INCONTINÊNCIA URINÁRIA Jânio Serafim de Sousa Paulo Arlindo Polcheira João Serafim da Cruz Neto Jânio Serafim de Sousa Médico Ginecologista e Obstetra da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – Hospital de Base / Unidade de Oncologia Ginecológica. Especialização em Oncologia Ginecológica - Unidade de Oncologia Ginecológica do Hospital de Base do Distrito Federal Especialização em Uroginegologia e Cirurgia Vaginal pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP / EPM. Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia - TEGO. Título de Urodinâmica e Uretrocistoscopia em Ginecologia - FEBRASGO. Paulo Arlindo Polcheira Médico Ginecologista e Obstetra da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – Hospital de Base / Unidade de Oncologia Ginecológica. Cirurgia do Assoalho Pélvico e Oncologia Ginecológica Chefe da Unidade de Ginecologia Oncológica Hospital de Base do Distrito Federal Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia - TEGO. Título de Especialista em Videolaparoscopia e Videohisteroscopia - FEBRASGO Título de Especialista em Colposcopia - FEBRASGO João Serafim da Cruz Neto Médico Ginecologista e Obstetra da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – Hospital Regional de Santa Maria Residência Médica em Obstetrícia e Ginecologia pela Santa Casa de Misericórdia de Goiânia - PUCGO. Estágio em Oncologia Ginecológica pelo Hospita Araíjo Jorge - ACCG (Acompanhamento em serviço) Estágio em Uroginecologia pelo Instituto Brasileiro de Uroginecologia - IBU (Acompanhamento em serviço) CAPITULO 22: INCONTINÊNCIA URINÁRIA 1 1 - PADRONIZAÇÃO DA TERMINOLOGIA DA DISFUNÇÃO DO ASSOALHO PÉLVICO FEMININO 2010. RELATÓRIO CONJUNTO DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE UROGINECOLOGIA (“INTERNATIONAL UROGYNECOLOGICAL ASSOCIATION” – IUGA) / SOCIEDADE INTERNACIONAL DE CONTINÊNCIA (“INTERNATIONAL CONTINECE SOCIETY” – ICS) (Nova Terminologia Adotada pela “IUGA/ICS”- 2009) Publicação: Int Urogyneccol J (2010) 21:5-26 INTRODUÇÃO Este relatório de terminologia foi baseado no consenso para a disfunção do assoalho pélvico feminino e realizado com o intuído de propiciar e auxiliar significativamente à prática clínica e estimular a pesquisa. Tem a finalidade de uniformizar a “linguagem” utilizada em protocolos, trabalhos científicos, anamnese, exame ginecológico / avaliação uroginecológica e estudo urodinâmico em todo o mundo. As definições reafirmam ou atualizam aquelas apresentadas nos relatórios anteriores dos Comitês de Padronização e Terminologia de duas Organizações: Associação Internacional De Uroginecologia (“International Urogynecological Association” – IUGA) e a Sociedade Internacional de Continência (“International Continece Society” – ICS), com a participação de muitos assessores externos. As definições foram agrupadas em núcleos de categorias clínicas e subclassificações que foram desenvolvidas para haver uma codificação alfanumérica para cada definição. Um extenso processo de 15 rodadas com revisores internos e externos foi realizado para examinar exaustivamente cada definição, sendo a decisão final tomada pelo consenso dos participantes. As terminologias referentes às disfunções do assoalho pélvico feminino, englobando mais de 250 definições distintas, tem sido desenvolvida. Clinicamente, ela é baseada nos 6 mais comuns diagnósticos sobre esse assunto. O principal objetivo nesse trabalho foi propiciar clareza e facilidade para a interpretação dessas 2 terminologias por profissionais de saúde em todos os diferentes grupos de especialidades envolvidos na disfunção do assoalho pélvico feminino¹. SINTOMAS Sintomas: qualquer fenômeno mórbido ou que se afaste do normal na estrutura, função ou sensação, experimentado pela mulher e indicativo de doença ou de um problema de saúde. Sintomas são referidos voluntariamente pela própria paciente ou pelo cuidador da paciente¹. SINTOMAS DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA¹ “Continência” é definida como o controle voluntário da função vesical e intestinal. 1. Incontinência urinária (sintoma): queixa de perda involuntária de urina. 2. Incontinência (urinária) de esforço: queixa de perda involuntária de urina durante esforços ou exercício físico (por exemplo, atividades esportivas), espirro, ou tosse. Nota: o termo “atividades relacionadas à incontinência” pode ser preferencialmente usado em alguns idiomas para evitar confusão com esforço fisiológico. 3. Incontinência (urinária) por urgência: queixa de perda involuntária de urina associada à urgência. Urgência substitui o termo “urge” mais “aceito” para fenômeno anormal que para normal. 4. Incontinência (urinária) postural: queixa de perda involuntária de urina associada à mudança de posição, por exemplo, quando a paciente está em posição deitada ou sentada e levanta-se. Esse é um sintoma comum, seu o mecanismo é que não tem sido adequadamente pesquisado. É incerto se deveria estar associado à incontinência urinária de esforço ou por urgência. 5. Enurese noturna: queixa de perda involuntária de urina que ocorre durante o sono. 6. Incontinência mista (urinária): queixa de perda involuntária de urina associada à urgência e também ao esforço ou exercício físico, ao espirrar, ou ao tossir. 7. Incontinência contínua (urinária): queixa de perda involuntária contínua de urina. 3 8. Incontinência Insensível (urinária): (NOVA) queixa de perda urinária quando a mulher não tem conhecimento de como a perda ocorreu. 9. Incontinência durante o coito / “coital”: (NOVA) queixa de perda involuntária de urina que ocorre durante o coito. Esse sintoma pode ser posteriormente dividido entre o que ocorre com a penetração e o que ocorre durante o orgasmo. SINTOMAS DE ARMAZENAMENTO VESICAL 1. Aumento da frequência urinária diurna: queixa de que a micção ocorre mais frequentemente durante as horas de vigília do que o padrão previamente considerado normal pela paciente. Tradicionalmente sete episódios de micção durante as horas de vigília é considerado como limite superior do normal, acredita-se que pode ser maior em algumas populações. 2. Noctúria: queixa de interrupção do sono uma ou mais vezes devido à necessidade de urinar. Cada micção é precedida e seguida pelo sono. É comum urinar durante a noite quando o sono é interrompido por outras razões, isto é insônia, lactação – isto não constitui noctúria 3. Urgência: queixa de súbito desejo imperioso de urina difícil de ser inibido. O uso da palavra “súbito” é definido como “sem aviso ou abrupto”, usado nas definições iniciais tem sido objeto de muitos debates. Sua inclusão está mantida. A gradação de “urgência”está sendo desenvolvida. 4. Síndrome da Bexiga Hiperativa (SBH, urgência): urgência urinária geralmente acompanhada de frequência e noctúria, com ou sem incontinência urinária por urgência, na ausência de infecção do trato urinário ou outra patologia aparente. SINTOMAS SENSORIAIS Sintomas Sensoriais: sensação e função normal de enchimento vesical experimentado pela mulher durante o enchimento vesical. Normalmente as pessoas percebem o aumento da sensação de enchimento vesical até alcançarem um forte desejo de urinar¹. 1. Aumento da sensação vesical: queixa de que o desejo de urinar durante o enchimento vesical ocorre mais cedo ou é mais persistente do que o 4 experimentado anteriormente. Nota: Essa definição difere da urgência porque que a micção pode ser adiada apesar da vontade de urinar. 2. Diminuição da sensação vesical: queixa de que o desejo definitivo de urinar ocorre mais tarde do que anteriormente, apesar da percepção de que a bexiga está enchendo. 3. Ausência da sensação vesical: queixa da ausência conjuntamente da sensação de enchimento vesical e do desejo definitivo de urinar. SINTOMAS MICCIONAIS E PÓS-MICCIONAIS Sintomas miccionais: sensação e função vesical normais experimentados pela mulher durante ou após o ato de micção. 1. Hesitância: queixa de um atraso em iniciar a micção. 2. Jato/ fluxo lento: queixa de fluxo urinário percebido como mais lento quando comparado ao padrão prévio ou em comparação com o de outros. 3. Intermitência: queixa de que o fluxo urinário é interrompido / pára e reiniciase em uma ou mais ocasiões durante a micção. 4. Esforço para urinar: queixa da necessidade de realizar esforço acentuado (através do esforço abdominal, Valsalva, ou pressão suprapúbica) para iniciar, manter ou melhorar o jato urinário. 5. Pulverização (respingos) do fluxo urinário: queixa de que a micção é pulverizada ou respinga mais do que em um fluxo diminuído contínuo. 6. Sensação de esvaziamento (vesical) incompleto: queixa de não sentir a bexiga vazia após o término da micção. 7. Necessidade imediata de urinar novamente: queixa de que logo após terminar de urinar, existe a necessidade de urinar novamente. 8. Perda pós-miccional: queixa de perda involuntária de urina após conclusão da micção. 9. Micção dependente da posição: (NOVA) queixa de ter que assumir uma posição especíica para conseguir urinar espontaneamente ou melhorar o esvaziamento vesical, por exemplo, inclinando-se para frente ou para trás enquanto sentada no vaso sanitário, ou em posição semi-em-pé. 10. Disúria: queixa de queimação ou outro desconforto durante a micção. O desconforto pode ser intrínseco ao “trato urinário Inferior” (TUI) ou externo (disúria vulvar). 5 11. Retenção (urinária): (NOVA) queixa de incapacidade de urinar apesar do esforço persistente. SINAIS Sinal: qualquer anormalidade indicativa de doença ou problema de saúde descobertos durante o exame da paciente; uma indicação objetiva de doença ou de um problema de saúde¹. SINAIS DE INCONTINÊNCIA URINÁRIA Todos os exames para incontinência urinária são melhores realizados se a mulher estiver com a bexiga confortavelmente cheia. 1. Incontinência urinária: observação de perda involuntária de urina durante o exame - ela pode ser uretral ou extrauretral. 2. Incontinência de esforço (urinária) (perda de esforço clínica): observação de perda involuntária através da uretra, sincrônica com o esforço ou esforço físico ou durante o espiro e a tosse. 3. Incontinência por urgência (urinária): observação de perda involuntária de urina através da uretra, sincrônica com a sensação de um súbito e forte desejo de urinar que é didícil adiar. 4. Incontinência extrauretral: observação de perda urinária através de outros orfícios além do meato uretral, isto é, fístula. 5. Incontinência de esforço na redução do prolapso (incontinência de esforço oculta ou latente): (NOVA) incontinência de esforço apenas observada após a redução do prolapso coexistente. Incontinência de esforço na redução do prolapso é sinal freqüentemente referido, mas não adequadamente definido para tal. O significado de reduzir o prolapso irá variar. Um pessário ou anel pode algumas vezes obstruir a uretra, propiciando falso negativo para esse sinal. 2 - PROPEDÊUTICA CLÍNICA DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA A propedêutica da investigação clínica da incontinência urinária inicia-se obrigatoriamente com uma boa anamnese, visto que muitas mulheres comparecem ao consultório para outros fins e acabam não revelando, num primeiro momento, sua 6 insatisfação com tal anormalidade. Além da anamnese, fazem parte da propedêutica uroginecológica: o exame físico, o diário miccional, o teste do absorvente e avaliação do resíduo pós-miccional e o estudo urodinâmico¹’². ANAMNESE UROGINECOLÓGICA A anamnese uroginecológica deve pesquisar, primeiramente, início dos sintomas, gravidade, freqüência, hábitos e sintomas intestinais além do impacto na qualidade de vida da paciente. Além disso, dados relacionados à paridade da paciente, história de comorbidades que possam afetar o hábito urinário (tais como neuropatias, diabetes, infecções urinárias recidivantes, etc.)². Também é importante tentar determinar um “foco” para direcionar o restante da propedêutica investigativa, buscando diferenciar sinais ou sintomas de incontinência relacionada aos esforços, sintomas sensoriais, sintomas relacionados à fase de enchimento vesical ou sintomas miccionais ou mesmo pós-miccionais¹. Tenhamos em mente o mecanismo da fisiologia miccional normal para podermos conduzir com sucesso nossa investigação. De maneira sucinta, podemos entendê-la da seguinte maneira: a bexiga é um órgão de dupla função, sendo elas de armazenamento (simpático) e, quando socialmente adequado, de eliminar a urina (parassimpático). O mecanismo de enchimento se dá pelo relaxamento do músculo detrusor e pela contração do esfíncter uretral interno. Quando há o enchimento vesical, há o estímulo através de barorreceptores e a contração do detrusor (desencadeada pelas fibras parassimpáticas do plexo sacral), associado ao relaxamento do esfíncter uretral, resultando no ato miccional. Na investigação da bexiga hiperativa, os sintomas mais comumente relatados são urgência e aumento da freqüência miccional (cerca de 80% das pacientes)2,5. Outros sintomas mencionados são urgeincontinência e perda urinária durante relação sexual, particularmente no orgasmo. Para a investigação de hiperatividade vesical ou incontinência por transbordamento é importante documentar a perda urinária não associada ao esforço. A presença de noctúria e enurese noturna deve sempre ser investigada, podendo ser um dos sintomas associados aos casos mais graves dessas condições. A investigação dos antecedentes pessoais pode revelar fatores que devem ser considerados, tais como: obesidade, paridade, fumo, ingestão de líquidos, hipoestrogenismo e cirurgia pélvica prévia. Condições que também levam à 7 incontinência, e que devem ser investigadas, são as infecções do trato urinário, neoplasias vesicais, litíase vesical, obstrução infravesical, fatores emocionais e sinais que possam sugerir doenças neurológicas³. O interrogatório sobre os hábitos de vida deve ser realizado e valorizado, pois alguns interferem diretamente no processo da doença. Por exemplo: uma paciente que ingere grandes quantidades de líquido à noite, antes de deitar, terá uma percepção maior de um quadro de bexiga hiperativa, do que aquela que não o faz. Também se faz necessário questionar sobre o uso de fármacos, pois muitos deles influenciam a atividade fisiológica da bexiga e uretra. EXAME FISICO UROGINECOLOGICO O exame físico da paciente com sintomas de incontinência urinária deve reproduzir e caracterizar a incontinência, avaliar distúrbios neurológicos, avaliar o suporte do assoalho pélvico e excluir outras enfermidades pélvicas. Inclui o exame do abdome, do dorso, da pelve e testes neurológicos. O exame físico geral é importante para a caracterização de enfermidades sistêmicas que possam estar relacionadas com o quadro, como: obesidade, anormalidades anatômicas, disfunções motoras, dentre outras². Deve ser realizado em ambiente confortável e com boa visualização da vulva e períneo. A paciente deve ser examinada na posição de litotomia e ortostática, preferencialmente com a bexiga repleta. Segue-se então a inspeção da vulva, o exame especular e exame de toque bimanual. A pesquisa da integridade perineal e sua força muscular são mandatórias. A parede vaginal e o colo uterino devem ser avaliados através de exame especular. Durante esse exame, devemos ressaltar na mulher incontinente: o trofismo da mucosa vaginal; sinais de dermatite amoniacal (para avaliar a perda crônica de urina)¹; força de contração voluntária dos músculos do assoalho pélvico; tônus do esfíncter retal; sensibilidade do períneo e reflexos sacrais, além de eventuais distopias genitais. O exame neurológico deve ser realizado visando excluir neuropatias como causa determinante da perda urinária. A pesquisa neurológica do reflexo bulbocavernoso, através da estimulação do clitóris e seguida da contração desse músculo; bem como a pesquisa do reflexo anocutâneo pela estimulação da pele perineal e conseqüente contração do esfíncter anal, devem ser realizadas. Quando normais, indicam que o arco reflexo sacral (S2, S3, S4) e o componente motor do 8 nervo pudendo estão preservados. Estes reflexos em conjunto com o tônus do esfíncter anal indicam que não há comprometimento neurológico do segmento sacral. Contudo, a falta de resposta não indica necessariamente anormalidade neurológica, podendo ser encontrado em até 25% de mulheres neurologicamente hígidas¹. A seguir, deve se proceder com a tentativa de caracterização objetiva da perda urinária como um sinal ao exame físico. Realizamos então o teste de esforço: a paciente realiza manobra de esforço (como tossir), primeiro com a bexiga confortavelmente cheia, e depois após esvaziamento vesical. A perda de urina sincrônica ao esforço caracteriza a incontinência de esforço e descarta a incontinência urinária extra–uretral. Este sinal clínico tem valor preditivo positivo de 68,2% e valor preditivo negativo de 88,6%, indicando que a ausência de perda urinária ao exame clínico é mais útil na exclusão do diagnóstico que a sua presença na confirmação. O exame físico da paciente com suspeita de bexiga hiperativa deve ser realizado em posição ginecológica, com a bexiga cheia. A paciente deve ser solicitada a tossir e realizar manobra de Valsalva. Quando há hiperatividade vesical, se houver perda, esta é assincrônica ao esforço. É importante observarmos a perda urinária até 20 minutos após esvaziamento vesical completo (confirmado por sondagem vesical ou ecografia pélvica)¹. Esta perda aos esforços, que ocorre com a bexiga quase vazia, sugere fortemente incontinência urinária por defeito esfincteriano. Seu achado ao exame físico apresenta um forte valor preditivo positivo para este diagnóstico. Certifique-se que, caso não ocorra perda de urina com a paciente em posição ginecológica, deve-se repetir o esforço em posição ortostática com bexiga cheia. Também se deve verificar a associação de prolapso uterino ou distopia de parede vaginal anterior com a incontinência urinária de esforço e a hiperatividade vesical. Deve-se saber que a presença ou ausência de prolapso genital nada revela sobre a causa ou intensidade da incontinência. Na presença de distopia de parede vaginal anterior importante e prolapso uterino, a redução para sua posição anatômica pode revelar incontinência urinária de esforço oculta. Outro instrumento utilizado na avaliação da incontinência urinária é o chamado “Q-Tip Test” ou Teste do Cotonete²’³. Ele consiste na introdução de um cotonete estéril lubrificado com gel anestésico na uretra com a paciente em posição ginecológica. Esse procedimento deve seguir cuidados básicos de anti-sepsia. 9 Mede-se o ângulo que a haste do cotonete forma com o plano horizontal. Depois, solicita-se a paciente que realize manobra de Valsalva. Com o esforço máximo, este ângulo é novamente verificado, para determinar a mobilidade uretral (subtrai-se o ângulo obtido em repouso do ângulo obtido ao esforço máximo). Variação acima de 30º caracteriza hipermobilidade do colo vesical¹. Este teste tem baixa especificidade e sensibilidade para o diagnóstico da incontinência urinária, não tendo utilidade prática. Contudo ainda é útil na necessidade de se avaliar a presença ou não de rigidez uretral associada ao diagnóstico de incontinência urinária de esforço, especialmente em pacientes com recidivas pós-operatórias. Procede-se então a avaliação funcional do assoalho pélvico. Ela propicia a percepção da capacidade contrátil do assoalho pélvico, bem como a manutenção dessa contração durante esforço físico. Sua importância clínica consiste no tratamento conservador da incontinência urinária, por facilitar o manejo terapêutico. Avalia-se a força de contração voluntária dos músculos do assoalho pélvico e o tônus do esfíncter anal. Durante o exame ginecológico, ao exame de toque vaginal, solicita-se à paciente que contraia e mantenha a contração dos músculos perineais. Gradua-se então a capacidade de contração dessa musculatura, avaliando-se objetivamente a função muscular do assoalho pélvico, segundo o padrão abaixo: Grau 0 - sem função perineal objetiva, mesmo pela palpação. Grau 1 - função perineal objetiva ausente, reconhecida somente à palpação. Grau 2 - função perineal objetiva débil, reconhecida à palpação. Grau 3 - função perineal objetiva e resistência opositora, não mantida à palpação. Grau 4 - função perineal objetiva e resistência opositora mantida à palpação por mais de 5 segundos. Quadro 01: Avaliação funcional da musculatura do assoalho pélvico (Ortiz e col. 1996). Dispomos ainda de outro método propedêutico, a medida do resíduo pósmiccional. Tal medida pode ser feita após o esvaziamento vesical, por ecografia ou cateterização vesical, aonde verifica-se a quantidade de urina não eliminada no ato miccional. Volumes residuais inferiores a 50 ml ou 20% da capacidade cistométrica máxima (CCM) são considerados normais. Pacientes com resíduos aumentados 10 deve-se investigar obstrução infravesical ou hipocontratilidade do detrusor, necessitando de avaliações clínicas adicionais para confirmar o diagnóstico. Finalmente, podemos fazer uso de questionários direcionados a paciente, que vão nos orientar em nossa pesquisa clinica e também nos fornecer dados importantes sobre o impacto da incontinência urinária na qualidade de vida da mulher. Na avaliação da qualidade de vida, aplicamos o King’s Health Questionnaire, que é composto por oito critérios (percepção geral de saúde, impacto da incontinência urinária, limitações de atividades diárias, limitações físicas, limitações sociais, relacionamento pessoal, emoções, sono/disposição) graduados de zero a 100 pontos¹. Quanto maior a pontuação, pior é a qualidade de vida da paciente. Outra ferramenta de notável importância é o Diário Miccional, que é o registro feito pela própria paciente dos eventos ocorridos e dos sintomas urinários durante o dia. Deste teste obtemos informação imparcial sobre o ritmo miccional da paciente, podendo ser comparado com a história clínica. Pode variar com duração de 24 horas até durante uma semana inteira. Testes de validação têm demonstrado que o diário de 24 horas é suficiente para a maioria dos propósitos, mas é mais preciso quando aplicado por período de 72 horas. As informações obtidas consistem de sintomas urinários, volume e tipo de fluidos ingeridos (com o registro dos horários). Episódios de urgência, urgeincontinência, perdas após esforços e que tipo de esforços, freqüência, enfim, tudo deve ser relatado; assim como o volume de cada micção e o registro de horários. Nocturia e enurese noturna também são anotados no diário miccional, tornando-o um método de avaliação bastante completo e confiável. 3 – PROPRDEUTICA COMPLEMENTAR DA INCONTINENCIA URINARIA ESTUDO URODINAMICO Importante instrumento utilizado para confirmação diagnóstica de alguns casos de Incontinência Urinária (IU), o Estudo Urodinâmico (EU) normalmente é de simples realização e frequentemente disponível em âmbito ambulatorial. É definido como o estudo funcional do trato urinário inferior¹. Inicia-se com a urofluxometria, que compreende no ato miccional livre pela mulher, com a bexiga confortavelmente cheia, em ambiente privado. Realiza-se a mensuração do volume urinado e avaliação do fluxo urinário juntamente com o 11 tempo de micção e variações do fluxo urinário. A seguir, verifica-se o resíduo pósmiccional, através de ecografia ou sondagem vesial de alívio (mais indicada). O resíduo pós-miccional é a quantidade de urina que permanece na bexiga após a completa micção. A seguir, realiza-se a medida da relação entre a pressão intravesical e o volume urinário durante a fase de enchimento vesical e o estudo do fluxo / pressão durante a micção. Isso é a cistometria. A cistometria de enchimento atenta para o questionamento da paciente sobre as sensações experimentadas pela paciente durante toda a fase de enchimento vesical e registrados pelo examinador (primeira sensação de enchimento, primeiro desejo miccional, desejo normal de urinar, forte desejo de urinar, urgência, hipersensibilidade vesical, redução da sensibilidade vesical, ausência de sensação vesical e dor). Registra-se também a capacidade cistométrica (volume vesical no final da fase de enchimento, que deve ser registrada juntamente com o relato da sensaçào da paciente) e a capacidade cistométrica máxima, que é o volume relatado pela paciente com sensação normal em que não é mais possível retardar a micção. Avalia-se também a função detrusora durante o enchimento vesical, que pode estar normal (há pequena ou nenhuma mudança na pressão detrusora durante o enchimento) ou hiperativa (ocorrência de contrações involuntárias, vistas como ondas no cistometrograma, durante a cistometria de enchimento)¹’². Avalia-se ainda a pressão uretral e a complacência vesical, bem como a competência do mecanismo de fechamento uretral. Podemos observar aqui a incompetência por relaxamento uretral, que é a perda urinária devido ao relaxamento uretral na ausência de aumento da pressão intra-abdominal ou de contraçào detrusora. Durante a fase de enchimento, também pesquisamos a incontinência aos esforços, que é a perda urinária involuntária associada ao aumento da pressão intraabdominal , na ausência de contração do detrusor. Ao avaliarmos a incontinência, é importante registrarmos a pressão do ponto de perda (leak point pressure). Uma baixa pressão de perda é sugestiva de pobre função esficteriana. Já a cistometria de esvaziamento é a relação entre o volume e a pressão durante o ato miccional, devendo ser registradas as pressões intravesical, intraabdominal e detrusora, associadas ao fluxo miccional. A avaliação da contratilidade detrusora nessa fase do EU é importante para avaliarmos a hipoatividade o mesmo 12 a acontratilidade desse músculo, normalmente associadas a alterações neurológicas. Durante o esvaziamento, também observamos a função uretral, por meio da uretrocistometria de esvaziamento. Essa técnica pode ajudar a determinar a natureza da obstrução uretral (quando presente) durante o esvaziamento, além de avaliar micção disfuncional ou dissinergia esfíncter-detrusora¹. Recomendações para indicação da avaliação urodinâmica Não é recomendado antes do inicio do tratamento conservador Não é recomendado para mulheres com diagnóstico claramente definido de IUE isolada Indicado quando o diagnóstico clínico não é claro, prévio a cirurgia ou se o tratamento inicial falhou Sintomas sugestivos de disfunção miccional Antes de procedimentos reconstrutivos complexos Quadro 02: Recomendações para indicação da avaliação urodinâmica desenvolvido pelo The Natinal Collaborating Centre for Women´s and Children´s Health. Out. 2006 – Nice Clinical Guideline 40 4 - SINDROME DA BEXIGA HIPERATIVA CONCEITO É definida como urgência urinária geralmente acompanhada de freqüência e noctúria, com ou sem incontinência urinária por urgência, na ausência de infecção do trato urinário ou outra patologia aparente¹. ETIOLOGIA A etiologia da Síndrome da Bexiga Hiperativa pode ser classificada como neurogênica, miogênica, obstrutiva ou idiopática 4. As causas neurogênicas podem ainda ser analisadas de acordo com o foco do déficit neurológico, podendo ser central ou medular. Doenças do lobo frontal podem afetar diretamente o controle vesical. Pacientes com tumores intracranianos, historia de aneurismas rotos ou mesmo cirurgias anteriores do lobo frontal podem perder, em graus diferenciados, a percepção cognitiva do enchimento vesical 13 gradual, levando a perdas por transbordamento. A distensão vesical também se mostra muito comum na doença de Parkinson e outras doenças neurodegenerativas, como Alzheimer. Quando analisamos as causas neurológicas de origem medular, essas lesões são responsáveis por uma discinergia entre a atividade do músculo detrusor e o esfíncter uretral². Alterações de etiologia miogênica, por sua vez, são determinadas por atividade muscular aumentada e resposta alterada aos estímulos nervosos. Tais alterações musculares devem-se, normalmente, a outras alterações neurológicas ou causas obstrutivas, que acabam alterando a contratilidade muscular da bexiga e desencadeando respostas inadequadas. Causas obstrutivas normalmente estão associadas a presença de tumores, processos inflamatórios, distopias genitais, anormalidades congênitas ou mesmo devido a procedimentos cirúrgicos prévios. Já as causas idiopáticas, que respondem por ate 90% dos casos, não estão muito bem definidas. Alguns estudos têm observado alterações no urotelio e suburotelio, que são ricamente inervados e podem desempenhar importante papel estimulante para a contração muscular vesical 4. Doença neurológica Esclerose múltipla Doença vascular cerebral Pakinsonismo Doença de Alzheimer Irritação vesical ou uretral local Cistite Corpos estranhos (cálculos, fio de sutura, etc.) Obstrução da saída Tumores Prolapso genito-urinário (cistocele, prolapso do fórnice da vagina) Cirurgia anterior para correção de incontinência Medicamentos (parassimpaticomiméticos) Idiopática Distúrbios dos gânglios vesicais 14 Distúrbio das Células Marca-Passo Distúrbios generalizados do músculo liso Aumento da densidade dos nervos sensoriais Deficiência de prostaciclina Quadro 03: Principais causas de Bexiga Hiperativa. TRATAMENTO O tratamento da bexiga hiperativa deve ser realizado por diferentes profissionais e muitas vezes equipes multidisciplinares, tendo como objetivo amenizar os sintomas e melhorar a qualidade de vida. O diagnóstico da BH é clínico. Considerando o sintoma da paciente o médico poderá iniciar o tratamento sem qualquer exame complexo. Existem diversos métodos para tratamento da BH, conforme apresentado no quadro 04. A escolha de um determinado método ou associações de terapêutica irá depender da intensidade do problema e do impacto sobre a qualidade e estilo de vida da paciente². 1. Terapia comportamental: Medidas gerais Treinamento vesical 2. Fisioterapia do assoalho pélvico Exercícios perineais Eletroestimulação Biofeedback 3. Tratamento farmacológico 4. Tratamento loco-regional Neuromodulação sacral Terapia intravesical 5. Tratamento cirúrgico Quadro 04: Linhas de tratamento da Bexiga Hiperativa. 15 Terapia Comportamental Os tratamentos conservadores constituem a primeira linha de opção para o tratamento da BH, entre os quais estão incluídas a reabilitação do assoalho pélvico e a terapia comportamental. Medidas Gerais Orientar mudanças nos hábitos alimentares, evitando uso de álcool, cafeína, nicotina, frutas cítricas, pimenta e bebidas gaseificadas. Diversos fármacos também têm efeitos colaterais sobre o trato urinário. Médicos e pacientes devem estar a estes efeitos assim como do horário correto de sua ingestão². Treinamento Vesical Consiste em três componentes principais: educação, micção em horários prédeterminados com atraso sistemático e controle sobre a urgência. Portanto, é importante que a paciente mantenha um diário miccional, aonde ela possa programar um aumento progressivo do tempo entre as micções, até que obtenha um intervalo miccional confortável, de aproximadamente 3 a 4 horas. Também é importante manter um controle sobre a urgência, orientando a paciente a não correr ao banheiro no primeiro desejo de urinar; bem como manter uma programação da ingestão de líquido, evitando-a no período noturno, antes a após deitar-se³. Fisioterapia do Assoalho Pélvico Exercícios Perineais Os exercícios para o assoalho pélvico devem ser oferecidos em conjunto com outras modalidades terapêuticas, como a terapia comportamental e orientações nutricionais. Seu objetivo principal é ensinar à paciente como e quando contrair a musculatura do assoalho pélvico, reduzindo a sensação de urgência e assim proporcionando maior controle da capacidade de chegar ao banheiro³. Eletroestimulação Consiste na aplicação de corrente elétrica para alcançar inibição da atividade detrusora, sem provocar dor. Tem como objetivo reduzir a contratilidade detrusora por meio de estímulos elétricos aplicados via vaginal, anal, perineal ou transcutâneo 16 (ex: tibial posterior). Deve ser evitada em casos de pacientes com defeito esfincteriano, portadoras de marcapasso cardíaco, pacientes gestantes e na presença de distopias acentuadas ou em mulheres com denervação completa do assoalho pélvico²’³. Biofeedback Baseia-se na propriocepção e na consciência do próprio individuo, por meio de técnicas que utilizam sons e luzes de diferentes intensidades. Geralmente aplicado em conjunto com exercícios do assoalho pélvico e treinamento vesical². Tratamento Farmacológico As drogas mais utilizadas no tratamento da BH são os anticolinérgicos e os antidepressivos tricíclicos 1,2,4. Anticolinérgicos Os anticolinérgicos são as drogas de primeira escolha no tratamento da bexiga hiperativa. Atuam no receptor ganglionar para bloquear contrações do detrusor, tanto na bexiga normal quanto na bexiga hiperativa. Tais medicamentos são contraindicados em pacientes com glaucoma de ângulo estreito não tratados. Os efeitos colaterais mais comuns compreendem boca seca, constipação intestinal, refluxo gastroesofágico, xeroftalmia, borramento visual, retenção taquicardia, sonolência, tonturas, alucinações e alteração da cognição 2,4 urinária, . Os principais agentes antimuscarinicos ou anticolinérgicos para o tratamento da BH são: Oxibutinina 5 a 20 mg / dia Retemic ® / Incontinol ® Tolterodina 2 a 4 mg / dia Detrusitol ® Cloreto de Tróspium 20 a 40 mg / dia Sanctura ® / Regurin ® Dalifenacin 7,5 a 15 mg / dia Enablex ® Solifenacin 5 a 10 mg / dia Vesicare ® Fesoterodina 4 a 8 mg / dia Toviaz ® Quadro 05: Agentes anticolinérgicos usados no tratamento da BH e doses recomendadas. 17 Antidepressivos Tricíclicos Imipramina (Tofranil ®) - É considerada droga de segunda linha para o tratamento da hiperatividade vesical. Possui propriedades anticolinérgicas e adrenérgicas para aumentar o tônus da uretra e do colo vesical. Os efeitos colaterais mais comuns são fadiga, tontura, borramento visual, náuseas e insônia. É preferencialmente indicado nos casos de incontinência urinária mista. A dose preconizada é de 10 a 25 mg, de uma a três vezes ao dia¹’². Tratamento Loco-Regional Neuromodulação Sacral Seu uso está restrito aos casos refratários aos tratamentos convencionais devido ao alto custo e mecanismo de ação pouco definido. Acredita-se que há pelo menos dois mecanismos possíveis: a) ativação de fibras aferentes para o esfíncter uretral estriado, que causa reflexamente relaxamento do detrusor; b) ativação de fibras aferentes causa inibição em nível medular ou supramedular². Terapia Intravesical - Toxina Botulínica Trata-se de um polipeptídeo, cujo principal mecanismo de ação é a inibição da liberação da acetilcolina na fenda sináptica, causando paralisia flácida; mas provavelmente também exerça ação em fibras aferentes 7. O uso é intravesical, sob o controle cistoscópico. Deve ser injetada em 20 a 30 pontos na parede vesical. A dose ideal ainda não está estabelecida, porém preconiza-se o uso de 100 a 300 U. Os principais efeitos colaterais são reações alérgicas, fraqueza generalizada e retenção urinária. É contraindicado em pacientes com Miastenia Gravis 4,5,6,7. Tratamento Cirúrgico Considerada como última alternativa terapêutica para o tratamento da BH, quando há falha dos tratamentos anteriores. As técnicas mais utilizadas são a enterocistoplastia e a rizotomia. A ampliação vesical e o conduto ileal também são alternativas válidas. 18 INCONTINENCIA URINÁRIA AOS ESFORÇOS CONCEITO Queixa de perda involuntária de urina durante esforços ou exercício físico (por exemplo, atividades esportivas), espirro, ou tosse1. FISIOPATOLOGIA A IUE verdadeira ocorre quando a uretra e o colo vesical (junção uretrovesical) não conseguem manter um fechamento adequado. Tal inadequação indica incompetência nos componentes da continência, inclusive da parede uretral, suporte uretral no colo vesical, músculo estriado periuretral e inervação uretral. Dessa forma, a incontinência de esforço pode ser resultante de lesão do suporte uretral, da perda funcional do esfíncter uretral ou ambos. Visando facilitar o entendimento, podemos definir os distúrbios da incontinência de esforço como resultantes de defeitos anatômicos ou de defeitos no mecanismo de esfíncter uretral. A IUE por defeito anatômico, ou seja, por hipermobilidade, se dá pela perda do suporte muscular e fascial do colo vesical e da uretra proximal até o arco tendíneo da fáscia pélvica e diafragma pélvico². Com o aumento da pressão intraabdominal, há uma descida da uretra e do colo vesical. Com isso, a pressão intraabdominal não é transmitida à uretra diretamente devido a essa mobilidade. Além disso, a sustentabilidade uretral pode ser comprometida, não havendo compressão extrínseca da uretra para oferecer maior resistência. Isso faz com que a pressão exercida sobre a bexiga supere a resistência oferecida pela uretra, levando à perda urinária. Já quando o defeito é intrínseco do esfíncter uretral, há comprometimento das camadas que formam a uretra, seus músculos adjacentes e seu suprimento neurológico. As pregas da mucosa, a abundância de colágeno e elastina da camada submucosa e seu rico plexo venoso submucoso são fatores determinantes para o fechamento da luz uretral e manutenção da pressão uretral. Além disso, a uretra conta com uma camada longitudinal interna e uma fina camada circular externa de músculo liso, que mantêm o tônus uretral. A musculatura estriada uretral possui três componentes: o esfíncter urogenital estriado (proximal e rico em fibras de contração lenta), o esfíncter uretrovaginal e o compressor da uretra. Há ainda a sustentação propiciada pelos músculos do assoalho pélvico. A IUE pode ainda ser causada por 19 acometimento da inervação pelos ramos do nervo pudendo para o assoalho pélvico e o músculo estriado da uretra. Deve-se também mencionar o efeito do parto para a IUE. Basicamente, podemos resumir tais efeitos em quatro mecanismos, citados no quadro abaixo. Lesão do tecido conjuntivo de sustentação por compressão mecânica; Lesão vascular das estruturas pélvicas por compressão de parte da apresentação; Lesão de nervos e músculos pélvicos; Lesão direta do trato urinário. Quadro 06: Mecanismos pelos quais o parto contribui para a incontinência urinária. DIAGNÓSTICO Após minuciosa anamnese e exame físico geral e ginecológico, procede-se o estudo urodinâmico. Seu propósito, além de diagnosticar a IUE, busca-se excluir fatores que possam comprometer o tratamento do quadro, como processos obstrutivos, hipocontratilidade ou hiperatividade do detrusor e defeito esfincteriano. É mandatória sua realização em pacientes que serão submetidas ao tratamento cirúrgico. Observa-se a perda urinária durante a cistometria, sincrônica ao esforço e na ausência de contração involuntária do detrusor¹. A avaliação da pressão de perda abdominal à manobra de Valsalva é utilizada para avaliar a pressão uretral durante a cistometria. Normalmente, realiza-se subseqüentes aferições em um determinado volume vesical (200-300 ml). Uma pressão de perda inferior a 60 cmH2O é sugestiva de função uretral comprometida¹. TRATAMENTO Tratamento Clínico O tratamento clínico inclui a fisioterapia, que se utiliza de exercícios perineais, eletroestimulação e uso de cones vaginais³. Ainda considerando alternativa de tratamento clínico, temos o tratamento farmacológico. A duloxetina é um inibidor da recaptação da serotonina e noradrenalina porém em recentes estudos os resultados 20 não vem demostrando eficazes. Não carecterizando uma boa alternativa para o tratamento da IUE¹. Tratamento Cirúrgico Há diversas técnicas cirúrgicas destinadas ao tratamento da incontinência urinária aos esforços. A abordagem pode ser via vaginal (Kelly-Kennedy), via abdominal retropúbica (Burch) e os slings. Na verdade, a técnica de Kelly-Kennedy tem maior relevância histórica, uma vez que não é mais preconizada para a correção de IUE, principalmente devido a baixa eficácia a longo prazo (37% em 5 anos)10. A técnica retropúbica de Burch apresenta alta eficácia no tratamento da IUE (80 a 90%), mas tem pouca indicação para pacientes obesas ou com defeito esfincteriano9. As cirurgias de sling baseiam-se na colocação de uma faixa suburetral (sintética ou orgânica) visando aumentar a sustentação uretral. Bastante disseminadas na década de 90, as técnicas cirúrgicas com sling têm boa eficácia, além de poderem ser utilizadas em qualquer caso de IUE. São técnicas minimamente invasivas, com baixa morbidade e reduzido tempo operatório, além de serem de fácil aprendizado. Recomenda-se a utilização de telas sintéticas macroporosas e monofilamentares. Alguns estudos têm demonstrado eficácia semelhante a curto prazo para as divesas técnicas de slings (retropúbico, transobturatório ou minislings), porém nas recidivas e nos casos de defeito esfincteriano recomenda-se a utilização de via retropúbica10. Para as pacientes que não desejam tratamento cirúrgico ou que tenham contraindicações ao mesmo, há ainda a opção das injeções periuretrais de colágeno bovino, gordura autóloga silicone ou carbono pirolítico. Normalmente apresentam melhores resultados em pacientes sem hipermobilidade do colo vesical e requerem reintervenção em 6 a 18 meses. BIBLIOGRAFIA 1. Relatório conjunto da Associação Internacional de Uroginecologia / Sociedade Internacional de Continência - Internationa Urogyneccol Journal (2010) 21:526. 2. Bent, A.E., et al. – Uroginecologia e Disfunções do Assoalho Pélvico – 5ª Edição. Guanabara – Koogan, 2006. 21 3. Palma, P.C.R, et al – Urofisioterapia: Aplicações Clínicas das Técnicas Fisioterapêuticas nas Disfunções Miccionais e do Assoalho Pélvico – 1ª Edição. Personal Link Comunicações, 2009. 4. Lowenstein, L. – Sensory Urgency, Female Pelvic Medicine & Reconstructive Surgery – Vol.16, N. 6, November / December 2010. 5. Silva, W.A. – Pharmacologic Management of Incontinence and Voiding Dysfunction – Journal of Pelvic Medicine & Surgery, Vol. 11, N. 1, January/February 2005. 6. Rickey, L.M. & cols. – Risk factors associated with urge incontinence in women with stress urinary incontinence - Female Pelvic Medicine & Reconstructive Surgery – Vol.16, N. 5, Supplement 2, September / October 2010. 7. Shepherd, J.P. & cols – Interstim® Sacral Neuromodulation and Botox® Botulinum-A Toxin Intradetrusor Injections for refractory urge urinary incontinence: a decision analysis comparing outcomes including efficacy and complications - Female Pelvic Medicine & Reconstructive Surgery – Vol.16, N. 5, Supplement 2, September / October 2010. 8. Abrams P, et al. The standardization of terminology of lower urinary tract function. Scand J Urol Nephrol 1988; 114 [Suppl]:5-19. 9. Powell, JL. The Burch Procedure – Historical Perspectives. Journal of Pelvic Surgery. Vol. 7, No 3, 130-132, 2001. 10. Kudish, BI, et al. A Comparison of Transobturator Versus Retropubic Midurethral Slings for Mixed Urinary Incontinence. Female Pelvic Medicine & Reconstructive Surgery. Vol. 16, Number 2, 113-116, March/April 2010. 22