95 Algumas contribuições dos sofistas à educação Valmir Francisco dos SANTOS1 Paulo Rogerio da SILVA2 Resumo: A pesquisa apresenta alguns aspectos importantes da sofística para a história da educação, no intento de demonstrar a sua relevância na construção da nova concepção de pedagogia na Grécia Antiga. Assim, considera a participação dos sofistas no processo de evolução do conceito da Paideia, na medida em que estes iniciam uma filosofia centrada no homem e na sua cultura. Traz, também, uma reflexão sobre como reelaboraram o pensamento filosófico da época, pondo pela primeira vez como foco de atenção a intelectualidade. Os sofistas compreenderam a exigência da areté política e foram responsáveis por difundir a necessidade de uma formação que integrasse as dimensões física e espiritual. Assim, este trabalho indica as características do movimento sofista, os métodos e técnicas de que se utilizavam, bem como aponta as suas contribuições para uma educação sistemática e consciente. Palavras-chave: Sofistas. Educação. Política. Valmir Francisco dos Santos. Especialista em Filosofia e Ensino de Filosofia pelo Claretiano – Centro Universitário – Polo de Porto Velho (RO). Licenciado em Filosofia pela mesma instituição. E-mail: <[email protected]>. 1 Paulo Rogerio da Silva. Doutorando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Educação pela mesma instituição. Docente do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>. 2 Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 96 Some sophists’ contributions to education Valmir Francisco dos SANTOS Paulo Rogerio da SILVA Abstract: This research presents some important aspects of sophistic to the history of education, in an attempt to demonstrate its relevance in the construction of the new concept of pedagogy in the Ancient Greece. Thus, it considers the sophists’ participation in the development process of the Paideia concept, inasmuch as they initiate a philosophy which is centered in men and their culture. This study brings a reflection on how they reformulated the philosophical thought of the time, focusing, for the first time, on intellectuality. They understood the demand for the political areté and were responsible for spreading the need for a formation that would integrate the physical and spiritual dimensions. In addition, it indicates the characteristics of the sophistic movement, the methods and techniques that were used, and it shows their contributions for a systematic and conscientious education. Keywords: Sophists. Education. Policy. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 97 1. INTRODUÇÃO O presente artigo pretende tratar de algumas características da sofística, esclarecendo as contribuições trazidas pelo movimento à educação, bem como citar as mais relevantes e abordar como o pensamento sofista exerceu tamanha influência no modo de conceber a formação do homem, iniciando, assim, o chamado período humanista da filosofia na Grécia Antiga. O primeiro capítulo cuida em discorrer sobre o contexto histórico e social em que surgiram os filósofos sofistas e em que condições alcançaram êxito em suas atividades, constituindo um marco na história da filosofia. Esse capítulo visa também explicar como provocaram a transição do objeto de investigação filosófica da natureza para o homem, visto que compreenderam a necessidade do cidadão de uma sociedade que experimentava a democracia. O segundo capítulo demonstra como se dava a atividade educativa dos sofistas, o que ensinavam e os métodos que utilizavam, de modo que expressa o papel da sofística no desenvolvimento cultural do povo grego, reconhecendo a função da educação do homem da pólis. Finalmente, traz considerações sobre a contribuição dos sofistas quando entenderam o ensino como uma técnica e participaram do processo de sistematização do conhecimento por área do saber. 2. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO: SURGIMENTO DOS SOFISTAS Na Grécia Antiga, durante o período pré-socrático, o pensamento filosófico voltava-se para o estudo da natureza, constituindo, assim, o período dos filósofos naturalistas, que se dedicavam, principalmente, à meteorologia e à cosmologia. Pretendia-se explicar e fundamentar os argumentos a partir da investigação dos elementos da natureza, de modo que predominou a busca por um princípio único das coisas. Contudo, a procura pela verdade e as indagações cosmológicas da filosofia pré-socrática Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 98 deram lugar às questões humanas, das quais se encarregaram os sofistas, que atentaram para o conhecimento útil ao homem da pólis. Com o fortalecimento da democracia em Atenas, por volta do século V a.C., houve a expansão do comércio, que ampliou as fronteiras, aproximando o povo de outras culturas, leis e sistemas de governo diferentes. Nesse contexto, “[...] a crise da aristocracia implicou também a crise da areté, os valores tradicionais”; desfez-se então a premissa de que se “[...] nascia virtuoso e não se tornava, pondo em primeiro plano a questão de como se adquire a ‘virtude política” (REALE, 2011, p. 74). Portanto, com o rompimento das barreiras da polis, favoreceu-se a relativização das verdades. Ademais, diante da: [...] retração do poder militar e aristocrático em Atenas, inaugurado pela democracia, reina a maior liberdade de opinião e de debates em todas as partes da cidade. [...] Não há repressão do pensamento, da arte e da palavra. (NUNES, 1989, p. 32). Foi nesse ambiente em que se observou a crescente soberania popular. O homem grego tornou-se mais livre e participante das discussões públicas. Nesse contexto surgiram os sofistas com uma nova visão filosófica e de ensino. O termo sofista provém das palavras gregas sophos (sábio), sophia (sabedoria), de tal modo que “sofista” quer dizer sábio ou “professor de sabedoria” (ARANHA, 1992, p. 219), cuja denominação inicialmente está vinculada a quem possui uma capacidade específica e que mais tarde o sentido do termo denota conhecimento não só de parte, mas do todo. Embora a palavra sofista tenha surgido com significado positivo, devido às críticas filosóficas da época, acabou ganhando uma conotação pejorativa que duraria por muito tempo e que somente a partir do século XIX restabeleceria sua significação originária. As contradições sobre os sofistas representaram um preconceito histórico. O movimento da sofística chegou a ser considerado um período de declínio do pensamento grego, contudo, “[...] essa Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 99 imagem, de certa forma caricatural, da sofística, tem sido reelaborada no sentido de procurar resgatar a verdadeira importância do seu pensamento” (ARANHA, 1992). Assim, “[...] os sofistas foram reabilitados por Hegel no século XIX” (ARANHA, 1992, p. 219). Posteriormente, no século XX, “[...] foi possível uma revisão sistemática desses juízos” (REALE, 2011), revelando tamanha importância dos sofistas para o conhecimento; desse modo, “[...] a conclusão a que se chegou é que os sofistas constituem um elo essencial na história do pensamento antigo” (REALE, 2011, p. 73). Dessa maneira, a sofística, mediante pesquisas realizadas mais recentemente, desvencilha-se da visão inadequada e ganha destaque como importante movimento intelectual. Transição do foco do conhecimento da natureza (phisis) para o homem A filosofia antiga, caracterizada pelas explicações mitológicas sobre o universo, cujo interesse se limitava ao conhecimento do princípio da existência das coisas, acumulou um legado cultural vasto sobre os principais sentidos da realidade. Esse período se denominou “cosmológico” (NUNES, 1989, p. 21) e nele predominou o pensamento naturalista. Enquanto nesse primeiro momento os filósofos se ocupavam da phisis, o surgimento dos sofistas marcou o início do período “Antropológico e clássico” (NUNES, 1989 p. 31). Os sofistas inauguraram o movimento intelectual que se opunha ao que representou a corrente filosófica inicial da Grécia Antiga, ou seja, determinou novos rumos para a filosofia da época, agora centrada no homem. Os sofistas, com efeito, operaram verdadeira revolução espiritual (deslocando o eixo da reflexão filosófica da phisis e do cosmo para o homem e àquilo que concerne à vida do homem como membro de uma sociedade) e, portanto, centrando seus interesses sobre a ética, a política, a retórica, a arte, a língua, a religião e a educação, ou seja, sobre aquilo que hoje chamamos a cultura do homem. (REALE, 2011, p. 74, grifo do autor). Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 100 O pensamento dos sofistas inovou as questões filosóficas modificando os objetos de investigação e criando uma nova escola filosófica. As preocupações passaram a recair sobre o homem e suas necessidades enquanto membro de uma sociedade. Assim, estabeleceu-se, radicalmente, a mudança de foco de todo o saber filosófico, constituindo o chamado “[...] período humanista da filosofia antiga” (REALE, 2011, p. 73, grifo do autor). Provocou-se a ruptura entre o saber materialista e o conhecimento voltado para a moral e política, e isso se deu basicamente devido ao esgotamento das possíveis explicações sobre os princípios primeiros, sendo que “[...] a filosofia da physis pouco a pouco exauriu todas as possibilidades” (REALE, 2011, p. 74, grifo do autor). Aliada a esse fator, tem-se a crise da aristocracia e “[...] a experiência da democracia em que o mundo humano é criação do homem”, assim como a descrença num “[...] único princípio que a tudo comande, mas apenas convenções que os homens estabelecem para depois abandonar” (ABRÃO, 2004, p. 37). Estes, dentre outros fatores econômicos, sociais e filosóficos, deram origem ao novo modelo de filosofia. A importância dos Sofistas na transição do foco do conhecimento As transformações políticas e econômicas ocorridas na Grécia por volta dos séculos V e IV a.C. também apontavam novos ideais de formação do homem, e novos conceitos de virtudes passaram a ser buscados. Na aristocracia as qualidades morais almejadas correspondiam à figura do belo guerreiro, do atleta, “[...] cuja excelência se acha na coragem e na força” (ARANHA, 1992, p. 217), portanto, nisso consistia a função da educação tradicional de Atenas. Com o aparecimento da classe dos comerciantes e os primeiros povoados urbanos, mudam-se as aspirações e instituem-se outras formas de conceber o poder. A estrutura social e política da sociedade a partir dessas mudanças implicaram na percepção da necessidade de participação pública, no interesse pelas leis, de maneira que novas classes agiam em oposição ao sistema de governo da época. Era a crise da arisEducação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 101 tocracia. As reformas políticas, marcadas pelo aparecimento do artesanato e do comércio, despertaram os cidadãos para as funções relativas ao poder e à política. Com o desenvolvimento da pólis grega, além das circunstâncias históricas, também contribuíram para o surgimento da sofística algumas condições intelectuais, como, por exemplo, o afastamento da ideia de que tudo provinha de um princípio divino, provocado pelas reflexões do saber naturalista, e a necessidade de um conhecimento que correspondesse às perspectivas do homem da cidade-estado. Coube aos sofistas iniciarem a sistematização e a teorização do que viriam a ser as aspirações e virtudes consideradas diante da organização social que se formou. Sobre esse fato, sustenta Aranha (1992, p. 219-220) que “[...] os sofistas vão proceder à passagem para a reflexão propriamente antropológica centrando suas atenções na questão moral e política”. E acrescenta: Vão também elaborar teoricamente e legitimar o ideal democrático da nova classe em ascensão, a dos comerciantes enriquecidos. À virtude (areté) de uma aristocracia guerreira se opõe agora a virtude do cidadão: a maior das virtudes é a justiça, e todos, desde que cidadãos da pólis, devem ter direito ao exercício do poder. (ARANHA, 1992, p. 219-220). A sofística instaurou uma grande transformação no modo de conceber a formação do homem. Os filósofos sofistas ocupavam-se em desenvolver nos jovens a potencialidade do espírito crítico e a habilidade de expressão. Evidentemente, num contexto em que se tornou indispensável a capacidade de participar da vida pública, cuja preocupação política passa a ser comum entre os cidadãos de outras classes, instaura-se então o interesse pela educação formal focada na arte da linguagem e do discurso. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 102 3. OS SOFISTAS E A EDUCAÇÃO Os sofistas e a arte de ensinar O surgimento da cidade-estado favoreceu o desenvolvimento cultural da sociedade grega. Com isso, a filosofia toma novo corpo ideológico, torna-se mais racional e estruturada, caracterizando o período da Grécia Clássica. Diante da nova organização social, em que nascia a democracia, os sofistas compreenderam a nova função da educação ateniense. Assim, observou-se inicialmente que, além substituírem o objeto de investigação filosófica, os sofistas também reinventaram os ideais educativos, fazendo com que os objetivos estivessem voltados para a formação do cidadão da pólis. Os sofistas eram professores nômades que ensinavam diferentes saberes: eram considerados grandes sabedores dos mais diversos temas relativos à atividade e saber humanos. Lecionavam mediante pagamento e conforme a área de interesse dos alunos. Exerciam grande fascínio, uma vez que o ensino à que se dedicavam não se limitava à teoria, mas era essencialmente prático, voltado para a vida (ARANHA, 1992). Considerava-se que em virtude das pretensões políticas e de acesso ao poder tornava-se necessário ser capaz de participar dos debates e assembleias e, portanto, capacitar-se na arte da argumentação. Em vista desse novo contexto sociopolítico, os sofistas eram os educadores que trabalhavam em função da instrução sobre as técnicas da oratória, da eloquência e, por esse motivo, obtiveram tanto sucesso, de modo que “[...] não tinham nenhuma dificuldade em encontrar alunos para pagar suas altas taxas, ou auditórios para suas conferências e exibições públicas” (GUTHRIE, 2007, p. 40). Seus ensinamentos consistiam em desenvolver a aptidão para falar bem em público e realizar discursos persuasivos e convenientes. Dessa maneira, é possível então afirmar que os sofistas tiveram participação nesse processo de inclusão provocado pelo crescimento do poder do povo, ou seja, contribuíram para a superação dos “[...] privilégios da antiga educação, para a qual a areté só era Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 103 acessível aos que pertenciam a uma linhagem de origem divina” (JAEGER, 1995, p. 337). Eles se valiam do ensino da retórica e da dialética para instrumentalizar seus alunos naquele novo tempo. Certamente que toda sociedade grega era dada a considerar a importância da palavra como instrumento superior de poder, todavia, foi nesse período que a linguagem bem aplicada em seu exercício técnico ganhou vantajoso espaço e passou a ser compreendida como indispensável ferramenta de inserção política e de aquisição do poder. Nessa perspectiva Sánchez (1991, p. 65) afirma que: Certamente, não seria um exagero dizer que seu exercício era tão necessário quanto o das armas. Um cidadão incapaz de falar eloquentemente era como um soldado desarmado numa batalha. [...] E que a democracia era, em si, o governo pela palavra, onde a fala era um imperativo da própria estrutura política. [...] Atenas era a cidade da palavra, dos discursos, mas não tinha qualquer escola retórica. Eis aqui onde o descompasso entre educação e cultura foi maior. Qualquer intento de criar um ensino superior (não meramente físico ou musical, mas político e intelectual) teria esse fato como acicate e obstáculo. Se o Estado não tinha essa escola e, no entanto, precisava dela, a iniciativa para construí-la devia ser particular, mas orientada para as necessidades políticas da cidade. Foi nessa encruzilhada que emergiu a nova educação sofística, seduzindo e escandalizando a sociedade e os pensadores áticos. Todo valor atribuído à retórica se justifica pela função que a palavra exercia na Grécia. O poder era entendido como o sucesso político, cuja principal arma era a capacidade de exercer influência por meio do discurso. Nesse sentido, Guthrie (2007, p. 51) explica que: Seguindo a analogia, pode-se atribuir à retórica o lugar agora ocupado pela propaganda. Com certeza, a arte da persuasão, amiúde por meios dúbios, não era menos poderosa então, e, assim como temos nossas escolas de negócios e escolas de propaganda, assim também os gregos tinham seus mestres de política e retórica: os sofistas. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 104 Sabe-se que já era comum a leitura de textos em público, principalmente recitação de poemas; contudo, os objetivos dessas apresentações não se confundem com a finalidade da prática dos sofistas, que começaram suas exposições nos festivais. Muitos autores tornavam conhecidas suas obras dessa forma, enquanto a pretensão dos sofistas consistia em realizar mais do que desempenho de atividade retórica de narrativa imaginária, mas implicava numa competição. Assim, “[...] para Protágoras, qualquer discussão é ‘batalha verbal’, na qual um deve sair vencedor e o outro vencido” (GUTHRIE, 2007, p. 45). Ademais, ao mesmo tempo em que os ensinamentos sofísticos equivaliam ao saber exigido numa região de tamanha efervescência política como em Atenas, provocava grande interesse por que determinava o sucesso nas reuniões onde se faziam as mais importantes decisões políticas. Afinal, a própria inserção na política era socialmente obrigatória, ou seja, era indispensável participar dos destinos da cidade. Assim, “[...] a conduta apolítica era inconcebível porque significava a renúncia àquilo que era a própria essência do ateniense: pertencer ao corpo político, à cidade” (HOSS apud SÁNCHEZ, 1991, p. 46). Porquanto, reconhece-se como oportuno os treinamentos oferecidos pelos Sofistas. Seus ensinos consistiam num saber geral, amplo, mas também inclinado para o proveito político. Assim, ensinavam astronomia, música, aritmética, geometria, sobretudo, propunham exercícios referentes ao bom uso da linguagem oral, à eloquência e à retórica, entendida como a atividade metódica do discurso, “[...] podendo ser definida como a arte de persuadir que no séc. V tinha enorme importância política” (REALE, 2011, p. 7879). Suas instruções consistiam no conhecimento das mais diversas técnicas de oratória, de maneira que não tratavam da verdade, da moralidade, tendo sido acusados de superficialidade, além de responsáveis por propagar ideais tidas como sinal de decadência moral do povo grego (GUTHRIE, 2007). Isso se deu possivelmente devido à ocupação com a forma, com os métodos, desconsiderando a veracidade do argumento, visto que seus preceitos não pretendiam tratar da moral e da retidão. Aliás, escandalizavam-se os filósofos contemporâneos com o ensino da dialética, que para os Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 105 sofistas compreendia a arte de manipular os argumentos, defender as ideias, independentemente da veracidade. Inclusive, a dialética implicava na capacidade de justificar e convencer com igual sucesso, ideias opostas, o que também revela o caráter cético do pensamento sofista e a descrença na existência de uma verdade universal (GUTHRIE, 2007). A importância da teoria e prática educativa dos sofistas e a sistematização do ensino Os sofistas apareceram oportunamente, uma vez que possuíam uma concepção de educação que abrangia tudo que dizia respeito ao homem e a sua existência, ou seja, compreendiam que a formação do cidadão tinha de ser plena. Por essa razão, seu saber condizia perfeitamente com as pretensões do novo modelo de sociedade que se formou, cuja exigência encerrava uma educação ampla e estruturada. Assim, com os sofistas, ampliou-se o sentido da paidéia e esclareceu-se em que exatamente consistia, nesse novo tempo, a virtude a ser considerada. A sofística reinventou o ensino secular, estabeleceu novos rumos e principiou a reflexão sobre as técnicas pedagógicas. Destarte, o movimento inaugurou uma “[...] formação mais ampla organizando as primeiras ‘escolas’ superiores com objetivos literários e intelectuais” (SÁNCHEZ, 1991, p. 66). Nesse sentido, o estado, “Embora possuísse um ideal humano e político mais extenso, carecia de um sistema organizado de educação para atingi-lo” (SÁNCHEZ, 1991, p. 56). Dessa tarefa ocuparam-se os sofistas, que puderam orientar sobre os caminhos a serem seguidos para atingir a mais elevada areté – e no seu novo sentido. Reconhece-se que: A fundamental clareza com que se coloca essa questão e sem a qual seria inconcebível o nascimento da ideia grega unitária da formação humana pressupõe a gradual evolução que viemos seguindo desde a mais antiga concepção aristocrática da arete até o ideal político do homem vinculado a um Estado jurídico. (JAEGER, 1995, p. 335-336). Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 106 Foi nesse sentido que a contribuição dos sofistas determinou como se daria a educação que consistisse na formação integral do homem, que envolvesse o aspecto físico, espiritual e intelectual. Foram responsáveis pela organização dos conteúdos, cujos temas constituíam “[...] um novo método escolar inédito, chamado Paidéia, e abrangia o ensino da Retórica, Gramática, Aritmética e Lógica” (NUNES, 1989, p. 33). Dessa forma, o nascimento da Paidéia representa o início de uma grande transformação no modo de conceber a educação, e os gregos foram os que primeiro compreenderam que ela era a chave para a formação humana. Contribuíram com isso para a visão evoluída de cultura que se adquiriu em todo o Ocidente. A partir da formação dos primeiros currículos, nasceu uma educação sistemática, consciente, mas equivalente ao que era exigido naquele contexto. Nisso consiste alguns aspectos importantes do período da sofística para a educação. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O surgimento dos sofistas representou o início de um novo período da filosofia grega, impondo-lhe características totalmente diversas do período inicial. O pensamento naturalista deu lugar ao pensamento dos sofistas, inaugurando um momento mais sistemático da filosofia, dessa vez preocupada com as questões humanas. A importância desse movimento se verifica pela constatação de como determinou a transformação da concepção de educação, cuja abrangência dos diversos aspectos da existência humana respondia aos problemas da época. Passou-se a tratar da areté política, da moral, do homem em comunidade, trazendo o saber condizente com as aspirações sociais em pleno auge da democracia. A despeito das fortes críticas realizadas por outros filósofos da época, principalmente por Sócrates, tendo sido inclusive apontados como responsáveis pelo considerado período de decadência dos valores morais, o fato é que os sofistas provocaram uma verdadeira reforma intelectual na Grécia Antiga. Os sofistas entenderam, naquele contexto histórico, o sentido da nova virtude, fundada no Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2015 107 conhecimento espiritual do indivíduo e difundiram com clareza a sua exigência. Ademais, foram chamados de criadores da ciência da educação, visto que instituíram as bases da pedagogia. Os sofistas possuíam métodos definidos, seu saber era enciclopédico e trabalhavam em função da formação do espírito em todas as suas dimensões. Refizeram o significado de Paidéia, fundaram uma educação consciente e racional; organizaram o conhecimento escolar por áreas, atribuindo caráter sistemático ao processo de ensino. Por essas razões, o pensamento dos sofistas constitui momento de fundamental importância para a história da educação. REFERÊNCIAS ABRÃO, B. S. História da filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 2004. ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1992. CHAUÍ, M. Fundamentos filosóficos. In: ______. OLIVEIRA, P. S. Filosofia e Sociologia. São Paulo: Ática, 2008. DUROZOI, G.; ROUSSEL, A. Dicionário de filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1996. GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1995. (Coleção Filosofia). JAEGER, W. W. Paidéia: a formação do homem grego. 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