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A lavoura que a imprensa não vê
*Luciano Martins Costa
Alguns leitores observam que o noticiário sobre a inflação de alimentos, que assombra
o mundo com uma sucessão de conflitos nas bordas dos países desenvolvidos, vem
sendo publicado sem relação com a escalada de preços de gêneros de primeira
necessidade no Brasil. Um consultor de agronegócios que freqüenta este Observatório
constata que a economia agrícola aparece na imprensa desconectada da matriz do
noticiário econômico, que trata essencialmente do setor financeiro, das
regulamentações e do setor industrial.
O noticiário dos jornais se volta prioritariamente para a visão urbana dos fatos
econômicos, mas não deve ser apenas a falta de especialistas nas redações a causa
desse descompasso. Dos grandes jornais brasileiros, apenas o Estado de S.Paulo tem
uma tradição nesse setor, mas o leitor também não encontra respostas para a ameaça
de crise no setor alimentício no "Suplemento Agrícola" do Estadão, que se dirige ao
pequeno e médio produtores.
O leitor que se enquadra na categoria consumidor percebe certa esquizofrenia quando
o corpo principal do jornal alerta para alta de preços, enquanto o suplemento
"comemora" o aumento de preços quando melhora os resultados dos negócios rurais.
As escolhas do leitor
Parte do problema tem sua origem na radicalização da estratégia de "cadernalizar" os
jornais, o que progressivamente foi isolando os editores de uma linha editorial central.
Ao longo dos anos, os jornalistas foram se fechando em seus guetos e desenvolvendo
linguagens específicas, pela própria necessidade de manter uma conexão viva com
seus leitores.
Por essa razão se pode observar, por exemplo, no Globo, certo descolamento entre o
caderno principal e o caderno de entretenimento e cultura. No primeiro caderno, a
linguagem é sóbria, o discurso chega a rescender a certo moralismo, enquanto na
cobertura do mundo dos espetáculos e das celebridades o jornal se aproxima da
linguagem da televisão.
Essa característica deve estar alinhada com as estratégias de cada jornal, mas não
deixa de ser notado que, do ponto de vista do leitor, o jornal é uma entidade unitária e
a variação de linguagens, abordagens e valores cria zonas de exclusão, que deixam de
atrair a leitura. Há muito tempo não são publicados estudos sobre as escolhas do leitor
no âmbito de cada jornal, como as pesquisas que eram conduzidas, por exemplo, pela
publicitária Célia Belém no Estadão até uns quinze anos atrás.
Fragmentação no noticiário econômico
Fica difícil, portanto, fazer afirmações sobre o efeito dessa estratégia na relação do
jornal com seus leitores. Mas a questão da fragmentação que se observa no noticiário
econômico – e, muito freqüentemente, entre o caderno de Economia e a editoria de
Política – acaba resultando em um serviço de menor qualidade quando se trata da
missão de informar e de ajudar o cidadão a fundamentar suas opiniões. É o que notam
alguns leitores, especificamente quando se referem ao noticiário atual sobre o
problema da inflação de alimentos.
O tema é complexo, envolvendo desde a questão da produção de biocombustíveis até
o problema da devastação de florestas, passando pela persistência dos casos de
trabalho escravo e pelo desafio da gestão territorial e da política fundiária. Como pano
de fundo, temos no cenário internacional dados complexos e complementares, como a
fragilidade dos Estados africanos e as políticas protecionistas da Europa e dos Estados
Unidos; e, na cena brasileira, o modelo predador da nossa agricultura, a corrupção e a
falta de vontade política do governo no estabelecimento de alternativas para o
agronegócio.
As muitas alternativas à política agrícola oficial, que são debatidas em fóruns
especializados, só atraem os jornalistas que se interessam pelo tema do
desenvolvimento sustentável. E, entre estes, são raros os que trabalham na grande
imprensa. Encontrar um editor de um dos grandes jornais nesses eventos é uma
raridade. E talvez seja essa a causa principal da fragmentação observada por leitores
no noticiário econômico quando se trata da economia rural: os jornais não se
interessam em conhecer o que não está na matriz que define as pautas desde os
tempos de Hipólito da Costa.
* Luciano Martins Costa é jornalista.
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