27. MAINARDES DA SILVA SAMAHA

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Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014,
ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 421-433
A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM
CORTE MICROECONÔMICO
MAINARDES DA SILVA, Lenir A.
Professor do Programa de doutorado em Ciências Sociais Aplicadas da UEPG-PR
E-mail ([email protected])
SAMAHA, Michel Jorge
Estudante de doutorado do Programa de Ciências Sociais Aplicadas da UEPG-PR
E-mail ([email protected])
RESUMO
O artigo contém revisão teórica sobre as funções da política social no âmbito microeconômico. Oito
funções foram analisadas buscando estabelecer conexões relacionadas com as políticas sociais. O marco
teórico utilizado foi o elaborado por Gösta Esping-Andersen e suas derivações. É nessa tradição que fica
mais explícita a construção da dimensão sistêmica da política social. Conclui-se que existe uma relação
bidirecional entre políticas sociais e comportamento econômico dos agentes privados no âmbito dos
regimes de bem-estar e que esta relação impacta o desenvolvimento.
Palavras-chave: Política Social, Funções Microeconômicas, Estado de Bem-Estar.
ABSTRACT
The article contains theoretical review about the functions of social policy at the microeconomic level.
Eight functions were analyzed to establish related connections with social policies. The theoretical
framework used was prepared by Gosta Esping-Andersen and its derivations. It is in this tradition that
the construction of the systemic dimension of social policy is more explicit. It is concluded that there is
a bidirectional relationship between social policies and economic behavior of private agents under the
welfare regimes and this relationship impacts the development.
Key-words: Social Policy, Microeconomic Functions, Welfare State.
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1 INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta algumas ideias, colhidas na literatura, para apanhar a relação entre
políticas sociais e a dinâmica microeconômica de uma sociedade. A grande maioria dos
trabalhos que discutem proteção social e desenvolvimento econômico, no marco do Estado de
Bem-Estar, o faz buscando desvendar os impactos dessas relações no âmbito macroeconômico.
A premissa fundamental aqui é de que existe uma relação bidirecional entre políticas sociais e
comportamento econômico dos agentes privados. A Política Social - como de resto são as
Políticas Públicas – é fenômeno ligado ao modo de produção capitalista e produto das relações
sociais estabelecidas em seu seio.
O século XIX foi marcado por grandes transformações, como as revoluções burguesas
e o alargamento da hegemonia do capitalismo industrial. Tem início uma tensão entre a
consolidação dos direitos políticos, por um lado e, por outro, os princípios econômicos de
cunho liberal, como a defesa da propriedade privada e a extração dos benefícios gerados pelo
trabalho assalariado. É justamente o trabalho assalariado e seus riscos que impulsionam a ideia
de proteção social.
No século XX, principalmente a partir da Segunda Grande Guerra Mundial, os países
europeus mais desenvolvidos experimentaram a realização de um pacto entre organizações
políticas e sindicais da classe operária e os capitalistas, que resultou no que veio a ser chamado
de “Estado de Bem-Estar Social”. É nesse período que as políticas sociais passam a assumir um
caráter de regulação do livre mercado, os direitos sociais assumem um perfil universal e são
garantidos pelo Estado.
A ampliação da atividade regulatória do Estado veio acompanhada do aumento da
estrutura administrativa e acréscimo das fontes de financiamento para garantir os novos
direitos sociais; ao mesmo tempo, houve um elevado crescimento econômico e de bem-estar
social. O welfare state “significou mais do que um simples incremento das políticas sociais no
mundo industrial desenvolvido. Em termos gerais, representou um esforço de reconstrução
econômica, moral e política” (ESPING-ANDERSEN, 1995, P.1).
No Brasil, o estabelecimento de um Estado de Bem-Estar ocorre nos moldes do que
foi realizado nos países europeus. Porém, além de periférica em relação à economia mundial, a
economia brasileira convivia com uma grande diferença nos padrões tecnológicos da indústria
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e da agricultura. Para Medeiros (2001, p.8) “No Brasil, o Welfare State surge a partir de
decisões autárquicas e com caráter predominantemente político: regular aspectos relativos à
organização dos trabalhadores assalariados dos setores modernos da economia e da
burocracia”. Nesse sentido, as ações estatais centralizadas tinham como objetivo a integração
da economia nacional e consolidação da base legal para o mercado de trabalho.
Contida no DNA do Estado de Bem-Estar, a relação bidirecional entre os sistemas de
proteção social e o desenvolvimento econômico parece ter sido esquecida no meio acadêmico.
Para Draibe (2006, p.8) “durante as últimas décadas, assistimos ao predomínio do tratamento
dissociado da economia e da política social, com claro prejuízo de uma e outra, mais ainda
quando orientado, como o foi, pelas correntes formalistas e abstratas, de forte enviezamento
quantitativo”.
A tendência em retomar uma abordagem integrada entre economia e política social
tem sido um esforço acadêmico voltado para desconstruir a ideia de que o grau de proteção
social é uma variável dependente do crescimento econômico de um país. Dessa forma, o que se
busca entender é a relação bidirecional entre política social e comportamento econômico dos
agentes privados.
Parece claro que o Estado de Bem-Estar é o marco de análise quando pensadas, de
forma articulada, essas duas variáveis, pois é nele que se faz possível entender política social
numa perspectiva de proteção social, descortinando sua orientação para a esfera econômica, em
especial para a microeconômica.
2 POLÍTICA SOCIAL NOS ESTADOS DE BEM-ESTAR SOCIAL
Política social é um termo polissêmico e de difícil compreensão. O seu tratamento
acadêmico tem sido feito por uma multiplicidade de métodos e aproximações. É, por
excelência, um campo de análise multidisciplinar onde se exploram o contexto social,
econômico, político, ideológico e institucional no qual o bem-estar é produzido, organizado e
distribuído; sendo assim, diz respeito a todos aqueles aspectos das políticas públicas, das
relações de mercado e não monetárias que contribuem para aumentar ou diminuir o bem-estar
de indivíduos e grupos.
Para Adelantado (1998, p.124), as análises das políticas sociais dos Estados de
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Bem-Estar no pós-guerra se situaram, de forma simplificada, em torno de três grandes
correntes de estudo: 1) A tradição marxista (ou neomarxista); 2) As diversas tradições não
marxistas (estrutural-funcionalistas, weberianas, positivistas, etc.); e 3) Novas linhas de estudo
inauguradas pelo livro de G. Esping-Andersen (The Three Worlds of Welfare Capitalism).
Para os propósitos desse ensaio, o marco teórico introduzido por Esping-Andersen se
reveste de especial importância na medida em que é a partir dele que o tema do
desenvolvimento econômico passa a integrar o campo da proteção social. É nessa tradição que
fica mais explícita a construção da dimensão sistêmica da política social.
É com a construção das diferentes tipologias de Welfare State que fica claro o vínculo
dos sistemas de proteção com o tipo de economia, processo produtivo e com a organização da
classe trabalhadora. Nessa ótica, os três tipos construídos foram: (1) liberal (residual): modelo
de mercado no qual a política social intervém ex-post, voltado predominantemente para os
comprovadamente pobres e, na quase totalidade, com reduzidas transferências universais; (2)
conservador/corporativo (meritocrático-particularista ou estratificado): modelo em que as
pessoas devem estar em condições de resolver suas próprias necessidades, com base em seu
trabalho, em seu mérito, no desempenho profissional, na sua produtividade; os direitos estão
ligados à classe e ao status; (3) socialdemocrata (institucional/redistributivista): modelo
voltado para a produção e distribuição de bens e serviços sociais desmercantilizados e
garantidos a todos os cidadãos. As políticas sociais configurando-se enquanto direitos sociais
garantindo o amplo conceito de seguridade social. A estrutura de análise introduzida pelo
sociólogo dinamarquês, além de explicar os diferentes modelos de welfare states por meio de
diferentes sistemas de estratificação social, introduz como ferramenta de análise o conceito de
desmercantilização (de-commodification). Este último se referindo às possibilidades de
subsistência dos cidadãos - como direito social - quando não se relacione com o mercado de
trabalho.
Mais
tarde,
também
introduziu
outro
critério:
a
desfamiliarização
(de-familiarisation), entendido como o grau de redução da dependência econômica do
indivíduo em relação à sua família.
Apesar da óbvia importância acadêmica, muitas foram as críticas às formulações de
Esping-Andersen. Uma das mais relevantes é a de que o critério de desmercantilização pode
não revelar a relação causal entre política social e estrutura social. A estrutura social entendida como instituições, regras e recursos que determinam as condições de vida desiguais
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em determinado lugar e período de tempo - é obviamente afetada pela relação entre política
social e desenvolvimento econômico.
Sin embargo, su categorización como Estados de bienestar según un esquema
simple de mercantilización-desmercantilización, lleva a pensar en un Estado
"bueno", que desmercantiliza a los ciudadanos para compensar los efectos
perversos de un mercado capitalista "malo". A la vez, oscurece una realidad
en la que Estado y mercado no son las unicas esferas relevantes de la
estructura social; que la desmercantilización no es el uinico impacto posible (y
quiza tampoco el principal) de la política social sobre las diversas
desigualdades, y que la politica social no solo compensa o reduce las
desigualdades originadas en otros ámbitos, sino que tambien puede
reproducirlas, aumentarlas e incluso constituirlas como tales.
(ADELANTADO, 1998, p. 124)
Entretanto, os conceitos introduzidos por essa corrente revelam um conjunto de
opções políticas cujo objetivo é orientar o desenvolvimento econômico, focando na satisfação
das necessidades fundamentais de cada indivíduo e da sociedade. A política social envolve a
oferta de bens que, direta ou indiretamente, recebem incentivos estatais e não são
espontaneamente supridos pelo mercado, principalmente se os destinatários forem pessoas e
famílias de baixa renda. Entre estes bens encontram-se: saúde, educação, habitação,
previdência social, entre outros.
A política social estará orientada para o desenvolvimento econômico quando estiver
voltada para o fornecimento do mais alto grau de satisfação possível, das necessidades básicas,
para as pessoas mais fragilizadas economicamente. Ainda, quanto maior o acesso dos grupos
sociais fragilizados aos frutos do crescimento econômico, maior a orientação para o
desenvolvimento.
Quando se olha o crescimento econômico orientado para o desenvolvimento é
necessário que se entenda como os agentes privados interagem com as políticas sociais, pois
mesmo que se espere que os impactos sejam inicialmente sociais, outros impactos no âmbito
microeconômico serão gerados. Discutindo a orientação da política social para o
desenvolvimento, a Professora Celia Lessa Kerstenetzky afirma:
“...ao exercer essas funções, as políticas sociais acabam afetando variáveis
econômicas: ao proteger e prevenir contra riscos, elas promovem estabilidade
econômica (com a suavização do consumo e a redução da incerteza);
economizam capacidade produtiva que, na sua ausência, seria perdida;
liberam as empresas dos custos envolvidos em proteção e prevenção; elas
também contribuem para a valorização de capacidades, que podem ser
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mobilizadas para o aumento de produtividade e da eficiência econômica e
para o crescimento, e o fazem liberando o setor privado dos custos e
investimentos envolvidos”. (KERSTENETZKY, 2012, p.44)
São escassas as análises das funções microeconômicas das políticas sociais, porém, a
literatura sobre a Economia Política e o Estado de Bem-Estar tem dado pistas para uma melhor
compreensão das relações entre agentes privados, proteção social e desenvolvimento. O que se
pretende no próximo tópico é elencar, de forma não exaustiva, as relações microeconomias que
sofrem impacto das políticas sociais no âmbito de um Estado de Bem-Estar.
3 FUNÇÕES MICROECONÔMICAS DAS POLÍTICAS SOCIAIS
As análises centradas no mundo do trabalho têm sido uma importante ferramenta de
compreensão dos componentes políticos do desenvolvimento do Estado de Bem-Estar. Com a
crescente combinação entre políticas sociais focalizadas e universais, se faz necessário
investigar a relação causal entre política social e o comportamento dos agentes privados. Para
os propósitos desse ensaio, a questão a ser respondida é: O que a política social representa para
os agentes econômicos privados?
O Estado de Bem-Estar tem o compromisso formal de dar assistência e suporte para os
indivíduos que, segundo OFFE (1984, p.67), “possuem necessidades e riscos sociais típicos de
uma sociedade de mercado, ou seja, uma noção de responsabilidade coletiva acerca de questões
sociais e a noção de legitimidade das demandas coletivas feitas pelas associações de
trabalhadores”. Na medida em que a mobilidade do trabalho no sistema capitalista não é livre e
que o fator trabalho encerra um elevado custo em função dos riscos (desemprego, invalidez,
crises, etc) e de sua capacitação, se afigura lógica a responsabilidade coletiva na diminuição
dos custos (diretos e indiretos) e de transação 1.
Em relação aos custos de transação, os institucionalistas apontam que os termos e
condições dos contratos afetam diretamente a eficiência da alocação de recursos, pois
dependem fundamentalmente da definição dos direitos de propriedade e das relações sociais.
Dessa forma, para Pranab Bardhan and Samuel Bowles (1996) (citado por Mkandawire, 2001,
1
Os custos de transação são aqueles que os agentes enfrentam quando recorrem ao mercado para adquirir
equipamentos, insumos ou serviços, ou quando estabelecem uma “interface” com outro agente. Esses custos
envolvem: custos de negociar, redigir e garantir o cumprimento de um contrato (formal ou informal).
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p.6) são dois os argumentos para considerar o impacto das políticas sociais nos custos de
transação:
First, inequality may impede economic performance by obstructing the
evolution of productivity-enhancing governance structures in firms, farms,
communities, and nations, in part because institutional structures supporting
high levels of inequality are costly to maintain, and because inequality is an
obstacle to the shared values and trust essential to efficient bargaining and
co-operative decision making.
Second, where hard work, innovation, maintenance of an asset and other
behaviour essential to high levels of economic performance cannot be
specified in costlessly enforceable contracts, some distributions of property
rights are more efficient than others, and there may therefore exist a class of
redistributions of property rights which in conjunction with other policies
(such as insurance) yield outcomes both more efficient and more egalitarian
than the status quo in most economies.
A qualidade do capital humano – atributo exógeno ao indivíduo, portanto, construído
socialmente - é outra restrição atacada por políticas sociais. Os investimentos diretos e
montagem de arranjos institucionais voltados para qualificação, em certa medida, condicionam
a participação dos indivíduos no mercado de trabalho. Mesmo que o protagonismo das ações
educacionais por parte do Estado esteja cambiando para a esfera hegemônica do capital, este
não prescinde do Estado como financiador direto e indireto (incentivos fiscais) das ações
educacionais.
O deslocamento do papel do Estado para o empresariado na direção de projetos
educacionais se apresenta com a justificativa da mudança de base técnica do trabalho substituição do modelo fordista pelo modelo de acumulação flexível -, gerando, segundo o
discurso hegemônico, a necessidade de um novo trabalhador, formado de acordo com o ethos
da empresa (SANTOS, 2004, p.2). Em última análise, seja qual for o discurso dominante, o
investimento em capital humano concorre, no nível microeconômico, para uma elevação na
produtividade do trabalho e para o acesso dos indivíduos ao mercado de trabalho.
A formação do capital humano tem sua iniciação no âmbito familiar e doméstico.
Escassos serviços públicos destinados à família em um mercado de trabalho que discrimina
renda pelo gênero aumentam sobremaneira os custos laborais e econômicos da mercantilização
do trabalho feminino (custo de oportunidade). Por outro lado, o espaço familiar é responsável
pela oferta futura de trabalhadores. Nesse sentido, as políticas sociais atuam na tentativa de
conciliar trabalho e vida familiar introduzindo a mulher e a família na composição de uma rede
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comunitária de promoção do capital humano.
A crise do fordismo, a globalização e a mudança da base técnica da economia intensificando o uso de capital e tornando extensivo o uso do trabalho - além de não gerarem o
pleno emprego (favorecendo a reserva de mão de obra para os empresários), também criaram
as condições para a expansão de benefícios e negócios privados fundados nas políticas de
proteção social. A fragmentação da estrutura ocupacional e a heterogeneidade da classe
trabalhadora geraram uma intensa pressão para uma oferta privada de serviços sociais, pressão
essa fundada numa pretensa incapacidade de seu fornecimento pelo Estado.
A exploração privada de áreas como seguros, previdência, saúde e educação é
exemplo de como a política social opera não só para reduzir o custo do trabalho, mas também
para gerar negócios de grande relevância econômica. Não se olvida que a ampliação desse
segmento tenha impacto sobre a capacidade fiscal do Estado de Bem-Estar, pois quem ganha
mais pressiona em busca de benefícios fiscais para compensar seus gastos privados nesses
produtos. Entretanto, as concessões fiscais afetam aqueles com menor renda e que não podem
pagar por esses serviços.
Com a dualidade público/privado na oferta de serviços sociais, outra função da
política social é balizar e criar Standards nos serviços privados. A qualidade do serviço público
passa a referenciar a oferta privada do mesmo. Isso significa que se a qualidade do serviço
ofertado pelo Estado piora, a do setor privado também piora, pois, o setor público é quem gera
competição.
Figura 1 – Competição de Qualidade entre o Serviço Social Público e o Serviço Social Privado
Fonte: Elaboração Própria
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A Figura 1 representa a competição na qualidade ofertada do serviço entre o setor
público e o privado, mostrando que a qualidade da oferta privada não está dada de antemão. Na
medida em que o Estado perde capacidade fiscal de prestar bons serviços, o setor privado não é
tensionado a elevar a qualidade dos seus.
A proteção social em países em desenvolvimento, como o Brasil, está focada no
combate à pobreza e à miséria. A transferência de renda focada nos pobres tem sido o
paradigma dessa estratégia. Nessa linha de suporte, a preocupação não está centrada no risco e
na vulnerabilidade, mas sim nas restrições enfrentadas pelos pobres para se aproveitarem das
oportunidades econômicas criadas na sociedade. Para Barrientos (2010, p.2):
The broader developmental role of social protection in developing countries
involves three main functions: (i) to help protect basic levels of consumption
among those in poverty or in danger of falling into poverty; (ii) to facilitate
investment in human and other productive assets which alone can provide
escape routes from persistent and intergenerational poverty; and (iii) to
strengthen the agency of those in poverty so that they can overcome their
predicament.
Possibilitar aos mais pobres o mínimo de capacidade de consumo pode gerar efeitos
multiplicadores na economia e na sociedade. Ainda que em percentuais baixos em relação ao
PIB (Produto Interno Bruto), a transferência de renda traduzida em aumento do consumo pode
gerar maior aproveitamento das oportunidades, reduzindo a pobreza intergeracional. Isso para
não falar do óbvio efeito no fluxo circular da renda onde empresas, famílias e governo se
beneficiam da elevação dos gastos das famílias.
A potencialização dos efeitos da transferência de renda pode ocorrer na medida em
que se apliquem condicionalidades que interfiram nas outras funções já debatidas. A
transferência pode estar condicionada a uma oferta temporária de trabalho, ao investimento em
capital humano, incluindo educação, saúde e nutrição ou, ainda, a uma combinação entre eles.
Assim como na abordagem dos custos de transação, outra contribuição dos
institucionalistas no campo econômico é a análise da governança corporativa. Para essa
corrente, o conceito de empresa é relacional, ou seja, as empresas são atores que buscam
desenvolver e explorar competências para produzir e distribuir bens e serviços de forma
lucrativa. Para esse fim, elas criam relações tanto internamente com seus trabalhadores, como
externamente, com fornecedores, clientes, colaboradores, sindicatos, associações e governos.
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Dessa forma, o sucesso no empreendimento depende da sua capacidade de coordenar
eficazmente uma ampla gama de atores.
Nessa linha, Hall e Soskice (2001, pp.6-7) propõem cinco esferas em que as empresas
devem desenvolver relacionamentos para resolver os problemas centrais de coordenação e
serem competitivas. São elas: I) industrial relations; II) vocational training and education; III)
corporate governance; IV) inter-firm relations; e V) employees.
Os problemas que as empresas enfrentam em cada uma das esferas podem ser
sintetizados no quadro abaixo.
Quadro 1 – Esferas e Problemas de Coordenação das Empresas
Esferas
industrial relations
(relações Industriais)
vocational training and education
Problemas de Coordenação




Negociação sobre os salários;
Condições de trabalho; e
Relação
com
sindicatos
e
representantes dos trabalhadores.

As empresas enfrentam o problema
de garantir uma força de trabalho
com competências adequadas; e
Os trabalhadores enfrentam o
problema de decidir quanto investir
em que habilidades.


Acesso ao financiamento; e
Retorno financeiro aos investidores.
Inter-firm relations

(relação inter-empresas)

Assegurar demanda estável de seus
produtos;
Buscar fornecimento adequado de
insumos; e
Acessar tecnologia e manter o
progresso
tecnológico
e
a
competitividade.
(educação e formação profissional)
corporate governance
(governança corporativa)

employees

(empregados)
Assegurar que os empregados
tenham competências necessárias e
cooperem para atingir os objetivos
da empresa.
Fonte: Elaborado a partir de Hall e Soskice (2001).
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A governança empresarial, guerreada nas diferentes esferas, é afetada pelo maior ou
menor grau de regulação econômica, ou seja, quanto mais liberal for uma economia, mais as
empresas buscam soluções mercadológicas para seus problemas. Por outro lado, quanto mais
coordenada for a economia, mais as empresas dependerão de relações não mercadológicas para
coordenar seus esforços com outros atores para construir suas competências.
Analisando esse conjunto de efeitos pode-se afirmar, mesmo que genericamente, que a
política social - no nível microeconômico - tem as seguintes funções: a) redução dos custos da
força de trabalho; b) aumento da produtividade do trabalho; c) redução dos custos de transação;
d) reorganização, no âmbito doméstico, do capital humano socialmente construído; e) geração
de benefícios e negócios empresariais; f) geração de standards para serviços similares
prestados pelo mercado; g) criação de um mínimo de capacidade de consumo para indivíduos
sub-remunerados (empregados formais ou não) ou não remunerados; e h) definição da estrutura
de governança empresarial.
Assim, constatar algumas funções microeconômicas das políticas sociais tem sua
relevância acadêmica; porém, para entender as suas escolhas históricas, seus desenhos
institucionais, a disponibilidade de bens coletivos produzidos e a solidariedade social de um
País é preciso entender seus efeitos na estrutura social 2, passo esse apenas mal iniciado neste
artigo.
4 CONCLUSÕES
A grande maioria dos trabalhos que discutem política social e desenvolvimento
econômico, no marco do Estado de Bem-Estar, o faz buscando desvendar os impactos dessas
relações no âmbito macroeconômico, principalmente seus impactos no desenvolvimento dos
países. Porém, como discutido, existe uma relação bidirecional entre políticas sociais e
comportamento econômico dos agentes privados no âmbito dos regimes de bem-estar e esta
relação impacta o desenvolvimento.
O marco teórico introduzido por Esping-Andersen é de fundamental importância
quando o interesse é relacionar desenvolvimento econômico - na sua dimensão micro – com o
2
Estrutura social é a configuração de instituições, regras e recursos que criam condições de vida desiguais das
pessoas em um momento e lugar determinado.
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campo da política social. É nessa tradição que fica mais explícita a construção da dimensão
sistêmica da política social.
Em esforço preliminar e não exaustivo, analisaram-se oito funções microeconômicas
da política social: a) redução dos custos da força de trabalho; b) aumento da produtividade do
trabalho; c) redução dos custos de transação; d) reorganização, no âmbito doméstico, do capital
humano socialmente construído; e) geração de benefícios e negócios empresariais; f) geração
de standards para serviços similares prestados pelo mercado; g) criação de um mínimo de
capacidade de consumo para indivíduos sub-remunerados (empregados formais ou não) ou não
remunerados; e h) definição da estrutura de governança empresarial.
A identificação das funções aponta para uma melhor compreensão das relações entre
agentes privados, política social e desenvolvimento no âmbito do Estado de Bem-Estar, além
de ampliar a perspectiva de investigação sobre o tema, gerando uma agenda de pesquisa de
caráter multidisciplinar.
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A POLÍTICA SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UM CORTE MICROECONÔMICO - MAINARDES DA SILVA, Lenir
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433
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