ESPING-ANDERSEN, 1995, P.1). No Brasil, o estabelecimento de um Estado de Bem-Estar ocorre nos moldes do que foi realizado nos países europeus. Porém, além de periférica em relação à economia mundial, a economia brasileira convivia com uma grande diferença nos padrões tecnológicos da indústria A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir A.; SAMAHA, Michel Jorge 422 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 e da agricultura. Para Medeiros (2001, p.8) “No Brasil, o Welfare State surge a partir de decisões autárquicas e com caráter predominantemente político: regular aspectos relativos à organização dos trabalhadores assalariados dos setores modernos da economia e da burocracia”. Nesse sentido, as ações estatais centralizadas tinham como objetivo a integração da economia nacional e consolidação da base legal para o mercado de trabalho. Contida no DNA do Estado de Bem-Estar, a relação bidirecional entre os sistemas de proteção social e o desenvolvimento econômico parece ter sido esquecida no meio acadêmico. Para Draibe (2006, p.8) “durante as últimas décadas, assistimos ao predomínio do tratamento dissociado da economia e da política social, com claro prejuízo de uma e outra, mais ainda quando orientado, como o foi, pelas correntes formalistas e abstratas, de forte enviezamento quantitativo”. A tendência em retomar uma abordagem integrada entre economia e política social tem sido um esforço acadêmico voltado para desconstruir a ideia de que o grau de proteção social é uma variável dependente do crescimento econômico de um país. Dessa forma, o que se busca entender é a relação bidirecional entre política social e comportamento econômico dos agentes privados. Parece claro que o Estado de Bem-Estar é o marco de análise quando pensadas, de forma articulada, essas duas variáveis, pois é nele que se faz possível entender política social numa perspectiva de proteção social, descortinando sua orientação para a esfera econômica, em especial para a microeconômica. 2 POLÍTICA SOCIAL NOS ESTADOS DE BEM-ESTAR SOCIAL Política social é um termo polissêmico e de difícil compreensão. O seu tratamento acadêmico tem sido feito por uma multiplicidade de métodos e aproximações. É, por excelência, um campo de análise multidisciplinar onde se exploram o contexto social, econômico, político, ideológico e institucional no qual o bem-estar é produzido, organizado e distribuído; sendo assim, diz respeito a todos aqueles aspectos das políticas públicas, das relações de mercado e não monetárias que contribuem para aumentar ou diminuir o bem-estar de indivíduos e grupos. Para Adelantado (1998, p.124), as análises das políticas sociais dos Estados de A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir A.; SAMAHA, Michel Jorge 423 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 Bem-Estar no pós-guerra se situaram, de forma simplificada, em torno de três grandes correntes de estudo: 1) A tradição marxista (ou neomarxista); 2) As diversas tradições não marxistas (estrutural-funcionalistas, weberianas, positivistas, etc.); e 3) Novas linhas de estudo inauguradas pelo livro de G. Esping-Andersen (The Three Worlds of Welfare Capitalism). Para os propósitos desse ensaio, o marco teórico introduzido por Esping-Andersen se reveste de especial importância na medida em que é a partir dele que o tema do desenvolvimento econômico passa a integrar o campo da proteção social. É nessa tradição que fica mais explícita a construção da dimensão sistêmica da política social. É com a construção das diferentes tipologias de Welfare State que fica claro o vínculo dos sistemas de proteção com o tipo de economia, processo produtivo e com a organização da classe trabalhadora. Nessa ótica, os três tipos construídos foram: (1) liberal (residual): modelo de mercado no qual a política social intervém ex-post, voltado predominantemente para os comprovadamente pobres e, na quase totalidade, com reduzidas transferências universais; (2) conservador/corporativo (meritocrático-particularista ou estratificado): modelo em que as pessoas devem estar em condições de resolver suas próprias necessidades, com base em seu trabalho, em seu mérito, no desempenho profissional, na sua produtividade; os direitos estão ligados à classe e ao status; (3) socialdemocrata (institucional/redistributivista): modelo voltado para a produção e distribuição de bens e serviços sociais desmercantilizados e garantidos a todos os cidadãos. As políticas sociais configurando-se enquanto direitos sociais garantindo o amplo conceito de seguridade social. A estrutura de análise introduzida pelo sociólogo dinamarquês, além de explicar os diferentes modelos de welfare states por meio de diferentes sistemas de estratificação social, introduz como ferramenta de análise o conceito de desmercantilização (de-commodification). Este último se referindo às possibilidades de subsistência dos cidadãos - como direito social - quando não se relacione com o mercado de trabalho. Mais tarde, também introduziu outro critério: a desfamiliarização (de-familiarisation), entendido como o grau de redução da dependência econômica do indivíduo em relação à sua família. Apesar da óbvia importância acadêmica, muitas foram as críticas às formulações de Esping-Andersen. Uma das mais relevantes é a de que o critério de desmercantilização pode não revelar a relação causal entre política social e estrutura social. A estrutura social entendida como instituições, regras e recursos que determinam as condições de vida desiguais A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir A.; SAMAHA, Michel Jorge 424 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 em determinado lugar e período de tempo - é obviamente afetada pela relação entre política social e desenvolvimento econômico. Sin embargo, su categorización como Estados de bienestar según un esquema simple de mercantilización-desmercantilización, lleva a pensar en un Estado "bueno", que desmercantiliza a los ciudadanos para compensar los efectos perversos de un mercado capitalista "malo". A la vez, oscurece una realidad en la que Estado y mercado no son las unicas esferas relevantes de la estructura social; que la desmercantilización no es el uinico impacto posible (y quiza tampoco el principal) de la política social sobre las diversas desigualdades, y que la politica social no solo compensa o reduce las desigualdades originadas en otros ámbitos, sino que tambien puede reproducirlas, aumentarlas e incluso constituirlas como tales. (ADELANTADO, 1998, p. 124) Entretanto, os conceitos introduzidos por essa corrente revelam um conjunto de opções políticas cujo objetivo é orientar o desenvolvimento econômico, focando na satisfação das necessidades fundamentais de cada indivíduo e da sociedade. A política social envolve a oferta de bens que, direta ou indiretamente, recebem incentivos estatais e não são espontaneamente supridos pelo mercado, principalmente se os destinatários forem pessoas e famílias de baixa renda. Entre estes bens encontram-se: saúde, educação, habitação, previdência social, entre outros. A política social estará orientada para o desenvolvimento econômico quando estiver voltada para o fornecimento do mais alto grau de satisfação possível, das necessidades básicas, para as pessoas mais fragilizadas economicamente. Ainda, quanto maior o acesso dos grupos sociais fragilizados aos frutos do crescimento econômico, maior a orientação para o desenvolvimento. Quando se olha o crescimento econômico orientado para o desenvolvimento é necessário que se entenda como os agentes privados interagem com as políticas sociais, pois mesmo que se espere que os impactos sejam inicialmente sociais, outros impactos no âmbito microeconômico serão gerados. Discutindo a orientação da política social para o desenvolvimento, a Professora Celia Lessa Kerstenetzky afirma: “...ao exercer essas funções, as políticas sociais acabam afetando variáveis econômicas: ao proteger e prevenir contra riscos, elas promovem estabilidade econômica (com a suavização do consumo e a redução da incerteza); economizam capacidade produtiva que, na sua ausência, seria perdida; liberam as empresas dos custos envolvidos em proteção e prevenção; elas também contribuem para a valorização de capacidades, que podem ser A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir A.; SAMAHA, Michel Jorge 425 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 mobilizadas para o aumento de produtividade e da eficiência econômica e para o crescimento, e o fazem liberando o setor privado dos custos e investimentos envolvidos”. (KERSTENETZKY, 2012, p.44) São escassas as análises das funções microeconômicas das políticas sociais, porém, a literatura sobre a Economia Política e o Estado de Bem-Estar tem dado pistas para uma melhor compreensão das relações entre agentes privados, proteção social e desenvolvimento. O que se pretende no próximo tópico é elencar, de forma não exaustiva, as relações microeconomias que sofrem impacto das políticas sociais no âmbito de um Estado de Bem-Estar. 3 FUNÇÕES MICROECONÔMICAS DAS POLÍTICAS SOCIAIS As análises centradas no mundo do trabalho têm sido uma importante ferramenta de compreensão dos componentes políticos do desenvolvimento do Estado de Bem-Estar. Com a crescente combinação entre políticas sociais focalizadas e universais, se faz necessário investigar a relação causal entre política social e o comportamento dos agentes privados. Para os propósitos desse ensaio, a questão a ser respondida é: O que a política social representa para os agentes econômicos privados? O Estado de Bem-Estar tem o compromisso formal de dar assistência e suporte para os indivíduos que, segundo OFFE (1984, p.67), “possuem necessidades e riscos sociais típicos de uma sociedade de mercado, ou seja, uma noção de responsabilidade coletiva acerca de questões sociais e a noção de legitimidade das demandas coletivas feitas pelas associações de trabalhadores”. Na medida em que a mobilidade do trabalho no sistema capitalista não é livre e que o fator trabalho encerra um elevado custo em função dos riscos (desemprego, invalidez, crises, etc) e de sua capacitação, se afigura lógica a responsabilidade coletiva na diminuição dos custos (diretos e indiretos) e de transação 1. Em relação aos custos de transação, os institucionalistas apontam que os termos e condições dos contratos afetam diretamente a eficiência da alocação de recursos, pois dependem fundamentalmente da definição dos direitos de propriedade e das relações sociais. Dessa forma, para Pranab Bardhan and Samuel Bowles (1996) (citado por Mkandawire, 2001, 1 Os custos de transação são aqueles que os agentes enfrentam quando recorrem ao mercado para adquirir equipamentos, insumos ou serviços, ou quando estabelecem uma “interface” com outro agente. Esses custos envolvem: custos de negociar, redigir e garantir o cumprimento de um contrato (formal ou informal). A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir A.; SAMAHA, Michel Jorge 426 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 p.6) são dois os argumentos para considerar o impacto das políticas sociais nos custos de transação: First, inequality may impede economic performance by obstructing the evolution of productivity-enhancing governance structures in firms, farms, communities, and nations, in part because institutional structures supporting high levels of inequality are costly to maintain, and because inequality is an obstacle to the shared values and trust essential to efficient bargaining and co-operative decision making. Second, where hard work, innovation, maintenance of an asset and other behaviour essential to high levels of economic performance cannot be specified in costlessly enforceable contracts, some distributions of property rights are more efficient than others, and there may therefore exist a class of redistributions of property rights which in conjunction with other policies (such as insurance) yield outcomes both more efficient and more egalitarian than the status quo in most economies. A qualidade do capital humano – atributo exógeno ao indivíduo, portanto, construído socialmente - é outra restrição atacada por políticas sociais. Os investimentos diretos e montagem de arranjos institucionais voltados para qualificação, em certa medida, condicionam a participação dos indivíduos no mercado de trabalho. Mesmo que o protagonismo das ações educacionais por parte do Estado esteja cambiando para a esfera hegemônica do capital, este não prescinde do Estado como financiador direto e indireto (incentivos fiscais) das ações educacionais. O deslocamento do papel do Estado para o empresariado na direção de projetos educacionais se apresenta com a justificativa da mudança de base técnica do trabalho substituição do modelo fordista pelo modelo de acumulação flexível -, gerando, segundo o discurso hegemônico, a necessidade de um novo trabalhador, formado de acordo com o ethos da empresa (SANTOS, 2004, p.2). Em última análise, seja qual for o discurso dominante, o investimento em capital humano concorre, no nível microeconômico, para uma elevação na produtividade do trabalho e para o acesso dos indivíduos ao mercado de trabalho. A formação do capital humano tem sua iniciação no âmbito familiar e doméstico. Escassos serviços públicos destinados à família em um mercado de trabalho que discrimina renda pelo gênero aumentam sobremaneira os custos laborais e econômicos da mercantilização do trabalho feminino (custo de oportunidade). Por outro lado, o espaço familiar é responsável pela oferta futura de trabalhadores. Nesse sentido, as políticas sociais atuam na tentativa de conciliar trabalho e vida familiar introduzindo a mulher e a família na composição de uma rede A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir A.; SAMAHA, Michel Jorge 427 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 comunitária de promoção do capital humano. A crise do fordismo, a globalização e a mudança da base técnica da economia intensificando o uso de capital e tornando extensivo o uso do trabalho - além de não gerarem o pleno emprego (favorecendo a reserva de mão de obra para os empresários), também criaram as condições para a expansão de benefícios e negócios privados fundados nas políticas de proteção social. A fragmentação da estrutura ocupacional e a heterogeneidade da classe trabalhadora geraram uma intensa pressão para uma oferta privada de serviços sociais, pressão essa fundada numa pretensa incapacidade de seu fornecimento pelo Estado. A exploração privada de áreas como seguros, previdência, saúde e educação é exemplo de como a política social opera não só para reduzir o custo do trabalho, mas também para gerar negócios de grande relevância econômica. Não se olvida que a ampliação desse segmento tenha impacto sobre a capacidade fiscal do Estado de Bem-Estar, pois quem ganha mais pressiona em busca de benefícios fiscais para compensar seus gastos privados nesses produtos. Entretanto, as concessões fiscais afetam aqueles com menor renda e que não podem pagar por esses serviços. Com a dualidade público/privado na oferta de serviços sociais, outra função da política social é balizar e criar Standards nos serviços privados. A qualidade do serviço público passa a referenciar a oferta privada do mesmo. Isso significa que se a qualidade do serviço ofertado pelo Estado piora, a do setor privado também piora, pois, o setor público é quem gera competição. Figura 1 – Competição de Qualidade entre o Serviço Social Público e o Serviço Social Privado Fonte: Elaboração Própria A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir A.; SAMAHA, Michel Jorge 428 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 A Figura 1 representa a competição na qualidade ofertada do serviço entre o setor público e o privado, mostrando que a qualidade da oferta privada não está dada de antemão. Na medida em que o Estado perde capacidade fiscal de prestar bons serviços, o setor privado não é tensionado a elevar a qualidade dos seus. A proteção social em países em desenvolvimento, como o Brasil, está focada no combate à pobreza e à miséria. A transferência de renda focada nos pobres tem sido o paradigma dessa estratégia. Nessa linha de suporte, a preocupação não está centrada no risco e na vulnerabilidade, mas sim nas restrições enfrentadas pelos pobres para se aproveitarem das oportunidades econômicas criadas na sociedade. Para Barrientos (2010, p.2): The broader developmental role of social protection in developing countries involves three main functions: (i) to help protect basic levels of consumption among those in poverty or in danger of falling into poverty; (ii) to facilitate investment in human and other productive assets which alone can provide escape routes from persistent and intergenerational poverty; and (iii) to strengthen the agency of those in poverty so that they can overcome their predicament. Possibilitar aos mais pobres o mínimo de capacidade de consumo pode gerar efeitos multiplicadores na economia e na sociedade. Ainda que em percentuais baixos em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), a transferência de renda traduzida em aumento do consumo pode gerar maior aproveitamento das oportunidades, reduzindo a pobreza intergeracional. Isso para não falar do óbvio efeito no fluxo circular da renda onde empresas, famílias e governo se beneficiam da elevação dos gastos das famílias. A potencialização dos efeitos da transferência de renda pode ocorrer na medida em que se apliquem condicionalidades que interfiram nas outras funções já debatidas. A transferência pode estar condicionada a uma oferta temporária de trabalho, ao investimento em capital humano, incluindo educação, saúde e nutrição ou, ainda, a uma combinação entre eles. Assim como na abordagem dos custos de transação, outra contribuição dos institucionalistas no campo econômico é a análise da governança corporativa. Para essa corrente, o conceito de empresa é relacional, ou seja, as empresas são atores que buscam desenvolver e explorar competências para produzir e distribuir bens e serviços de forma lucrativa. Para esse fim, elas criam relações tanto internamente com seus trabalhadores, como externamente, com fornecedores, clientes, colaboradores, sindicatos, associações e governos. A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir A.; SAMAHA, Michel Jorge 429 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 Dessa forma, o sucesso no empreendimento depende da sua capacidade de coordenar eficazmente uma ampla gama de atores. Nessa linha, Hall e Soskice (2001, pp.6-7) propõem cinco esferas em que as empresas devem desenvolver relacionamentos para resolver os problemas centrais de coordenação e serem competitivas. São elas: I) industrial relations; II) vocational training and education; III) corporate governance; IV) inter-firm relations; e V) employees. Os problemas que as empresas enfrentam em cada uma das esferas podem ser sintetizados no quadro abaixo. Quadro 1 – Esferas e Problemas de Coordenação das Empresas Esferas industrial relations (relações Industriais) vocational training and education Problemas de Coordenação Negociação sobre os salários; Condições de trabalho; e Relação com sindicatos e representantes dos trabalhadores. As empresas enfrentam o problema de garantir uma força de trabalho com competências adequadas; e Os trabalhadores enfrentam o problema de decidir quanto investir em que habilidades. Acesso ao financiamento; e Retorno financeiro aos investidores. Inter-firm relations (relação inter-empresas) Assegurar demanda estável de seus produtos; Buscar fornecimento adequado de insumos; e Acessar tecnologia e manter o progresso tecnológico e a competitividade. (educação e formação profissional) corporate governance (governança corporativa) employees (empregados) Assegurar que os empregados tenham competências necessárias e cooperem para atingir os objetivos da empresa. Fonte: Elaborado a partir de Hall e Soskice (2001). A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir A.; SAMAHA, Michel Jorge 430 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 A governança empresarial, guerreada nas diferentes esferas, é afetada pelo maior ou menor grau de regulação econômica, ou seja, quanto mais liberal for uma economia, mais as empresas buscam soluções mercadológicas para seus problemas. Por outro lado, quanto mais coordenada for a economia, mais as empresas dependerão de relações não mercadológicas para coordenar seus esforços com outros atores para construir suas competências. Analisando esse conjunto de efeitos pode-se afirmar, mesmo que genericamente, que a política social - no nível microeconômico - tem as seguintes funções: a) redução dos custos da força de trabalho; b) aumento da produtividade do trabalho; c) redução dos custos de transação; d) reorganização, no âmbito doméstico, do capital humano socialmente construído; e) geração de benefícios e negócios empresariais; f) geração de standards para serviços similares prestados pelo mercado; g) criação de um mínimo de capacidade de consumo para indivíduos sub-remunerados (empregados formais ou não) ou não remunerados; e h) definição da estrutura de governança empresarial. Assim, constatar algumas funções microeconômicas das políticas sociais tem sua relevância acadêmica; porém, para entender as suas escolhas históricas, seus desenhos institucionais, a disponibilidade de bens coletivos produzidos e a solidariedade social de um País é preciso entender seus efeitos na estrutura social 2, passo esse apenas mal iniciado neste artigo. 4 CONCLUSÕES A grande maioria dos trabalhos que discutem política social e desenvolvimento econômico, no marco do Estado de Bem-Estar, o faz buscando desvendar os impactos dessas relações no âmbito macroeconômico, principalmente seus impactos no desenvolvimento dos países. Porém, como discutido, existe uma relação bidirecional entre políticas sociais e comportamento econômico dos agentes privados no âmbito dos regimes de bem-estar e esta relação impacta o desenvolvimento. O marco teórico introduzido por Esping-Andersen é de fundamental importância quando o interesse é relacionar desenvolvimento econômico - na sua dimensão micro – com o 2 Estrutura social é a configuração de instituições, regras e recursos que criam condições de vida desiguais das pessoas em um momento e lugar determinado. A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir A.; SAMAHA, Michel Jorge 431 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433 campo da política social. É nessa tradição que fica mais explícita a construção da dimensão sistêmica da política social. Em esforço preliminar e não exaustivo, analisaram-se oito funções microeconômicas da política social: a) redução dos custos da força de trabalho; b) aumento da produtividade do trabalho; c) redução dos custos de transação; d) reorganização, no âmbito doméstico, do capital humano socialmente construído; e) geração de benefícios e negócios empresariais; f) geração de standards para serviços similares prestados pelo mercado; g) criação de um mínimo de capacidade de consumo para indivíduos sub-remunerados (empregados formais ou não) ou não remunerados; e h) definição da estrutura de governança empresarial. A identificação das funções aponta para uma melhor compreensão das relações entre agentes privados, política social e desenvolvimento no âmbito do Estado de Bem-Estar, além de ampliar a perspectiva de investigação sobre o tema, gerando uma agenda de pesquisa de caráter multidisciplinar. 5 REFERÊNCIAS ADELANTADO, J G. NOGUERA, J, A. RAMBLA, X. SÁEZ, L. 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