Grupos de Risco para Doença Renal Crônica Risk Groups for Chronic Kidney Disease Pedro A. Gordan Departamento de Clínica Médica, Universidade Estadual de Londrina, Coordenador da Unidade de Pesquisa Clínica e Educacão – Nefroclínica de Londrina RESUMO O aumento da incidência e prevalência de Doença Renal Crônica (DRC) Terminal no mundo e no Brasil é um fenômeno conhecido. O conhecimento dos fatores de risco é importante para fundamentar políticas públicas de Saúde que visam reduzir o ônus econômico e erradicar a epidemia. Individualmente, o conhecimento dos fatores de risco e dos agravantes é importante para nefrologistas e também para clínicos gerais que estarão na linha de frente da luta contra essa enfermidade. Esta revisão pretende ser útil para os jovens médicos especialmente no que tange às suas atividades assistenciais e educativas. Descritores: Doença renal crônica. Fatores de risco. Grupos de risco. Doença renal crônica terminal. ABSTRACT The growing incidence and prevalence of End Stage Renal Disease (ESRD) in the last decade is a well-known phenomenon. Awareness of risk groups and associated risk factors is pivotal in planning public policies promoted to diminish the burden of the disease and to halt the epidemic. On an individual basis, awareness of risk and aggravating factors is important for nephrologists as well as for general practitioners who will be at the frontline of the fight against the disease. This review intends to be instrumental for young doctors specially regarding their health care and educational activities. Keywords: Chronic kidney disease. Risk factors. Risk groups. Stage renal disease. INTRODUÇÃO: No Brasil (2006) acima de 70.000 pacientes estão em Terapêutica Renal Substitutiva (TRS) por Doença Renal Crônica Terminal (DRCT)1. Presume-se porém, extrapolando dados da literatura2 que pelo menos 1.500.000 brasileiros apresentam algum grau de lesão ou queda da função renal sendo a maioria deles assintomáticos e que não chegarão a atingir os estágios terminais (estágios 4 e 5 da DRC) pela sua alta mortalidade cardiovascular3. A busca ativa destes pacientes, através da organização dos Serviços de Saúde e da capacitação dos prestadores, nos mais diversos níveis de atenção, é essencial para a sua detecção e adequado acompanhamento. Neste sentido, a identificação de Grupos de Risco é instrumental para dirigir as Ações de Saúde com eficácia e eficiência. GRUPOS DE RISCO Há quatro grupos de pacientes bem definidos em risco de desenvolver DRC4,5: 1. Hipertensos 2. Diabéticos 3. Pacientes Portadores de Doenças Cardiovascular 4. Familiares de Pacientes com DRCT Outros fatores de risco associados mas da mesma importância incluem: 1. Hiperlipidemia 2. Consumo de Proteinas 3. Obesidade 4. Proteinúria 5. Fatores Étnicos e Pobreza HIPERTENSÃO ARTERIAL – É a primeira causa de DRCT no Brasil, responsável por cerca de 40 % dos pacientes4, é um fator de risco modificável cujo tratamento adequado é capaz de diminuir significativamente não só a mortalidade cardiovascular, mas também a velocidade de progressão da DRC. Inúmeros ensaios clínicos e experimentais demonstram que a diminuição dos níveis pressóricos e, além disto, o bloqueio do Sistema Renina – Angiotensina (SRA) por inibidores da ECA e ou Bloqueadores dos Receptores da Angiotensina são eficazes para a nefro-proteção 6-9. A diminuição da filtração glomerular abaixo de 60ml /min/1,73 m2 e ou a presença de microalbuminúria significativa (uma relação albumina-creatinina acima de 200mg/g creatinina) são indicações para o manejo adequado da pressão e o uso de bloqueadores do SRA como medicamentos de primeira linha. Os níveis pressóricos devem ser mantidos abaixo de 130 x 80 mmHg10. J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 3 - Supl. 2 - Setembro de 2006 DIABETE – Constitui a primeira causa de DRCT em países desenvolvidos (45%), no Brasil a prevalência de diabetes varia de 18% na Região Norte até 27% na Região Sul (Censo SBN, 2006)1 sendo a segunda causa de DRC, porém sua prevalência aumentou de 10% para, cerca de, 25% em 10 anos o que constitui a base da epidemia. O controle estrito dos níveis glicêmicos, associado ao bloqueio do SRA e do manejo da hipertensão diminuem a progressão de diabetes dos tipos 1 e 2 e deve ser incorporado a boa prática clinica11-14. DOENÇA CARDIOVASCULAR – Pacientes submetidos a procedimentos radiológicos e cirúrgicos sobre o sistema cardiovascular e aqueles recrutados para ensaios clínicos de doença aterosclerótica tem risco aumentado para DRC15-18. McClellan19, refere que 60% dos pacientes com Insuficiência Cardíaca e 52 % dos pacientes com Infarto do Miocárdio que receberam alta do Sistema Medicare dos Estados Unidos tinham uma filtração glomerular abaixo de 60 ml/min, demonstrando que a doença cardiovascular associada a DRC aumenta o risco de DRCT. Pacientes portadores de doença cardiovascular devem ser apropriadamente avaliados sob o ponto de vista nefrológico e medidas terapêuticas de nefroproteção devem ser prescritas. FAMILIARES DE PACIENTES PORTADORES DE DRCT – a associação entre DRCT e história familiar de nefropatia foi descrita por Ferguson20 que demonstraram que a prevalência de DR entre familiares (primeiro e segundo grau) de pacientes em TRS era de 26% comparados com 11% da comunidade. Entre 769 familiares de pacientes em TRS, Jurkovitz & cols21 encontraram 13,9 % de indivíduos que tinham IFG < de 60ml/min e a maioria ignorava sua condição. No Brasil esta agregação familiar de doença renal também foi encontrada 22 em pacientes com DRCT e em nefropatia diabética 23. Este conceito não esta suficientemente disseminado entre os clínicos gerais e nem entre os nefrologistas, pois as campanhas de prevenção são dirigidas a população geral e não há programas de prevenção específicos dirigidos à familiares de paciente em hemodiálise. FATORES DE RISCO ASSOCIADOS HIPERLIPIDEMIA – Aos distúrbios lipídicos têm sido implicados na evolução de DRC há mais de duas décadas mais recentemente uma meta-análise de 13 estudos24 mostrou que o declínio da função renal em pacientes hiperlipidêmicos tratados foi menor do que em pacientes controles. 9 A correção do perfil lipêmico dos pacientes portadores de DRC é recomendado por se tratar de fator de risco para DRC e DCV25,26. CONSUMO PROTÉICO – já existe evidência clínica e experimental que a redução de proteína da dieta diminui a progressão de DRC e que este conceito pode ser generalizado para a população geral27-30. Por outro lado, estudos baseados no NHANES III2 mostraram que pacientes diabéticos e hipertensos que estavam no quintil mais alto de ingestão protéica tinham uma excreção de albumina três vezes maior que aqueles que estavam no quintil inferior. Proteínas não lácteas de origem animal são implicadas num maior declínio do IFG como mostrou o Nurse’s Health Study 31. Desta maneira parece ser razoável a restrição protéica moderada para pacientes portadores de DRC 30. OBESIDADE – Entre as pessoas participantes do estudo NHANES III, o fumo, inatividade física e um IMC maior ou igual a 35kg/m2 foram responsáveis por um aumento da incidência de DRC ou de mortes devidas à DRC (RR de 2,3)32,33. Há também evidência que a redução do IMC contribui para a diminuição da proteinúria e melhora da filtração glomerular 34,35. PROTEINÚRIA – A presença de microalbuminúria ou proteinúria é um fator de risco para evolução da DRC36. O grau de progressão depende dos níveis iniciais de proteinúria e também do seu grau de redução, uma redução de 2g/d na proteinúria foi associada à menor progressão da DRC. Para cada aumento da excreção de proteína em 1g/dia o risco de DRC progressiva aumenta 6 vezes. Portanto, a redução dos níveis de excreção protéica é mandatória e independente da redução dos níveis pressóricos para renoproteção, podendo eventualmente necessitar duplo bloqueio do SRA. FATORES ÉTNICOS – Nos Estados Unidos e outros paises como o Havaí, Austrália e Nova Zelândia há uma disparidade racial na maior prevalência de DRCT entre grupos étnicos locais e brancos37. Na América do Norte a maior prevalência de paciente afro-descendentes em DRCT é discrepante em relação a prevalência deste grupo de pacientes em DRC não terminal, isto é, pacientes participantes do NHANES III afro-descendentes tem um risco 8.9 vezes aumentado para DRCT5 no entanto não tem um aumento da prevalência de DRC correspondente. Uma explicação para esta discrepância seria que os afro - descendentes teriam uma evolução mais rápida para DRCT e esta diferença sendo explicada, pelo menos em parte, por fatores sócio-econômicos e políticos. Porém, outros fatores certamente influenciam este quadro, como a maior incidência de Hipertensão, Diabetes, Obesidade, Glomerulopatia por IgA, fatores culturais e mesmo farmacológicos envolvidos na epidemiologia da DRCT nestes Grupos. Grupos de Risco para DRC 10 4. Romão Jr JE. Doença Renal Crônica: Definição, Epidemiologia e Classificação. J Bras Nefrol 2004; 26:1-3. 5. McClellan WM. Epidemiology and Risk Factors forChronic Kidney Disease. Med Clin N Am 2005; 89:419-45 6. Maschio G, Alberti D, Janin G, et al. Effect of the angiotensinconverting-enzyme inhibitor benazepril on the progression of chronic renal insufficiency. The Angiotensin-ConvertingEnzyme Inhibition in Progressive Renal Insufficiency Study Group. N Engl J Med 1996; 334:939-45. 7. Viberti G, Mogensen CE, Groop LC, et al. Effect of captopril on progression to clinical proteinuria in patients with insulindependent diabetes mellitus and microalbuminuria.European Microalbuminuria Captopril Study Group . JAMA 1994; 271:275-9. Figura 1. Distribuição percentual de 193 pacientes segundo a classificação por classe Social (ABEP) comparados com a do Brasil. POBREZA – A pobreza certamente influi na evolução dos pacientes que já fazem parte de Grupos de Risco, pois a educação deficiente, desnutrição, baixo peso ao nascer, déficit habitacional, alcoolismo, droga-adição, infecções crônicas, exposição à dejetos e poluentes ambientais e preconceito contribuem para que tenham sua doença básica agravada e um pior acesso à assistência médica, levando à referência tardia ao especialista38. Uma avaliação realizada em 193 pacientes portadores de DRCT, submetidos à tratamento dialítico na Nefroclínica de Londrina - PR39, usando-se instrumento para classificação em classes sociais preconizado pela ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) mostrou que a sua distribuição em classes sociais não foi estatisticamente diferente do que a distribuição em classes sociais da população Brasileira (Figura 1), havendo necessidade de se expandir a pesquisa no sentido de detectar eventuais diferenças regionais ou locais. Esta revisão, por deficiência de dados estatísticos, se baseou quase inteiramente em dados da literatura internacional havendo necessidade de se analisar os dados com o devido cuidado, pois eles podem não se aplicar ao Brasil. REFERÊNCIAS 1. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo 2006 para o tratamento dialítico crônico. Disponível em: http://www.sbn.org.br/Censo/2006/censoSBN2006.ppt. Acesso em: 30/07/2006. 2. Coresh J, Astor BC, Greene T, Eknoyan G, Levey AS. Prevalence of chronic kidney disease and decreased kidney function in the adult US population: Third National Health and Nutrition Examination Survey. Am J Kidney Dis 2003; 41:1-12. 3. National Kidney Foundation. KDOQI:Clinical Practice Guidelines for Chronic Kidney Disease: Evaluation, Classification and Stratification. Am J Kidney Dis 2002; 39:S1–S266. 8. Bakris GL, Copley JB, Vicknair N, et al. Calcium channel blockers versus other antihypertensive therapies on progression of NIDDM associated nephropathy. Kidney Int 1996; 50:1641-50 9. Brenner BM, Cooper ME, de Zeeuw D, et al. RENAAL Study Investigators. Effects of losartan on renal and cardiovascular outcomes in patients with type 2 diabetes and nephropathy. N Engl J Med 2001; 345:861-9. 10. Chobanian AV, Bakris GL, Black HR, et al. Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure. National Heart, Lung, and Blood Institute; National High Blood Pressure Education Program Coordinating Committee. Seventh report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure. Hypertension 2003; 42:1206-52. 11. Prospective Diabetes Study UK. Intensive blood-glucose control with sulfonylureas or insulin compared with conventional treatment and risk of complications in patients with type 2 diabetes. BMJ 1998; 352:837-53. 12. The Diabetes Control and Complications Trial Research Group. The effect of intensivetreatment of diabetes on the development and progression of long-term complications in insulin-dependent diabetes mellitus. N Engl J Med 1993; 329:977-86. 13. The Diabetes Control and Complications (DCCT) Research Group. Effect of intensive therapy on the development and progression of diabetic nephropathy in the Diabetes Control and Complications Trial. Kidney Int 1995; 47:1703 14. Ohkubo Y, Kishikawa H, Araki E, et al. Intensive insulin therapy prevents the progressionof diabetic microvascular complications in Japanese patients with non-insulindependentdiabetes mellitus: a randomized prospective 6year study. Diabetes Res Clin Pract 1995; 28:103-17. 15. Shlipak MG, Heidenreich PA, Noguchi H, et al. Association of renal insufficiency with treatment and outcomes after myocardial infarction in elderly patients. Ann Intern Med 2002; 137:555-62. 16. Reis SE, Olson MB, Fried L, et al. Mild renal insufficiency is associated with angiographiccoronary artery disease in women. Circulation 2002; 105:2826-9. 17. Shlipak MG, Fried LF, Crump C, et al. Cardiovascular disease risk status in elderly persons with renal insufficiency. Kidney Int 2002; 62:997-1004. 18. Walsh CR, O’Donnell CJ, Camargo CA Jr, et al. Elevated serum creatinine is associated with 1-year mortality after acute myocardial infarction. Am Heart J 2002; 144:1003-11. J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 3 - Supl. 2 - Setembro de 2006 11 19. McClellan WM, Langston RD, Presley R, et al. Medicare patients with cardiovascular disease have a high prevalence of chronic kidney disease and a high rate of progression to end-stage renal disease. J Am Soc Nephrol 2004; 15:1912-9. 30. Klahr S, Levey AS, Beck GJ, et al. The effects of dietary protein restriction and blood pressure control on the progression of chronic renal disease. Modification of Diet in Renal Disease Study Group. N Engl J Med 1994; 330:877-84. 20. Ferguson R, Grim CE, Opgenorth TJ. A familial risk of chronic renal failure among blacks on dialysis? J Clin Epidemiol 1988; 41:1189-96. 31. Knight EL, Stampfer MJ, Hankinson SE, et al. The impact of protein intake on renal function decline in women with normal renal function or mild renal insufficiency. Ann Intern Med 2003; 138:460-7. 21. Jurkovitz C, Franch H, Shoham D, et al. Family members of patients treated for ESRD have high rates of undetected kidney disease. Am J Kidney Dis 2002; 40:1173-8. 32. Stengel B, Tarver-Carr ME, Powe NR, et al. Lifestyle factors, obesity and the risk of chronic kidney disease. Epidemiology 2003;14:479–87. 22. Queiroz Madeira EP, da Rosa Santos O, Ferreira Santos SF, et al. Familial aggregation of end-stage kidney disease in Brazil. Nephron 2002; 91:666-70. 33. Vupputuri S, Sandler DP. Lifestyle risk factors and chronic kidney disease. Ann Epidemiol 2003; 13:712-20. 23. Canani LH, Gerchman F, Gross JL. Familial clustering of diabetic nephropathy in Brazilian type 2 diabetic patients. Diabetes 1999; 48:909-13 24. Fried LF, Orchard TJ, Kasiske BL. Effect of lipid reduction on the progression of renal disease: a meta-analysis. Kidney Int 2001; 59:260-9. 25. Moorhead JF, Chan MK, El-Nahas M, et al. Lipid nephrotoxicity in chronic progressive glomerular and tubulointerstitial disease. Lancet 1982; 2:1309-11. 26. Brouhard BH, Cressman MD, Irwin KC, et al. Lipoprotein abnormalities in theprogression of renal disease. Cleve Clin J Med 1990; 57:599-604. 27. Kasiske BL, Lakatua JD, Ma JZ, et al. A meta-analysis of the effects of dietary proteinrestriction on the rate of decline in renal function. Am J Kidney Dis 1998; 31:954-61. 28. Pedrini MT, Levey AS, Lau J, et al. The effect of dietary protein restriction on the progression of diabetic and nondiabetic renal diseases: a meta-analysis. Ann Intern Med 1996; 124:627-32. 29. Wrone EM, Carnethon MR, Palaniappan L, et al. Association of dietary protein intake and microalbuminuria in healthy adults: Third National Health and Nutrition Examination Survey. Am J Kidney Dis 2003; 41:580-7. 34. Solerte SB, Fioravanti M, Schifino N, et al. Effects of diettherapy on urinary protein excretion albuminuria and renal haemodynamic function in obese diabetic patients with overt nephropathy. Int J Obes 1989; 13:203-11. 35. Chagnac A, Weinstein T, Herman M, et al. The effects of weight loss on renal function in patients with severe obesity. J Am Soc Nephrol 2003; 14:1480-6. 36. Ruggenenti P, Perna A, Mosconi L, et al. Urinary protein excretion rate is the best ndependent predictor of ESRF n non-diabetic proteinuric chronic nephropathies. Gruppo taliano di Studi Epidemiologici in Nefrologia (GISEN). Kidney Int 1998; 53:1209-16. 37. Tarver-Carr ME, Powe NR, Eberhardt MS, et al. Excess risk of chronic kidney disease mong African-American versus white subjects in the United States: a population-based study of potential explanatory factors. J Am Soc Nephrol 2002;13:2363–70. 38. Norris KC, Agodoa LY. Unraveling the racial disparities associated with kidney disease, Kidney Int 2005; 68:914-24. 39. Ribeiro PR, Ruppenthal AC. Comunicação pessoal, 2006. Endereço para correspondência Rua Souza Naves, 2615 - apto 1801 86015-430, Londrina, Paraná E-mail: [email protected]