A RESISTÊNCIA DE JOHN LOCKE E A CONSTITUIÇÃO - E

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A RESISTÊNCIA DE JOHN LOCKE E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
DE 1988
THE RESISTENCE BY JOHN LOCKE AND THE BRAZILIAN CONSTITUTION
OF 1988
João Luis Filgueiras
Sidney Aragão Silva
Resumo: O direito de resistência surgiu na concepção do direito jus naturalista dos homens
defendido por John Locke. O presente trabalho indica como a resistência pode ser discutida a
partir do texto da Constituição brasileira, visto que ele não deixa explícitas as regras sobre esse
direito. Trata-se de um ensaio teórico com pesquisa exploratória por meio de levantamento
bibliográfico e documental, que explica o que é o direito de resistência e como ele pode ser
utilizado.
Palavras-chaves: Direito de Resistência; Constituição; Greve; Revolução; Guerra.
Abstract: The law of resistance arose in the design of jus naturalist right of men defended by
John Locke. This paper shows how the resistance can be discussed from the text of the Brazilian
Constitution, as it leaves no explicit rules on this right. This is a theoretical essay with
exploratory research through literature and document that explains what it is the right of
resistance and how it can be used.
Keywords: Law of Resistance; Constitution; Strike; Revolution; War.
1 Introdução
Foi durante os séculos XVI, XVII e XVIII que o ser humano sentiu necessidade de
socialização por meio de um estado forte e de certa forma “protecionista”, representado por
governantes validados pelo povo. Estabeleceu-se, assim, um “dever-ser” mais racional, com leis
para ratificar o direito natural do homem, defendido por vários filósofos da época.
Antes dessa socialização, o homem vivia em seu “estado natural”1. Thomas Hobbes

João Luis Filgueiras é Mestre em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. Coordenador
pedagógico na Universidade do Parlamento Cearense ([email protected]). Sidney Aragão Silva é
Especialista em administração legislativa pela Universidade do Parlamento Cearense ([email protected]).
1
O estado de natureza é o poder de um homem dominar outro utilizando a força bruta, explicado por Thomas Hobbes
(filósofo inglês) em seu livro O Leviatã.
João Luis Filgueiras e Sidney Aragão Silva
defendia um contrato social entre a sociedade e seus representantes em que o governante seria o
responsável pela centralização e institucionalização do poder popular, além de estar obrigado ao
interesse populacional, já que em seu “estado natural” o homem gozava de plena liberdade, sem
imposição de regras, vivendo na lei dos mais fortes, como bárbaro.
John Locke (filósofo inglês) também ponderava que neste estado de natureza havia uma
fonte eterna de guerras entre nações. Em seu livro “Segundo Tratado Sobre o Governo”, o
filósofo inglês explana sobre a importância de um contrato social, fortalecido pela ideia do Trio
Poder, e que o Legislativo fosse o representante dos anseios populares.
Seguindo a filosofia de que o homem deveria unir-se a outros para garantir uma
sobrevivência digna e o direito à propriedade, na visão “lockeana”, o representante contratado
deveria defender os direitos fundamentais do contratante, assim o estado de natureza não
existiria. Caso o governo não fosse ao encontro de seu povo, o homem poderia resistir contra
governantes tiranos e contra leis absurdas. “É da união dessas vontades individuais que se
constitui a sociedade civil, como uma forma de sobrevivência, politicamente organizada e
liderada por um governante eleito através do consenso majoritário dos homens” (LOCKE, 2004,
p. 79). John Locke foi um dos primeiros a acastelar o direito de resistir, por isso um dos
filósofos mais importantes no que diz respeito ao direito jus naturalista.
Em seu empirismo, o filósofo Locke fez do direito à resistência uma arma contra tiranos
quando afirmava: “o povo deve ser livre do poder imposto pela força e não pelo poder instalado
de direito” (LOCKE, 2004, p. 134). Locke queria dizer que, em um estado de opressão, o
homem poderia se rebelar contra esta circunstância. A resistência descrita pela ideia de Locke
serviu de base para o sistema parlamentar na Inglaterra, reconhecido na Revolução Gloriosa2.
Também a Constituição dos Estados Unidos, datada de 21 de junho de 1788, foi inspirada nos
ideais de Locke.
Mas só após a Independência dos Estados Unidos, na Revolução Francesa, é que o
direito de resistir é citado como artigo na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
aprovada na França em 26 de janeiro de 1789. Rousseau afirmaria que o povo deveria
referendar as leis criadas no Parlamento, e que as mesmas teriam berço na pretensão do povo.
Assim, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão apresenta o seguinte texto no seu
Art. 2º: “A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e
imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a
resistência à opressão”. A declaração vem ratificar os pensamentos de John Locke, o empirista
no direito natural e resistência.
Ideólogo do liberalismo, John Locke é responsável pelo ressurgimento do pensamento
2
Na Revolução Gloriosa (16881689) foi instituído o Parlamentarismo na Inglaterra, por Guilherme de Orange. Essa
revolução foi pacífica.
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de Aristóteles3 sobre o Trio Poder, que posteriormente foi bem definido por Montesquieu4,
como os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A harmonia dos poderes traria à nação
seus direitos naturais bem protegidos e definidos – defendia o filósofo Locke.
Dentre os poderes, o Legislativo é o que mais se aproxima da sociedade, pois, através
do voto direto, escolhem-se os representantes das casas legislatórias. Por isso o filósofo inglês
dizia que no Legislativo nasciam as percepções do povo. O fato de haver discussões durante as
sessões, de se tentar convencer o outro no Parlamento do que o povo necessita e defender o seu
posicionamento político e seus ideais vem ao encontro da filosofia de Locke.
O liberalismo e o Parlamento, definidos nos ideais do pensador inglês, serviram para
instaurar na Inglaterra a Monarquia Parlamentarista, que graças às opiniões do filósofo
transformaram-se em exemplo para muitos países e foram usados também na Independência dos
Estados Unidos, onde existia, durante o período, um sentimento de liberdade e igualdade entre
as pessoas que faziam aquela nação.
Quando da Independência brasileira, nossos juristas à época trouxeram para o nosso
ordenamento jurídico alguns preceitos básicos da constituição americana, dentre eles os mesmos
ideais de liberdade e igualdade contidos nas visões de John Locke.
Contudo, diante dos conflitos existentes no país iniciados em junho de 2013 e acirrados
ainda mais com a eleição de um Presidente (Presidente ou presidente? Letra inicial maiúscula
ou minúscula? A padronização nos artigos é como no jornalismo?) em 2015 com uma diferença
de votos reduzida, as ideias de direito de resistência passaram a ser um tema relevante para
estudos acadêmicos.
Em uma nação com extremas desigualdades sociais, que poderiam ser, em parte,
resolvidas pelo Estado, se fosse cumprido o que define os ditames da Constituição em vigor,
começa a irromper uma indagação: teria o cidadão brasileiro o direito de resistir ao Estado para
que se tornem eficazes os direitos fundamentais dispostos na Constituição da República
Federativa do Brasil?
Segundo Buzanello (2003), o problema constitucional do direito de resistência está na
garantia da autodefesa da sociedade, na garantia dos direitos fundamentais e no controle dos
atos públicos, bem como na manutenção do contrato constitucional por parte do governante.
Ainda sobre o tema, Novoa (1988) explica que o direito de resistência, entendido como garantia
individual ou coletiva regida pelo direito constitucional, está a serviço da proteção da liberdade,
da democracia e também das transformações sociais, na medida em que governantes e
governados estão sujeitos ao Direito. Sendo assim, ambas as partes só estão obrigadas enquanto
cumprirem o conteúdo do contrato, conforme leciona John Locke (2004).
3
Aristóteles, ainda na Grécia Antiga, pensou em um Trio Poder; um poder deliberante exercido pela Assembleia dos
Cidadãos, a Magistratura e o Judiciário.
4
Montesquieu, em seu livro Espírito das Leis, divide o Trio Poder em: Executivo, Legislativo e Judiciário.
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O direito da resistência apresenta-se, na modernidade, quando as pessoas se organizam
a fim de cobrar do Estado leis que permitam uma melhor condição de vida. A sociedade utilizase de resistência quando reivindica ordem e o cumprimento de leis que lhe são asseguradas nas
suas constituições. Quando há a ausência de legislação sobre um contexto de divergência social,
o Estado tende a ser tirano e com isso sofre danos, pois o direito de resistir do povo pode se
tornar um movimento incontrolável.
Na realização deste artigo, utilizou-se de uma pesquisa exploratória do tema envolvendo
um levantamento bibliográfico e documental, em que se procurou explicar o que é o direito de
resistência e como ele pode ser utilizado, visto que tal direito ainda não é muito discutido no
Brasil pelo fato de não haver um debate sobre o tema. Esse direito hoje praticamente só é
examinado no ordenamento do jus naturalista. Para que isso seja alterado, busca-se estudar
autores de renome que versam sobre o assunto, para que o trabalho trate de um dos direitos
fundamentais ao homem e a uma Nação de Direito. Para isso, expõem-se as ideias dos autores e
faz-se um paralelo na explicação entre o que vem a ser um direito fundamental e o que é a
resistência aplicada à luz da Constituição de 1988. Mostra-se que o tema é de difícil
conceituação. Busca-se, então, promover um debate sobre os direitos fundamentais do homem.
2 O que é Direito de Resistência?
O direito à resistência é o poder que qualquer pessoa tem de insurgir ou resistir contra
fatores que ameacem sua sobrevivência ou de seus valores morais e éticos humanos. A
resistência, segundo o filósofo John Locke, é um direito ao homem desde sua nascença, por
meio do qual o cidadão pode opor-se contra leis impostas por tiranos, sempre objetivando o
desenvolvimento humano e uma melhor condição de um povo.
O direito de resistência é um mecanismo de defesa social, contra leis ilegítimas e
arbitrárias e contra possíveis ditadores. Desse modo, a resistência torna-se, por vezes, um
problema jurídico, já que quem se utiliza do direito pode ser considerado um opositor ao poder
exercido numa nação e, por esse motivo, pode sofrer sanções legais de regimes autoritários. Mas
segundo o jus naturalista Buzanello (2003, p. 83), este é um direito nato: “O direito de
resistência, como qualquer direito natural, apresenta-se independente do ordenamento jurídico e
fundamenta-se em ordem superior, universal e imutável”.
O fato é que o direito de resistência tem tido evoluções no decorrer da história. Seu
surgimento dá-se na necessidade de uma organização e de uma vivência social, obrigando,
também, a evolução do direito individual e coletivo. Nisso a resistência deixa de ser apenas um
direito natural e passa a ser um direito de legítima defesa.
O direito de resistência sempre esteve presente na história da humanidade, uma vez que,
de acordo com Araújo (2015), em qualquer época houve o desafio de resistir à opressão por
vários fatores: sobrevivência, desigualdade, etc. A causa da insurgência evoluiu, operando com
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conceitos ligados ao “contrapoder” político, tendo como opositor o Estado, seja por seu papel
repressor ou pela ineficiência de seu desempenho de tutelar e prover.
Com referência ao direito de resistência, Weffort nos informa que "No que diz respeito
às relações entre governo e sociedade, Locke afirma que quando o Executivo e o Legislativo
violam a lei estabelecida e atentam contra a propriedade, o governo deixa de cumprir o fim a
que foi destinado, tornando-se ilegal e degenerando em tirania (...) conferindo ao povo o
legítimo direito à opressão e à tirania" (WEFFORT, 1.991:88).
Sobre o tema, Magalhães (2001) nos explica que "o poder dos governantes seria
outorgado pelos signatários (participantes) do contrato social e, portanto, revogável. Com base
nessa premissa, Locke (2004) sustenta o direito de resistência e insurreição sempre que se fizer
presente o abuso de poder por parte das autoridades. Quando o governante torna-se tirano,
coloca-se em situação de guerra contra o povo. Este, se não encontrar qualquer reparação, pode
revoltar-se, e esse direito é uma extensão do direito natural que cada um teria de punir seu
agressor. Se, para o homem, a razão de sua participação no contrato social é evitar o estado de
guerra, e a tirania é um estado de guerra do governante contra seus súditos, então trata-se de
uma quebra do contrato" (MAGALHÃES, 2.001).
Dissecando o assunto, explica-nos Buzanello (2003):
É como se o governante, ao exercer a tirania, ou seja, desempenhar seu
mandato político visando a seu bem particular em detrimento do bem
comum, extrapolando suas prerrogativas consignadas no contrato social,
fizesse com que a sociedade retrocedesse a uma situação de estado de
natureza, fazendo do referido contrato letra morta. Diante desse quadro, seria
legítimo que o povo, por intermédio da destituição do governante tirano,
tentasse restabelecer o estado civil, mediante a repactuação do contrato
social.
Além disso, Locke afirma, no "Segundo Tratado" que "em todos os estados e condições,
o verdadeiro remédio contra a força sem autoridade é opor-lhe a força. O emprego da força sem
autoridade coloca sempre quem dela faz uso num estado de guerra, como agressor, e sujeita- o a
ser tratado da mesma forma" (LOCKE, 2004).
Para concluir, é importante consignar que, segundo Weffort (1.991:88), o exercício
tirânico do poder por parte da autoridade coloca "o governo em estado de guerra contra a
sociedade e os governantes em rebelião contra os governados, conferindo ao povo o legítimo
direito de resistência à opressão e à tirania.
O estado de guerra imposto ao povo pelo governo configura a dissolução do estado civil
e o retorno ao estado de natureza, onde a inexistência de um árbitro comum faz de Deus o único
juiz, expressão utilizada por Locke para indicar que, esgotadas todas as alternativas, o impasse
só pode ser resolvido pela força" (WEFFORT, 1.991, 88).
Para respaldar o que foi escrito sobre o direito de resistência, citaremos alguns trechos
do "Segundo Tratado":
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E quem quer que em autoridade exceda o poder que lhe foi dado pela lei, e
faça uso da força que tem sob suas ordens para levar a cabo sobre o súdito o
que a lei não permite, deixa de ser magistrado e, agindo sem autoridade, pode
sofrer oposição como qualquer pessoa que invada pela força o direito de
outrem. [...] se a parte prejudicada encontrar remédio e os seus danos
reparados mediante apelação à lei, não haverá qualquer necessidade de
recorrer à força, que somente se deverá usar quando alguém se vir impedido
de recorrer à lei; porque só deve se considerar força hostil a que não
possibilita o recurso a semelhante apelação, e é tão só essa força que põe em
estado de guerra aquela que faz dela uso, e torna legítimo resistir-lhe"
(LOCKE, 2004).
Com o direito social cada vez mais difundido no mundo, o homem aproxima-se, dia
após dia, ao direito de resistência. Neste cenário, “o deslocamento do Estado Liberal para o
Estado Social no século XX ocorre à constitucionalização da resistência” (BUZANELLO, 2003,
p.19).
Em um Estado Social, todos os direitos individuais e coletivos são legitimados, até a
resistência. A legitimação desses direitos cria um Estado realmente de direito, onde todas as
competências dos governantes e da sociedade ficam especificadas em sua lei maior. A não
regulamentação dos direitos faz com que os homens voltem ao seu estado de natureza, levando
à adoção da força bruta, pela qual o mais forte sempre vence. Na sociedade moderna, todo
cidadão deve e tem que conhecer seus direitos e deveres para que possa usar de seu direito
maior, que é o bem-estar social.
Finalizamos a seção com as palavras de Araújo (2003) sobre o direito de resistência na
Nação Brasileira:
O direito de resistência está ligado à Constituição, uma vez que esta define as
formas institucionais da vontade política e jurídica da Nação, contida nas
diversas Constituições. No Brasil ele se apresenta de forma implícita, mas
justificado pelo não cumprimento do contrato constitucional por parte do
governante, podendo ser instrumentalizado através de vários meios legais
como: direito de petição, habeas corpus, mandado de injunção, ação popular,
plebiscito; meios legais, mas contrários a interesses privados e por vezes
estatais: greve e objeção de consciência, e por meios não legais: movimentos
sociais, revolução e guerra.
3 Este Direito Precisa Ser Legitimado?
A resistência é um direito natural do homem. Esse direito fundamental começa na
organização social e na existência de um ser social. As leis existem para serem cumpridas, mas
quando essas leis desafiam a sobrevivência do cidadão, este tem o direito de opor-se à ordem
jurídica imposta. O ser humano não precisa ter o conhecimento jurídico para poder manifestarse e usar a resistência.
Pois segundo Araújo (2003), os jus naturalistas partilham da ideia comum de um
sistema de normas anteriores e eticamente superiores às do Estado, sendo assim todos os
preceitos de Direito positivo que se oponham ao Direito natural são considerados como
ilegítimos.
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E ainda Bobbio (1992) nos explica que nesse ambiente a lei natural é um direito e não
uma obrigação, como direito de resistir ao soberano que transgrediu as leis naturais,
transformando, assim, de imperfeita em perfeita e de interna em externa a obrigação do
soberano.
Durante o século XVII, nascia no Brasil uma resistência histórica, o Quilombo dos
Palmares5, onde negros resistiriam contra os seus donos e contra a escravidão. Os quilombolas
formavam um governo paralelo, com uma capital chamada Macaco. Em Palmares havia um rei,
exército, leis, fiscalização e justiça. Este é um dos exemplos históricos que mostra que a
resistência é algo natural.
Outra resistência clássica da história foi Canudos6, liderada pelo cearense Antonio
Conselheiro. A comunidade de Canudos tinha o propósito de não reconhecer os tributos
impostos na época e nem as autoridades militares e religiosas. Na pequena cidade abrigavam-se
os negros e os sertanejos desvalidos. Com uma agricultura para subsistência, eles acreditavam
que era necessário produzir só o essencial para sobrevivência. Nestes episódios (Palmares e
Canudos), as pessoas não tinham o conhecimento do direito de resistência, direito que não era
reconhecido na época.
Logo depois que a resistência foi legalizada na França (através da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão), surgiu a necessidade de se regulamentar este direito em
vários países. Os jus naturalistas articulam que com a regulamentação nasce uma democracia de
direito, mas a dificuldade está em regulamentar esta resistência. Fica difícil poder adequar um
direito que chega a ser contraditório. Lembremos que a resistência pode ser vista de uma
maneira positiva por parte de quem se utiliza dela, mas também de forma negativa por quem
está no lado do poder ditatorial.
A constitucionalização deste direito fundamental, segundo o jus naturalismo, é condição
ideal para evitar abusos tanto de quem utiliza a resistência como de quem está no poder. Neste
campo a resistência passar a existir como um controlador do poder do próprio Estado. Assim os
governantes reconheceriam seus limites, fazendo com que suas administrações fossem mais
participativas, pois os representantes do povo teriam, em tese, condições de conhecer os anseios
de cada comunidade que defendiam.
4 Como é Dividido o Direito à Resistência?
José Carlos Buzanello (2003) classifica a resistência em lícita ou ilícita. Na forma
lícita, ele a subdivide em: greve, objeção de consciência, desobediência civil, autodeterminação
5
Quilombo dos Palmares (1630-1710) nasceu da necessidade de criar uma fortaleza onde negros escravos fugitivos
poderiam se refugiar. Para tanto, eles criaram um Estado, com uma capital e seu exército próprio e um rei chamado
Zumbi.
6
Canudos (1896-1897) abrigava cerca de 25.000 pessoas e foi derrotada depois de quatro batalhas que envolveram
cerca de 12.000 soldados do exército.
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dos povos, revolução e guerra. Em sua forma ilícita, a resistência não pode ser usada e
interpretada para que não haja responsabilidade penal. Este direito não pode ir de encontro à
ordem constitucional de um Estado Democrático de Direito, haja vista, que neste caso, o
cidadão referendou sua lei, não cabendo uma oposição a seu sistema constitucional.
A consequência cível do ato ilícito é o dever de indenizar. Sua extensão e
fundamento constituem objeto de responsabilidade civil, que se concretiza
numa obrigação pecuniária de reparação do dano sofrido, atua como uma
forma indireta de restauração do rompido. (BUZANELLO, 2003, p. 125).
Na sua forma lícita, a resistência se subdivide em:
a.
Greve: tipo de resistência que na maioria das vezes tem caráter de reivindicação de
direitos por meio de abstenção do trabalho, realização de assembleias, passeatas e piquetes. A
reivindicação pode ser política de solidariedade, de protesto, ofensivas e defensivas. Este direito
está previsto em nossa CF de 1988 no seu Art. 9º7
b.
Objeção de consciência: é a recusa a uma lei, pautada em convicções morais,
políticas, filosóficas ou religiosas. Este direito é assegurado na CF de 1988, estando presente
com uma escusa genérica no Art. 5º8, inciso VIII e como dispensa militar no Art. 143, §1º9.
c.
Desobediência civil: esta resistência corresponde a uma ação de um grupo social,
de forma coletiva e pacata, que tente demonstrar a injustiça de uma lei ou de um ato
governamental e a revogação destes, através de pressão junto ao Legislativo e Executivo. Não
prevista na CF de 1988, a desobediência civil pode ser vista de maneira subentendida no Art. 5º,
§2º da CF10.
d.
Autodeterminação dos povos: é um direito do povo de lutar pela formação de um
Estado, defendendo seu território, assegurar a sua soberania, sua forma de governo e o governo
de sua preferência. A autodeterminação dos povos está prevista na CF de 88 no Art. 4º, inciso
III11.
e.
Revolução: é um dos direitos mais radicais. Neste tipo de resistência, o povo luta
por transformação social, a população empunha armas e vai às ruas lutar contra a opressão do
Estado. Este tipo de oposição é muito utilizado contra regimes ditatoriais. Não previsto na
Constituição de 1988, também implícito no Art. 5º, §2º.
7
Art. 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e
sobre os interesses por meio dele defender (CF de 1988).
8
Art. 5º, VIII. Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa,
fixada em lei (CF de 1988).
9
Art. 143º, §1º. As Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviços alternativos aos que, em tempo de
paz, depois de alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal a decorrente crença religiosa e
de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar (CF de 1988).
10
Art. 5º, §2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (CF de
1988).
11
Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
III - autodeterminação dos povos (CF de 1988).
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f.
Guerra: forma de conflito entre dois ou mais Estados independentes que buscam
um interesse comum, interesse este que termina com uso bélico.
5 Qual desses Direitos a Constituição Federal acata?
Os primeiros registros de concretização da resistência surgiram com a Declaração de
Independência dos Estados Unidos da América, inspirados nos ideais de John Locke. Logo
depois, estes direitos foram inseridos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
pelos franceses, inspirados na Revolução Francesa no ideal de igualdade, fraternidade e
liberdade.
A constitucionalização da resistência vem positivar este direito, tendo por ideal prever
na lei maior de um Estado os direitos básicos (naturais) de uma sociedade. Após a Segunda
Guerra Mundial, Alemanha12 e Portugal13 também constitucionalizaram o direito de resistência.
As positivações da resistência na constituição só aconteceram depois de uma revolução ou
guerra.
A teoria dos direitos e garantias fundamentais, juntamente com a
hermenêutica constitucional, são hoje os principais tópicos dos debates e
estudos no âmbito do direito constitucional, uma vez que deles vai depender
a realização ou não da Constituição, que contém as bases do pacto social e
político firmado entre governantes e governados. (ARAÚJO, 2002, p. 81)
No Brasil não há uma regulamentação do direito de resistência. Existe uma referência
no Art. 5º, §2º da Constituição Federal de 1988, mencionando que nosso país rege-se por
tratados internacionais de que ele faça parte. Neste artigo da Constituição brasileira fica
subentendido que podemos fazer uso da resistência.
O uso da resistência no Brasil fica fragilizado pela falta de uma positivação na
Constituição. Dos tipos de resistência, já vista neste trabalho acadêmico, apenas três são
devidamente regulamentadas: a greve, prevista no Art. 9º, a autodeterminação dos povos,
prevista no Art. 4º, inciso III, e a objeção de consciência, prevista no Art. 5º, inciso VIII e no
Art. 143, §1º. A objeção de consciência é tratada no Art. 5º como uma escusa genérica de
consciência no Art. 5º e como uma escusa genérica ao serviço militar no Art. 143.
A desobediência civil não se encontra previamente definida na Constituição de 1988.
Trata-se de uma espécie de resistência de forma coletiva e pacata visando a uma reforma
jurídica ou política de uma lei ou de um ato governamental. A regulamentação deste direito
seria de fundamental importância no Brasil, haja vista os conflitos que existiram, como os do
12
Constituição da Alemanha de 1949, no Art. 20, no seu item 4, cita “Todos os alemães terão direito de resistir a
qualquer pessoa que pretenda abolir esta ordem constitucional, se nenhum outro remédio está disponível”.
13
Constituição de Portugal de 1976, no seu Art. 21, cita “Todos têm direito de resistir a qualquer ordem que ofenda
seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à
autoridade pública”.
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Movimento Ruralista dos Sem Terra (MRST), que não tiveram uma solução legal até hoje, por
falta de regulamentação.
Com origem nos meados de 1980, definindo-se como um movimento social de
inspiração marxista e no cristianismo progressista e com base nos 24 estados do Brasil, o
MRST14 é fundado para reivindicar a reforma agrária. A sigla não tem registro legal por se tratar
de um movimento social, e por isso não é obrigado a prestar contas a nenhum órgão do governo,
como qualquer outro movimento social ou associação de moradores.
O Movimento dos Sem-Terra tem uma organização muito grande, contando inclusive
com setores da juventude e relações internacionais. Estes setores são chamados de coletivos e
buscam desenvolver alternativas às políticas governamentais, sempre revendo a questão
camponesa. A preocupação é que as pessoas saibam que o movimento não promove só a
invasão. Estas medidas mostram o cunho social do movimento.
No Brasil o MRST utiliza-se da desobediência civil para invasão de latifúndios
improdutivos, forçando assim o processo de desapropriação da terra com os assentados tomando
posse definitiva. O movimento obtinha as informações de terras improdutivas pelos relatórios
do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que analisa se a terra é
produtiva ou improdutiva.
As invasões coordenadas pelo MRST eram pacíficas e visavam ocupar terras
improdutivas. Assim, o movimento conseguiu ser reconhecido mundialmente como uma
organização interessada em estimular a reforma agrária.
Com isso, os Sem-Terra se fortaleceram no uso da resistência, sendo reconhecido como
movimento pacífico e que pressiona o governo para mudanças na lei da reforma agrária, usando
até então a desobediência civil ao seu lado. Foi quando ocorreu um dos maiores conflitos: o de
El Dourados dos Carajás, momento em que o MRST deixou a sua ordenação pacífica, entrando
em confronto com a polícia e os proprietários de terras, que pediram a reintegração de posse das
propriedades invadidas.
O MRST, em 2009, invadiu a CUTRALE, uma das maiores empresas em produção de
suco de laranja no Brasil, quebrando o seu laboratório e destruindo vários pés de laranja. Com a
invasão em terras produtivas e o uso de força e armas, fica assim deslegitimado o uso da
resistência. A desobediência civil outrora usada como oposição ao governo para desapropriação
de terras passa a ser a desobediência civil criminal regida pelo Código Penal Brasileiro.
14
O MRST (Movimento Ruralista dos Sem Terra) foi fundado oficialmente em 1984, durante uma reunião de
movimentos sociais, sindicato de trabalhadores rurais e outras organizações sociais, promovido e apoiado pela
Comissão Pastoral da Terra, durante o 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, na cidade de
Cascavel, Paraná. O objetivo do movimento é a reforma agrária no Brasil. O direito de resistência dos sem-terras
consiste em invadir latifúndios improdutivos, forçando a desapropriação da terra em favor de trabalhadores rurais.
Um dos conflitos históricos foi o de El Dourado dos Carajás, no sul do Pará em abril de 1996, onde foram mortos
dezenove sem-terra. Outro episódio foi o da Cutrale, em 2009, em Borebi, interior de São Paulo, onde sem-terras
invadiram a fazenda e derrubaram 7000 laranjeiras e depredaram 28 tratores. O MRST teria usado de força, o que não
se justifica, não podendo ser usado do direito de resistência.
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O direito de resistência não consta de especificação e regulamentação na Lei Maior
brasileira. No entanto, o fato de não constar no texto constitucional não implica que este
elemento esteja excluído da realidade jurídica.
A revolução, tipo de resistência que visa mudar a ordem política de um país, é um
direito natural de um povo que também não é tratada no texto constitucional brasileiro. Ela faz
com que a sociedade se transforme radicalmente, podendo fazer uso de força e armas, mudando
o poder de uma coletividade. É de difícil contextualização, pois é baseado numa experiência que
surge naturalmente da vontade de um povo.
A massa do povo é a força motriz do processo revolucionário, já que todo
esforço do novo regime político tem em vista a mudança radical da sociedade
e do Estado, ao transferir o poder das mãos de uma classe social rica para as
mãos de outra pobre (BUZANELLO, 2003, p. 155).
Entre todos os direitos à resistência, a revolução é realmente fascinante. Nasce do
anseio popular e pode modificar totalmente uma Nação. Esta resistência tem como necessidade
a mudança do homem. Geralmente após uma revolução existe a positivação da resistência na
constituição.
A Resistência Política é um fenômeno sociojurídico de grande influência no
direito, tendo em vista que se for legitimada a revolução ou a resistência
violenta, pode-se gerar o caos. Entretanto, impondo-se critérios firmes aos
conceitos de revolução ou Resistência Política, como o indispensável caráter
público e coletivo que devem possuir, pode-se garantir a efetivação do
conceito e, porque não afirmar, a sua inclusão expressa no ordenamento
jurídico constitucional (TAVARES, 1997, p. 48).
A definição de revolução no texto jurídico, qualificando seus conceitos, como comenta
o citado autor, poderia proteger mais os governantes e os governados. Mas esta contextualização
também pode ser vista de modo a controlar e inibir este tipo de resistência.
Na guerra, a resistência é entre dois Estados ou mais, que visam à soberania de um país
ou a legítima defesa nacional contra interesses internacionais. O uso bélico é essencial e só
poderá ser classificada como resistência se houver a defesa de um povo. Geralmente este direito
é exercido pelas forças armadas de um país.
A resistência tem como ideal resguardar a execução de todos os direitos coletivos e
individuais, sendo assim um instrumento regulador do estado de direito. Estas regulamentações
das formas pacíficas de resistências podem e devem ser constitucionalizadas para melhor
“limitar” o abuso de poder governamental e da sociedade.
Na busca de um reconhecimento constitucional para o exercício do direito de
resistência, nas suas formas não violentas e coletivas, não se está a defender o
seu uso para contrariar a ordem jurídica; ao contrário, objetiva-se legitimar
mais um instrumento eficaz para defender a Constituição e torná-la
verdadeiramente eficaz. (ARAUJO, 2002, p. 113).
No uso da resistência pode haver abusos, como no caso do MRST. Para evitá-los, a
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regulamentação desse direito seria decisivo. No contexto de constitucionalizá-la, o
reconhecimento deste direito pode tornar-se um auxílio ao sistema jurídico na solução de
conflitos.
A ideia aqui oposta quanto aos limites do direito de resistência tem uma
conotação positiva, pois visa a legitimar esse direito, eliminando os abusos
no seu exercício. A resistência só pode ser classificada como um direito se
baseada numa real necessidade, historicamente negada, não havendo mais
nenhum caminho legal capaz de solucionar o problema. Estão aqui postos os
principais limites do direito de resistência, que resumidamente pode-se
classificar em: a) o direito só existe diante da negação histórica de direitos e
b) não há nenhum caminho legal possível para fazer valer esses direitos
(TAVARES, 1997, p.59).
A resistência é um direito individual e coletivo, como já se falou antes. Sua ordenação
jurídica hoje no Brasil é primordial, a fim de resguardar os cidadãos de algum tipo de
resistência. A manifestação deste direito, prevista em lei e sendo regulamentada, previne o
Estado de uma possível ação jurídica em defesa de outra pessoa que não concorde com o ato de
resistir naquele momento.
Uma pessoa ou um sindicato no uso da resistência pode decidir bloquear uma rua, com
um prévio comunicado às autoridades ou autorização judicial. A população fica alertada do fato,
a autoridade policial se faz presente e assim o manifesto se faz de direito. Caso contrário, fica
estabelecido o caos.
Ao fechar uma rua sem prévio consentimento público, as partes que não concordem
com esta resistência podem agir de forma proporcional ao protesto manifestado, podendo até
pedir indenização ao Estado. Então a licitude do direito de resistência está em sua legalização.
Não havendo ordenamento jurídico, como considerar que uma simples greve seja lícita
ou ilícita? Neste caso a resistência sempre que possível deve ser protegida por uma instituição
jurídica, para que não possa causar danos a ninguém.
A licitude ou ilicitude do direito de resistência depende de como essa se
representa para o ordenamento jurídico. Nem todos os atos do governo
autorizam a resistência, contudo, quando a tirania se torna intolerável, a
resistência torna-se legítima, e quase um dever (BUZANELLO, 2003, p.
122).
No caput do Art. 5º da CF de 1998 cita-se que “Todos são iguais perante a lei...”,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Este é um dos direitos fundamentais e
primários que está assegurado na Constituição Brasileira. Este direito não pode sobrepor-se aos
demais direitos secundários de uma Nação. A resistência se justifica no descumprimento destes
direitos primários, não podendo e não cabendo, portanto, ser imposta. A resistência deve-se
reger pelo sentimento individual e coletivo de defender os direitos primários da sociedade. Este
direito é determinante para mudança dos fatos sociais, modificando também os fatos jurídicos.
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6 Tal Direito é Realmente Defendido em nossa Constituição?
A Constituição Brasileira, de 1988, referindo-se ao reconhecimento da resistência, não a
deixa totalmente explicitada em seus artigos. A falta deste direito cria um desordenamento
jurídico. O Art. 5º, §2º diz que podemos incorporar “outros” direitos e garantias fundamentais.
Mas a resistência, além de um direito, é também um controlador do governo, fazendo com que a
sociedade tenha em suas mãos o regulamento para resistir contra atos e leis ilegítimas.
A cidadania fica totalmente comprovada com a legitimação deste direito. Lembrando-se
do direito à resistência, o governante tomará mais cuidado com seus governados, de modo que
não falhe na aplicação de leis, zelando para que isto ocorra verdadeiramente. A limitação da
resistência também é importante. Por isso, sua positivação na Lei Maior seria de suma
importância para restringir abusos e conflitos entre governo e governados.
7 Considerações Finais
A resistência é um fenômeno social, sem forma definida de como usá-la, podendo
colidir com outros direitos primários. Fica espinhoso, mas essencialmente necessário, limitar
algo
tão
contraditório.
Mas
a
simples
textualização
deste
direito,
admitindo-se
constitucionalmente que ele existe, já traz para a sociedade uma forma nova de ver os fatos,
meramente porque, com este direito sendo afirmado, o povo passar a ser o controlador de direito
de um Estado.
Desta forma, a defesa da constitucionalização da resistência garante ao Brasil uma nova
ordem jurídica e política, principalmente contra o abuso de poder, podendo sanar ilegalidades e
transformando o país em um verdadeiro estado de direito. Nisto o texto podia ser simples como
na Constituição Francesa, Portuguesa ou Alemã, algo como: “Todo brasileiro tem o direito de
resistir a uma opressão, da mesma forma como ela for imposta”. Em tese, esta legalização já
seria o bastante para uma nova organização social, trazendo este direito ao convívio constante
da população, que pode assim se precaver contra atos ditatoriais de seus governantes.
Reafirmando o estado democrático de direito, a resistência aparece como uma garantia contra a
injustiça, dando mais solidez à forma jurídica das normas legais.
A Constituição Brasileira de 1988 prevê em seu Art. 1415 o plebiscito, o referendo e a
iniciativa popular. Um Estado de Direito é quando todos os cidadãos podem referendar suas
leis, como se observa durante o desenvolvimento deste trabalho. Referendar suas leis também é
uma forma de resistir contra leis absurdas que não venham ao encontro da pretensão popular.
Por muitas vezes as leis no Brasil são criadas de acordo com a necessidade de políticas
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Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para
todos, e, nos termos da lei, mediante:
I- plebiscito;
II - referendo;
III- iniciativa popular.
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partidárias de quem está no governo. Com a limitação dos governantes, através do direito de
resistir, o cidadão poderá e deverá referendar suas leis, fazendo com que, antes de sancionar leis
que venham conflitar com o “status quo” da população, os governantes possam — novamente
defendendo a Constituição Brasileira — consultar a população através do plebiscito.
A finalidade da Constituição Brasileira é combinar a democracia participativa e
representativa com o desejo popular, sendo transformada de Constituição “Cidadã” para
Constituição “Social”, em que todos participam. O esperado deste organismo é a validação da
resistência, como mais um recurso contra a opressão, ilegalidade, injustiça, abuso de poder, no
sentido de legítima defesa contra a corrupção e a ditadura.
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Artigo recebido em: 13/10/2014
Artigo aceito para publicação em: 09/06/2015
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