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J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 47-50
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J. T. Monte Neto et al - Síndrome do Túnel do Carpo na IRC
Síndrome do Túnel do Carpo secundária à insuficiência renal
crônica (IRC). Relato de três casos
José Tiburcio do Monte Neto, Micheline Monte de Carvalho, Ceciane Alves Nery, Mário Sérgio
Ferreira Santos, José Tupinambá Sousa Vasconselos, Málaque de Miranda Adad Santos
A Síndrome do Túnel do Carpo (STC) é uma complicação freqüente em pacientes
submetidos a longo período de hemodiálise. Nós apresentamos três casos de pacientes do
sexo masculino, portadores de Insuficiência Renal Crônica (IRC), com longo tempo de
terapia hemodialítica, que desenvolveram STC, caracterizada clinicamente por dor, parestesia,
perda da capacidade de preensão e pela presença dos sinais de Tinel e Phalen, bem como
por alterações na condução nervosa do nervo mediano documentadas na
eletroneuromiografia. São discutidos os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, as
manifestações clínicas e as alterações na eletroneuromiografia.
Clínica Nefrológica do Piauí - CLINEFRO, Teresina - PI
Endereço para correspondência: José Tiburcio do Monte Neto
Av. Miguel Rosa, 3640-Sul
CEP: 64001-490 - Teresina, PI
Tel.: (086) 223-1987 Fax: (086) 221-1224
Síndrome do Túnel do Carpo, Hemodiálise, b2-microglobulina,
Nervo mediano
Carpal Tunnel Syndrome, Hemodialysis, b2-microglobulin, Median
nerve
Introdução
O tratamento dialítico expõe o paciente urêmico
a uma série de anormalidades complexas, incluindo a
Síndrome do Túnel do Carpo (STC). Esta síndrome é
uma complicação séria e comum em pacientes
submetidos a hemodiálise por longo período de
tempo. 1
O mecanismo responsável pelo desenvolvimento
da STC nestes pacientes não está completamente
esclarecido. Fatores etiológicos, tais como a Síndrome
do “Sequestro Vascular”, expansão do volume
extracelular e deposição de amilóide no túnel
carpiano têm sido sugeridos, mas a causa precisa é
desconhecida. 2 Clinicamente esta síndrome se
caracteriza por sintomas do tipo parestesia e dor na
região da face palmar dos três primeiros quirodáctilos
associada a hipotrofia da eminência tenar com
redução dos movimentos do polegar, dando à mão
uma aparência típica nos casos mais avançados. 1
Os autores relatam o comportamento clínico e
eletroneuromiográfico de três pacientes portadores de
Insuficiência Renal Crônica (IRC), submetidos a
hemodiálise por longo tempo (duração de 8, 10 e 12
anos de tratamento), que manifestaram quadro
compatível com STC, bem como a resposta ao
tratamento cirúrgico em dois deles.
Descrição dos Casos
Caso 1: Paciente masculino, 68 anos, portador de
IRC de etiologia indeterminada, em programa de
hemodiálise há 10 anos, sendo que há 5 anos após o
início do tratamento dialítico iniciou quadro
progressivo de dores nas extremidades de ambas as
mãos, principalmente a esquerda (ipsilateral à fístula
arteriovenosa), acometendo o segundo e terceiro
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quirodáctilos, que se intensificavam durante a sessão
de hemodiálise e à noite, acompanhada de parestesias, câimbras intensas e perda gradativa da
capacidade de preensão. Ao exame físico observou-se
a presença dos sinais de Tinel (dor à percussão do
punho) e Phalen (dor à hiperflexão do punho), bem
como atrofia da região tenar, notadamente do abdutor
curto do polegar bilateralmente.
Exames laboratoriais: uréia = 110mg/dl; creatinina
= 8,2mg/dl; K+ = 4,2mEq/l; fósforo = 5,6mg/dl; Ca++
= 10,2 mg/dl e fosfatase alcalina = 3,3 UI (VR: 0,83,0 UNBL/ml).
Realizada eletroneuromiografia (ENMG) que
mostrou ausência de potencial de ação do nervo
sensitivo à estimulação dos nervos medianos, bem
como da captação no segundo e terceiro quirodáctilos
bilateralmente. A velocidade de condução nervosa
motora do nervo mediano no segmento cotovelopunho e o potencial de ação muscular composto
(captação na eminência tenar) estavam normais. O
estudo eletromiográfico revelou sinais de denervação
em repouso (fibrilação e ondas positivas) no músculo
abdutor curto do polegar direito e esquerdo, com
traçado rarefeito e aumento da proporção de
potenciais de ação polifásicos à atividade voluntária
máxima. A neurocondução sensitiva e motora do
nervo ulnar encontrava-se dentro dos parâmetros de
normalidade, assim como a eletromiografia do seu
território motor. O exame foi conclusivo para a
existência de STC bilateral.
O paciente foi submetido à cirurgia de
descompressão nervosa, a nível do túnel do carpo,
evoluindo com melhora significativa da
sintomatologia dolorosa e da capacidade de preensão.
A eletroneuromiografia de controle no pós-operatório
revelou uma melhora do quadro anterior, sendo
detectado o reaparecimento do potencial sensitivo do
nervo mediano direito.
Caso 2: Paciente masculino, 53 anos, portador de
IRC, etiologia indeterminada, em programa regular de
hemodiálise há 12 anos, sendo que há 3 anos passou
a apresentar parestesias e dores inicialmente na mão
direita (ipsilateral à fístula arteriovenosa), evoluindo
com comprometimento de ambas as mãos, inclusive
com redução da capacidade de preensão. O exame
regional revelou edemas em ambas as mãos, com a
presença dos sinais de Tinel e Phalen, sem evidências
de atrofia na região tenar.
Exames laboratoriais: uréia = 128,0 mg/dl;
creatinina = 8,0 mg/dl, K+ = 4,4 mEq/l; fósforo =
5,0 mg/dl; Ca++ = 11,0 mg/dl e fosfatase alcalina =
2,3 UI.
A ENMG revelou ausência de resposta sensitiva
distal para o nervo mediano direito e esquerdo, além
de ausência e atraso das latências motoras distais para
o nervo mediano esquerdo e direito, respectivamente,
sendo compatível com STC severa bilateral.
O paciente foi submetido à descompressão
cirúrgica do túnel do carpo esquerdo, tendo
apresentado melhora parcial da sintomatologia.
Caso 3: Paciente masculino de 48 anos, em
programa de hemodiálise regular há 8 anos, ocasião
em que iniciou quadro de parestesias e artralgias em
ambas as mãos, que se intensificava à noite,
evoluindo com redução da capacidade de preensão,
principalmente a esquerda. Ao exame físico
evidenciou-se tumefação das mãos, sem atrofia tenar
e a presença bilateral do sinal de Phalen.
Os exames laboratoriais mostraram: uréia = 163,0
mg/dl; creatinina = 10,5 mg/dl; K+ = 5,6 mEq/l; Ca++
= 11,0 mg/dl; fósforo = 9,0 mg/dl e fosfatase alcalina
= 2,2 UI.
A ENMG mostrou ausência de resposta sensitiva
distal para o nervo mediano esquerdo, atraso da
latência sensitiva distal para o nervo mediano direito
e, também, atraso das latências motoras distais para
ambos os nervos, sugerindo processo de compressão
extrínseca sobre o nervo mediano bilateralmente.
Discussão
A STC representa uma afecção dolorosa das mãos
causada pela compressão sobre o nervo mediano na
passagem deste, juntamente com os tendões flexores
dos dedos, pelo túnel do carpo, formado pelos ossos
do carpo e seu ligamento transverso. Esta síndrome
tem caráter progressivo sob a forma de crises
paroxísticas, habitualmente noturnas, manifestandose, geralmente, por parestesias, queimação e dor na
mão afetada, sendo o quadro aliviado pelo repouso
prolongado e pela secção do ligamento transverso do
carpo. Ao exame clínico, poderão estar presentes os
sinais de Tinel e Phalen, quando as manifestações
dolorosas e parestesias são reproduzidas pela
percussão da superfície volar do punho (sinal de
Tinel) ou pela flexão completa do punho durante um
minuto (sinal de Phalen). Fraqueza e atrofia dos
músculos da eminência tenar podem estar presentes
nos casos crônicos. 3
O diagnóstico clínico poderá ser confirmado
através da eletroneuromiografia (ENMG) que permite
definir o nível de comprometimento funcional tanto
das fibras sensitivas, como das motoras, que passam
através do túnel do carpo. A sensibilidade do método
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varia entre 49-84%, com uma especificidade de
aproximadamente 95%. 3 As alterações sensoriais
observadas na ENMG são mais efetivas que as
motoras para identificar a síndrome, sendo a latência
sensitiva o primeiro parâmetro a ser considerado no
diagnóstico de STC. 4
Na IRC, a STC representa uma complicação tardia
do tratamento hemodialítico, e tem sido encontrada
em aproximadamente 4-17% destes pacientes. 1 Esta
incidência aumenta proporcionalmente com o tempo
de hemodiálise. O comprometimento é geralmente
bilateral e, quando unilateral, acomete principalmente
a extremidade da fístula arteriovenosa. 5
Os casos relatados apresentaram quadro típico de
STC, confirmados pela ENMG, com comprometimento
bilateral, que surgiu após longo tempo de tratamento
dialítico de manutenção. Os três pacientes fazem
parte de um grupo de 85 pacientes (3,5%) do
programa de hemodiálise da CLINEFRO (Teresina-PI),
sendo que destes, 29 (34,1%) estão há mais de oito
anos neste programa, o que representa uma
incidência de STC de 10,3% entre os pacientes com
maior duração do tratamento.
Os diagnósticos diferenciais da STC nos pacientes
urêmicos são, principalmente, a síndrome do “roubo”
da artéria radial e a polineuropatia urêmica, sendo
que a primeira afeta o lado da fístula e, a última,
acomete preferencialmente os membros inferiores. 5
A patogêse da STC na IRC não está bem
esclarecida. 5 A presença da fístula arteriovenosa
provocando modificações do fluxo de sangue e
elevação da pressão venosa, além do edema e
isquemia locais, deles conseqüentes à múltiplas
punções do acesso vascular, não explicam a maior
incidência de STC bilateral nestes pacientes. 6, 7, 8
Atualmente, o mecanismo mais aceito para justificar
este quadro é o da deposição de material “amilóidelike”, conseqüente ao acúmulo de b2-microglobulina
(b2M) na bainha dos tendões flexores, a nível do
túnel do carpo, passando a exercer compressão sobre
o nervo mediano. 5, 9
No paciente urêmico, devido a redução da
filtração glomerular, ocorre elevação dos níveis
séricos de b2M, considerado um dos principais
componentes do amilóide. 5 No decorrer da terapia
dialítica ocorre maior acúmulo desta substância, tendo
em vista a baixa taxa de remoção de b2M pela maioria
das membranas celulósicas utilizadas como filtro na
hemodiálise, como é o caso do cuprofano. 5, 7, 9 Além
disso, durante a sessão de hemodiálise, o contato do
sangue que flui pelo dialisador com os grupos
hidroxila livres, presentes na superfície da membrana,
promove imunoativação, consumo de complemento,
leucoaglutinação e maior produção de b2M,
contribuindo ainda mais pela sobrecarga desta
proteína no organismo urêmico. 10 A utilização de
outros tipos de membranas, como as de celulose
modificada (em que os grupos de hidroxila da
superfície são ligados a um composto amino terciário)
e as sintéticas não celulósicas (poliacrilonitrila e
polissulfona), que possuem maior permeabilidade à
b2M e são menos ativadoras do complemento,
aumentam a depuração desta proteína, retardando o
aparecimento de amiloidose secundária. 11 Outros
métodos têm sido pesquisados para reduzir os níveis
de b2M, como por exemplo, a utilização de colunas
de absorção de b2M acopladas ao dialisador. 9
Em relação à terapêutica, se os sintomas clínicos
não respondem a anti-inflamatórios não hormonais ou
a infiltração local de corticóides e, além disso,
alterações motoras estão presentes, está indicada a
descompressão cirúrgica do túnel do carpo que
consiste na liberação do ligamento transverso do carpo
e remoção dos depósitos infiltrantes. 3 Neste estudo o
tratamento cirúrgico foi realizado nos pacientes dos
casos 1 e 2, verificando-se rápido alívio da dor no pósoperatório e ocorrendo apenas uma melhora parcial e
gradativa da função sensitiva e motora.
Devido a possibilidade do desenvolvimento de
amiloidose em pacientes sob tratamento hemodialítico
prolongado, é importante ter sempre em mente o
diagnóstico de STC naqueles que apresentam
alterações sensitivo-motoras das mãos. A eletroneuromiografia, nestes casos, desempenha um papel
importante no estabelecimento do diagnóstico e na
avaliação do grau de comprometimento funcional do
nervo mediano.
Agradecimentos
À Clínica Nefrológica do Piauí (CLINEFRO) e à
enfermeira Maria do Amparo Virgínia Frazão Leal.
Summary
The Carpal Tunnel Syndrome (CTS) is an often
complication seen in patients undergoing long
duration hemodialysis.
We present three male patients with Chronic Renal
Failure who have been receiving long term hemodialysis
and have developed CTS, clinically characterized by pain,
paresthesias, loss of holding capacity and positive Tinel
and Phalen signs, as well as altered median nerve
conduction observed in the electroneuromyography.
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The physiopathological mechanisms responsible
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