a comunicação como estratégia para humanizar o cuidar do

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A COMUNICAÇÃO COMO ESTRATÉGIA PARA HUMANIZAR O CUIDAR DO
INDIVÍDUO COM FERIDAS CRÔNICAS: RELATO DE EXPERIÊNCIA
Daniel Pereira Francisco (Relator)1
Bruno Emmanuel de Medeiros Pereira2
Elisama Naara Soares Moreira 3
Alana Tamar Oliveira de Sousa4
Isabelle Cristinne Pinto Costa5
RESUMO
Esta pesquisa objetivou descrever um relato de experiência acerca da comunicação como
estratégia para humanizar o cuidar do indivíduo portador de feridas crônicas. Estudo do tipo
relato de experiência que aborda a vivência de graduandos do curso de enfermagem em um
ambulatório. A análise da pesquisa mostrou que os indivíduos que possuem uma ferida
crônica carregam consigo, além de uma doença visível, uma tristeza que pesa a alma, um
sofrimento psíquico decorrente da perda da qualidade de vida e do bem-estar do meio em que
se vive, e que, muitas vezes, não estão relacionados à ferida ou aos problemas que esta pode
acarretar, mas fatores extrínsecos, cotidianos, onde os clientes procuram no local de
atendimento especializado e nos profissionais da saúde, um lugar/pessoas de desabafo. Nesse
contexto, é inegável a importância da comunicação como ferramenta estimuladora no que
tange à humanização do cuidado em enfermagem, uma vez que permite ao enfermeiro
compreender as necessidades do ser paciente vulnerabilizado pela ferida crônica.
DESCRITORES: Comunicação. Feridas Crônicas. Humanização.
1 INTRODUÇÃO
As relações humanas e a comunicação contribuem para um ótimo desempenho e êxito
nas tarefas do cotidiano, sobretudo se o ambiente de trabalho, por exemplo, for de bom nível,
1
Graduando em Enfermagem pela Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba - FCM/PB. Extensionista do
Ambulatório de Curativo da Fundação Otacílio Gama. E-mail: [email protected]
2
Graduando em Enfermagem pela Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba - FCM/PB. Integrante do Núcleo
de Estudo e Pesquisa em Bioética - NEPB da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. E-mail:
[email protected]
3
Graduanda em Enfermagem pela Faculdade Ciências Médicas da Paraíba - FCM/PB. Extensionista do
Ambulatório De Curativo Da Fundação Otacílio Gama e Extensionista do Projeto Saúde da Mulher na
Policlínica Ciências Médicas. E-mail: [email protected]
4
Enfermeira. Doutoranda e Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Docente do
Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade Ciências Médicas da Paraíba – FCM/PB, Coordenadora do
Ambulatório de Curativo da Fundação Otacílio Gama, João Pessoa-PB. E-mail: [email protected]
5
Enfermeira. Fonoaudióloga. Doutoranda e Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba UFPB. Especialista em Saúde Coletiva com Ênfase na ESF. Membro e Pesquisadora no Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Bioética – NEPB/UFPB. Docente e Coordenadora do Curso de Graduação em Enfermagem da
Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba – FCM/PB. E-mail: [email protected]
onde as pessoas mantenham o respeito, saibam escutar, a linguagem se mostre compreensível,
os códigos e os processos sejam conhecidos e as redes, desenhadas para facilitar a interação. É
possível promover o diálogo, a compreensão mútua e a comunicação, que ajudam no bom
andamento da organização1.
O estudo2 retrata que a comunicação é um processo de interação no qual são
compartilhadas mensagens, ideias, sentimento e emoções, podendo influenciar o
comportamento das pessoas que, por sua vez, reagiram a partir de suas crenças, valores,
história de vida e cultura. A comunicação pode ser realizada de forma verbal e/ou não verbal.
No que tange à comunicação verbal, esta se caracteriza pela exteriorização do ser social, e a
não verbal, o ser psicológico, sendo sua principal função a demonstração dos sentimentos.
Ressalte-se que a linguagem verbal é considerada como sendo uso da escrita ou da fala
como meio de comunicação. No que se refere à comunicação não verbal, esta exerce fascínio
sobre a humanidade desde seus primórdios, uma vez que envolve todas as manifestações de
comportamento não expressas por palavras, como os gestos, expressões faciais, orientações
do corpo, as posturas, a relação de distância entre os indivíduos e, ainda, organização dos
objetos no espaço. Esta pode ser observada na pintura, literatura, escultura, entre outras
formas de expressão humana. Está presente no nosso dia-a-dia, mas, muitas vezes, não temos
consciência de sua ocorrência e, nem mesmo, de como acontece2.
Nesse contexto, a comunicação, seja ela verbal ou não verbal, emerge como um
instrumento para a promoção de um cuidado humanizado3. Por conseguinte, a comunicação
colabora para promover o cuidado emocional, que é considerada uma habilidade de
compreender o imperceptível, exigindo alto nível de sensibilidade para as manifestações
verbais e não verbais do cliente que possam indicar ao profissional da Saúde, sobretudo ao
enfermeiro, suas necessidades individuais4.
Na Enfermagem, para um cuidado humano e individualizado, é preciso utilizar mais do
que conhecimentos científicos; é necessário estabelecer uma relação na qual o enfermeiro
esteja sempre disposto a ouvir o paciente e a lhe informar a respeito de seu tratamento4.
Estudo aponta que este profissional, por estar mais tempo em contato com o cliente, conhece
melhor suas respostas, exercendo um papel fundamental no cuidado integral ao indivíduo, em
especial, ao paciente portador de lesões de pele5.
Vale ressaltar, que o indivíduo portador de feridas requer uma assistência de qualidade,
haja vista que sofre psiquicamente por várias razões, em virtude do comprometimento da
imagem corporal. Estudos6-7 ponderam que uma ferida crônica pode ocasionar algumas
problemáticas no decorrer da vida, tanto de ordem física quanto emocional. Física, uma vez
que pode incapacitar para algumas atividades cotidianas; e emocional, porque pode afetar
psiquicamente a vida do indivíduo, influenciando seu modo de ser e estar no mundo.
Nesse contexto, urge a necessidade de atender adequadamente aos clientes portadores
de lesões, com vistas a promover uma assistência individualizada e específica, utilizando, para
tanto, a comunicação como estratégia para humanizar o cuidar. Acredita-se que esta ação
possa fornecer subsídios e despertar nos profissionais da Saúde, sobretudo os da enfermagem,
o interesse por realizar uma interação dialógica entre cuidador e o ser cuidado, já que este
deve ser tratado e visto em sua mais ampla singularidade e subjetividade.
Diante do exposto, este estudo teve como objetivo descrever um relato de experiência
acerca da comunicação como estratégia para humanizar o cuidar do indivíduo portador de
feridas crônicas.
2 METODOLOGIA
Estudo do tipo relato de experiência que aborda a vivência de graduandos do curso de
enfermagem, integrantes do projeto de extensão intitulado “Avaliação do processo de
cicatrização em portadores de lesão em tratamento ambulatorial”, localizado no ambulatório
de curativos da Fundação Otacílio Gama, pertencente a uma instituição de ensino superior
privada, no município de João Pessoa-PB.
A pesquisa foi realizada no período 05 de setembro de 2011 a 01 de junho de 2012,
envolvendo todos os usuários cadastrados do referido serviço. O atendimento foi realizado
visando todos os princípios éticos, seguindo e atentando para a singularidade de cada
paciente, tratando-o holisticamente e utilizando a comunicação verbal e não verbal para
identificar eventuais problemas, sejam eles físicos ou psicossociais. Os critérios de inclusão
foram: idade maior que dezoito anos; participação voluntária após assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido.
O estudo foi realizado com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade
de Ciências Médicas da Paraíba, sob protocolo nº 042/2011, seguindo os preceitos da
Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde8. Assim, os participantes da pesquisa
foram orientados quanto à participação voluntária, ao anonimato, à desistência em qualquer
momento da pesquisa sem perda de seu tratamento, bem como à assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido.
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DO RESULTADOS
A apresentação dos resultados será realizada conforme o momento em que a
comunicação é utilizada na assistência humanizada ao indivíduo com feridas crônicas.
Comunicação no acolhimento humanizado
A assistência desenvolvida no ambulatório de curativos é permeada pela comunicação
verbal e não verbal e se inicia com o acolhimento do usuário no serviço. Acolher o usuário é
dar acolhida, agasalhar, receber, sendo uma ação de “estar com” e um “estar perto de”,
afirmado como uma das diretrizes de maior relevância ética/estética/política da Política
Nacional de Humanização do Sistema Único de Saúde9.
Sendo assim, o ingresso do indivíduo com ferida crônica faz emergir para a necessidade
de um atendimento diferenciado e qualificado. Neste local, o cliente é acolhido, realizando,
inicialmente, uma consulta de enfermagem com o preenchimento do prontuário (registro)
individual, por meio da anamnese e do exame físico. Nesse momento, deve-se usar linguagem
clara, identificar impedimentos físicos (surdez, mutismo), sentimentos, emoções e diferenças
educacionais10. Por meio desta, busca-se realizar uma análise integral do cliente, procurando
observar a necessidade de encaminhamentos para avaliação médica, nutricional ou
fisioterapêutica. Ressalte-se que neste local são realizados os curativos, conforme a
necessidade de cada cliente11. Vale ressaltar que o acolhimento é uma constante nas
atividades diárias do ambulatório e se consolida por meio da comunicação.
Comunicação no atendimento diário
Após a inserção do usuário no ambulatório de curativos, ele passa a realizar curativos
diariamente nesse serviço. O cliente passa a se sentir como parte integrante do seu processo
de cura porque é convidado a participar e assumir o auto-cuidado, importante para o sucesso
do tratamento. Desse modo, o cuidado humanizado é pautado na confiança, na qual o cliente
sente que seus cuidadores são seus confidentes para ouvir seus problemas pessoais, familiares
e suas angústias mais íntimas, por meio da comunicação verbal.
Em associação, enfermeira e estudantes do ambulatório utilizam a cinésica (linguagem
do corpo), observando o olhar do cliente quando ele fala e a postura corporal. O olhar retrata
as emoções: surpresa (abertura maior), alegria (brilho) ou tristeza (abertura menor). A posição
do corpo em relação aos cuidadores também expressa acolhida e aproximação ou desafio e
rejeição10. A interpretação dessa linguagem corporal ajuda a conduzir uma assistência que
realmente atenda às necessidades do usuário.
Um estudo12 refere que quando a assistência é mal conduzida, pode haver retardo no
processo de cicatrização da ferida crônica, acarretando um alto encargo psicossocial e
econômico, e em inúmeros casos pode afastar o individuo do trabalho, agravando ainda mais
a qualidade de vida do paciente.
Cumpre assinalar, que o profissional que acompanha este cliente, sobretudo o
enfermeiro, deve perceber seu sofrimento físico e psíquico, uma vez que sua situação clínica
gera uma série de mudanças na vida, atingindo também a vida de seus familiares que, muitas
vezes, não estão preparados para compreender todos os aspectos que envolvem este problema.
Outra pesquisa5 retrata que no cotidiano de pessoas com feridas há presença de
sofrimento, e isto acontece devido a dúvidas e angústias em relação ao tratamento e,
principalmente, a ansiedade em ver a evolução da ferida para uma melhora, além de possíveis
desgastes nas relações interpessoais, principalmente familiar, já que, a avaliação de uma
pessoa em relação à sua qualidade de vida está muito relacionada ao apoio que ela recebe da
família, fazendo-a se sentir melhor, e que essa qualidade de vida depende do empenho dos
familiares junto ao doente, amparando-o, não o negligenciando ou fragilizando.
Comunicação na troca do curativo
Durante a troca do curativo, enfermeira e estudantes valorizam a proxêmica, um tipo de
comunicação não verbal que representa o uso que o homem faz do espaço dentro do processo
de comunicação. Vale ressaltar que todas as pessoas têm um espaço pessoal que significa o
quanto o corpo da pessoa consegue manter a proximidade de alguém, uma espécie de “bolha
invisível” que existe ao redor do corpo e não pode ser invadida 10. Assim, durante a troca do
curativo, observa-se o cuidado de respeitar o corpo do indivíduo com sua segurança,
privacidade e autonomia.
Além disso, o ambiente também interfere no processo de comunicação. Percebe-se que,
no caso do ambulatório de curativos, construído em uma área verde, o contato com a natureza
oferece ao usuário do serviço um lugar muito tranquilo, que favorece o relaxamento tanto dos
cuidadores quanto do ser cuidado, sendo isto verbalizado diariamente por todos.
Outro tipo de comunicação não verbal que auxiliar no cuidado humanizado é a tacêsica,
que envolve o tocar. No ambulatório são empregados os três tipos utilizados na área da saúde,
o toque instrumental, importante para a realização do procedimento, porém com gestos firmes
e suaves, o toque expressivo ou afetivo, com o aperto de mão e abraço e o toque terapêutico,
empregado durante as massagens nos membros inferiores.
Para ser considerado saudável, acredita-se que o indivíduo precisa estar em harmonia
com seu eu, e acima de tudo, sentir-se saudável e gozando de bem-estar. Desta forma, a saúde
mental faz a diferença para o sentimento de saúde geral do indivíduo. No entanto, a
experiência mostra que nos serviços de saúde, os profissionais ainda não conseguem ver o ser
humano na sua integralidade, muitas vezes enxergando apenas a ferida, que é "visível" e por
esta razão, oferecem cuidados relacionados apenas a ela.
Nota-se que os indivíduos que possuem uma ferida crônica carregam consigo, além de
uma doença visível, estampada na pele, ou na diminuição da integralidade cutânea, uma
tristeza que pesa a alma, um sofrimento psíquico decorrente da perda da qualidade de vida e
do bem-estar do meio em que se vive, e que, muitas vezes, não estão relacionados à ferida ou
aos problemas que esta pode acarretar, mas fatores extrínsecos, cotidianos, onde os clientes
procuram no local de atendimento especializado e nos profissionais da saúde, um
lugar/pessoas de desabafo.
Comunicação na continuidade da assistência humanizada
Para se firmar a comunicação durante e após a assistência, mantém-se um elo com a
família e com as equipes das Unidades de Saúde da Família (USF). Essa estratégia garante
que o cliente possa ser cuidado em sua casa, da maneira em que foi orientado e permite que
ele seja encaminhado à USF caso necessite da assistência de algum médico especialista.
É mister destacar que apesar de se notar que os indivíduos realizam seu próprio cuidado,
percebe-se que o relacionamento familiar serve como suporte para o enfrentamento da
doença, e que na maioria dos casos isso nem sempre acontece. O portador de ferida crônica
precisa desta forma, estar em um ambiente ancorado em sentimentos de apoio, de incentivo,
de carinho e de amor, para que aceite a contribuição da família no seu tratamento.
Dentro desta perspectiva, percebe-se que esta lesão fragiliza e muitas vezes incapacita o
ser humano para diversas atividades. Frente a observações realizadas e queixas ouvidas das
pessoas com esses problemas que chegam ao serviço especializado, faz-se pensar que esta
doença acomete o indivíduo como um todo, e que muitas vezes elas necessitam não só de um
tratamento específico, mas de serem ouvidas também.
Analisando esses fatos, o cuidado, a preocupação e até mesmo o desenvolvimento da
relação interpessoal não cabe apenas à psiquiatria, mas à qualquer área em que exista a
necessidade de cuidado humano6. Assim sendo, a relação deve discorrer de tal forma que
sejam considerados os aspectos emocionais, econômicos e culturais, onde o diálogo é
primordial, zelando pela saúde integral do individuo.
Destarte, pondera-se que os alunos envolvidos na pesquisa compreenderam
explicitamente sinais não verbais de comunicação através da expressão facial, postura
corporal e tonalidade de voz, apresentados pelos clientes em determinados momentos no
decorrer da pesquisa. Estudo10 menciona que os nossos sentimentos estão expressos nos
nossos atos, no nosso corpo. Frequentemente não falamos sobre nossos sentimentos, mas os
demonstramos de forma não verbal.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na Enfermagem, para um cuidado humano e individualizado, é preciso utilizar mais
do que conhecimentos científicos; é necessário estabelecer uma relação na qual o enfermeiro
esteja sempre disposto a ouvir o paciente e a informar-lhe a respeito de seu tratamento. A
comunicação permite transmitir informações claras e objetivas, para proporcionar maiores
escolhas e resoluções, tornando-se mais uma forma de o paciente sanar suas dúvidas a
respeito de sua doença, sendo indispensável para uma assistência de qualidade. Em vista
disso, ela colabora para a promoção do cuidado emocional, que é a habilidade de perceber o
imperceptível, exigindo alto nível de sensibilidade para as manifestações verbais e não verbais
do cliente que possam indicar ao enfermeiro suas necessidades individuais.
Nesse contexto, consideramos ser necessário a existência de um suporte adequado para
atender os indivíduos com feridas crônicas, oferecendo o cuidado de forma holística,
admitindo que, por trás de uma ferida, exista um ser humano com medos, anseios, angústias, e
que sofre no seu cotidiano necessitando, portanto, de amparo e acompanhamento
psicoemocional, onde, a comunicação se apresenta como uma possibilidade de construção de
práticas e assistências humanizadas. Portanto, é inegável a importância da comunicação como
ferramenta estimuladora no que tange à humanização do cuidado em enfermagem, uma vez
que permite ao enfermeiro compreender as necessidades do ser paciente vulnerabilizado pela
ferida crônica.
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