Ser ético, ser herói

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ÉTICA E OUTRAS FORMAS NORMATIVAS DO COMPORTAMENTO HUMANO
A ética se apresenta sempre como um conjunto de preceitos, normas e princípios como
obrigatórios, justificados racionalmente. Essa dimensão da ética que se apresenta como um conjunto
de prescrições e normas provoca em muitas pessoas uma CONFUSÃO entre as normas morais e
outros tipos de normas (RELIGIOSAS, JURÍDICAS, SOCIAIS E POLÍTICAS). Essa confusão é
compreensível pois a vida comporta essa diversidade de relações ao mesmo tempo. Por questão
didática, contudo, é importante distinguir e relacionar essas formas de comportamento humano que se
inscreve sob o signo da normatividade. Vamos tratar de quatro âmbitos normativos e relacionar com a
ética. Vamos tentar localizar identificações e diferenças entre os âmbitos.
1-ÉTICA E RELIGIÃO: Para alguns ética e religião são sinônimos. Ambas tratam do que deve ser e
o que não deve ser. A religião tem um conjunto de interditos que orienta a ação, tais como, não roubar,
não matar, não mentir etc. Além do que há na religião um mecanismo de punição para toda a infração
tida como proibida. E por que é proibida? Porque Deus assim estabeleceu e quem se atreve a não
obedecer Deus castiga com o inferno e recompensa com o céu a quem obedece. Isso a grosso modo. É
claro que a religião cristã não é tão simples, pois no Novo Testamento o mandamento por excelência é
o amor a Deus e ao próximo como a si mesmo. Mais do que uma ética do medo teríamos aqui uma
ética positiva e libertadora. Mas o que permaneceu fortemente na ética religiosa são os interditos, as
proibições e os castigos. Para alguns só é possível se pensar a ética se relacionada com a religião e
como diz Dostoievski “se Deus não existisse tudo seria permitido”. Contudo, já foi o tempo de a
religião ter o monopólio da ética e a idéia de que fora da religião não poderia haver uma ética está
desde a modernidade superada. Hoje procuramos fundamentar o nosso agir ético independentemente
da religião, seguindo apenas o limite da razão para estabelecer o que deve ser e o que não deve ser do
ponto de vista da ação prática. Se é evidente que toda a religião comporta uma ética, não se deduz daí
que toda a ética só seja possível dentro de uma religião.
2- ÉTICA E DIREITO: A questão aqui se apresenta da seguinte forma: nem tudo que é legal é ético.
Tanto a ética quanto o direito e a lei são normativos e regulam o comportamento humano. Há entre a
ética e o direito elementos comuns, mas há também diferenças substanciais. O que há de comum?
Tanto a ética quanto o direito estabelecem normas de conduta permitidas e proibidas. Ambas se
apresentam como obrigatórias e imperativas a todos e sem exceção. O direito e a moral respondem a
uma mesma necessidade social: regulamentar as relações dos homens visando a garantir certa coesão
social. Contudo, desse fundo comum advém diferenças fundamentais. As normas morais se cumprem
através da convicção íntima dos indivíduos e, portanto, exigem uma adesão íntima a tais normas.
Neste sentido, pode-se falar de interioridade da vida moral. As normas jurídicas, por sua vez, não
exigem esta convicção íntima ou adesão interna. Pode-se falar, por isto, da exterioridade do direito. O
importante, no caso do direito, é que a norma se cumpra, seja qual for a motivação do sujeito
(voluntária ou forçada) com respeito a seu cumprimento. Um exemplo para entender essa distinção.
Nós saindo daqui, vamos passar por algumas sinaleiras. Estas sinaleiras se estiverem vermelhas nos
obrigarão a nos determos. Porém não interessa em absoluto a ninguém se estou parando no sinal
vermelho porque eu acredito que é bom parar no sinal vermelho. Para a pessoa que escapa de bater o
carro dela no meu, porque ela passou no verde e eu parei no vermelho, é totalmente indiferente porque
eu parei no vermelho. O importante é eu ter parado no sinal. A lei é assim. No caso da aplicação legal,
o que leva os indivíduos a seguirem a lei é totalmente irrelevante para a convivência em sociedade. O
importante é que sigam a lei, se é por medo ou por convicção, isto pouco importa. Agora do ponto de
vista ético tudo se passa de outra forma, não é nada ético uma pessoa cumprir a lei de trânsito apenas
porque ela tem medo da multa ou de perder a carteira. Isto não tem nada de ética, isto é prudência, é
bom que haja gente que tem medo da lei, ótimo, mais isso não faz das pessoas sujeitos éticos. O que
faz a distinção entre a lei e a ética é, nesse caso, a convicção interior da prática da lei. Mas não só isso.
Há leis que estão em conflito com a ética e nesse caso, às vezes, em nome da ética é preciso
desobedecer a lei. É evidente que terá que se haver com a autoridade e talvez será punido. Não se está
aqui falando de atitude fora da lei que não tem nada com a ética, como é o caso da violência absurda, o
crime organizado etc. O certo é que ética e lei não são sinônimos. O exemplo clássico dessa distinção
encontramos na tragédia grega na peça de Sófocles intitulada Antígona (400 a.C). Rememorando
rapidamente a história. Antígona é filha de Édipo e Jocasta. Passou por todo o drama de saber que o
pai tinha matado o avô (Laio), casado com a avó (Jocasta), que então ela é neta e filha da mesma
mulher, toda essa coisa terrível. Édipo vaza os olhos, foge e depois morre e ela volta à cidade natal,
Tebas. Porém dois de seus irmãos haviam lutado pelo poder em Tebas e mataram-se um ao outro na
batalha decisiva. O rei que governa, que é o tio dela, Creonte, decide que um deles será enterrado com
todas as honras, e outro será abandonado aos abutres, aos corvos em cima duma lixeira. Então quando
isto é decidido, Antígona vai até onde está o corpo do irmão na lixeira e retira o corpo e o enterra,
prestando-lhe todos os últimos cultos. Obviamente todos ficam sabendo que isto aconteceu, mas não
quem o fez, e o rei manda avisar que aplicará pena contra quem fez isto. A solução óbvia de Antígona
seria não se acusar. Porém ela vai e se entrega. O óbvio seria pedir desculpas, mas ela não pede, ela
disse que agiu corretamente. Creonte, o tio, diz que ela esta conspirando para depô-lo. Ela diz que não
e o que fizera foi seguir uma lei superior à lei dos homens, a lei divina, essa lei é a mais importante do
que qualquer lei que um ser humano possa fazer. Notem a importância deste texto. É provavelmente a
primeira vez na história, que alguém diz: “mais importante que a lei do rei é outra coisa”, no caso a lei
divina, ou a lei da consciência como se diz hoje. Isso significa que nós podemos enfrentar a lei
humana, com base no valor mais alto. Antígona não recua e é executada. Ás vezes entre a lei e a ética
há um conflito que pode ser trágico, ou pode ser frutífero se os que detêm o poder souberem
incorporar valores éticos que mude inclusive a lei. Isto dá o que pensar...
3- ÉTICA E TRATO SOCIAL: Existe também outro tipo de comportamento normativo que não se
identifica com o direito, com a moral e religião, e que abrange as várias formas de saudação, o modo
de uma pessoa dirigir-se a outra, de atender a um amigo ou a um convidado em casa, de vestir com
decoro, etc., bem como as várias manifestações de cortesia, o tato, a fineza, o cavalheirismo,
pontualidade, etc. Trata-se, como vemos, de um sem-número de atos, regidos pelas respectivas regras
ou normas de convivência que cobrem o vasto setor dos convencionalismos sociais ou do trato social.
Qual a relação entre ética e trato social? São sinônimos? Em que se identificam e em que se
diferenciam? Relação: 1) Como o direito e a moral, o trato social cumpre a função de regulamentar as
relações dos indivíduos, regulamentação que contribui como a das demais formas de comportamento
normativo para garantir a convivência social no quadro de uma ordem social determinada. 2) As regras
do trato social - como as normas morais - se apresentam como obrigatórias e o seu cumprimento é
consideravelmente influenciado pela opinião dos demais. Contudo, por mais forte que seja esta coação
externa, nunca assume um caráter coercitivo. 3) Como acontece na moral, o trato social não conta com
um dispositivo coercitivo que possa obrigar a cumprir as suas regras ou norma inclusive contra a
vontade do sujeito. Estas, por exemplo, exigem que se responda à saudação de um conhecido ou que
se ceda o lugar um ancião, mas nada e ninguém pode obrigar a cumprir esta obrigação, por força. Isso
não quer dizer que este não cumprimento fique impune dado que a opinião dos outros o sanciona com
a sua desaprovação. 4) As regras do trato social - como as do direito - não exigem reconhecimento, a
adesão íntima ou seu sincero cumprimento por parte do sujeito. Ainda que se possa dar à regra uma
íntima adesão, o trato social constitui essencialmente um tipo de comportamento humano formal e
exterior. Por sua exterioridade, pode entrar em contradição com a convicção interna, como acontece
quando se cumprimenta cortesmente uma pessoa que interiormente se detesta. Por esta razão, quanto
mais externo e formal é o trato social tanto mais insincero, falso ou hipócrita se torna. Esta a razão por
que, na avaliação do comportamento do indivíduo, desempenha um papel inferior ao da moral. Em
resumo: o trato social constitui um comportamento normativo que procura regulamentar formal e
exteriormente a convivência dos indivíduos na sociedade, mas sem o apoio da convicção e adesão
íntima do sujeito (característica da moral) e sem a imposição coercitiva do cumprimento das regras
(inerente ao direito).
4-ÉTICA E POLÍTICA: Ética e política são a mesma coisa? Ou serão simplesmente opostas e uma
não tem nada a ver com a outra? Haverá uma relação de identidade e de diferença? A primeira coisa a
ser dita é que ética e política não são a mesma coisa. A política trata do âmbito coletivo de forma
organizada e consciente através de partidos, classes etc, em vista do poder político. A ética, mesmo
sendo do campo da ação, que inclui a ação social em vista do bem comum, tem uma reserva individual
de consciência em que a política não entra. Dentro do mesmo partido político pode-se agir com
motivações éticas diferentes, se assim não for o indivíduo fica absorvido no grupo e leva facilmente ao
totalitarismo, desconhecendo as diferenças individuais de convicção. Contudo exigir da política que
seja refém da ética é cair no moralismo. Por outro lado, pensar que a política seja totalmente
independente da ética é cair no realismo político de se valer de qualquer meio para alcançar e
permanecer no poder. Max Weber diz que a política divide a ética em duas: a ética da convicção e a
ética da responsabilidade. Nem pura convicção, senão a política ficaria amarrada à ética subjetiva, nem
pura responsabilidade para não cair no chamado realismo político que justificaria ações simplesmente
apelando para o pragmático.
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