Tratamento da Doença Renal Crônica: Estratégias para o Maior

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Comunicação Breve
Tratamento da Doença Renal Crônica: Estratégias para o Maior
Envolvimento do Paciente em seu Auto-Cuidado
Chronic Kidney Disease Treatment: Strategies for Increasing the Patient’s
Participation in Self-Care
Frances Valéria Costa e Silva1, Carla Maria Avesani2, Cristina Scheeffer3, Carla Cavalheiro S.
Lemos4, Bárbara Vale5, Maria Inês Barreto Silva6, Rachel Bregman7
Ambulatório de Tratamento Conservador da Doença Renal Crônica da Disciplina de Nefrologia, Hospital Universitário
Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
A identificação de pacientes portadores de doença renal crônica (DRC) ou em risco para o seu desenvolvimento pode ser feita por meio de testes simples
na rotina clínica. A importância do diagnóstico precoce da DRC está na possibilidade de instituição de intervenções clínicas que contribuem para o retardo
da progressão da doença, postergando o início da terapia renal substitutiva e, portanto, trazem ganhos para a qualidade de vida do paciente, contribuindo
com redução de custos do sistema público de saúde. No entanto, uma parcela importante dos pacientes é encaminhada tardiamente ao nefrologista.
Mesmo com o encaminhamento tardio, o tratamento da doença permite o controle da condição clínica do paciente. As diversas complicações que ocorrem
ao longo da evolução da DRC chamam atenção para a importância do tratamento especializado e multifacetado, realizado por equipe interdisciplinar. A
baixa adesão dos pacientes ao tratamento de doenças crônicas reforça a importância desse tipo de abordagem. Neste sentido, o presente trabalho tem
como objetivos apresentar estratégias que possam envolver mais os pacientes no seu auto-cuidado, aumentar a adesão ao tratamento e otimizar o trabalho
da equipe interdisciplinar.
Descritores: Doença renal crônica. Progressão. Prevenção. Aspectos nutricionais. Equipe interdisciplinar.
ABSTRACT
Simple and cost-effective laboratorial parameters can be used by the clinical practitioner for screening and diagnosing chronic kidney disease (CKD). The
importance of diagnosing CKD, still in early stages, lies in the possibility of delaying progression of the disease, postponing the beginning of renal
replacement therapy, and therefore, improving the patient’s quality of life and lowering costs of the public health care system. In addition, early detection of
CKD allows for better control of the disturbances commonly developed as renal function decreases. However, an important proportion of patients are
referred to the nephrologists only when the kidney function is markedly decreased. Even considering this late referral, treatment before the beginning of
renal replacement therapy allows for better control of the patient’s overall clinical state. Such treatment can achieve better results when a multidisciplinary
team is present. This is particularly important when considering multiple aspects of CKD and the low adherence of the patients to the treatment of chronic
diseases in general. Accordingly, this study proposes a series of strategies to enhance the patient’s adherence to the treatment and, ultimately, improve the
results and patient outcome.
Keywords: Chronic kidney disease. Progression. Prevention. Nutritional aspects. Interdisciplinary team.
Recebido em 09/11/07 / Aprovado em 20/02/08
Endereço para correspondência:
Frances Valéria Costa e Silva
Rua Ferreira Pontes, 317 - casa 3
20541- 280, Andaraí, Rio de Janeiro
E-mail: [email protected]
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Cartão de Tratamento Conservador
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INTRODUÇÃO
A doença renal crônica (DRC) é uma síndrome
clínica caracterizada pela perda lenta e irreversível da
função renal. Segundo os guias norte americanos de
conduta em aspectos da DRC (NKF/DOQI – National
Kidney Foundation / Clinical Practices Guidelines for
Chronic Kidney Disease), a DRC caracteriza-se pela presença de dano renal ou redução da função renal por um
período igual ou superior a três meses, independente de
sua etiologia1,2.
A ocorrência de DRC tem chamado atenção dado
o aumento de sua prevalência no Brasil e no mundo.
Dados do censo realizado em 2006 pela Sociedade
Brasileira de Nefrologia mostraram uma prevalência de
383 pacientes em tratamento dialítico por milhão de
habitantes no Brasil3. Desses, 90,7% estão em programa
de hemodiálise e 10,3%, em programa de diálise peritoneal. Chama atenção o crescimento de aproximadamente 40% no número de pacientes em diálise no período
de 2000 a 20063.
A prevalência de DRC na fase não dialítica também é elevada e preocupante. No Brasil, estima-se que
cerca de 1,4 milhão de indivíduos apresentem algum grau
de disfunção renal4,5 . Esses números fazem da DRC um
problema de saúde pública 6 e alertam para a importância
de estratégias que reduzam sua incidência.
Dessa forma, a DRC constitui um problema, cujo
impacto no plano individual e coletivo pode ser expresso
pelo sofrimento que a enfermidade acarreta, bem como
pelos custos crescentes associados não só à terapia renal
substitutiva (TRS), mas também às comorbidades presentes nesta população7,8. Seu enfrentamento implica a
necessidade de desenvolver estratégias com ações que
favoreçam e priorizem o enfoque individual e coletivo e
que diminuam a morbidade e mortalidade pela DRC.
Pesquisas recentes têm demonstrado que o diagnóstico precoce da disfunção renal e a concomitante
introdução de cuidados que tratam e previnem as complicações clínicas decorrentes da perda de função renal podem
retardar a evolução da doença8,9. Estes aspectos são particularmente importantes aos pacientes idosos, os quais
apresentam maiores complicações na TRS8. Além disso, a
oferta deste atendimento tem repercussão positiva no âmbito coletivo e na redução de custos dos sistemas de saúde.
No entanto, faz-se necessário refletir sobre estratégias que
contribuam para maior efetividade deste tratamento.
Sendo assim, o presente trabalho tem como
objetivo descrever propostas de intervenções baseadas
numa relação horizontal entre a equipe de saúde e o
paciente, de forma a torná-lo capaz de compreender a sua
condição de saúde e de se responsabilizar por seu
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cuidado. Em última instância, pretende-se alcançar uma
mudança de comportamento e, conseqüentemente, maior
efetividade do tratamento.
A abordagem do problema
A intervenção que este trabalho propõe engloba
três elementos: 1. acompanhamento do paciente por equipe
interdicisplinar; 2. debates entre os profissionais da saúde
e os pacientes, enquanto estes aguardam para atendimento
na sala de espera; 3. implantação de um cartão de acompanhamento do tratamento, no qual o paciente poderá
acompanhar sua condição de saúde, com maior ênfase
para os aspectos relacionados à DRC.
Equipe interdisciplinar
O acompanhamento por equipe interdisciplinar se
justifica pela complexidade da DRC, que compreende
diferentes facetas em seu tratamento e incorpora
múltiplos campos de conhecimento, incluindo aspectos
relacionados à condição clínica, nutricional, emocional e
de adesão à terapia medicamentosa9-11.
No Brasil, são poucos os serviços que contam com
essa equipe para o atendimento da clientela com DRC. No
Estado do Rio de Janeiro, a Disciplina de Nefrologia do
Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) dispõe de
um serviço estruturado, que vem realizando acompanhamento de pacientes com DRC nos últimos dez anos,
a partir de uma abordagem interdisciplinar, contando com
a participação de nefrologistas, nutricionistas, psicólogo,
odontologista e enfermeiro12.
Mesmo com essa estrutura, a equipe percebia a
dificuldade de adesão dos pacientes ao tratamento, o que
levou à busca de explicações e soluções para o problema.
Entre as explicações elaboradas, uma pareceu passível de
intervenção em curto prazo: a dificuldade da clientela em
compreender o discurso técnico-científico sobre a evolução da doença renal. Para os profissionais de saúde, a
gravidade da doença é demarcada pela redução da taxa de
filtração glomerular; mas, para a população acompanhada
no ambulatório, este marco parece ser a redução de
volume urinário e a presença de edema, sintomas que só
se apresentam em fase bastante avançada da doença.
Sendo assim, enquanto não houver expressão física da
doença (sintomas clínicos), o paciente não valoriza as
modificações prescritas pela equipe interdisciplinar,
resultando na baixa adesão ao tratamento.
Pensando nisso, duas novas estratégias foram elaboradas visando favorecer a compreensão do discurso técnico pela clientela. As estratégias, uma de caráter coletivo
e outra com foco individual, serão descritas a seguir.
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Debates na sala de espera
Os debates na sala de espera, implantados há cerca
de um ano, representam a intervenção coletiva onde se
busca a troca de conhecimento entre pessoas que vivenciam situações semelhantes, tendo como mediadores os
profissionais da saúde. Nesse espaço, temáticas como
alimentação, uso de medicamentos, explicações sobre a
função renal, cuidados com higiene bucal, entre outros
assuntos, são abordadas com a clientela que espera o
atendimento. Para tanto, adota-se linguagem simples e
coloquial, contando com recursos visuais de baixo custo,
como álbuns seriados preparados pelos profissionais de
saúde. Embora preliminar, essa abordagem vem se
mostrando positiva, em razão da participação ativa dos
pacientes e de seus familiares12.
Cartão de acompanhamento
O “cartão de acompanhamento do tratamento”
(Figura 1) representa uma estratégia de cunho individual.
A sua elaboração se baseou no “Cartão da Criança”
utilizado para acompanhamento de crescimento e
desenvolvimento infantil, além do controle de estado
vacinal. Este cartão, adaptado para a população com
DRC, visa apresentar, a partir de uma escala visual, o
estágio da doença renal, representado pela taxa de
filtração glomerular estimada. A pressão arterial, a
adequação do peso corporal (a partir do índice de massa
corporal) e da distribuição de gordura (avaliada pela
circunferência da cintura) também serão demonstradas.
Na face externa, serão inseridos os dados pessoais e de
controle vacinal. A implantação do cartão será gradativa:
inicialmente para todos os pacientes atendidos pela
primeira vez e/ou com taxa de filtração glomerular abaixo
de 60mL/min e, posteriormente, para o restante da
clientela acompanhada. O cartão será fornecido durante a
consulta com o enfermeiro e nutricionista, quando será
dado explicação sobre a interpretação das informações
contidas nos cartão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O texto apresenta a proposta desenvolvida no
HUPE, com vistas a qualificar o atendimento ao cliente
com DRC, tornando-o mais efetivo. As mudanças
necessárias para adoção dessas estratégias implicam a
reconstrução do processo de trabalho e do padrão de
relacionamento entre o profissional e o cliente. Acreditase que essas estratégias, com ênfase para o cartão de
acompanhamento, constituam mais um passo para o
maior envolvimento da clientela em seu tratamento.
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Figura 1. Face Externa - Cartão de acompanhamento do Tratamento
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Cartão de Tratamento Conservador
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Face Interna - Cartão de acompanhamento do Tratamento
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