Arquivo - Programa de Pós-Graduação em Ciência de Alimentos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FARMÁCIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DE ALIMENTOS
WELLINGTON LUIS REIS COSTA
INVESTIGAÇÃO DE Staphylococcus aureus RESISTENTE À
METICILINA EM ALIMENTOS CÁRNEOS DESTINADOS AO
PREPARO DE DIETAS EM HOSPITAIS PÚBLICOS DO
MUNICÍPIO DE SALVADOR - BA
Salvador
2013
1
WELLINGTON LUIS REIS COSTA
INVESTIGAÇÃO DE Staphylococcus aureus RESISTENTE À
METICILINA EM ALIMENTOS CÁRNEOS DESTINADOS AO
PREPARO DE DIETAS EM HOSPITAIS PÚBLICOS DO
MUNICÍPIO DE SALVADOR - BA
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciência de Alimentos da Faculdade
de Farmácia da Universidade Federal da Bahia,
como requisito para obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Rogeria Comastri de Castro
Almeida
Salvador
2013
Sistema de Bibliotecas - UFBA
Costa, Wellington Luis Reis.
Investigação de Staphylococcus aureus resistente à meticilina em alimentos cárneos
destinados ao preparo de dietas em hospitais públicos do município de Salvador - BA / Wellington
Luis Reis Costa. - 2013.
102 f.
Inclui anexos.
Orientadora: Profª. Drª. Rogéria Comastri de Castro Almeida.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Farmácia, Salvador,
2013.
1. Staphylococcus aureus. 2. Drogas - Resistência em microorganismos. 3. Carne - Controle
de qualidade. 4. Infecção hospitalar. I. Almeida, Rogéria Comastri de Castro. II. Universidade
Federal da Bahia. Faculdade de Farmácia. III. Título.
CDD - 616
CDU - 616
3
Mais uma vez aos meus pais, dedico.
4
AGRADECIMENTOS
Como sempre faço ao iniciar meu dia e aqui não seria diferente, primeiramente,
agradeço a Deus.
À minha orientadora Professora Rogeria C. C. Almeida. Para mim, mais um
referencial de profissional e pessoa. Agradeço aos ensinamentos, dedicação, pelas
oportunidades e principalmente à confiança em mim depositada.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, FAPESB/MS-Decit/CNPq,
pelo apoio financeiro a pesquisa.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, FAPESB, pela concessão
da bolsa de mestrado.
Ao Dr. Ernesto Hofer e Dra. Marise Dutra Asensi do Instituto Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ), Manguinhos, Rio de Janeiro, pelo fornecimento da cepa Staphylococcus
aureus resistente à meticilina (MRSA).
Às equipes de cada Hospital participante, Diretores, nutricionistas, Técnicos de
nutrição e manipuladores por facilitarem e auxiliarem os trabalhos da equipe nas
Unidades de Alimentação e Nutrição. Sem os quais esse trabalho não seria possível.
Às minhas irmãs, especialmente Nita, Hildenei, Rita e Bárbara pela ajuda nos
cuidados aos meus pais nos momentos mais difíceis quando me faltava
concentração, embora me sobrassem força e fé.
A todos os professores, funcionários e colegas do Programa de Pós-Graduação em
Ciência de Alimentos.
Às meninas do Laboratório de Controle de Qualidade dos Alimentos, Joelza
Carvalho, Ellayne Cerqueira e Lucimara Cardoso, por me receberem e se dedicarem
com responsabilidade à pesquisa. Um agradecimento especial a Jeane Ferreira,
ainda, pela parceria e colaboração.
Aos técnicos dos Laboratórios de Controle de Qualidade e Bioquímica dos Alimentos
da Escola de Nutrição, Luís e Ayse.
À doutoranda Marta Mariana Silva pela construção do mapa de distribuição de
fornecedores.
À doutoranda Moara Martins pelos artigos e material enviados dos Estados Unidos.
5
―Feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina‖
Cora Coralina
6
COSTA, Wellington Luis Reis. Investigação de Staphylococcus aureus resistente à
meticilina em alimentos cárneos destinados ao preparo de dietas em hospitais
públicos do município de Salvador-BA. 102f. 2013. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Farmácia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.
RESUMO
Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) tem provado ser um dos
patógenos mais disseminados e resistentes do século vinte, comumente associado
às infecções nosocomiais em hospitais e na comunidade devido à emergente
multiresistência a outros antimicrobianos. Essa resistência é mediada pela presença
do gen mecA que codifica a proteína PBP2a na parede celular desse microrganismo.
As infecções causadas pela bactéria tornaram-se uma causa amplamente conhecida
de morbi-mortalidade no mundo, por restar limitada escolha de princípios-ativos para
seu controle. O isolamento de cepas de S. aureus resistente à meticilina em vários
alimentos de origem animal, principalmente as carnes, tem sido relatado
recentemente. Assim, o presente trabalho teve como objetivo investigar a presença
de Staphylococcus aureus resistente à meticilina em produtos cárneos destinados
ao preparo de dietas em hospitais públicos de Salvador- BA. Na primeira parte do
estudo, foram investigadas 114 amostras de produtos cárneos crus destinados ao
preparo das dietas hospitalares, englobando as carnes bovina, frango, suína e peixe
e na segunda, 60 amostras de preparações prontas para o consumo a base de
carnes e peixe, imediatamente antes de serem servidas aos pacientes. Para o
isolamento do microrganismo foram utilizados dois meios de enriquecimento
seguidos de plaqueamento direto na superfície do meio MRSA-ID. Colônias
características foram confirmadas utilizando o teste de aglutinação com o reativo
Slidex MRSA. O presente trabalho se encontra estruturado em dois capítulos: o
primeiro deles apresenta uma Revisão de Literatura contendo os assuntos
pertinentes à pesquisa e o segundo a investigação de Staphylococcus aureus
resistente à meticilina nos referidos alimentos. Como resultado da investigação,
constatou-se a presença de MRSA em amostras de alimentos cárneos crus e em
peixes em todos os hospitais investigados, com uma porcentagem maior para as
carnes de suíno. Quanto aos alimentos prontos para o consumo, 10% foram
positivos para MRSA, e as porcentagens específicas foram: frango, 5,6%; suíno,
6,7%; e peixe, 26,7%. Preparações a base de carne bovina não estavam
contaminadas por MRSA. Esses resultados podem ser atribuídos a presença do
patógeno no animal e posterior contaminação das partes musculares em alguma
etapa do abate e processamento, ou ainda, a contaminação pós-processamento
através da manipulação.
Palavras-chave: MRSA. Resistência antimicrobiana. Carne. Infecções nosocomiais.
7
COSTA, Wellington Luis Reis. Investigation of methicillin-resistant Staphylococcus
aureus in meat and fish products destined for the preparation of meals in public
hospitals in Salvador, Bahia. 102p. 2013. Dissertation (Master’s degree) - Faculdade
de Farmácia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.
ABSTRACT
Methicillin-resistant Staphylococcus aureus (MRSA) has proven to be one of the
most widespread and resistant pathogens of the last 20th century. This pathogen is
commonly associated with nosocomial and community infections due to emerging
resistance to other antibiotics. This resistance is mediated by the presence of mecA
gene which encodes the protein PBP2a in the cellular wall of bacteria. Infections
caused by this bacterium have become a widely known cause of morbidity and
mortality worldwide, due to lack of drugs to control it. Isolation of methicillin-resistant
S. aureus strains in various animal products, especially meat, has been recently
reported. Thus, the present study aimed to investigate the presence of methicillinresistant Staphylococcus aureus in raw and ready-to-eat meat and fish products
destined for the preparation of meals in public hospitals in Salvador-BA. A total of
114 samples of raw meat and fish (chicken, n = 30; beef, n = 30; pork, n = 24; and
fish, n = 30) and 60 samples of ready-to-eat meat and fish (chicken, n = 15; beef, n =
15; pork, n = 15; and fish, n = 15) were collected from 10 different kitchens in public
hospitals in Salvador, BA. For isolation of MRSA two enrichment steps were used,
followed by direct plating on the surface of the medium MRSA-ID. Characteristics
colony were confirmed using the agglutination test with reactive SLIDEX-MRSA. This
study is structured in two chapters: the first one presents a Literature Review
containing pertinent subject to this research and the second one the investigation of
methicillin-resistant Staphylococcus aureus in the previously mentioned samples.
The results demonstrate the presence of MRSA in samples of raw meat in all
investigated hospitals, with a higher percentage in pork. Regarding the samples of
ready-to-eat foods, 10% were positive for MRSA, and the specific percentages were
chicken, 5.6%; pork, 6.7%; and fish, 26.7%. The beef was not contaminated by
MRSA. These results can be attributed to the presence of the pathogen into the
animal organism and subsequent contamination of muscular parts in some stage of
slaughter and processing, or post-processing contamination by handling.
Keywords: MRSA. Antimicrobial resistance. Meat products. Nosocomial infections
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1
Esquema representativo da metodologia aplicada na investigação
de MRSA...........................................................................................
66
Figura 2
Foto representativa de tubo de PHMB+ positivo (Arquivo pessoal)...
67
Figura 3
Foto representativa de colônias de MRSA em ágar cromogênico
(Arquivo pessoal)...............................................................................
67
Foto representativa de teste Slidex positivo para MRSA (Arquivo
pessoal).............................................................................................
68
Distribuição da presença de Staphylococcus aureus resistente à
meticilina (MRSA) em relação ao tipo de produto cárneo cru...........
70
Mapa de localização dos produtores de carnes cruas
investigadas.......................................................................................
76
Distribuição da presença de Staphylococcus aureus resistente à
meticilina em relação ao tipo de alimento cárneo pronto para o
consumo destinado às dietas hospitalares........................................
80
Figura 4
Figura 5
Figura 6
Figura 7
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Frequência de isolamento de MRSA em amostras de carne crua e
de preparações prontas para o consumo a base de carne,
provenientes de 10 hospitais públicos de Salvador-BA..................... 68
Tabela 2
Isolamento de MRSA de amostras de alimentos cárneos crus em
cozinhas de hospitais públicos de Salvador-BA................................ 69
Tabela 3
Análise bivariada entre a presença de Staphylococcus aureus
resistente à meticilina e o tipo de alimento cárneo............................ 70
Tabela 4
Modelo logístico (Odds ratio) da presença de Staphylococcus
aureus resistentes à meticilina em relação ao tipo de alimento
cárneo................................................................................................ 71
Tabela 5
Isolamento de MRSA de amostras de preparações prontas para o
consumo a base de carne, em cozinhas de hospitais públicos de
Salvador-BA....................................................................................... 80
Tabela 6
Análise bivariada entre a presença de Staphylococcus aureus
resistente à meticilina e o tipo de preparação cárnea pronta para o
consumo destinada às dietas hospitalares......................................
81
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANVISA
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CCIH
Comissões de Controle das Infecções Hospitalares
CDC
Center for Disease Control and Prevention
EE
Enterotoxinas Estafilocócicas
ECN
Estafilococos Coagulase Negativa
HA-MRSA
Health care associated MRSA
LACQ
Laboratório de Controle de Qualidade de Alimentos
MRSA
Methicillin Resistant Staphylococcus aureus
OMS
Organização Mundial de Saúde
OIE
Organização Mundial para Saúde Animal
FAO
Órgão das Nações Unidas para Agricultura e Alimento
OSPC
Oceania South Pacific clone
PBP
Penicillin Binding Protein
PNCRC
Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes
PAMvet
Programa de Análise de Resíduos de Medicamentos
Veterinários em Alimentos de Origem Animal
TSST-1 Tóxico
Síndrome do Choque
SCCmec)
Staphylococcal cassette chromosome mec
SAg
Superantígenos de Estafilococos
SWP
Oceania Southwest Pacific
PVL
Toxina Panton-Valentine Leucocidina
UAN
Unidades de Nutrição e Alimentação
UFBA
Universidade Federal da Bahia
VISA
VANCOMYCIN-INTERMEDIATE S. aureus
WA-MRSA
Western Australian MRSA
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO GERAL.........................................................................
13
OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS...............................................
16
CAPÍTULO 1: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.......................................... 17
1.1
Staphylococcus aureus ......................................................................
1.2
Staphylococcus
aureus
E
SUA
IMPORTÂNCIA
NAS
INTOXICAÇÕES ALIMENTARES......................................................... 20
1.3
Staphylococcus aureus RESISTENTE À METICILINA EM
ALIMENTOS.......................................................................................... 23
1.4
Staphylococcus aureus RESISTENTE À METICILINA E A
RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA...................................................... 24
1.5
Staphylococcus aureus RESISTENTE À METICILINA E AS
INFECÇÕES HOSPITALARES (HA-MRSA) E DETECÇÃO................ 28
1.6
Staphylococcus aureus RESISTENTE À METICILINA EM
COMUNIDADES (CA-MRSA)............................................................... 32
1.7
Staphylococcus aureus RESISTENTE À METICILINA EM 35
ANIMAIS................................................................................................
1.8
USO DE ANTIMICROBIANOS COMO PROMOTORES DE 36
CRESCIMENTO....................................................................................
REFERÊNCIAS.....................................................................................
17
40
CAPÍTULO 2: INVESTIGAÇÃO DE STAPHYLOCOCCUS AUREUS
RESISTENTE À METICILINA EM ALIMENTOS CÁRNEOS CRUS E
EM PREPARAÇÕES A BASE DE CARNE EM HOSPITAIS
PÚBLICOS DE SALVADOR-BA........................................................... 59
RESUMO...............................................................................................
59
ABSTRACT...........................................................................................
60
1
INTRODUÇÃO....................................................................................... 61
2
MATERIAL E MÉTODOS.....................................................................
63
2.1
AMOSTRAGEM.....................................................................................
63
2.2
DESENHO DO ESTUDO.......................................................................
63
2.3
INVESTIGAÇÃO DA PRESENÇA DE Staphylococcus aureus
RESISTENTE À METICILINA EM ALIMENTOS CÁRNEOS CRUS
DESTINADOS A DIETAS E EM PREPARAÇÕES A BASE DE
CARNE PRONTAS PARA O CONSUMO EM HOSPITAIS PÚBLICOS
DE SALVADOR-BA............................................................................... 64
2.4
ANÁLISE DOS DADOS.........................................................................
66
3
RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................
67
12
4
CONCLUSÕES...................................................................................... 87
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................
88
REFERÊNCIAS.....................................................................................
89
ANEXOS................................................................................................
98
13
INTRODUÇÃO
Staphylococcus aureus é considerado a terceira causa mais importante de
toxinfecção alimentar no mundo (NORMANNO et al., 2005). Existem dois agravantes
para a sua presença: a produção de toxinas e a resistência a antimicrobianos. Este
patógeno é ainda considerado um excelente indicador da ineficiência do
processamento térmico, condições higiênicas inadequadas do processo, ou ainda
refrigeração inadequada após o preparo dos alimentos (JAY, 2005).
Devido ao fato da completa erradicação do microrganismo não ser possível, o
controle da transmissão deve ser o principal objetivo. O microrganismo geralmente
encontra-se em baixos níveis, entretanto a manipulação do alimento pelo homem,
um dos reservatórios desta bactéria, pode elevar o número de células viáveis e, por
esta razão, cuidados especiais devem ser tomados para evitar a veiculação do
patógeno no preparo dos alimentos. Dessa forma, a detecção de S. aureus, em
alimentos é essencial para monitorar e prevenir as infecções (FRANCO;
LANDGRAF, 2008; SOUZA; SANTOS, 2009)
Tradicionalmente, as medidas de controle incluem a implementação de
técnicas de lavagem das mãos, procedimento único considerado por vários
trabalhos como mais importante na prevenção das infecções por elas veiculadas.
Além de outras medidas não menos importantes, como o treinamento e
conscientização dos manipuladores, aí incluídas as outras medidas de higiene
pessoal, limpeza e desinfecção dos utensílios e instalações, somados a manutenção
de qualidade das matérias-primas, e às temperaturas adequadas de conservação e
cocção (RADDI; LEITE; MENDONÇA, 1988; SOUZA; SANTOS, 2009).
Diversos estudos epidemiológicos, incluindo os da Vigilância Nacional de
Infecções Nosocomiais dos Estados Unidos, tem mostrado que a incidência de
infecções por S. aureus vem aumentando consideravelmente nas últimas décadas
em todas as faixas etárias, incluindo recém-nascidos (ANDRADE, 2008). Nos
últimos anos, tem-se observado o surgimento de cepas de S. aureus resistentes a
antimicrobianos, devido ao seu genoma extremamente adaptável (RIZEK, 2010).
14
A emergência e rápida disseminação deste microrganismo tem levado a
importantes mudanças na prevenção da infecção em serviços de controle em
hospitais e outros setores de tratamento de saúde. Estudos recentes sugerem que a
infecção devido ao Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) não é
adquirida apenas em hospitais, mas também em comunidades (SALMENLINNA;
LYYTIKÄINEN; VUOPIO-VARKILA, 2002).
Desde 1917, mesmo antes da aplicação clínica de antimicrobianos, já se
relatava que microrganismos apresentavam a habilidade de se defender mostrando
a resistência à terapia como um processo natural das bactérias. Inicialmente este
processo não causou grande alarde à saúde publica dada a quantidade de
componentes disponíveis, porém após o surgimento de resistência a penicilinas
sintéticas e a conhecida capacidade de transmissão dessa resistência via plasmídios
e outros elementos móveis o problema se tornou preocupante (GARCÍA
CATELLANOS et al., 2004; UENO; JORGE, 2001). Infelizmente, o desenvolvimento
de resistência é mais rápido que a capacidade da indústria para produzir novas
drogas. No tocante aos S. aureus, a resistência a vários tipos de drogas
antimicrobianas apresentada por certas linhagens, torna difícil o controle das
infecções causadas por estes patógenos (STURMER, 2008).
A resistência à meticilina pelo S. aureus é mediada pela presença do gene
mecA, que codifica a proteína 2a (PBP2a), que se encontra na parede celular do
microrganismo (CHAMBERS, 1997). A detecção de fontes de MRSA, como os
alimentos, é fundamental para prevenção e acompanhamento das infecções. Em
adição, o interesse por hospitais associados a infecções por MRSA e comunidades
com infecções causadas por MRSA vem aumentando nos últimos anos (LOPES,
2005; GELATTI et al., 2009).
Segundo Kluytmans (2010), o uso indiscriminado de antimicrobianos aliado a
medidas insuficientes de controle das infecções é a principal causa da pandemia de
resistência antimicrobiana em patógenos humanos. O uso dessas drogas em
prescrições inadequadas ou em tratamento sem diagnósticos pré-estabelecidos,
automedicação, descarte incorreto no meio ambiente, ou utilização indevida na
pecuária, também contribuem para a disseminação, pois genes de resistência
podem ser transmitidos do animal para o homem através da cadeia alimentar
(TAVARES, 2000).
15
Embora a infecção por MRSA não tenha sido relacionada ainda ao consumo
de carnes contaminadas, o microrganismo tem entrado na cadeia produtiva e
estudos recentes confirmam a detecção de MRSA em carnes cruas, incluindo carnes
bovina, suína, frango e de outros animais (FREITAS et al., 2004; RAPINI et al.,
2004; HUIJSDENS et al., 2006; MOURA et al., 2006; NORMANNO et al., 2007; VAN
LOO et al., 2007; DE BOER et al., 2009; LOZANO et al., 2009).
Considerando os ambientes hospitalares, as refeições preparadas nesses
locais devem receber atenção especial porque esses alimentos são destinados a
população de alto risco, susceptível ao desenvolvimento de várias doenças.
16
OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS
Objetivo Geral
Investigar a presença de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) em
produtos cárneos destinados a dietas hospitalares.
Objetivos Específicos:
1 Investigar a presença de Staphylococcus aureus resistente à meticilina MRSA em
alimentos cárneos crus destinados ao preparo de dietas hospitalares;
2 Investigar a presença de Staphylococcus aureus resistente à meticilina MRSA em
alimentos à base de carnes e peixes prontos para o consumo destinados a dietas
hospitalares;
3 Associar a presença de MRSA e os tipos de alimentos cárneos e peixe
investigados.
17
CAPÍTULO 1
1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
1.1 Staphylococcus aureus
O gênero Staphylococcus pertence à família Staphylococcaceae. Apresenta-se
em forma de cocos Gram positivos, com 0,5 a 1,5 μm de diâmetro, imóveis, ocorre
na forma de células isoladas, em pares, tétrades e cadeias curtas, porém é
encontrado predominantemente formando grupos semelhantes a cachos de uva,
devido à sua divisão ocorrer de maneira aleatória e em vários planos. Os
estafilococos não esporulam e são aeróbios ou anaeróbios facultativos, exceto as
espécies S. aureus subespécie anaerobius e S. saccharolyticus, que são anaeróbios
estritos, catalase negativos e não formam gases a partir de carboidratos. Formam
colônias relativamente grandes, com 1 a 2 mm de diâmetro, opacas, convexas,
cremosas e suas cores variam do branco a vários tons de amarelo, dependendo da
espécie e do meio de cultivo. Em meio de ágar sangue, algumas cepas produzem βhemólise (KONEMAN et al., 2008), são catalase positiva e oxidase-negativa,
fermentam glicose em anaerobiose e possuem o ácido teicóico como constituinte de
sua parede celular (ANDRADE, 2008).
Os estafilococos são microrganismos mesófilos, apresentando temperatura de
crescimento na faixa de 4 °C a 46 °C, sendo a temperatura ótima de 35 °C a 37 °C e
são tolerantes a concentrações de 10% a 20% de cloreto de sódio (FRAZIER;
WESHOFF, 2000). Apresentam capacidade de crescer dentro de uma escala
compreendida entre os valores de pH 4,0 e 9,8, sendo o pH ótimo para crescimento
compreendido entre 6,0 e 7,0. Somente as espécies S. aureus, S. intermedius e S.
hyicus são coagulase positiva (FRANCO; LANDGRAF, 2008). Staphylococcus é,
ainda, reconhecido como patógeno capaz de sobreviver em alimentos refrigerados
(FREITAS et al., 2004).
18
O gênero Staphylococcus abrange 35 espécies diferentes, sendo 17
associadas a uma ampla variedade de infecções em seres humanos e animais
(KONEMAN et al., 2008). Em patologias humanas, as principais espécies envolvidas
são: S. aureus, S. epidermidis e S. saprophyticus (TRABULSI; ALTERTHUM, 2005).
S. aureus é o patógeno humano mais importante entre os estafilococos. É
encontrado no ambiente externo e cerca de 20 a 40% dos humanos são portadores
dessa bactéria, cujo habitat principal é a membrana mucosa da nasofaringe, e a sua
frequência é mais elevada entre pessoas que trabalham em hospitais (TRABULSI;
ALTERTHUM, 2005; BANIA et al., 2006). O microrganismo também é comumente
encontrado na mucosa bucal e auricular, na garganta, intestino e na pele humana
(TRABULSI; ALTERTHUM, 2005). Outros locais de colonização do microrganismo
incluem as pregas cutâneas intertriginosas, o períneo, as axilas e a vagina. Apesar
de fazer parte da microbiota humana normal, ele pode produzir infecções
oportunistas em condições apropriadas (KONEMAN et al., 2008). Além disso, as
infecções estafilocócicas podem ser causadas por bactérias de outros doentes ou de
portadores sadios, sendo veiculadas por contato direto ou indireto (TRABULSI;
ALTERTHUM, 2005).
A espécie se multiplica sob condições de alta pressão osmótica e pouca
umidade, o que explica a sua sobrevivência nas secreções nasais e na pele. Está
geralmente envolvida em infecções humanas, tanto de origem comunitária quanto
hospitalar, sendo, consequentemente, a mais extensivamente estudada. Uma
imensa gama de problemas médicos, incluindo infecções de pele e tecidos moles,
como foliculite, furunculose, carbunculose, impetigo, além de infecções de sítios
cirúrgicos, endocardites e bacteremias adquiridas em hospitais são causadas por S.
aureus (CASEY; LAMBERT; ELLIOTT, 2007). Dentre os fatores que predispõem a
infecções por este patógeno, destaca-se a administração de antimicrobianos
(KONEMAN et al., 2008).
Uma série de fatores de virulência é observada para o S. aureus tendo sido
registradas mais de quarenta diferentes toxinas extracelulares, enzimas e proteínas
de superfície (ARVIDSON; TEGMARK, 2001). Com base em suas atividades
biológicas, três categorias funcionais são elencadas: mediação da adesão
bacteriana às células ou tecidos do hospedeiro; promoção do dano tecidual com
19
consequente disseminação e proteção da bactéria contra o sistema imune (DEGO;
VAN DIJK; NEDERBRAGT, 2002).
Esses fatores de virulência incluem a produção de cápsulas, que impede sua
fagocitose por leucócitos polimorfonucleares, contribuindo para sua permanência em
espécimes clínicos (OLIVEIRA; TOMASZ; LENCASTRE, 2002). Produzem também
algumas enzimas, destacando-se a catalase, a termonuclease e a coagulase que
aumentam ainda mais sua patogenicidade. A produção da enzima coagulase resulta
no acúmulo de fibrina ao redor da bactéria, isolando a área infectada, dificultando a
ação dos mecanismos de defesa do hospedeiro (SILVA; GANDRA, 2004).
Além disso, estas bactérias conseguem produzir vários outros fatores de
virulência como desoxirribonuclease (DNAse) e nuclease termoestável, adesinas,
fibrinolisinas, hialuronidases, hemolisinas e lipases (TRABULSI; ALTERTHUM,
2005), além de grande número de proteínas extracelulares, como a produção de
citotoxinas e exoenzimas. Outras, como a proteína A e adesinas, são aderidas à
parede celular e, juntas, estas proteínas possibilitam a invasão das defesas, adesão
às células do hospedeiro e à matriz celular, invasão e destruição das células e sua
disseminação pelos tecidos (VOJTOV; ROSS; NOVICK, 2002).
As principais exotoxinas produzidas pelos estafilococos são as enterotoxinas
estafilocócicas (EE), responsáveis pela intoxicação alimentar estafilocócica no
homem (ORWIN et al., 2001; CARMO et al., 2002; LETERTRE et al., 2003; LOIR;
BARON; GAUTIER, 2003; ORWIN et al., 2003); a toxina da Síndrome do Choque
Tóxico (TSST-1) (BERGDOLL et al., 1981; TRABULSI; ALTERTHUM, 2005) e as
toxinas esfoliativas, responsáveis pela Síndrome Estafilocócica da Pele Escaldada
(LEE et al., 1987; SATO et al., 1994; YAMAGUCHI et al., 2002).
S. aureus pode ainda produzir biofilmes de múltiplas camadas, incorporado
dentro de uma matriz de glicocálice formado predominantemente por ácido teicóico
(80%) e proteínas do próprio microrganismo e do hospedeiro (ARCHER et al., 2011).
Uma vez estabelecidos, os biofilmes do S. aureus servem como uma barreira para
os tratamentos antimicrobianos e a resposta imune do hospedeiro, e, por esta razão
este tem se estabelecido como patógeno de infecções recorrentes (JONES et al.,
2001).
20
1.2
Staphylococcus aureus
E
SUA
IMPORTÂNCIA
NAS
INTOXICAÇÕES
ALIMENTARES
Uma variedade de microrganismos pode contaminar os alimentos, veiculando
doenças cujas manifestações clínicas são fruto da interação do próprio
microrganismo ou de suas toxinas com o organismo do hospedeiro (STAMFORD et
al., 2006). S. aureus é um dos agentes etiológicos mais comuns, responsável por
surtos de intoxicação alimentar. Está largamente distribuído na natureza, sendo
veiculado aos alimentos por manipuladores, na maioria, portadores assintomáticos,
e pelos animais (BALABAN; RASOOLY, 2000; SIMON; SANJEEV, 2007;
STAMFORD et al., 2006).
Segundo Silva e Gandra, (2004) durante muito tempo a espécie S. aureus foi
considerada a única capaz de sintetizar enterotoxinas e a enzima coagulase.
Quando então as espécies S. intermedius e S. hyicus, foram identificadas também
como produtoras de enterotoxinas e de coagulase, e incriminadas em surtos de
intoxicação alimentar, a legislação brasileira passou a estabelecer a pesquisa e
enumeração de estafilococos coagulase positiva, recomendando o uso de testes de
coagulase como marcadores para virulência separando as espécies.
A legislação brasileira através da RDC n° 12, de 02 de janeiro de 2001 da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA (BRASIL, 2001), estabelece a
tolerância máxima para estafilococos coagulase positiva em carnes embaladas a
vácuo não maturadas de até 3x103 UFC/g (unidades formadoras de colônias por
grama), além de coliformes a 45°C de até 104 UFC/g e ausência de Salmonella spp.
em 25g. Para carne resfriada ou congelada in natura existem apenas parâmetros
estabelecidos para ausência de Salmonella spp. em 25g de carne de bovinos,
suínos e outros mamíferos e de 104 UFC/g de coliformes a 45°C para carne de aves
(BRASIL, 2001).
Como principal representante do grupo dos estafilococos coagulase positiva, a
bactéria é de grande importância nos alimentos, sobretudo processados, como é o
caso dos alimentos cárneos cozidos. Sua presença pode indicar deficiência no
processamento ou condições higiênicas inadequadas, além da produção de
enterotoxinas que, uma vez formadas, são capazes de resistir aos tratamentos
21
térmicos descritos anteriormente (FAGUNDES; OLIVEIRA, 2004; SILVA; GANDRA,
2004).
Sabe-se que a célula microbiana é sensível ao calor, sendo eliminada em
temperatura em torno de 65 °C, porém a toxina produzida por ela é resistente à
temperatura de 121°C por um período de 3 a 8 minutos (SILVA et al., 2007) ou
100°C por 30 minutos (MURRAY; ROSENTHAL; PFALLER, 2010), baixo pH
(ARGUDÍN; MENDOZA; RODICIO, 2010) e às enzimas proteolíticas, portanto
mantendo sua atividade no trato gastrintestinal, levando aos quadros de
gastrenterites após ingestão do alimento contaminado (LE LOIR; BARON;
GAUTIER, 2003; BANIA et al., 2006).
As intoxicações de origem alimentar provocadas por S. aureus são de curso
muito rápido e não muito grave e geralmente não necessitam de atendimento
médico, sendo a maioria dos casos não notificados. No entanto, segundo os dados
do Ministério da Saúde, o S. aureus é considerado o segundo agente mais comum
envolvido em surtos de toxinfecção alimentar no Brasil (BRASIL, 2011). Os principais
sintomas são: náuseas, vômitos, dores abdominais, com ou sem diarréia, sudorese,
desidratação por conta da perda de líquidos e cefaléia, geralmente não
acompanhada de estado febril e hipotensão (BALABAN; RASOOLY, 2000;
RODRIGUES et al., 2004; KLUYTMANS, 2010). A doença é auto-limitante e
geralmente resolve-se após 24-48h do início dos sintomas (MURRAY, 2005;
KLUYTMANS, 2010; ARGUDÍN; MENDOZA; RODICIO, 2010). Entretanto, o
desencadeamento da síndrome varia de acordo com o grau de susceptibilidade do
indivíduo, com a concentração da toxina no alimento e a quantidade que foi ingerida
que, no caso do S. aureus, 105 células por alimento já é o suficiente para que seja
produzida e acumulada toxina em níveis capazes de provocar a intoxicação.
Concentrações bacterianas inferiores não são de importância para saúde pública
(ESR, 2001).
As Enterotoxinas Estafilocócicas (EE) são a principal causa de intoxicação de
origem alimentar que ocorre após ingestão de alimentos contaminados com a toxina
produzida pelo microrganismo devido ao manuseio impróprio e subsequente
manutenção a elevadas temperaturas (FOOD..., 1992; EFUNTOYE; ADETOSOYE,
2003). Pertencem à família das toxinas pirogênicas superântigeno (superantigens SAg) e são designadas como tal devido aos seus efeitos sobre o sistema imune, e
22
muitas vezes está envolvida na síndrome do choque tóxico (TSST-1). No entanto,
elas foram originalmente classificadas como EE em 1989 devido à sua atividade
emética quando ingerida através de alimentos contaminados (BERGDOLL, 1989).
Recentemente, outros tipos de EE têm sido relatadas baseadas em sua similaridade
sequencial com as toxinas clássicas EE (LINA et al., 2004; OMOE et al., 2005;
ARGUDÍN; MENDOZA; RODICIO, 2010).
O
Comitê
Internacional
para
Nomenclatura
dos
Superantígenos
de
Estafilococos (SAg) propuseram que apenas os SAg que induzam vômito após
administração oral em um modelo primata pode ser designado como Enterotoxina
Estafilocócica. Outras SAg que não induzam êmese, devem ser classificadas como
Enterotoxina Estafilocócica similar (Staphylococcal Enterotoxin-like - SEl) (LINA et
al., 2004).
Tanto o S. aureus como os outros membros do grupo coagulase positiva são
reconhecidos pela sua capacidade de produzirem as EE (LINA et al., 2004). Ao todo,
o número de SAg produzidas por S. aureus compreende 22 membros: as clássicas
SEA, SEB, SEC (com as SEC1, SEC2 e SEC3, as SEC variantes de ovinos e
bovinos), SED e SEE, e as novas SEG, SEH, SEI, SER, SES, SET e SEls (SElJ,
SElK, SElL, SElM, SElN, SElO, SElP, SElQ, SElU, SElU2, e SElV) e a SEF antes
designada como TSST-1, mas que perdeu atividade emética (BERGDOLL, 1989;
ARGUDÍN; MENDOZA; RODICIO, 2010; PERILLO et al., 2012).
Quantidades menores que 1µg (0,00001g) da toxina é capaz de causar
intoxicação em humanos. São os manipuladores, portadores assintomáticos, os
principais responsáveis pela contaminação dos alimentos, apresentando o patógeno
como parte da microbiota normal do nariz ou lesões das mãos, como furúnculos
(PELCZAR JR.; CHAN; KRIEG, 1997), aliados ao controle inadequado de tempo e
temperatura (PIRAGINE, 2005; AMSON, HARACEMIV; MASSON, 2006).
A pele das mãos apresenta uma população diferenciada de microrganismos,
que pode ser classificada em microbiota residente e microbiota transitória.
Anteriormente sugeria-se que essa microbiota poderia ser reduzida com a simples
lavagem das mãos com água e sabão ou água e detergente (RADDI; LEITE;
MENDONÇA, 1988). No entanto, hoje se sabe que os microrganismos residentes
são encontrados nas camadas mais profundas da pele, não sendo, portanto
facilmente removidos por fricção mecânica. A maior parte desta microbiota (85%) é
23
constituída por estafilococos coagulase negativa, o Staphylococcus epidermidis e a
menor parte (5-25%) por S. aureus (coagulase positiva) e outros microrganismos dos
gêneros Corynebacterium, Propionibacterium e Acinetobacter. Já a microbiota
transitória da pele é representada pelos microrganismos que o indivíduo teve
contato, os quais não se multiplicam na pele, mas permanecem nela, podendo
contaminar outras superfícies e alimentos; entre eles estão as enterobactérias, como
a Escherichia coli e Salmonella spp. e ainda os vírus, fungos e parasitos (AYCIÇEK.
et al., 2004).
1.3 Staphylococcus aureus RESISTENTE À METICILINA EM ALIMENTOS
As bactérias resistentes a antimicrobianos presentes nos alimentos preocupam,
uma vez que podem ser transmitidas ao homem pela ingestão desses alimentos
contaminados. Witte (2000) afirmou que no trato gastrintestinal tais bactérias podem
transferir genes que conferem a resistência antimicrobiana a outras bactérias, da
própria espécie ou de espécies não relacionadas, patogênicas ou não.
Dentre
as
bactérias
resistentes
a
antimicrobianos,
destaca-se
o
Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA). No tocante a sua presença
em alimentos, suspeita-se do contato com os manipuladores de alimentos bem
como a sua presença na matéria-prima de origem animal como, peixes, carnes e
leite (IARIA; FURLANETTO; CAMPOS, 1980; JAY, 2005; MOURA, 2006; BOER et
al., 2009; LOZANO et al., 2009; JONGE; VERDIER; HAVELAAR, 2010; RIZEK,
2010; KAMAL; BAYOUMI; ABD EL AAL, 2013).
O isolamento da cepa de MRSA ST398 demonstra a disseminação entre
homens e animais na Holanda (HUIJSDENS et al., 2006). A cepa é considerada
específica de suínos e foi primeiramente descrita na Europa onde foi encontrada
colonizando suínos e seus tratadores na Holanda e França, e cães, suínos, cavalos
e humanos na Alemanha e Áustria (ARMAND-LEFVRE; RUIMY; ANDREMONT,
2005; VOSS et al., 2005; HUIJSDENS et al., 2006; WITTE et al., 2007), e mais
recentemente em suínos e tratadores no Canadá (KHANNA et al., 2008). Hoje nas
24
fazendas da Holanda, os suínos e seus tratadores são considerados portadores de
MRSA. Cerca de 20 a 80% desses animais carreiam o patógeno em seu corpo sem
desenvolverem infecções (GARDNER, 2010).
Durante o abate de animais portadores de MRSA, a contaminação das
carcaças e do ambiente pode ocorrer e consequentemente a carne desses animais
pode tornar-se contaminada (VAN DUIJKEREN et al., 2009). Entretanto, a principal
preocupação, segundo Kluytmans e colaboradores (1995), são os manipuladores de
alimentos que ao m3anipularem essas carnes contaminadas com MRSA, colonizam
suas mãos ou membranas mucosas e levam através da contaminação cruzada
estes microrganismos a causarem infecções em outros seres humanos.
Kluytmans e colaboradores (1995) relatam que o primeiro caso de infecção por
MRSA através de alimentos ocorreu em 1995, em um hospital da Holanda, e
resultou em um surto alimentar no hospital, com a ocorrência de óbito. Nesse
estudo, o microrganismo foi isolado da orofaringe do manipulador de alimentos e do
alimento servido.
1.4 Staphylococcus aureus RESISTENTE À METICILINA E A RESISTÊNCIA
ANTIMICROBIANA
As infecções estafilocócicas são comuns em indivíduos hospitalizados e muitas
vezes provocam severas consequências (YZERMAN et al., 1996), tornando o
controle dessas infecções cada vez mais importante (KLUYTMANS; BELKUM;
VERBRUGH, 1997).
A resistência antimicrobiana é definida como a capacidade de alguns
microrganismos resistirem à ação de agentes antimicrobianos, que pode ocorrer por
mecanismos específicos presentes nas bactérias ou pelo fato de concentrações da
droga correspondente, normalmente alcançada no sangue ou tecido, não serem
capazes de inibirem os microrganismos envolvidos na infecção (MOTA et al., 2005;
WHO, 2012).
25
Este fenômeno é considerado um fator natural e inevitável (ANTÔNIO et al.,
2009). Classifica-se em ativa ou passiva; a primeira ocorre como resultado de
pressão seletiva específica para adaptar-se a um ataque. Já a resistência passiva
ocorre como consequência de processos adaptativos gerais, não relacionados a
uma classe de antimicrobianos (WRIGHT, 2005).
A inativação enzimática, a alteração de transporte do fármaco por mudanças
na bomba de efluxo, na permeabilidade externa da membrana e alteração de
receptores, são os principais mecanismos de resistência conhecidos (SOUZA
JÚNIOR; FERREIRA; CONCEIÇÃO, 2004).
O início do uso clínico dos antimicrobianos começou nas décadas de 1940 e
1950, com o objetivo de controlar doenças infecciosas trazendo notável progresso
no tratamento das mesmas (GURGEL; CARVALHO, 2008).
Antes da utilização de antimicrobianos nos tratamentos de infecções por S.
aureus, as mortes eram superiores a 80% (SKINNER; KEEFER, 1941). Somente em
1942 as penicilinas começaram a ser utilizadas no controle dessas infecções e
rapidamente reduziu a taxa de mortalidade de 80% para 35% (MAYHALL, 1996),
coincidindo com o rápido surgimento de resistência a essas drogas, o que
representou importância considerável a saúde pública na época (KHAN et al., 2000).
O potencial patogênico do S. aureus está relacionado com sua grande
capacidade de mutação para formas mais resistentes frente aos antimicrobianos
mais largamente utilizados. O surgimento dessas cepas resistentes levou ao
desenvolvimento de novas drogas antimicrobianas e reavaliações periódicas do
perfil de susceptibilidade deste patógeno (MARTINS et al., 2009). Hoje, todas as
cepas de S. aureus são virtualmente resistentes às penicilinas naturais (RICE,
2006). A resistência a essas drogas ocorre devido à presença de genes localizados
no cromossomo ou nos plasmídios do microrganismo (NOVICK, 1989), que
codificam enzimas capazes de inativá-las, enzimas essas inicialmente chamadas de
penicilinases e atualmente β-lactamases (RICE, 2006). Essas enzimas são capazes
de hidrolisar o anel betalactâmico, transformando os antibióticos em produtos
inativos (CHAMBERS; HARTMAN; TOMASZ, 1985).
Em 1960 foi desenvolvida a meticilina, uma penicilina semi-sintética que no
mesmo ano foi introduzida na Europa e, em 1961 nos Estados Unidos, sendo
26
posteriormente substituída por uma congênere, a oxacilina. O primeiro caso de
infecção causado por cepas de Staphylococcus aureus resistente à meticilina
(Methicillin Resistant Staphylococcus aureus – MRSA) foi relatado no Reino Unido
neste mesmo ano e logo após em outros países da Europa, Japão e Austrália
(LOPES, 2005; RICE, 2006), sendo a bactéria reconhecida como um patógeno
significante em infecções hospitalares (AIRES DE SOUSA et al., 1998; JAFFE et al.,
2000). Entretanto, o mecanismo de resistência a meticilina não havia sido elucidado
até 1981, quando Hartman e Tomasz (1981) descobriram um tipo diferente de
proteína no MRSA que teria uma reduzida afinidade por todos betalactâmicos até
então disponíveis.
Sabe-se que os antimicrobianos betalactâmicos, por exemplo, penicilinas e
cefalosporinas atuam sobre a bactéria inativando as proteínas chamadas, Penicillin
Binding Protein (PBP), enzimas que são essenciais na construção da parede celular.
Quatro PBP nativas são encontradas nos estafilococos e todas as quatro podem ser
inativadas pelos antimicrobianos mencionados (HARTMAN; TOMASZ, 1981). Como
resultado do enfraquecimento da parede celular, as bactérias atingidas se tornam
frágeis osmoticamente e são facilmente lisadas. Como já foi mencionado
anteriormente, a enzima bectalactamase, que cliva a estrutura betalactâmica (anel)
dos antimicrobianos, confere resistência à penicilina, mas não às penicilinas semisintéticas como as meticilinas, oxacilinas e cloxacilina (PINHO; DE LENCASTRE;
TOMASZ, 2001).
Por outro lado, a presença do gene mecA, que codifica uma forma diferente de
PBP, a PBP2a na parede celular do microrganismo confere completa resistência a
todos os antimicrobianos betalactâmicos, inclusive às
penicilinas semi-sintéticas
(PINHO; DE LENCASTRE; TOMASZ, 2001; WEESE et al., 2005). Esta resistência
surgiu devido à integração de um elemento genético móvel, denominado
Staphylococcal cassette chromosome mec (SCCmec), em sítio específico do
genoma bacteriano (TIZOTTI, 2010).
Estudos de isolados de MRSA mostraram que o componente genético chave
responsável pela resistência, o gen mecA, não é nativo do genoma do S. aureus. O
SCCmec tem sido caracterizado como um elemento de resistência móvel que difere
dos transposons e dos bacteriófagos (BERGER-BACHI; ROHRER, 2002). Sabe-se
que os genes de resistência podem ser transferidos entre as cepas diferentes de S.
27
aureus e entre outras espécies de Staphylococcus. Os Estafilococos Coagulase
Negativa (ECN), por exemplo, têm sido considerados como reservatório para
resistência a meticilina em S. aureus. Isso se deve ao fato de que, por razões
desconhecidas, os ECN carreiam mais genes de resistência à meticilina que os S.
aureus (WIELDERS et al., 2001).
Os estafilococos apresentam uma extensiva variabilidade genômica, com mais
de 20% do seu genoma dedicado a regiões dispensáveis, que podem codificar
fatores de virulência ou proteínas mediadoras de resistências antimicrobianas
(FITZGERALD et al., 2001). O SCCmec é um desses elementos e tem um tamanho
que pode variar de 21 a 67kb. Existem cinco tipos de SCCmec (tipos I a V). Os
menores, os tipos I, IV e V codificam apenas genes recombinantes e genes de
resistência a meticilina, não possuindo genes transponíveis e genes de resistência a
antimicrobianos não betalactâmicos (APPELBAUM, 2007). Os tipos I, II, e III estão
associados às infecções hospitalares (HA-MRSA) e os tipos IV e V às infecções
comunitárias (CA-MRSA) (HIRAMATSU et al., 2001; APPELBAUM, 2007).
Segundo Tavares (2000), a existência e a disseminação de microrganismos
resistentes a antimicrobianos são resultados da pressão selecionadora imposta pelo
homem, pela prescrição desnecessária de drogas, pelo uso incorreto em
tratamentos sem diagnóstico, automedicação, descarte de restos de antimicrobianos
no meio ambiente, ou ainda o uso destes na pecuária como promotores de
crescimento. A adaptação das bactérias à exposição de agentes químicos potentes
é uma expressão natural da evolução adaptativa genética de organismos a
modificações presentes no seu meio ambiente (GUIMARÃES; MOMESSO; PUPO,
2010; SILVEIRA et al., 2006).
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), cerca de
50% das prescrições médicas desses fármacos são feitas de forma inadequada e,
diante disso, uma das metas da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o
século XXI, é o uso consciente de agentes antimicrobianos, evitando com isso, o
aparecimento e a seleção de cepas resistentes (BRASIL, 2007).
Atualmente, cepas de bactérias multiresistentes são responsáveis por diversos
surtos em todo o mundo e o arsenal terapêutico tem se tornado cada vez mais
escasso (SANTOS et al., 2008). Isso porque o desenvolvimento de resistência por
certas bactérias patogênicas é mais rápido que a capacidade da indústria para
28
produzir novas drogas. O S. aureus, um poderoso agente de infecção hospitalar,
representa muito bem este aspecto (SOUZA, 1998).
Segundo Mota e colaboradores (2005), somente 50% dos antimicrobianos
produzidos é utilizado na terapia humana, a outra metade é empregada na profilaxia,
tratamento, ou como promotores de crescimento animal, e no extermínio de pragas
na agricultura. Na criação animal, o aparecimento de microrganismos resistentes
pode ocorrer também pela utilização de antimicrobianos na ração (YATES et al.,
2004). Durante os últimos 70 anos, o uso abusivo de antimicrobianos na medicina
humana e na criação de animais, levou a um aumento constante de microrganismos
resistentes a esses medicamentos (WHO, 2012).
1.5
Staphylococcus
aureus
RESISTENTE
À
METICILINA:
INFECÇÕES
HOSPITALARES (HA-MRSA) E DETECÇÃO
Uma das maiores preocupações na área de saúde é a alta incidência de
infecção hospitalar ou nosocomial, isto é, infecção adquirida em ambientes
hospitalares durante a internação ou após a alta do paciente, quando este esteve
hospitalizado, ou passou por procedimentos médicos (BRASIL, 2004b), ou ainda
uma infecção ocorrida em um paciente em um hospital ou outra unidade de saúde,
em cuja infecção não estava presente ou incubada no momento de sua admissão.
Isso inclui infecção adquirida no hospital, porém manifestada depois da alta, e
também infecções ocupacionais entre funcionários dessas instituições (WHO, 2002).
A infecção hospitalar é uma realidade no Brasil e no mundo e representa um
grande ônus sócio-econômico às instituições, em decorrência dos custos
hospitalares, e em relação ao paciente pelo prolongamento do período de
afastamento de suas atividades profissionais e familiares. Um paciente que evolui
para uma infecção pode levar a um gasto de até três vezes o valor comparado ao
paciente que não teve infecção. A infecção nosocomial é um dos maiores problemas
enfrentados pelos profissionais de saúde em unidades de terapia intensiva, sendo
que sua incidência atinge de 5 a 10% dos pacientes hospitalizados (RATTI; SOUSA,
2009).
29
O MRSA é uma causa importante dessas infecções adquiridas em comunidade
e hospitais; são principalmente do tipo nosocomial e são cada vez mais relatados
em vários países do mundo (TIEMERSMA et al., 2004). Este aumento de infecções
por Staphylococcus pode ser compreendido pela habilidade do microrganismo em
processos de adaptação às mudanças ambientais contínuas (RATTI; SOUSA,
2009).
O MRSA desencadeia infecções tão invasivas quanto às causadas por S.
aureus sensível à meticilina (MSSA), como por exemplo, as infecções em feridas,
queimaduras e úlceras (AYLIFFE, 1997). Entretanto, a resistência a vários
antimicrobianos limita as opções terapêuticas e prolonga o tempo de tratamento
dessas infecções (KLUYTMANS; BELKUM; VERBRUGH, 1997; FARIA et al., 2005).
O microrganismo é considerado o maior causador de infecções no mundo. E
essas infecções estão associadas com aumento de morbidade e mortalidade em
comparação
com
(APPELBAUM,
infecções provocadas por outras
2007).
As
infecções
causadas
por
cepas de
este
S. aureus
patógeno
são
reconhecidamente graves em pacientes hospitalizados ou não. Um paciente
infectado por MRSA pode apresentar probabilidade de morte cinco vezes maior que
os não infectados (FERREIRA et al., 2009). Em trabalho realizado por Wyllie, Crook
e Peto (2006) em dois hospitais em Oxfordshire – Inglaterra, os autores detectaram
uma taxa de mortalidade de 34% em 30 dias para indivíduos infectados por MRSA,
enquanto que para aqueles que foram infectados por MSSA a taxa foi de 27%.
O aparecimento de cepas similares com resistência a outros antimicrobianos
diferentes da meticilina surgiu em vários países praticamente ao mesmo tempo.
Cepas neomicina-resistente e gentamicina resistente apareceram em vários países
10 anos após a introdução dessas drogas (LOWBURY et al., 1964; STORRS;
COURVALIN; FOSTER, 1988).
Devido à rápida disseminação do MRSA, o tratamento tradicional das infecções
por HA-MRSA (Health care associated MRSA), nas últimas décadas, foi substituído
por substâncias do grupo dos glicopeptídeos, principalmente a vancomicina
(MIMICA; MENDES, 2007; UNAKAL; KALIWAL, 2012). O aumento do seu uso e
consequentemente o aumento da pressão seletiva levou ao surgimento de outras
cepas de S. aureus com susceptibilidade reduzida a vancomicina (UNAKAL;
KALIWAL, 2012). Em 1997 foi identificado no Japão, o primeiro isolado de S. aureus
30
com susceptibilidade reduzida a vancomicina, o Staphylococcus intermediário à
vancomicina (VANCOMYCIN-INTERMEDIATE S. aureus - VISA). Essa linhagem
também vem sendo observada na Europa, Ásia, Estados Unidos e Brasil.
(APPELBAUM, 2006; MIMICA; MENDES, 2007).
Historicamente as infecções por HA-MRSA têm sido causadas por clones
internacionalmente disseminados, incluindo os cinco maiores deles designados
como, ibérico, brasileiro, húngaro, Nova Iorque/japonês e pediátrico, todos
identificados através de técnicas moleculares (GORDON; LOWY, 2008). Esses
clones multiresistentes se disseminaram mundialmente e são responsáveis pela
maioria das infecções nosocomiais (OLIVEIRA; TOMASZ; DE LENCASTRE, 2002).
O clone brasileiro, por exemplo, que já foi encontrado em diferentes hospitais de
norte a sul do País (SOARES et al., 2001), tem sido também detectado em outros
países incluindo Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Portugal, Itália e República
Tcheca (STURMER, 2008). O clone brasileiro foi responsável pela maioria das
infecções estafilocócicas invasivas em um Hospital Universitário na cidade de Belém
do Pará na década de 90, e também é reconhecido por ser a cepa que mais produz
biofilmes (GORDON; LOWY, 2008).
A prevalência de cepas MRSA associadas aos serviços de saúde, também
denominadas HA-MRSA (HEALTH CARE ASSOCIATED- MRSA) pode variar
conforme o país, instituição ou setor hospitalar (MIMICA; MENDES, 2007).
Aproximadamente 29% (78,9 milhões) e 1,5% (4,1 milhões) de pessoas nos Estados
Unidos foram colonizadas em suas narinas por S. aureus e MRSA, respectivamente,
entre os anos de 2003-2004. Em 2005, estima-se que houve 478 mil hospitalizações
com diagnóstico de infecções por S. aureus nos hospitais dos Estados Unidos, e
destes, aproximadamente 28 mil foram provocadas por MRSA (CDC, 2011).
Em estudo retrospectivo realizado por Dulon e colaboradores (2011),
abordando a prevalência de infecções causadas por MRSA em serviços de saúde da
Europa entre 2000 e 2010, foi observado que entre os pacientes a porcentagem de
infecções por MRSA variava de 1% a 24%. Estudo anterior conduzido por Vaz
(1995), em hospitais de Portugal, demonstrou um índice de 31,6% de isolados de S.
aureus resistente à meticilina. Na Itália, em diferentes hospitais, no período de 1990
a 2007, os pesquisadores encontraram um aumento da prevalência do clone italiano
de 29 para 57% (CAMPANILE et al., 2009).
31
No Brasil, os índices encontrados são, em média, bastante elevados (40% a
80%) especialmente entre as cepas isoladas em unidades de terapia intensiva (UTI).
Os fatores de risco relacionados a infecções por HA-MRSA incluem, geralmente,
idade superior a 60 anos, uso de corticóides, uso prévio de antimicrobianos,
internação prolongada e presença de dispositivos médicos invasivos (TIZOTTI et al.,
2010).
Em linhas gerais, a disseminação das infecções se previne pela eliminação das
condições necessárias para transmissão do microrganismo de um portador para um
hospedeiro susceptível. Isso pode ser evitado por ações de controle nos ambientes
hospitalares, como: identificação e isolamento do contato com os pacientes, a
desinfecção nasal e cutânea, principalmente das mãos e a limpeza adequada e
desinfecção das áreas clínicas (SEXTON et al., 2006; CME, 2010).
Quanto ao diagnóstico laboratorial para MRSA, apesar das várias
recomendações disponíveis na literatura, sabe-se que ainda não existe consenso
sobre qual o método a utilizar. Diversos métodos estão disponíveis, no entanto,
principalmente devido à variação na resistência das cepas, essa detecção muitas
vezes pode ser difícil ou de baixa sensibilidade. Os métodos historicamente mais
usados baseiam-se em modificações na tentativa de aumentar a expressão da
resistência à oxacilina, como a adição de cloreto de sódio ao meio de cultura.
Dentre os métodos tradicionais destacam-se os testes de disco-difusão,
incluindo o disco de cefoxitina, o teste com placa de screening com oxacilina, o teste
para determinação da concentração inibitória mínima, os métodos automatizados
como o Vitek e o MicroScan e a utilização de meios cromogênicos (O’BRIEN et al.,
2012; BOER et al., 2009).
As técnicas tradicionais de cultura para a detecção de MRSA, representadas
pela inoculação em placas de agar sangue ou de agar com meio seletivo (ATYAH;
ZAMRI-SAAD; ZAHRAH, 2010), seguido de confirmação das colônias características
tem sido amplamente utilizadas. O método mais utilizado para detecção de estirpes
MRSA nos alimentos é o teste disco-difusão somado a confirmação através de
Reação da Polimerase em Cadeia (PCR) para detecção do gene mecA (CRAGO et
al., 2012; LIM et al., 2010). O teste de aglutinação em látex com confirmação através
de PCR também tem sido utilizado (FESSLER et al., 2011; HANSON et al., 2011),
enquanto a técnica de PCR isoladamente para identificação do microrganismo
32
também tem sido utilizada (DIAS et al., 2011; NORMANO et al., 2007), embora
alguns desses estudos demonstrem a realização de teste de susceptibilidade
antimicrobiana, como análise complementar dos isolados. Ainda, grande parte dos
estudos tem utilizado a tipificação molecular dos isolados de MRSA como análise
complementar, que incluíram tipagem por sequenciamento do multilocus (MLST)
(LIM et al., 2010) e sequenciamento da região polimórfica X do gene da proteína A
estafilocócica (spa-tipagem) (NAM et al., 2011). Como mencionado, alguns trabalhos
buscaram avaliar a exatidão desses métodos e todos utilizaram como padrão ouro a
presença de gene mecA (MINICA; MENDES, 2007).
1.6 Staphylococcus aureus RESISTENTE À METICILINA EM COMUNIDADES (CAMRSA)
Um número crescente de relatos tem demonstrado o surgimento de um novo
tipo de MRSA nos últimos anos. Este patógeno que até então era considerado de
origem hospitalar, passa a se apresentar em casos de infecções em pacientes da
comunidade, sem os fatores de risco para aquisição do patógeno (LOPES, 2005;
REMONATTO et al., 2007). Esses fatores incluem internações recentes ou cirurgias,
internações em unidades de terapia intensiva, diálise, doenças crônicas de fígado,
pulmão e vasculares, afecções malignas, utilização de cateteres, ou exposição
prolongada a antimicrobianos (HEROLD et al., 1998; VANDENESCH et al., 2003).
Além desses fatores de risco, para ser considerado CA-MRSA, a cultura obtida da
infecção deve ter sido adquirida em até 72 horas do internamento do paciente ou em
uma consulta ambulatorial (HEROLD et al., 1998; KING et al., 2006).
O curioso é que para ser considerado CA-MRSA também é preciso que o
paciente apresente determinados fatores predisponentes para tal infecção. A maioria
dessas infecções tem ocorrido em indivíduos com esses fatores, principalmente em
adultos. O contato recente com ambientes hospitalares ou abuso de substância
parenteral são exemplos. No entanto, algumas infecções deste tipo têm sido
frequentemente
relatadas
por
acontecerem
sem
nenhum
destes
fatores
(SARAVOLATZ et al., 1982; MORENO et al., 1995). Estudos relatam a presença de
33
CA-MRSA em crianças, todas sem os fatores predisponentes para sua aquisição
(HEROLD, et al., 1998; CREECH et al., 2005).
O primeiro relato de infecções causadas por cepas de Staphylococcus aureus
resistente à meticilina de origem comunitária (CA-MRSA) ocorreu em 1993 na
Austrália, detectado em populações indígenas locais (TONG et al, 2009).
Posteriormente, outros casos ganharam atenção em outras regiões do mundo. Nos
Estados Unidos no ano de 2002, atletas em Los Angeles apresentaram surtos de
infecções cutâneas (GELATTI et al., 2009), e um ano depois em Missouri, jogadores
de futebol americano apresentaram MRSA em lesões da pele (KASAKOVA et al.,
2005).
Com a tipagem molecular foi possível agrupar epidemiologicamente as cepas
de CA-MRSA que circulam em diferentes regiões do mundo em diferentes períodos.
Observou-se que essas cepas têm uma estrutura molecular conservada e que
contam um número reduzido de clones com capacidade de disseminação global
(GELATTI et al., 2009). Aqueles primeiros isolados de CA-MRSA, detectados na
Austrália, causando infecções em populações indígenas foram chamados de WAMRSA (Western Australian MRSA) (UDO; PEARMAN; GRUBB, 1993). Logo depois
duas outras linhagens surgiram na Austrália e Nova Zelândia, o clone ―Queensland‖
(MUNCKHOF et al., 2003) e o clone SWP (Oceania Southwest Pacific), também
conhecido como: OSPC (Oceania South Pacific clone) (NIMMO et al., 2000), além
do EMRSA (Reino unido) e CMRSA (Canadá) (MEDIAVILLA et al., 2012).
Nos Estados Unidos os clones mais comumente associados a surtos são o
USA100, USA200, USA300 e USA400 (MEDIAVILLA et al., 2012). O clone USA400,
é comum em infecções neonatais e puerperais, e o clone USA 300 é relatado
principalmente em infecções de peles de atletas e presidiários. Ambos também são
conhecidos por terem sido isolados de infecções de pele e tecidos moles, sendo o
US300 mais frequentemente isolado que o US400 (MAREE et al., 2007; GELATTI et
al., 2009). No Brasil, os primeiros isolados de CA-MRSA eram semelhantes ao
OSPC, provenientes da região Sul do País e, posteriormente, foi relatada a presença
deste mesmo clone na região Sudeste, na cidade do Rio de Janeiro (RIBEIRO et al.,
2005).
Como mencionado anteriormente, diferente do MRSA de origem hospitalar, que
carreiam o SCCmec I, II e III, os CA-MRSA carregam preferencialmente o SCCmec
34
do tipo IV e V (VANDENESCH et al., 2003; LOPES, 2005). O cassete tipo IV é
pequeno em tamanho e por esta razão perde genes de resistência a vários
antimicrobianos não-betalactâmicos, daí a sua sensibilidade a esses agentes. Além
disso, o CA-MRSA contém ainda os genes lukS-PV e lukF-PV, responsáveis pela
codificação da toxina Panton-Valentine Leucocidina (PVL). Esta é capaz de destruir
leucócitos humanos e produzir graves danos teciduais, estando relacionada com
lesões necróticas e grave pneumonia necrotizante, em crianças ou adultos (LOPES,
2005).
Em muitos centros urbanos, ao redor do mundo, as infecções causadas por
CA-MRSA acontecem em grandes proporções e em muitas comunidades,
correspondendo a mais de 50% das infecções (MAREE et al., 2007), e parecem ser
um fenômeno emergente em todo mundo (VANDENESCH et al., 2003). O lócus PVL
representa um marcador genético destas cepas de CA-MRSA, o que explica a
frequência de infecções primarias de pele e ocasionalmente as pneumonias
necrotizantes (NAIMI et al., 2001).
Para Cookson (2000), o MRSA de origem comunitária é importante por várias
razões. Dentre elas, auxiliar os clínicos gerais com dados relevantes de vigilância
que auxiliem no tratamento e prevenção de infecções em seus pacientes. Segundo o
autor, estes dados são importantes para a implantação de ―eventos sentinela‖, que
podem ser definidos, segundo Rutstein e colaboradores (1983), como a detecção de
doença previsível, incapacidade, ou morte inesperada, cuja ocorrência serve como
um sinal de alerta de que a qualidade da terapêutica ou prevenção deve ser
questionada, como observado recentemente nos Estados Unidos, motivada pela
morte de quatro crianças por infecções causadas por CA-MRSA (CDC, 1999).
Assim, toda vez que se detecta evento desta natureza, o sistema de vigilância deve
ser acionado, para que as medidas indicadas possam ser rapidamente instituídas
(BRASIL, 2009a).
Gelatti e colaboradores (2009) relatam que a escassez de estudos de
prevalência é um fator limitante do conhecimento da epidemiologia local relacionada
ao CA-MRSA. Pacientes ambulatoriais nos quais seja isolado MRSA apresentando
susceptibilidade a vários antimicrobianos, devem ser considerados para o
diagnóstico de uma possível infecção por CA-MRSA. Para facilitar o rastreamento
dessas cepas podem ser feitas análises laboratoriais como cultivo celular de pele e
35
tecidos moles em pacientes atendidos em atendimento primário como em unidades
de emergência.
1.7 Staphylococcus aureus RESISTENTE À METICILINA EM ANIMAIS
A ocorrência de MRSA em animais foi primeiramente relatada em 1972,
quando a linhagem foi isolada de leite de vacas com mastite na Bélgica (DEVRIESE;
HOMES, 1975). Desde então, vários outros estudos relataram a presença de MRSA
em diversas espécies de animais domésticos e animais silvestres, como cães e
gatos caprinos, ovinos, equinos, frangos, focas, psitacídeos, tartarugas e outros
(WALTHER et al., 2008; GARDNER, 2010; ALZOHAIRY, 2011; WALTHER, 2012).
A descoberta de que os animais podem ser colonizados por cepas de MRSA
levou à constatação de um potencial zoonótico importante (ALZOHAIRY, 2011),
embora se sugira que seja mais provável que o MRSA seja transmitido do homem
para os animais (SELEHA; ZUNITA, 2010).
O surgimento de cepas associadas a animais (LIVESTOCK-ASSOCIATED
MRSA – LA-MRSA) como a ST398 vem confirmar que o MRSA representa um
fenômeno emergente continuamente conduzido por interações multifatoriais entre a
clássica tríade, hospedeiro, ambiente e patógeno (MEDIAVILLA et al., 2012).
Tratadores e também seus familiares envolvidos com manejo de suínos e em
menor escala com manejo de bovinos, têm uma grande probabilidade de serem
colonizados por MRSA. Na Holanda, estima-se que 23% dos tratadores de suínos
tenham MRSA colonizados em suas narinas. A incidência destes patógenos nos
tratadores de suínos neste País é 760 vezes maior que em uma população normal.
Rotineiramente, os tratadores são avaliados quanto à presença de MRSA nos
hospitais da Holanda (MORGAN, 2008).
Van Duijkeren e colaboradores (2007) relatam que em um surto de epidermite
exudativa em suínos holandeses (uma doença causada normalmente por
Staphylococcus hyicus), os animais foram tratados com antimicrobianos como a
36
cefalosporina, mas o tratamento não apresentou resultado, isso porque o agente
etiológico era uma cepa ST398 de MRSA.
1.8 USO DE ANTIMICROBIANOS COMO PROMOTORES DE CRESCIMENTO
Existem várias hipóteses que tentam explicar o efeito estimulador do
crescimento que esses medicamentos exercem sobre os animais (HAESE; SILVA,
2004). No entanto, o mecanismo de ação dos promotores de crescimento ainda não
está completamente elucidado; sabe-se apenas que sua atuação ocorre sobre a
microbiota intestinal dos animais (FARIA et al., 2009).
Os antimicrobianos usados como promotores de crescimento são utilizados em
doses subterapêuticas para aumento da eficiência alimentar e das taxas de
crescimento em animais de diferentes espécies, e tem como modo de ação mais
aceito o controle de infecções subclínicas. A exposição contínua a ambiente hostil
propicia o desenvolvimento de microrganismos que causam doenças subclínicas. Ao
fornecer antimicrobianos, ocorre redução da população de microrganismos
patogênicos, propiciando ao animal expressar o máximo do seu potencial genético
(HAESE; SILVA, 2004; RUTZ; LIMA, 2013). Se a população microbiana pode ser
mais bem controlada, é possível que a energia perdida seja empenhada no
crescimento (JENSEN, 1998). Importante ressaltar que o mecanismo de ação deve
ser focado no intestino, isso porque muito desses antimicrobianos não são
absorvidos, fato comprovado em estudo realizado com animais livres de patógenos
(DIBNER; RICHARDS, 2005).
Quando se fala de contaminação por antimicrobianos devem-se considerar dois
pontos chave: os possíveis efeitos de contato de resíduos dessa droga com a
microbiota do trato gastrintestinal humano (colonização) e o aparecimento de cepas
de bactérias resistentes aos antimicrobianos em alimentos derivados de animais
tratados com o mesmo (contaminação) (HAESE; SILVA, 2004).
Suspeitas sobre a segurança da utilização dos antimicrobianos na forma de
promotor de crescimento existem desde o seu descobrimento. A principal dúvida
está em saber se o uso de antimicrobianos nas dietas dos animais contribui para a
37
resistência de bactérias entéricas, capazes de transferir a sua resistência para
bactérias patogênicas, como os S. aureus, causando assim, riscos do ponto de vista
da saúde pública (RUTZ; LIMA, 2013).
De acordo com Smith (1974), é possível que os resíduos de antimicrobianos
em produtos animais possam ser veiculados a pessoas que os consumam,
produzindo efeitos de toxicidade ou reações alérgicas em indivíduos previamente
sensibilizados, além de favorecer o aparecimento de bactérias resistentes.
Bactérias comensais constituem um potencial reservatório de genes de
resistência para bactérias patogênicas. Seu nível de resistência é considerado um
bom indicador da pressão de seleção pelo uso de antimicrobianos e para possíveis
problemas de resistência em patógenos. As bactérias comensais podem contaminar
produtos alimentares de origem animal como o leite e carne e assim alcançar o trato
intestinal humano. O monitoramento da prevalência de resistência em bactérias
indicadoras, como Escherichia coli e enterococos, em diferentes populações, como
animais, pacientes e pessoas saudáveis, torna possível comparar a prevalência de
resistência, bem como detectar a transferência de bactérias resistentes, ou genes de
resistência dos animais aos humanos, e vice versa (VAN DEN BOGAARD;
STOBBERINGH, 2000; HAESE; SILVA, 2004).
No tocante à resistência bacteriana veiculada a partir de alimentos de origem
animal, a resistência mais preocupante é a resistência denominada adquirida, pondo
em destaque a espécies Enterococcus faecalis e Enterococcus faecium. Após
adquirirem resistência aos antimicrobianos glicopeptídeos (enterococo resistente à
vancomicina), os microrganismos ganharam importância na área médica, podendo
assim provocar surtos de infecção hospitalar de difícil controle. Estudos preliminares
mostraram
que
o
emprego
de
avoparcina
(antimicrobiano
estruturalmente
semelhante à vancomicina) pode selecionar essas bactérias em aves e suínos.
Então, a grande preocupação é que essas bactérias, que ao longo do tempo estão
sendo selecionadas pelo uso de antimicrobianos como promotor de crescimento,
estão se tornando um contaminante, não somente pelo fato de sua resistência
adquirida, mas também pelo seu potencial de transmitir tal característica às suas
proles (HAESE; SILVA, 2004).
Os principais antimicrobianos, utilizados em medicina veterinária, de interesse
no que diz respeito à resistência, tem sido a penicilina e as tetraciclinas, uma vez
38
que também são utilizadas na medicina humana. Bactérias de resistência simples ou
múltipla, que são patogênicas para humanos, podem ser transferidas de animais ou
produtos animais para o homem. Além disso, plasmídios-R (fatores de transferência
de resistência a drogas) podem ser transferidos da bactéria E. coli para patógenos
humanos produzindo patógenos resistentes a antimicrobianos, como aconteceu com
o S. aureus, por exemplo (RUTZ; LIMA, 2013).
No Brasil, antimicrobianos de todas as classes estão disponíveis, com exceção
de cloranfenicol, furazolidona e nitrofurazona. O uso destes três produtos é proibido
em preparações farmacêuticas de uso veterinário, em rações e como aditivo
alimentar para animais, cujos produtos sejam destinados à alimentação humana
(BRITO, 2003). O decreto de lei sobre o uso de antimicrobianos no Brasil foi
revogado no dia 22 de abril de 2004, estando em discussão as novas normas para o
mesmo. Até então eram liberados pelo Ministério da Agricultura Pecuária e
Abastecimento (MAPA), 17 antimicrobianos como promotores de crescimento
(BRASIL, 2004c).
Algumas
nações,
voluntariamente,
resolveram
controlar
o
uso
de
antimicrobianos como promotores de crescimento (DIBNER; RICHARDS, 2005). O
primeiro país da União Européia a eliminar seu uso foi a Suécia em 1986
(AARESTRUP, 2003). Os Estados Unidos ainda estão em vigorosa discussão a
respeito do uso de antimicrobianos como promotores de crescimento (DIBNER;
RICHARDS, 2005).
A OMS juntamente com o Órgão das Nações Unidas para Agricultura e
Alimento (FAO) e a Organização Mundial para Saúde Animal (OIE) articularam em
um encontro a discussão a respeito da não utilização de antimicrobianos de uso em
humanos na pecuária e resistência microbiana. Como resultado, surgiu a
recomendação à OMS de princípios globais para contenção de resistência
antimicrobiana em animais destinados a alimentação e ainda a implementação a
nível nacional de estudos de avaliação de risco e o estabelecimento de programas
de vigilância no monitoramento do uso de antimicrobianos como promotores de
crescimento e o surgimento de resistência antimicrobiana em bactérias oriundas de
produtos de origem animal (WHO, 2004).
No Brasil, entidades governamentais controlam o uso de antimicrobianos em
alimentos de origem animal através do Plano Nacional de Controle de Resíduos e
39
Contaminantes (PNCRC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e
do Programa de Análise de Resíduos de Medicamentos Veterinários em Alimentos
de Origem Animal (PAMvet) da ANVISA. O PNCRC e o PAMvet tem como um dos
objetivos, garantir a qualidade e segurança de produtos de origem animal, através
do controle da presença de resíduos de medicamentos veterinários e contaminantes
nos limites máximos estabelecidos (BRASIL, 2003; BRASIL, 2009b).
Um bom exemplo disso, é que no País, antimicrobianos betalactâmicos;
benzilpenicilâmicos
e
cefalosporinas
são
de
uso
exclusivo
em
produto
antimicrobiano de uso veterinário, sendo vedada sua utilização na pecuária como
aditivos zootécnicos com a finalidade de melhorar o desempenho, ou como
conservantes de alimentos para animais (BRASIL, 2009c).
Magalhães (1998) defende a utilização dos antimicrobianos a partir da
constatação de que, com exceção das penicilinas, cloranfenicol e estreptomicina, os
demais antimicrobianos são
termolábeis, sendo,
portanto, destruídos pelo
tratamento pelo calor, ou ainda pelo congelamento, e que seus metabolitos
dificilmente produzirão efeitos negativos, embora sua toxicidade seja desconhecida.
(HAESE; SILVA, 2004).
Existem ainda muitas discussões a respeito do uso de antimicrobianos como
promotores de crescimento. Enquanto alguns querem banir o seu uso, outros o
defendem, justificando que se utilizados corretamente o seu nível de contaminação
seria desprezível (HAESE; SILVA, 2004).
40
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59
CAPÍTULO 2
INVESTIGAÇÃO DE Staphylococcus aureus RESISTENTE À METICILINA EM
ALIMENTOS CÁRNEOS CRUS E EM PREPARAÇÕES A BASE DE CARNE
PRONTAS PARA O CONSUMO EM HOSPITAIS PÚBLICOS DE SALVADOR-BA
RESUMO
Staphylococcus aureus é um patógeno comumente associado com infecções
nosocomiais. Recentemente tem sido relatado o isolamento de cepas de
Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) em vários alimentos de
origem animal. As refeições preparadas em hospitais devem receber atenção
especial, por serem destinadas a pacientes, uma população com alto risco de
desenvolver várias doenças. O presente estudo teve por objetivo investigar a
presença de MRSA em produtos cárneos destinados ao preparo de dietas de
hospitais públicos de Salvador-BA. Para tanto, foram colhidas 114 amostras de
carnes cruas destinadas ao preparo das dietas, englobando as carnes bovina,
frango, suína e peixe, em três repetições distintas, observando lotes diferentes, e 60
amostras de preparações prontas para o consumo à base de carne. Para o
isolamento do microrganismo foram utilizados dois meios de enriquecimento
seguidos de plaqueamento direto na superfície do meio MRSA-ID. Após a
purificação das colônias características, as mesmas foram confirmadas utilizando o
teste de aglutinação com o reativo Slidex MRSA. Das 114 amostras de carne crua
investigadas, 28,07% foram positivas para MRSA. Considerando cada espécie
animal, a porcentagem de amostras positivas foi: carne bovina, 23,3%; frango,
23,3%; carne suína, 37,5% e peixe, 30,0%. Com relação às preparações prontas à
base de carne, 9,4% apresentaram resultados positivos para MRSA. Considerando
cada tipo de carne, a porcentagem de amostras positivas foi: frango, 5,5%; suína,
6,4% e peixe, 26,7%. O microrganismo não foi isolado das preparações à base de
carne bovina prontas para o consumo. Dados da literatura corroboram com este
resultado, demonstrando a importância do controle de qualidade na seleção de
fornecedores de produtos de origem animal, alertando sobre o uso de
antimicrobianos na pecuária. A contaminação de dietas preparadas com carne nos
hospitais públicos de Salvador-BA por MRSA é um dado preocupante, apontando
para a necessidade de monitoramento e ações de correção pelas autoridades de
saúde pública e Centros de Controles de Infecções hospitalares.
Palavras chave: MRSA. Resistência antimicrobiana. Infecção hospitalar. Alimentos
cárneos.
60
CHAPTER 2
INVESTIGATION OF METHICILLIN-RESISTANT Staphylococcus aureus IN RAW
MEAT AND FISH AND MEAT PREPARATION IN PUBLIC HOSPITALS OF
SALVADOR-BA
ABSTRACT
Staphylococcus aureus is a pathogen commonly associated with nosocomial
infections. Recently it has been reported the isolation of Methicillin Resistant
Staphylococcus aureus (MRSA) in various animals products. Meals prepared in
hospitals should receive special attention, because it is destined for patients, a
population at high risk for developing various diseases. The present study aimed to
investigate the presence of MRSA in meat products destined to meals in public
hospitals in Salvador-BA. We investigated 114 samples of raw meat used for the
preparation of meals and 60 samples of meals ready to eat in 10 public hospitals,
consisting of beef, chicken, pork and fish. For isolation of MRSA two enrichment
steps were used, followed by direct plating on the surface of the medium MRSA-ID.
Characteristics colony were confirmed using the agglutination test with reactive
SLIDEX-MRSA. Out of 114 samples of raw meat investigated, 28.6% were positive
for MRSA. Considering each animal product, the percentages of positive samples
were: beef, 23.3%, chicken, 23.3%, pork, 37.5% and fish, 30,0%. In regard to foods
ready to eat, 9.4% were positive for MRSA. Considering each animal product, the
percentage of positive samples was: chicken, 5.5%, pork, 6.4% and fish, 26.7%. Beef
was not contaminated by MRSA. Literature data corroborate with these results,
demonstrating the importance of quality control in the selection of meat products
suppliers, warning them against the indiscriminate use of antibiotics in animal health
treatment. The contamination of meals prepared with meat in public hospitals of
Salvador-BA for MRSA is concerning, and monitoring and corrections actions should
be implemented by public health authorities and Hospital Infection Control Center.
Keywords: MRSA. Antimicrobial resistance. Nosocomial infection. Meat product.
61
1 INTRODUÇÃO
As dietas hospitalares têm um importante papel na recuperação e bem-estar do
paciente, devendo ser indicada por nutricionista (SOUSA; GLÓRIA; CARDOSO,
2011). Essas dietas são elaboradas considerando-se o estado nutricional e
fisiológico das pessoas, e em situações hospitalares, devem estar adequadas ao
estado clínico das mesmas, além de proporcionar melhoria na sua qualidade de vida
(ISOSAKI; CARDOSO; OLIVEIRA, 2009).
Em atendimento a essas premissas, as dietas hospitalares garantem o aporte
de nutrientes ao paciente internado e preserva seu estado nutricional, por ter um
papel co-terapêutico em doenças crônicas e agudas (GARCIA, 2006) ou ainda,
atuando como coadjuvante para retirada de um estado patológico (AUGUSTO,
2005). Por esta razão, estas refeições devem receber uma atenção especial,
considerando também o risco de estarem contaminadas por microrganismos
patogênicos.
A principal fonte de alimentação utilizada pelo homem é a carne, rica em
proteína de alto valor biológico (ROÇA, 2013). A carne caracteriza-se pela natureza
das proteínas que a compõem, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo,
além de sua riqueza em aminoácidos essenciais, gordura, vitaminas, glicídios e sais
minerais como elementos nutritivos complementares (PARDI, 1993). Essa riqueza
nutricional aliado a elevada atividade de água fazem do alimento de origem animal,
principalmente a carne, um excelente meio de cultura para a multiplicação
microbiana, podendo a mesma estar envolvida na disseminação de microrganismos
patogênicos causadores de enfermidades ao homem e a outros animais (GIL, 2000;
PELCZAR JÚNIOR, CHAN; KRIEG,1997).
Muitos animais produtores de alimentos abrigam em seu organismo diversos
microrganismos conhecidos como saprófitos, ou seja, incapazes de causar-lhes
enfermidades. No entanto, muitos desses microrganismos podem apresentar-se com
um importante grau de patogenicidade quando transmitidos aos seres humanos. A
alimentação fornecida a esses animais e o uso indevido de produtos veterinários
pode contribuir para a contaminação de alimentos de origem animal, como carne,
leite e ovos, assim como também não é raro que essa contaminação ocorra durante
62
suas etapas de processamento (PEREIRA, 1995; MESQUITA; DANIEL; SACCOL,
2006).
Dentre
os
microrganismos
patogênicos,
destacam-se
os estafilococos
coagulase positiva, patógenos comumente relacionados a surtos de intoxicações
alimentares (JAY, 2005) especialmente o Staphylococcus aureus, uma causa
importante destas contaminações comumente associado a doenças hospitalares, e
por este motivo considerado um problema de saúde pública (PEREIRA et al., 2009).
Embora se tenha conhecimento de que a maioria dos animais é infectada por
S. aureus, apenas recentemente linhagens MRSA foram isoladas de alimentos de
origem animal, incluindo carne de suíno, bovino, frango e outros animais (FREITAS
et al., 2004; RAPINI et al., 2004; MOURA et al., 2006; HUIJSDENS et al., 2006;
NORMANNO et al., 2007; VAN LOO et al., 2007; BOER et al., 2009).
Através
da
ingestão
de
alimentos
contaminados,
a
resistência
a
antimicrobianos pode ser transmitida ao homem e, além disso, existe a possibilidade
de transferência genética no trato gastrintestinal de genes que conferem a
resistência antimicrobiana a outras bactérias (WITTE, 2000) da própria espécie ou
de espécies não relacionadas (COSTA; LOUREIRO; MATOS, 2013).
Com base na importância da carne nas dietas dos pacientes e na frequência de
isolamento de cepas de microrganismos multiresistentes, como MRSA e seu
envolvimento nos quadros de infecções hospitalares, é importante destacar a
necessidade da adoção de medidas de controle destas infecções. Ainda, é
importante considerar a hipótese de que os alimentos cárneos oferecidos como
parte das dietas nestas instituições podem representar uma fonte de contaminação
por MRSA e contribuir para a disseminação do patógeno na comunidade. Os
objetivos deste estudo foram investigar a presença de Staphylococcus aureus
resistente à meticilina em alimentos cárneos crus destinados ao preparo de dietas e
em alimentos cárneos prontos para o consumo em hospitais públicos de SalvadorBA, e investigar a associação entre as frequências de isolados nos diferentes tipos
de carne.
63
2 MATERIAL E MÉTODOS
2.1 AMOSTRAGEM
Para a realização do presente estudo foi colhido, durante os meses de julho de
2011 a outubro de 2012, um total de 114 amostras de carne crua destinados ao
preparo de dietas e 60 preparações prontas para o consumo a base de carne em 10
hospitais públicos de Salvador, sob a administração direta ou indireta da Secretaria
Estadual da Saúde do município de Salvador-BA (SESAB). Esses hospitais foram
escolhidos em estudo prévio envolvendo manipuladores de alimentos, considerando
a aceitação dos mesmos em participar da pesquisa. Essa amostragem atingiu 70%
dos hospitais, considerando-se que dos 14 hospitais públicos de Salvador-Ba, 10
participaram do estudo. Durante a aquisição das amostras, as especificações de
cada uma delas foram devidamente registradas em formulários específicos (ANEXO
A).
2.2 DESENHO DO ESTUDO
Trata-se de um estudo de corte transversal de caráter exploratório e
experimental. Inicialmente foi realizado o contato com o Serviço de Nutrição de cada
unidade hospitalar, com o objetivo de apresentar a proposta do estudo e sua
metodologia. Solicitou-se ao Responsável Técnico do Serviço de Nutrição a
elaboração de um parecer ―a favor ou não‖ do estudo e o encaminhamento do
mesmo com cópia do projeto para a aprovação pela direção do hospital. Em alguns
hospitais a análise do projeto foi realizada pela Diretoria de Ensino e Pesquisa.
64
2.3 INVESTIGAÇÃO DA PRESENÇA DE Staphylococcus aureus RESISTENTE À
METICILINA EM ALIMENTOS CÁRNEOS CRUS DESTINADOS A DIETAS E EM
PREPARAÇÕES A BASE DE CARNE PRONTAS PARA O CONSUMO EM
HOSPITAIS PÚBLICOS DE SALVADOR-BA
Cepa de referência: Staphylococcus aureus ATCC 29213; Staphylococcus aureus
ATCC 43300; Staphylococcus aureus resistente à Meticilina (MRSA) ATCC33591.
Meios de cultura: Os seguintes meios de cultura foram utilizados: caldo Mueller–
Hinton com 6,5% de cloreto de sódio (MHB+6,5% NaCl), ágar MRSA ID
(bioMérieux), caldo vermelho de fenol manitol contendo cefoxitina (5 μg/ml) e
aztreonam (PHMB) (75µg/ml) e ágar Tríptico de Soja (TSA).
Amostras:
Amostras de alimentos crus: Foram colhidas 03 (três) amostras de cada alimento
cárneo cru, de diferentes lotes, (carne bovina, carne suína, carne de frango e carne
de peixe), em diferentes ocasiões, em cada hospital a ser investigado, totalizando
114 amostras (hospitais B e C não utilizavam carne de suíno em seus cardápios).
Os lotes dos alimentos foram adotados como controle de cada amostra.
Amostras de preparações prontas para o consumo: A partir dos resultados
encontrados na investigação das amostras de carnes cruas, foram definidos os
alimentos prontos para o consumo que seriam investigados, ou seja, preparações a
base daquela carne que apresentassem positividade para a presença de MRSA, de
acordo com cada hospital. Dessa forma, foram colhidas 03 (três) amostras de
diferentes preparações a base da carne crua previamente confirmada como
contaminada, não importando se apenas uma ou mais das três repetições de carne
crua investigadas apresentassem resultado positivo, totalizando 60 amostras. Estas
foram colhidas em dias diferentes de acordo com o cardápio da Unidade de Nutrição
de cada hospital.
65
Foram colhidos os seguintes tipos de pratos prontos para consumo:
Carne bovina: isca de carne bovina; ensopado de carne; carne assada; bife
de panela; bife a rolê; bife a milanesa; picadinho de carne com legumes.
Frango: frango assado; frango ensopado; frango grelhado; frango a Cubana;
serrinha de frango; estrogonofe, frango embalado, frango espeto.
Suíno: pernil ao molho de hortelã; pernil ao molho agridoce; bisteca grelhada;
pernil suíno ao molho; pernil suíno assado, carré grelhado com limão, pernil assado
desfiado, pernil ao vinagrete, pernil ao vinho.
Peixe: peixe ensopado; escabeche de peixe; filé de merluza grelhado; filé de
peixe ao molho; peixe a Gomes de Sá; isca de frango; mexidinho de peixe; peixe ao
Bráz, filé de peixe ao molho, mexidinho de peixe, mexidinho de peixe sem sal.
Colheita e transporte das amostras: Porções de aproximadamente 250g da amostra
foram colhidas diretamente das embalagens contendo os cortes de carne resfriadas
ou congeladas, sem nenhuma manipulação. Foi observada a integridade física das
mesmas, quanto a rasgos ou perfurações, bem como o lote, data de fabricação e
prazo de validade descrito no rótulo dos produtos. Para tanto, utilizou-se utensílio
previamente esterilizado e as mesmas foram acondicionadas em saco plástico estéril
de uso único. Já as preparações prontas para o consumo foram colhidas com auxilio
do próprio utensílio utilizado para distribuição destas dietas, após o fechamento do
último recipiente destinado aos pacientes. Em seguida, as amostras foram
acondicionadas em recipientes isotérmicos com gelo reciclável e encaminhadas
imediatamente ao Laboratório de Controle de Qualidade de Alimentos (LACQ),
vinculado à Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde
foram processadas, conforme descrito a seguir.
Detecção do microrganismo: Aproximadamente 25 g do alimento foram pesados em
cabine de fluxo laminar ( Labconco modelo 36210 classe BII; Labconco, Kansas
City, MO, USA) e homogeneizado em 225 mL de caldo de enriquecimento MHB +
6,5% de NaCl em homogeneizador de amostras do tipo stomacher por 2 minutos
(ITR modelo 1204, série 126, Esteio, RS, Brasil, 240bpm). A suspensão obtida foi
incubada a 37 °C por 16 a 20 horas. Alíquota de 1 mL do caldo de MHB + 6,5% de
NaCl foi adicionada a 9 mL de PHMB seguido de incubação por 16-20h a 37 °C. Da
66
cultura obtida em PHMB, uma alçada (aproximadamente 10 µl) foi transferida para a
superfície do meio MRSA-ID. As placas foram incubadas a 37 °C por 24-48 horas.
Para confirmação, um número máximo de cinco colônias típicas por placa foi
subcultivado em TSA. Colônias típicas foram testadas com ―Slidex MRSA (Detection
bioMérieux), um rápido e sensitivo teste látex de aglutinação para detecção da
resistência à meticilina em Staphylococcus aureus baseado na produção de proteína
de baixa afinidade, PBP2a, que é codificada pelo gene mecA (Figura 1) (adaptado
de BOER et al., 2009).
Figura 1: Esquema representativo da metodologia aplicada na investigação de MRSA.
2.4 ANÁLISE DOS DADOS
Os dados obtidos foram tabulados e analisados através de análise descritiva e
testes de associação qui-quadrado de Pearson (X2), considerando-se um nível de
confiança de 0,95 (SPSS 17.0 for Windows).
67
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O método aplicado para investigação da frequência de MRSA nas amostras de
carne foi qualitativo, ou seja, objetivando-se a presença ou ausência do
microrganismo em 25 g da amostra. O uso do caldo Mueller Hinton contendo NaCl é
recomendado em testes que visam determinar a susceptibilidade de cepas de
Staphylococcus a β-lactâmicos semi-sintéticos como a meticilina, e tem efeito
inibitório no crescimento de outras bactérias, exceto as do gênero Staphylococcus
(CAMPOS et al., 1986), que toleram altas concentrações de NaCl (FRAZIER;
WESHOFF, 2000). Logo, a adição de 6,5% do sal, favorece o crescimento deste
microrganismo em comparação com outros acompanhantes. Como enriquecimento
secundário foi utilizado o caldo manitol vermelho de fenol suplementado com os
antimicrobianos cefoxitina e aztreonam (PHMB+). A viragem do meio para amarelo
indica reação positiva, podendo ser dado seguimento a metodologia. O meio PHMB +
é considerado um eficiente e sensível teste para detecção de cepas de MRSA,
inclusive de amostras clínicas (WERTHEIM et al., 2001). O meio MRSA-ID possui
um substrato cromogênico catalisado pela α-glucosidase e cefoxitina, como agentes
seletivos (BOER et al., 2009).
Das 114 amostras de carne crua investigadas, 108 apresentaram reação
positiva no caldo manitol vermelho de fenol e destas, 100 apresentaram colônias
verdes azuladas características de MRSA no meio cromogênico (figuras 2 e 3).
Figura 2: Foto representativa de tubo
+
de PHMB positivo (Arquivo pessoal).
Figura 3: Foto representativa de colônias de MRSA em
ágar cromogênico (Arquivo pessoal).
68
De cada amostra processada foram coletadas um máximo de cinco colônias
verdes azuladas, características de MRSA, e cada uma dessas colônias foram
subcultivadas em ágar TSA, e posteriormente submetidas ao teste Slidex MRSA. As
cepas que apresentaram aglutinação foram confirmadas como MRSA positivas
(Figura 4).
Figura 4: Foto representativa de teste Slidex positivo para
MRSA (Arquivo pessoal).
Um total de 451 isolados foi obtido a partir das 114 amostras de carne crua
colhidas nos hospitais do presente estudo. Destes, 98 (21,7%) foram identificados
como positivos para MRSA. Com base nos resultados obtidos nessa primeira
investigação posteriormente foram colhidas amostras de preparações à base de
carne prontas para o consumo que eram destinadas aos pacientes dos hospitais.
De um total de 60 preparações investigadas, foram obtidos 92 isolados com 13
desses positivos para MRSA (Tabela 1).
Tabela 1: Frequência de isolamento de MRSA em amostras de carne crua e de
preparações prontas para o consumo a base de carne, provenientes de 10 hospitais
públicos de Salvador-BA
Tipo de produto
Carne crua
Preparações
Carne bovina
Carne de frango
Carne suína
Peixe
Total
Isolados
n
MRSA
n (%)
Isolados
n
MRSA
n (%)
101
116
96
138
451
16 (15,8)
22 (18,7)
26 (27,1)
34 (24,6)
98 (21,7)
15
10
34
33
92
0 (0)
3 (30)
2 (5,9)
8 (24,2)
13 (14,1)
69
Os 98 isolados confirmados são representativos de 32 (28,07%) amostras de
carne crua. As amostras de carne suína dos Hospitais B e C não foram colhidas,
devido ao fato destes hospitais não oferecerem a carne suína em seus cardápios.
Ainda na Tabela 1, é possível verificar o percentual de isolados de MRSA em
preparações à base de carne, os 13 isolados são representativos de seis (10%) das
amostras.
Tabela 2: Isolamento de MRSA de amostras de alimentos cárneos crus em cozinhas de
hospitais públicos de Salvador – BA.
Hospital
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
TOTAL/M
RSA +
(+) Positivo
Espécie animal
Frango
Suína
Bovina
(-)
(-)
(+)
(-)
(+)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
30/
7
(-)
(-)
(+)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
(+)
(+)
(-)
(-)
(-)
(+)
(-)
(-)
(-) Negativo
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
(-)
(-)
(+)
(-)
(+)
30/
7
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
(-)
(-)
(+)
(-)
(-)
(+)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
(-)
NA
NA
(-)
(+)
(+)
(-)
(-)
(-)
(+)
24/
9
(-)
NA
NA
(+)
(-)
(+)
(-)
(-)
(+)
(-)
Pescado
(-)
NA
NA
(+)
(+)
(+)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
(+)
(+)
(-)
30/
9
(+)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
(-)
(-)
(+)
(+)
(+)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
(-)
TOTAL/
MRSA
+
12/2
9/2
9/3
12/3
12/5
12/4
12/1
12/3
12/5
12/4
114/
32
(NA) Não Aplicável
Verifica-se na Tabela 2 que todos os hospitais apresentaram alimentos crus
contaminados com MRSA, em pelo menos um tipo de carne. A menor frequência foi
encontrada no Hospital G, que apresentou apenas uma (8,3%) amostra de peixe
contaminada pelo microrganismo e as maiores frequências foram encontradas nos
hospitais E e I com 5 (41,7%) amostras positivas em cada um deles (Tabela 2).
Considerando cada carne separadamente, os percentuais de amostras
positivas para MRSA em carne bovina, carne de frango, carne suína e carne de
peixe foram de 23,3% (7/30), 23,3% (7/30), 37,5% (9/24) e 30,0% (9/30)
respectivamente (Tabela 3).
Da análise da Figura 5, pode-se observar que a carne suína e a de peixe foram
as que apresentaram uma frequência maior de contaminação por MRSA, sendo que
as carne bovina e frango apresentaram frequências de contaminação iguais.
Número de
amostras
70
Figura 5: Distribuição da presença de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) em
relação ao tipo de produto cárneo cru.
A Tabela 3 demonstra o percentual da presença de MRSA em relação ao tipo
de produto cárneo e a existência de associação entre as duas variáveis. Verifica-se
que o alimento à base de carne suína foi o que apresentou a maior frequência de
isolamento de MRSA. Entretanto, pela análise estatística, verifica-se também que a
presença de MRSA não está associada ao tipo de produto cárneo (P>0,05), não
rejeitando a hipótese nula de que não existe associação entre presença de MRSA e
o tipo de produto cárneo cru.
Tabela 3: Análise bivariada entre a presença de Staphylococcus aureus resistente à
meticilina e o tipo de alimento cárneo cru.
Presença de MRSA
Tipo de produto
Negativo
Positivo
P-valor1
n (%)
n (%)
Carne Bovina
23 (76,7)
7 (23,3)
0.619
Frango
23 (76,7)
7 (23,3)
Peixe
21 (70,0)
9 (30,0)
Suíno
15 (62,5)
9 (37,5)
1
2
Valor de p do teste Qui-quadrado de associação (χ ).
Estes resultados corroboram com Boer e colaboradores (2009), que também
não encontraram correlação entre as diferentes carnes cruas de diferentes espécies
analisadas na Holanda. Neste mesmo estudo foi encontrada menor frequência de
amostras positivas em carnes cruas de frango, mais uma vez concordando o
presente estudo.
71
Com objetivo de testar a hipótese de existência de associação entre o tipo de
produto cárneo e a presença de MRSA foi ajustado um modelo logístico simples
contendo como variável resposta à presença do patógeno e como variável
independente o tipo de produto cárneo. Avaliando a magnitude da associação foi
observado que, no caso em questão, a chance da carne de peixe apresentar MRSA
é 1,40 vezes maior que a da carne bovina ou frango, enquanto que para a carne
suína apresentar essa chance é 1,97 vezes maior que a da carne bovina ou frango
(Tabela 4).
Tabela 4: Modelo logístico (Odds ratio) da presença de Staphylococcus aureus resistente à
meticilina em relação ao tipo de alimento cárneo cru.
Presença de MRSA
Tipo de produto
OR (IC) [Positivo]
Carne Bovina
1
Frango
1,01 (0,30; 3,31)
Peixe
1,40 (0,45; 4,45)
Suíno
1,97 (0,60; 6,43)
Em estudo realizado pela Voedsel en Waren Autoiteit (VWA) na Holanda, a
análise de alimentos cárneos crus para presença de MRSA indicou que das 1300
amostras investigadas, 31% das carnes de peru, 27% das carnes de frango, 17% de
vitela, 10% de carnes suínas e de bovinas e 6% de cordeiro estavam contaminadas
com o microrganismo. A maioria das cepas isoladas foi do tipo ‖não tipificada‖.
Quando tal fato acontece preconiza-se que as cepas pertencem ao grupo ST398,
considerada de origem animal (VWA, 2008).
Similarmente ao estudo de Febler e colaboradores (2011), no presente estudo
foi encontrado um percentual elevado de amostras de frango contaminadas com
MRSA. Esses autores ao investigarem a contaminação por MRSA em 86 amostras
de carne de frango e de peru cruas na Alemanha detectaram um percentual de
37,2%, 25% em carne de frango e 50% em carne de peru.
Na Dinamarca, Agerso e colaboradores (2012) investigaram 865 amostras de
carnes suína, bovina e de frango, incluindo carnes produzidas no próprio país e
importadas de outros países e demonstraram que o maior percentual foi encontrado
nas carnes importadas, com destaque para carne de frango com 18%. Resultado
semelhante foi encontrado por Boer e colaboradores (2009), ou seja, 16% das
amostras de frango cruas estavam contaminadas por MRSA.
72
Em conclusão os resultados das referidas pesquisas corroboram com os dados
da presente pesquisa que também detectou um alto percentual de MRSA em carne
de frango (23,3%).
Em estudo realizado por Freitas e colaboradores (2004), foi verificada a
resistência antimicrobiana de 90 cepas de Staphylococcus spp., isoladas de
carcaças de frango in natura e resfriadas, comercializadas no Recife-PE. Os autores
identificaram 51 cepas como S. aureus e 39 como Staphylococcus coagulase
negativa, e observaram um percentual de 37,8% de resistência das mesmas à
oxacilina. Os resultados observados nesta pesquisa estão de acordo com os do
presente estudo onde 22 dos 116 isolados (18,7%) foram identificados como cepas
resistentes à oxacilina ou MRSA (Tabela 1).
Embora a maioria dos trabalhos relate percentuais menores de MRSA em
carnes suínas, (VAN LOO et al., 2007; BOER et al., 2009; WEESE; AVERY; REIDSMITH, 2010; BHARGAVA et al., 2011; WATERS et al., 2011; HANSON et al., 2011;
AGERSO et al., 2012) e nos outros tipos de carne: frango(LEE, 2006; KITAI et al.,
2005; WEESE; AVERY; REID-SMITH, 2010), bovina, (VAN LOO et al., 2007; BOER
et al, 2009; BHARGAVA et al., 2011; WATERS et al., 2011; AGERSO et al., 2012),
sabe-se que muitos animais podem ser colonizados por S. aureus veiculando-os aos
alimentos (WALTHER et al., 2008; GARDNER, 2010; ALZOHAIRY, 2011;
WALTHER, 2012), e o estudo de Crago e colaboradores (2012) comprova que estes
patógenos podem ser transmitidos aos humanos através dos alimentos.
Uma alta prevalência de MRSA em suínos foi encontrada na Holanda, a partir
de uma investigação com 540 suínos destinados ao abate em nove diferentes
matadouros. Destes, 209 (39%) foram detectados como colonizadores de MRSA. As
amostras foram colhidas logo após o atordoamento, onde nenhuma outra etapa do
abate, que poderia ter potencial de contaminação, como esfola e lavagem de
carcaças, havia sido executada (DE NEELING et al., 2007). Pesquisa semelhante foi
conduzida por Agerso e colaboradores (2012) investigando amostras de suabes
nasais de suínos destinados ao abate em várias fases de produção. Os autores
encontraram uma frequência de até 20,9% de MRSA nos animais. Uma possível
fonte do gene mecA para esses patógenos são os Staphylococcus coagulase
negativa, justamente por estes fazerem parte da microbiota dos suínos, podendo
73
transferir os genes de resistência ao Staphylococcus aureus susceptível à meticilina
(DE NEELING et al., 2007).
Persoons e colaboradores (2009), analisando um total de 125 frangos
representados por 75 frangos de corte e 50 de postura, em 14 fazendas na Bélgica,
encontraram animais colonizando a bactéria em 10,7% dos frangos de corte; em
uma das fazendas 100% dos animais colonizavam a bactéria. Ainda se observou
que nenhuma ave de postura colonizava MRSA, possivelmente por conta do limitado
uso de antimicrobianos em aves deste sistema de criação em comparação com
frangos de corte.
Dada a importância do S. aureus como um dos causadores de mastite em
bovinos e o uso disseminado de antimicrobianos intramamário, não é surpresa que
maioria dos isolados de MRSA em bovinos esteja relacionado com o leite,
principalmente os isolados de vacas com a inflamação glandular (ARAÚJO, 1998;
LEONARD; MARKEY, 2008; ZAFALON et al., 2008; SASIDHARAN; PREMA; YOGA
LATHA, 2011). Na Coréia, por exemplo, em fazendas leiteiras que passaram por
problemas de mastite em seus rebanhos observa-se o uso de antimicrobianos,
incluindo os membros da família das penicilinas, como ampicilina e penicilinas Esses
antimicrobianos são largamente usados no tratamento de vacas secas (fora da fase
de lactação), embora os semi-sintéticos como a oxacilina não sejam usados em
produção animal. Essa terapêutica pode contribuir para o aumento da incidência de
MRSA em vacas (LEE, 2006).
O uso de antimicrobianos como promotor de crescimento é feito na grande
maioria dos casos empregando-se doses menores, por longo período de tempo e
pela via oral; estas três condições são frequentemente tidas como favoráveis ao
aparecimento de resistência em bactérias patogênicas, e têm maior possibilidade de
gerar resíduos nos tecidos e produtos derivados dos animais tratados. (LIPSITCH;
SINGER; LEVIN, 2002). Assim, esses tratamentos, pelos riscos que poderiam
causar ao consumidor dos produtos derivados dos animais tratados e por outros que
poderiam ocasionar ao meio ambiente, têm sido muito discutidos, questionados e
criticados nos dias atuais por autoridades de defesa do consumidor no Brasil e em
outros países (PALERMO-NETO et al., 2011).
Considerando que, os beta-lactâmicos são antimicrobianos muito utilizados no
tratamento de enfermidades animais, é de se esperar que haja uma grande pressão
74
seletiva sobre os microrganismos. Como no presente estudo as cepas foram
isoladas de produtos de origem animal, talvez isso possa explicar o elevado
percentual de MRSA (BRADFORD, 2001). Verifica-se também dificuldades em se
obter informações precisas a respeito do uso de agentes antimicrobianos como
medicamentos ou como promotores de crescimento. Números exatos são raros e
estimativas estão disponíveis em apenas alguns paises (AARESTRUP, 2005).
Segundo Andreotti e Nicodemo (2004), em bovinos de corte criados em
sistema extensivo, o uso de antimicrobianos em bezerros, no tratamento de diarréias
e pneumonias, ou mesmo em animais que apresentam febre ou lesões específicas é
realizado com baixo nível de controle e/ou monitoramento.
Para Palermo-Neto e colaboradores (2011) a antibioticoterapia utilizada no
tratamento de doenças, como medidas profiláticas e metafiláticas, ou na promoção
do crescimento, contribui para o sucesso da suinocultura aliado ao melhoramento
animal, sanidade, manejo e nutrição animal. Segundo o autor, o emprego dos
antimicrobianos vem contribuindo de maneira decisiva para o impressionante
aumento de produtividade dos plantéis suinícolas brasileiros.
Lipsitch, Singer e Levin (2002) afirmam que ao ingerir carne contaminada o
indivíduo pode ser infectado por bactérias que sejam patogênicas e resistentes a
uma ou mais drogas que, por ventura, pudessem ser usadas no seu combate. Um
bom exemplo disso é a gastrenterite causada por Campylobacter jejuni resistente à
fluoroquinolona. Dentre suas indicações, esta droga pode ser usada no tratamento
de infecções pelo Campylobacter spp. em frangos. Segundo os autores, isso levou
ao surgimento de cepas resistentes a droga na carne crua. Por esta razão, o
consumo de carne de frango passou a ser fator de risco para aquisição de infecções
pelo patógeno em alguns países.
De acordo com Salyers, Gupta e Wang (2004), bactérias do trato intestinal de
humanos não só compartilham genes de resistência entre si, como também podem
adquirir e/ou doar genes de resistência para bactérias que estejam apenas de
passagem pelo intestino. Assim, se um alimento não é eficientemente cozido, uma
bactéria resistente a antimicrobiano ganha o trato intestinal e tem a oportunidade de
interagir com bactérias comensais (SULLIVAN; EDLUND; NORD, 2001). Como o S.
aureus é encontrado normalmente na cavidade nasal e até mesmo na garganta de
humanos pode facilmente chegar ao intestino. Aliado a isso, estudos relatam que
75
este
patógeno
pode
além
de
transitar,
colonizar
o
cólon
de
humanos
temporariamente, especialmente em pacientes hospitalizados (SALYERS; GUPTA E
WANG, 2004).
Norton (2000) atribui a polêmica sobre a utilização de antimicrobianos como
promotores de crescimento à propagação de publicações sem evidência científica e
a resumos utilizados por alguns cientistas como evidências seguras de que o uso
destes agentes na produção animal é a principal causa do surgimento de resistência
microbiana em humanos.
Um experimento evidenciando a transmissão de resistência entre bactérias em
humanos poderia determinar se realmente os genes carreados por determinadas
bactérias poderiam ser transmitidos a outras. No entanto, essa abordagem não pode
ser alcançada por duas razões óbvias. Primeiro em muitos países um experimento
como este envolveria questões éticas e segundo, poderia ser proibitivamente caro
(MOUBARECK et al., 2003).
No Brasil, a resistência à penicilina varia de 20% a 100%, mas a porcentagem
de resistência aos outros antimicrobianos é mais baixa (ANDREOTTI; NICODEMO,
2004). Por ser um dos agentes mais frequentemente isolados, S. aureus tem sido
objeto de numerosos estudos de resistência a antimicrobianos nos últimos 20 anos.
Estudos de larga escala, realizados em diversos países, mostram que a resistência
à penicilina está em torno de 60%. A avaliação da suscetibilidade de S. aureus de 11
países
mostrou
que
a
prevalência
de
amostras
resistentes
a
diversos
antibacterianos, usados rotineiramente para tratamento da mastite, foi, em geral,
baixa, independente do país de origem (ERSKINE et al., 2002).
Lozano e colaboradores (2009), ao analisarem 318 amostras de carnes de
animais de produção e animais silvestres, encontraram 5 amostras positivas quanto
à presença de MRSA, quatro em animais de açougue e uma em animal silvestre. No
trabalho realizado por Boer e colaboradores (2009), a porcentagem de MRSA em
carne de animais criados sem confinamento, foi menor que a porcentagem
encontrada em animais criados em sistemas de produção confinados, como perus,
frangos e vitelos. Ambos os trabalhos sugerem uma suposta associação entre o uso
de antimicrobianos e a ocorrência de MRSA.
76
Infelizmente, no presente estudo não foi possível investigar a associação entre
a utilização de antimicrobianos na produção animal e a presença de MRSA nos
alimentos investigados, pois nenhum dos fabricantes/produtores aceitou participar
da referida etapa, o que limitou a compreensão de um fator importante da
disseminação do patógeno na cadeia alimentar. No entanto, baseado nos dados
contidos nos rótulos das amostras foi possível construir um mapa da localização
delimitando a região de origem das carnes analisadas (Figura 6).
Figura 6: Mapa de localização dos produtores de carnes cruas investigadas.
É importante considerar que embora as amostras de carne crua tenham sido
colhidas de forma asséptica e diretamente da embalagem original, sabe-se que as
carcaças dos animais que deram origem a essas carnes poderiam estar
contaminadas por microrganismos do próprio animal (pele, pêlos, patas, conteúdo
gastrintestinal), do ambiente de produção (água de lavagem das carcaças,
equipamentos e ar) ou de manipuladores portadores assintomáticos (cavidades
nasais, mãos, e roupas) (BHALLA; ARON; DONSKEY, 2007; ROÇA, 2008; BOER et
al., 2009).
77
Fazem parte desta microbiota as bactérias das famílias Enterobacteriaceae,
Bacillaceae e Staphylococcaceae. Muitas dessas espécies são específicas, ou seja,
elas são isoladas apenas de carnes, matadouro ou de instalações e equipamentos
necessários para o processamento. Então, é de se esperar que bactérias
potencialmente patogênicas possam estar presentes na carne, mesmo que sejam
aplicadas as boas práticas de produção seguidas das condições higiênico-sanitárias
satisfatórias durante o abate e a evisceração dos animais. Entretanto, o crescimento
dessas bactérias pode ser inibido pelas condições de estocagem e, sobretudo, pela
redução da temperatura (SARANTÓPOULOS, SOLER, 1983; GIL, 2000).
É necessário o conhecimento das prováveis fontes de contaminação e dos
diferentes meios de difusão para o controle do crescimento de microrganismos
patogênicos (RIEDEL, 1992; FRANCO; LANDGRAF, 2008). Nesse contexto, verificase que na massa muscular profunda dos animais abatidos o número de
microrganismos é muito reduzido podendo variar de 0,1 a 100 por grama. No
entanto, pode ocorrer a contaminação tissular profunda a partir de três formas: a)
invasão ante-mortem, que geralmente ocorre através de lesões no animal,
principalmente em nível de mucosas, e pode ser contida pelos mecanismos
imunológicos do próprio animal; b) invasão agonal ou invasão no momento do abate
que ocorre através de penetração de bactérias do trato gastrintestinal para o sangue
no momento da morte, em condições normais, porém, os microrganismos podem
atingir a circulação sanguínea através de instrumentos utilizados no atordoamento
como a pistola de dardo cativo, ou na etapa da sangria e; c) invasão post-mortem
que ocorre quando, por problemas mecânicos ou elétricos, o abate é interrompido e
o animal não é esfolado ou eviscerado após a sangria (ROÇA, 2008).
Voltando aos resultados do presente estudo, observa-se que a partir das
amostras de peixe investigadas foi obtido um total de 138 isolados, dos quais 34
(24,6%) foram positivos para MRSA, representando nove (30%) amostras. Seis
hospitais apresentaram resultado positivo para MRSA e em um deles o
microrganismo foi detectado nas três amostras colhidas. Atyah, Zamri-Saad e
Zahrah (2010) ao investigarem a presença de MRSA em tilápias criadas em sistema
intensivo de produção (cativeiro), isolaram 98 (50%) cepas de MRSA. Percentuais
menores foram encontrados por Ezzeldeen, Mansour e Ahmed (2011) no Egito em
amostras de peixe salgado, por Hammad e colaboradores (2012) em amostras de
78
peixe cru prontas para o consumo no Japão, e por Rizek (2010) em amostras de
peixe cru.
Nessa presente investigação, observou-se que 86,7% das amostras de peixe
foram adquiridas pelas Unidades de Alimentação e Nutrição (UAN) dos hospitais em
forma de filés de panga (Pterogymnus laniarius) e merluza (Merluccius),
provenientes de sistemas de cultivo em tanques.
No Brasil, os diferentes sistemas de cultivo de peixes utilizam tanques de
alvenaria ou terra. O uso de tanques de alvenaria pode reduzir a contaminação do
pescado, visto que o solo apresenta grande diversidade de microrganismos que
podem levar à elevada densidade de populações bacterianas presentes no ambiente
de cultivo. Entretanto, esse tipo de tanque eleva a dureza da água e, por isso, são
menos utilizados (CARNEIRO et al., 2007).
O pescado possui bactérias e outros microrganismos que se concentram
basicamente na superfície externa (pele) e nas vísceras. A quantidade e tipos
desses microrganismos vão depender das características do meio ambiente em que
o pescado se encontra, podendo variar de zero a vários milhões por cento/cm 2. A
microbiota difere dependendo da temperatura da água, variando de bactérias do
grupo psicrófilos em águas frias a mesófilos em águas quentes (TONONI, 2013).
No ambiente aquático as bactérias do gênero Staphylococcus não são comuns,
porém vários são os fatores que podem contribuir para o desenvolvimento destas
bactérias nos sistemas de cultivo do pescado, como a utilização de dejetos de
animais para adubação e promoção do plâncton que serve de alimento natural para
os peixes, reduzindo os custos de produção. Os excrementos de animais podem
carrear tanto resíduos de antimicrobianos quanto bactérias resistentes a essas
drogas para o ambiente aquícola (OSTRENSKY; BOEGER, 1998; PETERSEN et al.,
2002). Nessa linha, Miranda e Zemelman (2002) afirmam que a presença de
resíduos de antimicrobianos favorece a seleção de bactérias resistentes que podem
se inserir na cadeia alimentar humana por meio do pescado contaminado e transferir
genes de resistência às bactérias da microbiota indígena ou potencialmente
patogênicas para seres humanos.
Além do uso de antimicrobianos, outro fator importante no que diz respeito à
segurança da carne é a sua manipulação desde a planta de processamento até a
79
mesa do consumidor (NRDC, 2011). Esta afirmação é corroborada pelo fato de que
a maioria das amostras investigadas nesse estudo passaram pelo processo de
filetagem (86,7%) e todas as amostras positivas para MRSA neste tipo de carne
foram provenientes de filés.
No Japão, ao investigar a presença de MRSA em 444 amostras de carne e
miúdos de frango, representados por 165 partes musculares do peito e coxa, 148
asas, 94 fígados, 31 moelas, 03 corações e 03 ovários, Kitai e colaboradores (2005)
encontraram baixa prevalência da bactéria. As duas cepas, ambas isoladas das
partes musculares da coxa, foram identificadas como pertencentes ao biovar
humano, sugerindo que as mesmas tenham sido transmitidas acidentalmente ao
alimento por manipuladores.
Outro trabalho no Brasil relata a presença de MRSA em peixes comercializados
em feiras livres e em manipuladores deste pescado no Ceará, demonstrando que 4
entre as 12 cepas isoladas apresentaram multiresistência a vários antimicrobianos,
dentre eles a oxacilina (ALBUQUERQUE et al., 2007).
Outras pesquisas têm sido conduzidas para investigar a presença de MRSA
em profissionais que trabalham com carne crua diariamente, mas que não têm
contato direto com os animais que deram origem às carnes (DE JONGE; VERDIER;
HAVELAAR, 2010). Dentre estes, funcionários de dois hospitais, e manipuladores de
três estabelecimentos de processamento de carne resfriada onde as mesmas são
porcionadas para o consumo. Os autores também investigaram a presença do
patógeno nas carnes manipuladas pelos funcionários. Resultados dessa pesquisa
indicaram ausência do MRSA nas amostras clínicas, porém cinco (14,3%) amostras
de carnes cruas estavam contaminadas. Os autores justificam a ausência de MRSA
nas amostras clínicas e a baixa prevalência em amostras dos alimentos devido ao
baixo número de amostras investigadas.
Como pode ser observado na Tabela 5, foi investigado um total de 60 amostras
de preparações prontas para o consumo à base de carnes, nos 10 hospitais públicos
e apenas 4 dos hospitais, D, G, I e J, apresentaram amostras positivas para MRSA.
As frequências observadas foram as seguintes: 16,7%, 33,3%, 11,1% e 33,3%
respectivamente.
80
Tabela 5: Isolamento de MRSA de amostras de preparações prontas para o consumo a
base de carne, em cozinhas de hospitais públicos de Salvador – BA.
Espécie animal
Hospital
Bovina
Frango
Suína
Pescado
TOTAL/
MRSA +
A
NA NA NA NA NA NA NA NA
NA (-)
(-)
(-) 3/0
B
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
NA NA
NA NA NA N 6/0
A
C
(-)
(-)
(-)
NA NA NA NA NA
NA NA NA N 3/0
A
D
(-)
(-)
(-)
NA NA NA (-)
(+)
(-)
NA NA N 6/1
A
E
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
NA NA N 9/0
A
F
NA NA NA NA NA NA (-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-) 6/0
G
NA NA NA NA NA NA NA NA
NA (-)
(-)
(+) 3/1
H
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
NA NA
NA NA NA N 6/0
A
I
NA NA NA (-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+) (-) 9/1
J
NA NA NA (-)
(-)
(+) (-)
(-)
(-)
(-)
(+) (+) 9/3
TOTAL/
15/
15/
15/
15/
60/
MRSA + 0
1
1
4
6
(+) Positivo
(-) Negativo
(NA) Não Aplicável
Sob a ótica das preparações prontas para o consumo a base de carne,
destinadas a dietas hospitalares, observou-se com base na Figura 7 que os produtos
a base de peixes foram os que apresentaram uma frequência maior de
contaminação pela presença de MRSA, não sendo observada contaminação pelo
Número de
amostras
patógeno nos alimentos prontos para o consumo a base de carne bovina.
Figura 7: Distribuição da presença de Staphylococcus aureus resistente à meticilina em relação ao
tipo de alimento cárneo pronto para o consumo destinado às dietas hospitalares.
81
Pode-se também, a partir da análise da Tabela 6, verificar que o maior
percentual da presença de MRSA, 26,7%, está relacionado às preparações a base
de peixe. Além disso, tem-se que a presença de MRSA não está associada ao tipo
de alimento preparado (P > 0.05), não rejeitando a hipótese nula de que não existe
associação entre a presença de MRSA e o tipo de produto cárneo preparado
(Tabela 6).
Tabela 6: Análise bivariada entre a presença de Staphylococcus aureus resistente à
meticilina e o tipo de preparação cárnea pronta para o consumo destinada às dietas
hospitalares.
Presença MRSA
Alimentos
Negativo
Positivo
preparados
P-valor1
n (%)
n (%)
Carne Bovina
15 (100.0)
0 (0.0)
0.104
Frango
17 (94.4)
1 (5.6)
Peixe
11 (73.3)
4 (26.7)
Suíno
14 (93.3)
1 (6.7)
1
Valor de p do teste Exato de Fisher.
Em trabalho realizado por Rizek (2010) para a pesquisa do gene de resistência
mecA e teste de sensibilidade a oxacilina a partir de cepas de Staphylococcus
aureus isoladas de 57 amostras de alimentos, dentre elas peixe cru, sushi/sashimi e
preparação a base de peixe ou outra carne, arroz e legumes (―bento‖), o autor
verificou resultado positivo em 3 (5,2%) amostras de sushi/sashimi e em 1 (1,8%) de
―bento‖, enquanto nenhuma das cepas isoladas de peixe cru apresentaram o gene
mecA. Quanto ao teste de sensibilidade à oxacilina, 1 (1,8%) amostra de peixe cru e
2 (3,5%) amostras de sushi/sashimi apresentaram cepas resistentes.
A baixa prevalência de MRSA em amostras das preparações acima
mencionadas pode ser explicada pelos métodos utilizados pelo autor, diferente do
presente trabalho, onde foram utilizados dois métodos de enriquecimento, com
ênfase no segundo enriquecimento utilizando vermelho de fenol contendo cefoxitina
e aztreonam, meio que apresenta alta sensibilidade e seletividade para MRSA,
plaqueamento em meio cromogênico específico e, finalmente a confirmação por
teste de aglutinação especifico para detecção de MRSA (BOER et al., 2009).
Muitas vezes a frequência de MRSA em alimentos é pequena devido ao S.
aureus
ser
um
competidor
fraco
em
relação
a
outros
microrganismos.
Diferentemente, o MRSA pode ser transmitido a um alimento e consequentemente
82
se multiplicar quando o alimento é aquecido a determinadas temperaturas seguido
de armazenamento impróprio (BOER et al., 2009).
Segundo a legislação brasileira, através da RDC 216 (BRASIL, 2004), após
serem submetidos à cocção, os alimentos preparados devem ser mantidos em
condições de tempo e de temperatura que não favoreçam a multiplicação
microbiana. Para conservação a quente, os alimentos devem ser submetidos à
temperatura superior a 60ºC por, no máximo, seis horas. Para conservação sob
refrigeração ou congelamento, os alimentos devem ser previamente submetidos ao
processo de resfriamento minimizando os riscos de contaminação cruzada e
evitando a multiplicação microbiana. Assim, o alimento preparado deve ter sua
temperatura reduzida a 10°C em até duas horas, seguido de conservação sob
refrigeração a temperaturas inferiores a 5°C (± 1°C) ou congelamento a temperatura
igual ou inferior a -18°C (BRASIL, 2004).
A importância da contaminação por cepas de MRSA em alimentos permanece
incerta. Se a carne ou outro alimento for eficientemente cozido, as células de MRSA
serão destruídas, mas o gene mecA resiste, podendo ser transferido para outra cepa
viável. Isso porque o DNA resiste bem ao calor, temperaturas de 100C não são
capazes de destruí-lo (DOLINSKY et al. 2007). Em indivíduos submetidos à terapia
com antimicrobianos, como é o caso de muitos pacientes hospitalizados, o MRSA
proveniente de alimentos pontos para o consumo, incluindo aqueles a base de
carne, queijo, ou produtos frescos, podem causar enterocolítes estafilocócicas. Vale
lembrar que muitas vezes o manipulador pode ser infectado por MRSA provenientes
dos
alimentos,
causando
ou
potencializando
infecções
cutâneas
nestes
profissionais, levando à disseminação do microrganismo para outros alimentos
(DOYLE; HARTMANN; WONG, 2011).
É importante lembrar que o S. aureus é relativamente susceptível ao calor.
Então, pode-se considerar que o alimento que passa por processamento térmico
tem um baixo risco de veicular uma intoxicação de origem alimentar. Além disso,
assume-se que este patógeno encontra-se presente na superfície da carne. No
entanto o risco aumenta quando se manipula a carne crua, justamente pelo perigo
de contaminação cruzada (DE JONGE; VERDIER; HAVELAAR, 2010).
Em se tratando de alimentos prontos para o consumo, ou seja, que não
sofrerão mais nenhum tipo de tratamento, as mãos de manipuladores de alimentos
83
podem desempenhar o papel de veículos de microrganismos patogênicos, devido a
procedimentos inadequados de higiene, possibilitando assim a contaminação
cruzada. Por exemplo, estes podem carrear microrganismos das carnes cruas para
as saladas. No ambiente hospitalar onde muitos pacientes encontram-se debilitados
e, portanto susceptíveis a infecções, a consequência da contaminação dos
alimentos com bactérias patogênicas pode ser muito séria (AYÇIÇEK et al., 2004).
A presença de cepas de S. aureus nas mãos de manipuladores de alimentos
em hospitais é preocupante principalmente pelo fato dessas refeições serem
finalizadas por estas mãos contaminadas (LOWBURY et al., 1964), e mais
preocupante ainda se estes forem resistentes a antimicrobianos.
Em medicina humana, anti-sepsia das mãos é uma parte integrante da
prevenção da disseminação de MRSA entre animais e entre homens e animais. A
lavagem das mãos e descontaminação de superfícies e equipamentos devem ser
administradas pelo cuidado aos pacientes. Recipientes disponibilizados nos
consultórios, próximos aos vestiários ajudam a lembrar a equipe da necessidade de
higienização das mãos (LEONARD; MARKEY, 2008).
Contudo, a realidade nos hospitais parece ser diferente. Em estudo recente
realizado por Ferreira (2012) nas Unidades de Nutrição e Alimentação (UAN) dos
mesmos hospitais públicos que participaram do presente estudo, a investigação da
presença de estafilococos coagulase positiva resistente à meticilina em fossas
nasais e mãos de 140 manipuladores de alimentos demonstrou que, embora 100%
dos manipuladores afirmassem que higienizavam as mãos durante o preparo das
dietas, 70% das amostras foram positivas para a presença de estafilococos
coagulase positiva e, destas, 28,6% foram positivas para a presença de MRSA.
Estas cepas foram isoladas em sua maioria das mãos e fossas nasais das copeiras
dietistas, funcionárias diretamente envolvidas com a distribuição das dietas aos
pacientes.
Vários outros trabalhos, incluindo o realizado por Boer e colaboradrores (2009)
detectam alta prevalência de cepas especificas de humanos, o que pode indicar uma
possível fonte de contaminação.
A FDA (FOOD AND DRUG ADMINISTRATION) estima que os manipuladores
de alimentos infectados sejam responsáveis por 20% das doenças bacterianas de
84
origem alimentar (FOOD..., 2000). Além disso, as doenças causadas pelo consumo
de alimentos contaminados por MRSA têm sido bem documentadas, demonstrando
o impacto deste microrganismo para saúde pública (KLUYTMANS et al., 1995;
JONES et al., 2002).
O primeiro surto de origem alimentar provocado por MRSA aconteceu no
Hospital Universitário de Roterdã na Holanda. Neste surto, 27 pacientes
desenvolveram infecção pelo patógeno sendo que cinco deles foram a óbito; o
primeiro paciente foi identificado no setor de hematologia de onde o microrganismo
foi disseminado pelo centro cirúrgico e outros. Com a investigação, foi possível
detectar que uma banana estava contaminada por MRSA e que esta, por sua vez,
havia sido contaminada por um profissional que preparava as refeições do setor de
hematologia, ao descascá-la. Estudos posteriores revelaram que as cepas do
paciente, do profissional do setor de nutrição e do alimento incriminado eram
idênticas genotipicamente (KLUYTMANS et al., 1995).
Ainda, nos Estados Unidos, três adultos de uma família apresentaram sintomas
de gastrenterite, como náuseas vômitos e dores abdominais, 3 a 4 horas após o
consumo de churrasco de carne suína, adquirida em supermercado. Após a
investigação das amostras da carne suína e de coleslow (uma salada a base de
repolho e maionese), bem como dos pacientes e dos manipuladores, observou-se a
presença de MRSA na amostra da salada, dos pacientes e dos manipuladores que
prepararam ambas as refeições, sugerindo a ocorrência de contaminação cruzada
(JONES et al., 2002).
Outro fator coadjuvante no que diz respeito à contaminação no ambiente de
produção é a formação de biofilme pelo S. aureus. Biofilmes são estruturas que se
destacam pela capacidade de se formar em vários tipos de ambientes, sejam eles
bióticos ou abióticos. Pesquisas sobre sua formação em superfícies de material
utilizado em ambiente de produção de alimentos, como aço-inoxidável, vêm
recebendo destaque, principalmente no que diz respeito a seu impacto sobre os
perigos de sua presença. Uma vez formados, os biofilmes agem como pontos de
contaminação constante, liberando células de microrganismos patogênicos e/ou
deterioradores, comprometendo a qualidade microbiológica da matéria-prima ou
produtos acabados (BOARI et al., 2009). Patógenos como o S. aureus sobrevivem
nas mãos, roupas e utensílios por horas ou dias depois do contato inicial com o
85
microrganismo (FUSTER-VALLS et al., 2008). Nesse contexto, estudos relatam a
habilidade do MRSA em produzir biofilmes, ressaltando sua capacidade de resistir a
tratamento com antimicrobianos comumente usados, como a vancomicina e a
rifampicina (JONES et al., 2001; ARCHER et al., 2011).
Em estudos a respeito da caracterização de MRSA isolados de alimentos de
origem animal na Alemanha, Febler e colaboradores (2011) identificaram que todos
os isolados MRSA positivos (37,2%) também possuíam genes hla e hld, os quais
estão envolvidos na produção de biofilme.
Embora não existam trabalhos a respeito da presença de MRSA em temperos,
sabe-se que S. aureus é conhecido pela sua capacidade de tolerar altas
concentrações de sal (FRAZIER; WESHOFF, 2000), o que, em última análise,
aponta para a possibilidade dos temperos serem fatores coadjuvantes na
disseminação de MRSA nos alimentos já preparados. De fato, no estudo realizado
por Hoffmann e colaboradores (1991) com temperos prontos para uso em produtos
de carne, foi possível encontrar resultados variando de 1,0 x 10 3 a 2,7 x 105 UFC/g
para
mesófilos,
indicando
uma
qualidade
sanitária
deficiente.
Resultados
semelhantes foram encontrados por Furlaneto e Mendes (2004), onde a contagem
total de mesófilos apresentou valores entre 4,1 x 10 3 a > 106 UFC/g em especiarias
comercializadas em feiras livres e de 1,0 x 103 a > 106 UFC/g nas amostras
comercializadas em hipermercados.
Ainda, em relação aos resultados do presente estudo, verificou-se que as
amostras de preparações prontas para o consumo contaminadas por MRSA foram
originadas de alimentos, cujas dimensões dos cortes eram relativamente grandes,
ou de preparações espessas como estrogonofe e bifes. Embora estas amostras
tenham sido submetidas a altas temperaturas no momento da cocção, a velocidade
de penetração de calor também deve ser considerada. Segundo a teoria da
difusidade térmica, a velocidade de penetração de calor no interior do alimento vai
depender de fatores como composição, temperatura, umidade e porosidade da
amostra (CARBONERA et al., 2003).
Assumindo que o S. aureus é relativamente susceptível ao calor, a proteção do
alimento seria alcançada através da submissão do mesmo a temperaturas acima de
65 °C. A limitação da transferência de calor no processamento de alimentos sólidos
é muitas vezes observada, pois para atingir o ponto frio do alimento é necessário
86
que a parte mais externa do alimento seja cozida em excesso (FRYER; ROBBINS,
2005). Em contrapartida, o tratamento térmico pode comprometer as qualidades
nutricionais e sensoriais do alimento e, portanto, deve-se buscar uma solução de
compromisso entre a letalidade microbiológica alvo e a manutenção dos outros
atributos de qualidade do alimento (ALVES, 2005).
Esta pesquisa revelou que as carnes cruas destinadas ao preparo das dietas e
as preparações prontas para o consumo a base destas carnes nos hospitais
públicos de Salvador-BA estão contaminadas com cepas de S. aureus resistente à
meticilina. A alta porcentagem de isolados pode ser atribuída ao uso indiscriminado
de antimicrobianos no tratamento de doenças em homens e animais, ou seja, sem
prescrição ou orientações profissionais, ou ainda como promotores de crescimento
na produção animal, acrescido das prováveis contaminações advindas do ambiente
de produção e/ou através de manipuladores portadores assintomáticos. Infecções
bacterianas pelo consumo de alimentos contaminados é um fato comum no mundo
todo e se cuidados não forem tomados durante o preparo das refeições, essas
bactérias resistentes podem encontrar meios de se adaptarem ao organismo
humano desencadeando doenças, muitas vezes de difícil tratamento (OMBUI;
KIMOTHO; NDUHIU, 2000).
87
4 CONCLUSÕES
Dos resultados obtidos no presente estudo e de acordo com as condições
experimentais
da
investigação,
pode-se
concluir
que
todos
os
hospitais
apresentaram amostras de alimentos contaminadas com MRSA em maior ou menor
grau, tanto na matéria-prima quanto no produto pronto para o consumo. A maior
frequência de Staphylococcus aureus resistente à meticilina em determinados tipos
de carne sugere que exista um risco maior pelo consumo de um tipo de carne em
relação a outro, apesar de não ter sido demonstrada diferença estatística
significativa entre os diferentes tipos de produtos cárneos e a presença de MRSA.
Esta maior frequência de isolamento de MRSA também sugere uma possível
contaminação
por
microrganismo
do
próprio
animal
ou
por
etapas
do
processamento, reforçando a importância do uso adequado e monitorado de
antimicrobianos na saúde animal e atenção as Boas práticas de Fabricação.
Dos resultados da investigação das preparações prontas para o consumo
pode-se concluir que, ou o processamento térmico não se mostrou eficiente na
eliminação do microrganismo, ou houve contaminação após a preparação das
mesmas por manipuladores portadores assintomáticos ou ainda por utensílios
utilizados na distribuição das refeições.
Os dados observados na presente pesquisa comprovam que S. aureus
permanece como um dos patógenos mais comuns em alimentos, podendo
representar sérios riscos a saúde pública, caso medidas corretivas desde o campo
até a mesa do consumidor não sejam devidamente adotadas.
88
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo representa um perfil específico da qualidade sanitária das carnes
destinadas ao consumo em hospitais de Salvador-BA. No entanto, a observação de
28,1% de amostras destas carnes contaminadas com MRSA é um dado
preocupante, se considerarmos principalmente o tipo de clientela a que essas dietas
são destinadas.
Futuras investigações, considerando toda a cadeia produtiva ―da fazenda a
mesa‖, são necessárias para esclarecer a origem da contaminação e traçar medidas
adequadas para seu controle.
Ainda, estudos adicionais devem ser realizados no intuito de identificar
genotipicamente os isolados de MRSA em alimentos cárneos consumidos em dietas
nos hospitais públicos de Salvador- BA, com o propósito de rastrear e identificar a
possível fonte de contaminação.
No Brasil, observa-se que as doenças veiculadas por alimentos (DVA) são subnotificadas e, todavia, aquelas motivadas por S. aureus e MRSA, provavelmente são
subestimadas. Nesse contexto, é necessário que a vigilância de patógenos de
importância em DVA seja contínua, e o monitoramento de cepas resistentes a
antimicrobianos como MRSA em alimentos seja requisito essencial para saúde
pública, devendo ser incluído nos programas das CCIH - Comissões de Controle das
Infecções Hospitalares.
Por fim, as medidas de prevenção devem ser tomadas com o objetivo de se
evitar contaminações por patógenos na produção de alimentos. Nessa linha,
sobressai o atendimento às Boas Práticas de Fabricação, com maior atenção ao
desenvolvimento de hábitos adequados de higiene pelos funcionários envolvidos na
preparação dos alimentos, mecanismos estes essenciais no gerenciamento da
segurança alimentar.
89
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98
ANEXO A – Formulário para colheita de amostras
Dados da amostra
Código: ____________________________________ Data da colheita:___/___/___
Hospital:__________________________________________________________
Espécie Animal:_____________________ Corte: __________________________
Fornecedor: _______________________________________________________
Lote: _____________________ Fabricação: ___/___/___ Validade: ___/___/___
Análises
1° dia
Processamento da amostra e inoculação em MH 6,5% NaCl
Data:___/___/___
2° dia
Inoculação em tubos de PMHB+
Data:___/___/___
3° dia
Leitura dos tubos de PMHB+ e inoculação em MRSA ID
Data:___/___/___
__________________________________________________________________________
________________________________________________________________
4° ou 5° dia
Leitura das placas de MRSA ID:
Data: ___/___/___
__________________________________________________________________________
________________________________________________________
Teste Slidex MRSA e estocagem em TSA
Data:___/___/___
__________________________________________________________________________
________________________________________________________
Resultado:
__________________________________________________________________________
________________________________________________________
Obs.:_____________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
____
99
ANEXO B – Formulário para pesquisa de uso de antimicrobianos em produção
animal
Espécie Animal: ________________________ Corte: _____________________________
Fornecedor: _______________________________________________________________
Endereço: ________________________________________________________________
Fazenda:__________________________________________________________________
Município:________________________________________________________________
Histórico de enfermidades em algum lote abatido: S ( ) N( ) Há quanto
tempo:______________________________________
Quais:_________________________________________________________________
Fez uso de antibióticos ou outros medicamentos? S ( ) N( ) Quais (descrever grupo,
família ou nome do medicamento, especialmente
atibióticos:_________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
______________________________________________________________
Faz uso de antibiótico como promotores de crescimento? S ( ) N ( )
Quais: _________________________________________________________________
100
ANEXO C – Termo de livre consentimento
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E PRÉ-ESCLARECIDO
FORNECEDOR DE ALIMENTOS
Prezado(a) Sr(a),
Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário(a), em uma pesquisa.
Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, caso aceite fazer parte do
estudo, assine ao final deste documento, que está apresentado em duas vias. Uma
delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não
será penalizado(a) de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Nome do Projeto: Investigação de Staphylococcus aureus resistente à meticilina em
alimentos cárneos destinados ao preparo de dietas em hospitais públicos do município de
Salvador- BA
Em caso de dúvidas e esclarecimentos procurar os pesquisadores e/ou o Comitê de
Ética em Pesquisa da Escola de Nutrição:
Pesquisador Responsável: Profa. Dra. Rogeria C. de Castro Almeida
Telefone para contato: (71) 88917577
Email: [email protected]
Pesquisador participante: Wellington Luis Reis Costa
Telefone para contato: (71) 87453196/91312724
Email: [email protected]
Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Nutrição- CEPNUT
Avenida Araújo Pinho, N° 32- Campus Universitário do Canela
Tefefone: (71) 3283-7704
Email: [email protected]
Esse trabalho tem como objetivo Investigar a presença de Staphylococcus aureus resistente
à meticilina (MRSA) em alimentos cárneos destinados a dietas em hospitais públicos de
Salvador-BA. Nos alimentos o S. aureus é mais conhecido por produzir toxinas
termoestáveis que demonstram atividade emética. Já o MRSA é uma variação diferente
deste patógeno que resiste a antimicrobianos β-lactâmicos, como penicilinas e
cefalosporinas e por esta razão é considerado uma causa importante de infecções
adquiridas em comunidade e hospitais; são principalmente do tipo nosocomial e são cada
vez mais relatados em vários países do mundo, suspeita-se do contato com os
101
manipuladores de alimentos bem como a sua presença na matéria-prima de origem animal
como, peixes, carnes e leite. Os achados dessa pesquisa permitirão entender de que
maneira o manejo animal bem como as Boas Práticas Agropecuárias e de Fabricação
podem contribuir para presença deste patógeno nos alimentos cárneos que servem de
dietas nos hospitais públicos de Salvador-BA. Os Produtores de alimentos que aceitarem
participar do estudo deverão responder ao formulário semi-estruturado do tipo check-list
com o objetivo de avaliar o manejo animal no pré e pós-abate. Não será exposta a
identidade do consumidor durante a apresentação dos resultados.
____________________________________
Nome e Assinatura do pesquisador
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO
Eu,____________________________________________________________,
RG______________________________, abaixo assinado, concordo em participar do
estudo ―Investigação de Staphylococcus aureus resistente à meticilina em alimentos cárneos
destinados ao preparo de dietas em hospitais públicos do município de Salvador- BA‖.
Como sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido pelo pesquisador
______________________________ sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos,
assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me
garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a
qualquer penalidade.
Local e data ___________________, ________/________/_______
Nome: ____________________________________
____________________________________
Assinatura do sujeito ou responsável
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