Marcelo dos Santos; BMI-2.3.4 (104-107) www.bmilatina.com Dezembro2012 OA Derivação Gástrica Videolaparoscópica em pacientes com Má Rotação Intestinal – Relato de 4 casos Marcelo P.dos Santos, Bruno L. Nascimento Fernandes, Fábio A. Santos, Juliana M. Santos, Paulo F. Barreto Neto, Antônio Alves Junior Universidade Federal de Sergipe (UFS).Brasil. [email protected], [email protected] Unitermos: Má rotação intestinal; Gastroplastia vertical; Derivação gastrojejunal em Y de Roux Videolaparoscópica; Obesidade mórbida _______________________________________________________________________________________________ Introdução O presente trabalho objetiva apresentar o relato de caso de 4 pacientes submetidos com sucesso à gastroplastia vertical com derivação gastrojejunal em Y de Roux por videolaparoscopia onde a condição de má rotação intestinal foi revelada no momento da cirurgia. A obesidade é uma doença universal de prevalência crescente e que vem adquirindo proporções alarmantemente epidêmicas, sendo um dos principais problemas de saúde pública da sociedade moderna [1]. Devido a não eficácia dos tratamentos conservadores, as cirurgias bariátricas representam hoje o tratamento de eleição em casos de obesidade grave, tendo a técnica de gastroplastia vertical com derivação gastrojejunal em Y de Roux (DGJYRL) laparoscópica como o procedimento mais realizado mundialmente [2,3,4] Relato de Casos Os quatro pacientes do presente estudo foram submetidos à cirurgia de DGJYRL. Os pacientes 1, 2 e 3 eram do sexo feminino e tinham respectivamente 31, 27 e 29 anos de idade. Os dois primeiros pacientes apresentavam um IMC>40, enquanto o terceiro apresentava um IMC-42,. O paciente 4 era do sexo masculino, tinha 20 anos e IMC-45.8 Com o aumento no número de cirurgias bariátricas, aumentam também as chances do cirurgião deparar-se com situações de variações anatômicas incomuns como a má rotação intestinal [5]. Assim, torna-se extremamente oportuno o bom conhecimento desta situação bem como as alternativas e táticas propostas para a realização do procedimento cirúrgico. Na cirurgia, os pacientes foram colocados em posição supina, estando o cirurgião localizado à direita do paciente e o primeiro auxiliar à esquerda. Após a criação do pneumoperitônio, 5 trocartes foram introduzidos. A realização da gastroplastia seguiu-se de forma rotineira com septação gástrica a partir da pequena curvatura, formando um neo-estômago de 50ml. No entanto, na identificação das alças jejunais, foi observado cólon direito em região mediana e localizada a quarta porção duodenal e alças delgadas em situação direita, fora do forame do mesocólon transverso, inexistente nesses casos, sendo firmado o diagnóstico de má rotação intestinal. Esta anomalia congênita é causada por uma rotação incompleta ou não rotação do intestino no eixo da artéria mesentérica superior durante o desenvolvimento embrionário [3]. Cerca de 90% dos casos tornam-se conhecidos clinicamente ainda no primeiro ano de nascimento, entretanto, alguns pacientes podem permanecer assintomáticos durante toda a vida [4]. 104 Marcelo dos Santos; BMI-2.3.4 (104-107) www.bmilatina.com Dezembro2012 OA Nos pacientes 1,2 e 3, foi localizada a válvula ileocecal e, em direção retrógrada, através das alças delgadas, foi identificado o local onde seria realizada uma anastomose gastrojejunal término-lateral a 1m da transição jejuno-duodenal. Fig 3. Aspecto Final Laparoscópico (A- alça alimentar; B- alça biliopacreática; C- alça comum) Os pacientes tiveram evolução pós-operatória sem intercorrências com uma perda ponderal esperada e encontram-se em acompanhamento ambulatorial. Fig 1. Identificação da Transição Duodeno-jejunal (A) Discussão No paciente 4, as alças jejunais foram imediatamente localizadas à direita do cólon e semelhantemente aos outros pacientes, procedeu-se a anastomose. Para a confecção da anastomose gastrojejunal, utilizou-se um grampeador linear de 45 mm com grampos azuis e sutura extra-mucosa contínua. O próximo passo foi a realização da anastomose jejunojejunal látero-lateral e assim a construção de uma alça alimentar com 1,5 a 2 m de comprimento. A gastroplastia vertical com DGJYRL foi inicialmente descrita em 1995 por Wittgrove [9] e é considerada hoje padrão-ouro no cenário das cirurgias bariátricas. Conforme a NIH (National Institutes of Health), e acordando com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, têm indicação cirúrgica os pacientes com IMC>40 ou IMC<35 com comorbidade associada e risco cirúrgico aceitável. Nos Estados Unidos, cerca de 180.000 procedimentos têm sido realizados a cada ano [2,8,15,16]. Algumas vezes situações inesperadas são encontradas, exigindo do cirurgião experiência para tratá-las de forma segura. No presente estudo, foram relatados 4 casos de má rotação intestinal, anomalia incomum que tem origem no período embrionário. Durante a 6ª semana do desenvolvimento fetal, o intestino médio alonga-se e forma uma alça intestinal em forma de U que se projeta para dentro do cordão umbilical, constituindo a ―hérnia umbilical fisiológica‖. Fig 2. Anastomose jejunojejunal (em hemiabdome direito) Nesse período, o intestino médio possui um ramo cefálico, que cresce rapidamente e forma as alças do intestino delgado, e um ramo caudal, que posteriormente originará parte do intestino grosso. Enquanto permanece no cordão umbilical, o intestino médio gira 90º no sentido anti-horário, em torno do eixo da artéria mesentérica superior (AMS), isto desloca o ramo cefálico para a direita e o ramo caudal para a esquerda. Na 10ª semana, provavelmente por diminuição do tamanho do fígado e dos rins e por um aumento do tamanho da cavidade abdominal, ocorre o retorno intestino médio ao abdome, processo conhecido como ―redução da hérnia fisiológica‖. Para a realização desta, utilizou-se um grampeador linear de 45 mm com grampos brancos e sutura seromuscular extra-mucosa invaginante. A cirurgia foi finalizada com a sutura do ―defeito ou falha mesentérica‖ e a realização de um teste onde a anastomose gastrojejunal foi submersa em solução fisiológica ao mesmo tempo em que se injetou ar através de uma sonda orogástrica. Se alguma falha fosse detectada, a correção seria mandatória. Todos os tempos cirúrgicos intestinais foram realizados em hemiabdome direito, conforme ilustra o aspecto final da cirurgia. O intestino delgado (formado pelo ramo cefálico) retorna primeiro, passando posteriormente à AMS e 105 Marcelo dos Santos; BMI-2.3.4 (104-107) www.bmilatina.com ocupando a parte central do abdome. Quando ocorre o retorno do intestino grosso (formado pelo ramo caudal), este passa por uma rotação adicional de 180º no sentido anti-horário, ocupando mais tarde o lado direito do abdome. À medida que os intestinos aumentam e assumem as suas posições definitivas, seus mesentérios são comprimidos contra a parede abdominal posterior. Dezembro2012 OA Em conclusão, pacientes com essa anomalia podem ser submetidos com sucesso à DGJYRL, sendo importante o conhecimento desta condição pelos cirurgiões bariátricos para, no momento da cirurgia, poderem fazer as adaptações táticas pertinentes a cada caso. Bibliografía Nos pacientes com má rotação intestinal, o intestino médio não gira quando este retorna para o abdome. Consequentemente, o ramo caudal retorna primeiro à cavidade abdominal e o intestino delgado fica do lado direito do abdome e todo o intestino grosso fica à esquerda.3,11,12 A real incidência de má rotação intestinal na população é desconhecida, com estimativas variando de 1:200 a 1:6000.4,12 Sabe-se que 64% dos casos tornam-se evidentes clinicamente nos primeiros meses de vida e 82% até o primeiro ano de vida; alguns autores acreditam que este último dado chegue a 90% dos casos.11 A incidência dessa anomalia em adultos é de 0,2%, sendo que 15% dos pacientes com diagnóstico firmado de má rotação intestinal permanecem assintomáticos por toda a vida.4 Dentre aqueles que desenvolverão algum sintoma, a evolução pode ocorrer de forma aguda ou crônica. A forma aguda cursa com quadro de vômitos e dor abdominal sem distensão que evolui para isquemia e necrose intestinal com peritonite, causado por volvo ou hérnia interna. Já nos casos de evolução crônica, os sintomas são mais inespecíficos, como dor abdominal do tipo cólica e vômitos recorrentes.4 Na literatura, 13 casos foram relatados de pacientes submetidos à DGJYRL com má rotação intestinal, sendo que em 12 destes, essa condição foi descoberta no momento da cirurgia. Em 11 casos os pacientes foram submetidos com sucesso à DGJYRL, enquanto nos outros 2 casos a cirurgia foi convertida para o método de laparotomia por dificuldades com a anatomia. Em apenas 1 caso o pósoperatório cursou com complicação importante, tendo sido realizada outra cirurgia e posterior resolução do problema.5,6,7,8,9,10,11,12,13 No presente estudo, foram relatados 4 casos de pacientes com má rotação intestinal descoberta no momento da cirurgia DGJYRL, e não obstante, o procedimento cirúrgico foi realizado com êxito, sem intercorrências pósoperatórias, sendo necessário entretanto alguns ajustes à técnica no momento de identificação das alças jejunais, buscando-as ao lado direito do cólon, ou, caso não seja possível, buscando-as retrogradamente através da válvula ileocecal. 106 1. Harrison TR. Obesidade. In: Flier JS, Flier EM. Medicina Interna 17ª edição, Rio de Janeiro, Mc Graw Hill, 2008: 462-464 2. Martins MVDC. Porque o ―by-pass‖ gástrico em y de roux é atualmente a melhor cirurgia para tratamento da obesidade. Rev Bras Videocir 2005; 3(2):102-104. 3. Moore KL, Persaud TVN. Sistema Digestivo. In: Moore KL, Persaud TVN. 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