Revolução Haitiana e a Declaração dos Direitos do

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Revolução Haitiana e a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão
Por Camila Pizzolotto, Felipe B. Rimes e Regina Helena M. J.
da Silva
Resumo:
Almejamos nesse trabalho mostrar a Revolução Haitiana e, também, a
sua relação com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
A Revolução Haitiana influenciou a postura “Abolicionismo já” sem
o gradualismo. Assim, causou temor nas demais metrópoles que viam
nela um exemplo ruim para as suas colônias, daí então a sua
importância de estudo.
A revolução em Saint-Domingue, atual Haiti, em 1791-1804
constituiu a primeira revolução de escravos bem-sucedida da História.
A antiga colônia francesa de Saint-Domingue tornou-se a primeira
nação negra independente na longa história das lutas nativas contra o Figura 1: Declaração dos Direitos
imperialismo colonial. O fim da escravidão na jóia das Antilhas Humanos e do Cidadão: o
patriotismo revolucionário toma
resultou de uma revolução negra na qual a maioria da população branca emprestado a iconografia familiar
foi massacrada ou levada ao exílio. A luta dos escravos foi dupla. dos Dez Mandamentos.
Conquanto obtivessem a abolição total da escravatura em 1793, só conseguiram garantia
permanente dessa liberdade quando derrotaram e expulsaram as potencias colonialistas:
a Espanha, a Grã-Bretanha e, finalmente, a própria França.
A colônia de Saint-Domingue era muito produtiva. Além de produzir café, anil,
cacau, algodão e outros gêneros, ela produzia sobretudo o açúcar. Nessa produção,
empenhavam-se meio milhão de escravos. Esses labutavam nas plantações e nos
engenhos e eram dominados por trinta mil brancos, incluindo os proprietários e seus
auxiliares (feitores, técnicos, vigilantes etc). Além dos negros e brancos, havia um
segmento de poucos milhares de mulatos, já livres, mas submetidos às extorsões e
agressões dos brancos escravocratas.
A relação entre colônia e metrópole nunca tinha sido boa. O governo francês tentava de
todas as maneiras retirar tudo o que podia da colônia. Os produtores de açúcar
(chamados de grands blancs) não estavam satisfeitos de depender dos capitalistas
franceses. Outro setor que não estava muito feliz com a administração francesa eram os
libertos (affranchis), que eram em sua maioria mulatos. Em 1780, a população negra
havia dobrado (alguns eram proprietários de terras e tinham escravos). Os chamados
petits blancs, que eram, em sua maioria, soldados, artesãos e comerciantes, não
toleravam a ascensão social dos mulatos (e, às vezes, de alguns negros).
O poder da teoria revolucionária pode ser visto nos acontecimentos posteriores à
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Os abolicionistas franceses criaram a
Sociedade dos Amigos dos Negros, em 1788, que poderia ter naufragado se não fossem
os acontecimentos de 1789, que a colocaram em foco. O número de abolicionistas na
nova Assembleia Nacional era bem menor que o daqueles que temiam mexer com o
sistema escravista e as imensas riquezas que ele trazia para a França. Em 8 de Marco de
1790, os deputados votaram por excluir as colônias da Constituição, logo foram
excluídas da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. É importante notar que
a recusa se deu antes da abolição, decretada pela Convenção. Todavia, a força da lógica
revolucionária dos direitos é notória ao analisarmos o que veio a ser a Revolução
Haitiana. A França concedeu direitos políticos iguais aos negros livres em 1792 e
emancipou os escravos em 1794, bem antes de qualquer outra nação que possuísse
escravos.
Apesar disso, o discurso dos direitos adentrou por toda a escala social das colônias.
Começou no topo com os cultivadores brancos. Em meados de 1788, eles exigiram
reformas no comércio e na representação das colônias nos vindouros Estados-Gerais.
Em pouco tempo, ameaçaram exigir a independência, como os norte-americanos, se o
governo nacional tentasse interferir no sistema escravista. Os brancos das classes mais
baixas, por outro lado, esperavam que a revolução na França lhes trouxesse
compensação contra os brancos mais ricos, que não desejavam partilhar o poder político
com simples artesãos e comerciantes. Entretanto, as demandas crescentes dos negros e
mulatos livres eram muito mais perigosas para a continuidade do status quo. Excluídos
por decreto real de praticar a maioria das profissões ou até de adotar o nome de parentes
brancos, as pessoas de cor livres ainda assim possuíam consideráveis propriedades: um
terço das plantações e um quarto dos escravos em Saint-Domingue, por exemplo.
Almejavam ser tratados da mesma forma que os brancos e ao mesmo tempo manter o
sistema de escravos.
Segundo Leslie Bethell: “Todo mundo falava das liberdades da revolução na França e
do exemplo dos Estados Unidos. Os grands blancs buscavam sua autonomia. Os
mulatos, inflamados pelas mortes de Vincent Ogé e Jean-Baptiste Chavannes (ambos
participantes da rebelião armada de 28 de outubro de 1790, que exigia a igualdade para
os homens livres de cor.), buscavam a igualdade com os brancos, e eventualmente sua
independência.O que nem se pensava ou dizia era que os escravos negros tinham
direitos e os mereciam. Mas, dia após dia, estes ouviam os debates de seus senhores.
Nas casas grandes, nas plantações, nos povoados, nos mercados, os escravos tomavam
consciência de sua condição e das possibilidades que se abriam de escapar dela, tal
como havia previsto o lendário rebelde Francois
Macandal em 1758”. 1
Em Paris, a agitação contínua dos Amigos dos
Negros conquistou um decreto, em maio de 1791,
que concedia direitos políticos a todos os homens
de cor livres nascidos de mães e pais livres.
Depois que os escravos de Saint-Domingue se
rebelaram, em agosto de 1791, os deputados
rescindiram até esse decreto altamente restritivo,
mas aprovaram, sob pressão da situação nas
colônias, um mais generoso, em abril de 1792. A Figura 2: Revolução Haitiana.
revolta dos escravos, que começou em meados de agosto de 1791, havia atraído até 10
mil insurgentes já no final do mês, um número que continuava a crescer rapidamente.
Grupos armados de escravos massacravam os brancos e queimavam os campos de canade-açúcar e as casas das plantações. Os cultivadores imediatamente culparam os
Amigos dos Negros e a difusão de “lugares-comuns sobre os Direitos do Homem”.
É importante pensar de que lado os homens de cor livres se posicionavam nessa luta.
Bom, eles tinham servido nas milícias acusadas de capturar escravos fugidos e às vezes
eram eles próprios donos de escravos. Em 1789, os Amigos dos Negros os tinham
retratado não só como um baluarte contra um potencial levante de escravos, mas
também como mediadores em qualquer futura abolição da escravatura. Agora, os
escravos tinham se rebelado. Tendo inicialmente rejeitado a visão dos Amigos dos
Negros, um número cada vez maior de deputados em Paris começou desesperadamente
a endossá-la no início de 1792. Esperavam que os homens de cor livres pudessem se
aliar às forças francesas e aos brancos de classe baixa contra tanto os cultivadores
quanto os escravos. Na verdade, os negros e mulatos livres desempenharam um papel
ambíguo durante todo o levante dos escravos, ora se aliando aos brancos contra os
escravos, ora se aliando aos escravos contra os brancos.
A potente combinação de teoria (declaração dos direitos) e prática (nesse caso, franca
revolta e rebelião) forçou a mão dos legisladores. Os direitos do homem eram
inevitavelmente parte da discussão, mesmo na Assembleia que os tinha declarado
inaplicáveis às colônias. Os acontecimentos levaram os deputados a reconhecer a sua
aplicabilidade em lugares, e em relação a grupos, que eles tinham originalmente
esperado excluir desses direitos. Aqueles que se opunham a conceder direitos aos
homens de cor livres concordavam a respeito de um ponto central com aqueles que
apoiavam a ideia de conferir esses direitos: os direitos dos homens de cor livres não
podiam ser separados da reflexão sobre o próprio sistema escravagista. Assim, uma vez
reconhecidos esses direitos o próximo passo se tornava ainda mais inevitável.
No verão de 1793, as colônias francesas estavam em total sublevação. Uma república
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havia sido declarada na França, e a guerra agora opunha a nova república à GrãBretanha e à Espanha no Caribe. Os cultivadores brancos procuraram fazer alianças
com os britânicos. Alguns dos escravos rebeldes de Saint-Domingue juntaram-se aos
espanhóis, que controlavam a metade leste da ilha, em troca de promessas de liberdade
para si mesmos. Mas a Espanha não tinha a menor intenção de abolir a escravidão. Em
Agosto de 1793, enfrentando um colapso total da autoridade francesa, dois comissários
enviados da França começaram a oferecer a emancipação e concessão de terras aos
escravos que lutavam pela República Francesa. No final do mês estavam prometendo
liberdade a províncias inteiras. O decreto emancipando os escravos do norte abria com o
artigo 1º da Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão: “Os homens nascem e
permanecem livres e iguais em direitos.” Embora inicialmente temerosos de uma trama
britânica para solapar o poder francês por meio da libertação de escravos, os deputados
em Paris votaram por abolir a escravidão em fevereiro de 1794. Além da “abolição da
escravidão negra em todas as colônias”, os deputados decretaram “que todos os homens,
sem distinção de cor, residindo nas colônias, são cidadãos franceses e gozarão de todos
os direitos assegurados pela Constituição”.
Logo, a contínua revolta dos escravos em Saint-Domingue e sua conjunção com a
guerra em muitas frentes deixavam pouca escolha se
quisessem conservar até mesmo uma pequena porção de
sua ilha-colônia. Mas, como revelavam as ações dos
britânicos e dos espanhóis, ainda havia muito espaço de
manobra para manter a escravidão no seu lugar: eles
podiam prometer a emancipação exclusivamente àqueles
que passassem para o seu lado, sem oferecer a abolição
geral da escravatura. Mas a propagação dos “direitos do
homem” tornou a manutenção da escravidão muito mais
difícil para os franceses. À medida que se espalhava na
França, a discussão dos direitos contradizia a tentativa da
legislatura de manter as colônias fora da Constituição,
precisamente por ser inevitável que incitasse os homens de Figura 3: François-Dominique Toussaint Louverture.
cor livres e os próprios escravos a fazer novas demandas e a lutar ferozmente por elas.
O ex-escravo Toussaint-Louverture, que se tornaria em breve o líder da revolta,
proclamou em agosto de 1793 que “Eu quero que a Liberdade e a Igualdade reinem em
Saint Domingue. Trabalho para que elas passem a existir. Uni-vos a nós, irmãos
[companheiros insurgentes], e lutai conosco pela mesma causa.” Sem a declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, a abolição da escravatura em 1794 teria permanecido
inconcebível.
Em 1802, Napoleão enviou uma imensa força expedicionária da França para capturar
Toussaint e restabelecer a escravidão nas colônias francesas. Transportado para a
França, Toussaint morreu numa prisão fria.
A ação de Napoleão retardou a abolição definitiva da escravatura nas colônias francesas
até 1848, quando uma segunda república chegou ao poder. Porém, a luta incessante dos
negros pela liberdade fundiu-se nesse momento, e impôs a luta pela independência. A
tarefa de comandar a guerra pela independência coube a Dessalines, o general mais forte
e leal camarada de Toussaint. Depois de dois anos de guerra totalmente devastadora, os
negros derrotaram o exército napoleônico e chegaram ao estágio final da revolução,
proclamando a independência no dia 1º de Janeiro de 1804.
“LIBERDADE OU MORTE
Gonaïves, 01 de janeiro de 1804. Ano I da Independência
Hoje, 01 de janeiro de 1804, o General Chefe, é acompanhado por generais e chefes
militares convocados a fim de tomar medidas tendentes à felicidade do país:
Depois de ter dado a conhecer aos generais reunidos sua verdadeira intenção de sempre
garantir aos nativos do Haiti um governo estável - o objeto de sua maior solicitude, o
que fez em um discurso conhecido por potências estrangeiras a resolução para tornar o
país independente, e de gozar da liberdade consagrada pelo sangue do povo desta ilha,
e, depois de ter reunido as suas opiniões, pediu a cada um dos generais reunidos o
pronunciamento de um voto para renunciar para sempre à França, para morrer ao invés
de viver sob sua dominação, e para lutar pela independência com seu último suspiro.
Os generais, imbuídos desses princípios sagrados, depois de terem dado a uma só voz a
adesão ao projeto manifesto da independência, juram ante a eternidade e ante todo o
universo para sempre renunciar à França e morrer ao invés de viver sob a sua
dominação”.
(Ato de Independência do Haiti, extraído do site Wikipedia e traduzido por nós)
Bibliografia:
HUNT, Lynn. A Invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia
das Letras, 2009
JAMES, C. R. L. Os Jacobinos Negros. São Paulo, Boitempo, 2000
BETHELL, Leslie. História da America Latina, t.5. Barcelona: Editorial Crítica, 1991.
FICK, Carolyn. Camponeses e soldados negros na Revolução de Saint-Domingue:
reações iniciais à liberdade na Província do Sul (1793-1794). In: KRANTZ, Frederick
(org). A outra história. Ideologia e protesto popular nos séculos XVII a XIX. Tradução.
Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1990, 211-226.
GENOVESE, Eugene. Da rebelião à revolução: as revoltas de escravos nas Américas.
São Paulo: Global, 1983. JAMES, C.L.R. Os Jacobinos Negros, Boitempo, 2001.
FONER, Eric. Nada além da liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
Declaração dos Direitos do homem e do Cidadão: In Textos Básicos sobre Derechos
Humanos. Madrid: Universidad Complutense, 1973. Traduzido do espanhol por
Marcus Cláudio Acqua Viva apud FERREIRA Filho, Manoel G. et. alli. Liberdades
Públicas. São Paulo: Ed. Saraiva, 1978.”
Filmografia:
Égalité for All: Toussaint Louverture and the Haitian Revolution.
Diretor: Noland Walke.
EUA, 2009.
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