proeja: limites e possibilidades para a classe trabalhadora

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PROEJA: LIMITES E POSSIBILIDADES PARA A CLASSE TRABALHADORA
Karina Griggio Hotz1
INTRODUÇÃO
Pretendemos neste trabalho evidenciar e refletir sobre as funções requeridas do
PROEJA – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos1, presentes no Documento Base
Nacional para o nível médio.
Assim, primeiramente trataremos das funções requeridas do programa, que são
as de reparadora, equalizadora e qualificadora2 demonstrando quais são os objetivos
desta política educacional e social, bem como as articulações que estabelece com a
agenda econômica nacional e internacional, demonstrando em que medida estas funções
pretendem responder às necessidades econômicas e sociais advindas da organização do
sistema capitalista, pois compreendemos que
[...] a política econômica e a política social apenas formalmente se distinguem e
às vezes dão a enganosa impressão de que tratam de coisas muito diferentes.
Não se pode analisar a política social sem se remeter à questão do
desenvolvimento econômico, ou seja, à transformação quantitativa e qualitativa
das relações econômicas, decorrente de processo de acumulação particular de
capital. O contrário também precisa ser observado: não se pode examinar a
política econômica sem se deter na política social (VIEIRA, 1992, p. 21).
Posteriormente procuraremos analisar, à luz de autores que tratam sobre a
política social, dentre elas a política educacional, quais são os limites e as possibilidades
de que essas funções consigam realizar o que pretendem e em que medida podem
atender às necessidades do público jovem e adulto trabalhador, sendo que para tais
propósitos nos utilizaremos do Documento Base do PROEJA, de documentos do
governo brasileiro e de organismos internacionais.
1
Mestranda em Educação, Especialista em Fundamentos da Educação e pedagoga pela UNIOESTE –
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, pesquisadora externa do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Política Educacional e Social – GEPPES desta mesma instituição, integrante do Projeto de Pesquisa
“Demandas e Potencialidades do PROEJA no Estado do Paraná, conforme o Edital PROEJA –
CAPES/SETEC Nº 03/2006 e pedagoga do Estado do Paraná - E-mail: [email protected].
2
Por ser o PROEJA um programa integrante das políticas educacionais que se
encontra em processo de construção e implementação, entendemos como relevante a
reflexão de seus pressupostos, visto que os mesmos podem indicar alguns dos objetivos
explícitos e implícitos de tal política e possibilitar que na correlação de forças entre
classes sociais antagônicas o mesmo sofra alterações que contribuam, até o seu limite,
ao atendimento das necessidades do público ao qual se destina, ou seja, a classe
trabalhadora.
FUNÇÃO REPARADORA
A função reparadora do PROEJA é exercida, segundo o parecer CNE/CEB nº
11/2000 e o Documento Base do programa, ao se afirmar que a EJA seria uma
modalidade de ensino onde o dever do Estado de garantir o direito de todos à educação
seria exercido, reparando então a falha do Estado em momentos anteriores, onde não
propiciou as condições para que a atual população de jovens e adultos tivesse tido
acesso ao ensino na idade própria. Assim, os sujeitos atendidos pela EJA
[...] caracterizam-se por pertencerem a uma população com faixa etária
adiantada em relação ao nível de ensino demandado, constituindo um grupo
populacional que tem sido reconhecido como integrante da chamada “distorção
série-idade” (BRASIL, 2007, p. 48).
A preocupação com os grupos socialmente excluídos também aparece ao se
afirmar que na sociedade transformada “[...] a produção coletiva do conhecimento deve
estar voltada para a busca de soluções aos problemas das pessoas e das comunidades
menos favorecidas na perspectiva da edificação de uma sociedade socialmente justa”
(BRASIL, 2007, p. 28).
Tais enunciados demonstram que o PROEJA se constitui em uma política social
focalizada, estando em consonância com as estratégias prescritas pela atual política
estatal brasileira para o crescimento econômico e a redução da pobreza, como indica um
documento de estudo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão: “[...] a
combinação de crescimento econômico sustentado, mesmo que a taxas não muito
elevadas, com políticas sociais focalizadas, conforme discutido a seguir, pode ter efeitos
poderosos sobre a redução da pobreza” (LEVY e VILELA, 2006, p. 9).
3
O PROEJA, enquanto um programa que visa elevar a escolarização e qualificar a
população urbana para sua integração social, seja pelo ingresso no mercado de trabalho
formal ou em ocupações informais, contribui para o atendimento das necessidades
evidenciadas pelos organismos internacionais e pelo Estado, pois se observa nos
documentos destas instituições uma preocupação acentuada com os pobres urbanos e
desempregados, principalmente com a população jovem, onde os índices de pobreza
tem aumentado, conforme os seguintes dados de 1998 a 2001: “A incidência da pobreza
entre os jovens aumentou (o percentual de pobres com menos de 24 anos se elevou de
36% para 39% do total) [...]” ( BANCO MUNDIAL e CFI, 2003, p. 4).
Embora estes dados sejam referentes a anos anteriores ao início do PROEJA, os
mesmos representam uma preocupação atual, pois além do programa compreender a
educação como importante para a empregabilidade e logo, para a redução da pobreza, o
mesmo a destaca, especificamente para jovens e adultos, como um mecanismo de
contenção da marginalidade.
A preocupação com a marginalidade expressa no Documento Base do PROEJA
também é uma preocupação dos organismos internacionais em relação ao Brasil, pois
coloca-se que:
O conseqüente aumento da criminalidade e da violência nas áreas urbanas
ameaça a qualidade de vida e prejudica a confiança no governo e nas
instituições públicas. Esses fatores sugerem um crescente enfoque na redução
da pobreza urbana (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 5).
Como já explicitamos, o PROEJA se constitui em uma política que pretende
reparar as falhas cometidas pelo próprio Estado em períodos anteriores.
Nesse sentido, destacamos que essa função compensatória do Estado, também
está prevista em documento da CEPAL e da UNESCO (1995, p. 39) – Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe e Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura, respectivamente – no item que trata sobre a
readequação do Estado, colocando-se que o mesmo, além de outras responsabilidades,
deve “[...] estabelecer maior grau de igualdade entre os cidadãos (função compensatória
do estado).”
Porém, as ações compensatórias do Estado através de políticas sociais com
vistas a diminuir a pobreza, a desigualdade e a marginalidade reparando as falhas na
4
distribuição dos bens socialmente produzidos, só devem ser exercidas, segundo o Banco
Mundial (1997, p. 31), na medida em que trazem determinadas vantagens, como consta
a seguir:
Embora o Estado ainda tenha um papel central na provisão garantida de
serviços básicos – educação, saúde e infra-estrutura – não é óbvio que deva ser
o único provedor, ou mesmo que deva ser provedor. As decisões do Estado em
relação à provisão, financiamento e regulamentação desses serviços devem
basear-se nas vantagens relativas dos mercados, da sociedade civil e dos órgãos
do governo.
A não exclusividade de oferta do PROEJA pelo Estado, é assim exposta:
[...] poderão adotar cursos, no âmbito do PROEJA, instituições públicas dos
sistemas de ensino federal, estaduais e municipais, entidades privadas nacionais
de serviço social, aprendizagem e formação profissional vinculadas ao sistema
sindical e entidades vinculadas ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Social
da Indústria (Sesi), Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Social do
Transporte (Sest), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) (BRASIL, 2007, p.
61).
Tais afirmações presentes no Documento Base do PROEJA demonstram que o
Estado pretende utilizar-se de outras instituições, inclusive privadas, para ofertar a
educação profissional técnica de nível médio aos jovens e adultos brasileiros que não
tiveram acesso a educação na idade própria, não considerando unicamente como sua a
responsabilidade de exercer a função reparadora.
FUNÇÃO EQUALIZADORA
Ao propor reparar o dano causado pela exclusão da população do acesso ao
sistema educacional, a EJA – Educação de Jovens e Adultos – e o PROEJA estariam
exercendo a função equalizadora, na medida em que diminuiriam as desigualdades
existentes entre o público desta modalidade de ensino e os que tiveram acesso à
educação na idade própria.
Para a redução das desigualdades sociais, também destaca-se a necessidade de
focalizar as políticas sociais, conforme é colocado pelo Ministério do Orçamento,
Planejamento e Gestão, ao se afirmar que “Só ela permite que a transferência de um
5
volume relativamente limitado de recursos tenha um significativo impacto sobre a
desigualdade e a pobreza” (LEVY e VILELA, 2006, p. 32).
Assim, a eqüidade não pretende eliminar as desigualdades sociais, mas sim
reduzi-las, amenizá-las, de forma a manter a coesão social, sem prejudicar a acumulação
do capital.
A intenção de diminuir as desigualdades econômicas utilizando da educação
como estratégica para esta finalidade, é expressa pelo documento do Banco Mundial e
CFI – Corporação Financeira Internacional (2003, p. 14) a partir da análise da realidade,
como consta a seguir:
[...] a sociedade brasileira ainda é uma das mais desiguais do mundo: um por
cento da população recebe 10% da receita monetária total – a mesma parcela
cabe aos 50% mais pobres. Análises mostram que a disparidade de renda no
Brasil decorre basicamente do acesso desigual à educação e de uma grande
valorização da mão-de-obra qualificada [...]
O PROEJA, ao contribuir para o alcance da eqüidade, reduzindo relativamente a
pobreza e a marginalidade, também é entendido como importante para o
desenvolvimento do país, devendo constituir-se em uma política pública que represente
“[...] um projeto nacional de desenvolvimento soberano, frente aos desafios de inclusão
social e da globalização econômica” (BRASIL, 2007, p. 18). Essa importância da
eqüidade para o desenvolvimento justifica-se por esta colaborar para a manutenção das
condições de governabilidade, para a estabilidade e permitir que a população continue
consumindo, fazendo assim com que o ciclo de produção e consumo seja alimentado.
Além de ser um dos meios de se implementar políticas sociais focalizadas, a
educação é entendida como estratégica pela CEPAL e a UNESCO (1995, p. 8), para o
alcance da eqüidade, pois “[...] o caráter central da educação e da geração de
conhecimento constitui fundamento básico da proposta da CEPAL para a transformação
produtiva com eqüidade.”
Ao referir-se à transformação produtiva, está se pretendendo o crescimento
econômico do país, ou seja, o desenvolvimento já mencionado no Documento Base do
PROEJA, através da readequação tecnológica para a inserção no mercado global
competitivo. O desafio considerado pela CEPAL e UNESCO é de que essa participação
6
do Brasil no mercado mundial que proporcionaria o crescimento econômico aconteça
minimizando as desigualdades sociais.
Segundo a CEPAL e a UNESCO, a educação contribuiria para o alcance da
eqüidade numa sociedade mais produtiva, ao fornecer aos indivíduos conhecimentos
que possibilitem o aprimoramento dos meios de produção (maquinários) e da força
produtiva (qualificação do trabalhador), aumentando assim o lucro para os empresários
que conseqüentemente poderiam gerar mais emprego e renda, oferecendo condições
para que o trabalhador qualificado ingressasse no mercado de trabalho, melhorando suas
condições de vida.
Como percebemos, da mesma forma que a função reparadora, a função
equalizadora requerida do PROEJA também se constitui de uma função requerida do
próprio Estado pelos organismos internacionais. Pois, como consta em documento do
Banco Mundial (1997, p. 29):
A eqüidade pode dar ensejo à intervenção do Estado, mesmo na ausência de
falta do mercado. Os mercados competitivos podem distribuir a renda de
maneira socialmente inaceitável. Algumas pessoas de poucos meios podem
ficar sem recursos suficientes para lograr um padrão de vida razoável. E pode
tornar-se necessária ação do governo para proteger os grupos vulneráveis.
Assim, elaborar e executar políticas que visem à eqüidade no Brasil se constitui
também como um componente da política econômica e social hegemônica, o que
justifica o financiamento de atividades educativas pelos bancos internacionais, inclusive
do PROEJA, como consta no Documento Base do programa:
Os recursos poderão ter origem no orçamento da União – recursos do MEC e/ou
parcerias interministeriais – em acordos de cooperação com organismos
internacionais ou outras fontes de fomento a projetos de educação profissional e
tecnológica (BRASIL, 2007, p. 65 - 66).
Neste sentido, os bancos internacionais possuem como papel “... financiar
atividades diretamente vinculadas à educação, à capacitação e à produção de
conhecimento, concebidas como eixo da transformação produtiva com eqüidade”
(CEPAL/UNESCO, 1995, p. 13).
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FUNÇÃO QUALIFICADORA
Quanto à função qualificadora, coloca-se no Documento Base do PROEJA que
esta função:
[...] revela o verdadeiro sentido da EJA, compreendida na perspectiva da
formação para o exercício pleno da cidadania, por meio do desenvolvimento do
pensamento crítico e autônomo de cidadãos participativos, conscientes de seus
direitos sociais e de sua compreensão/inserção no mundo do trabalho, entendido
como elemento fundamental ao processo de omnização de homens e mulheres e
de produção cultural (BRASIL, 2007, p. 46).
Sobre a designação mundo do trabalho, o documento indica uma diferenciação
entre este e o mercado de trabalho, tratando a categoria trabalho como “[...] toda a
construção histórica que homens e mulheres realizaram [...]” (BRASIL, 2007, p. 17), ou
seja, o trabalho enquanto toda atividade realizada pelo homem.
Assim, quando o Documento Base do PROEJA afirma que os egressos deste
ensino devem ter uma formação “[...] para inserir-se de modos diversos no mundo do
trabalho, inclusive gerando emprego e renda.” (BRASIL, 2007, p.17), significa que a
formação recebida deve possibilitar o exercício de trabalhos informais desvinculados da
legislação trabalhista, sendo que o trabalho e a renda neste caso devem ser gerados pelo
próprio indivíduo, pressupondo que muitos dos cursantes ou egressos do PROEJA não
conseguirão uma colocação no mercado de trabalho, ou seja, um emprego formal. Este
fato é admitido pelo Documento Base do Proeja, o qual considera estar ocorrendo um
“[...] declínio sistemático do número de postos de trabalho [...]” (BRASIL, 2007, p. 17).
Para a inclusão dos alunos do PROEJA nesta realidade que segundo o
Documento Base, se impõe, faz-se necessário a qualificação para além de uma formação
profissional técnica, pretendendo:
[...] a formação humana, no seu sentido lato, com acesso ao universo de saberes
e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela
humanidade, integrada a uma formação profissional que permita compreender o
mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das
próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa.
A perspectiva precisa ser, portanto, de formação na vida e para a vida e não
apenas de qualificação do mercado ou para ele (BRASIL, 2007, p. 17).
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Percebe-se então que a qualificação pretendida pelo PROEJA requer a
integração entre os conhecimentos gerais e os profissionalizantes tendo em vista
fornecer conhecimentos que possibilitem aos alunos do PROEJA a flexibilidade para
migrarem de uma ocupação a outra, melhorando suas próprias condições de vida.
A educação, ao exercer a função qualificadora, seja através da transmissão de
conhecimentos gerais ou através da qualificação, é entendida pelo Banco Mundial como
redentora dos problemas sociais, como verificamos: “Melhores resultados educacionais
proporcionam mais oportunidades, reduzem as desigualdades de renda, criam postos de
trabalho e geram crescimento ao longo do tempo” (BANCO MUNDIAL e CFI, 2003, p.
13).
Nesse sentido, com vistas ao crescimento econômico e ao aumento da
produtividade, o Banco Mundial prevê como um dos seus programas “[...] maior
investimento em capital humano, em particular no ensino médio” (BANCO MUNDIAL
e CFI, 2003, p. 22), o que contribui para justificar a integração entre o ensino médio e a
profissionalização, inclusive na modalidade EJA.
O PROEJA ENQUANTO UMA POLÍTICA SOCIAL: SEUS LIMITES E
POSSIBILIDADES
Entendemos o PROEJA como um programa integrante das políticas sociais, por
direcionar-se para o atendimento de grupos socialmente excluídos que exercem pressão
sobre o Estado brasileiro, seja pelas conseqüências de sua condição social que geram
desemprego, pobreza e violência restringindo as possibilidades de acesso aos bens
socialmente produzidos e ameaçando a ordem e a estabilidade de forma a prejudicar o
avanço do capitalismo, seja pelas cobranças feitas por essa classe ao Estado para a
resolução de seus problemas.
As políticas sociais visam então à manutenção da ordem social vigente, sendo
utilizadas como um meio de conciliação entre as classes, conforme afirma Faleiros
(1986, p. 35):
Os gastos estatais na área social compensam, assim, certas perdas e desgastes da
força de trabalho e possibilitam sua reprodução num nível que ao mesmo tempo
garanta a produção e a paz social e não modifique a relação fundamental entre
os donos dos meios de produção e os assalariados.
9
Mas o PROEJA, enquanto uma política social traz ainda a característica de ser
uma política focalizada, visto que pretende atender especificamente ao público jovem e
adulto que não teve acesso à escolarização na idade própria. De acordo com Faleiros
(1980, p. 57), é
[...] principalmente, em função de certas categorias de população que as
políticas sociais são apresentadas: os grupos-alvo, classificados ora por idade
(crianças, jovens, velhos), ora por critérios de normalidade/anormalidade
(doentes, excepcionais, inválidos, psicóticos, mães solteiras, desadaptados
sociais, delinqüentes, etc.). Esse tipo de classificação das populações-alvo das
políticas sociais, ao mesmo tempo em que as divide, fragmenta, tem por
objetivo controlá-las e realizar uma etiquetagem que as isola e as caracteriza
como tal.
Nesta direção, faz-se necessário conhecer e refletir sobre as pretensões do
Documento Base do PROEJA e demais documentos legisladores do programa,
verificando em que medida o PROEJA pode beneficiar a classe trabalhadora, bem como
em que aspectos podemos continuar pressionando o Estado para que essa política social
se efetive, até o seu limite, com ganhos para esta classe.
Considerando que as políticas sociais são campos de tensão, podemos identificar
algumas possibilidades do PROEJA em atender as reivindicações dos trabalhadores,
sendo, no entanto, que estas possibilidades também têm os seus limites, correspondentes
a lógica do próprio sistema capitalista, constituído pela exploração de uma classe sobre
a outra.
Assim, compreendemos que o PROEJA é um programa que traz benefícios à
classe trabalhadora ao possibilitar o acesso a educação e a profissionalização, elevando
o nível de escolaridade de uma população historicamente excluída do sistema
educacional.
Se a formação oferecida a estes sujeitos conseguir se efetivar integrando os
conhecimentos de formação geral e de formação profissional com qualidade, será
possível prover os alunos com conhecimentos que antes não possuíam, ampliando o
conhecimento destes sobre a realidade social e econômica, demonstrando inclusive as
contradições presentes no sistema capitalista. A educação profissional nesta perspectiva
poderá ainda – ao menos para alguns trabalhadores estudantes e/ou egressos do
10
PROEJA – contribuir para a inserção no mercado de trabalho, em ocupações formais e
rentáveis.
Esses trabalhadores, ao possuírem emprego e renda poderão ter uma melhora de
suas condições de vida, satisfazendo suas necessidades básicas de sobrevivência.
Satisfeitas essas necessidades, esses trabalhadores, advindos de uma educação como a
pretendida pelo PROEJA, que integre formação geral com educação profissional
tomando o trabalho como princípio educativo, vivenciando no ambiente de trabalho e
nos relacionamentos sociais as relações de exploração, poderão interpretar essa
realidade com base nos conhecimentos adquiridos na escola, de forma a compreenderem
a necessidade de transformação dessa sociedade desigual e podendo contribuir para a
mudança da mesma. Neste sentido, Marx (1982, p. 28) afirma: “[...] não é possível
libertar os homens enquanto eles não estiverem completamente aptos a fornecerem-se
de comida e bebida, a satisfazerem as suas necessidades de alojamento e vestuário em
qualidade e quantidade perfeitas.”
Porém, para que o PROEJA ofereça essas possibilidades à classe trabalhadora, é
preciso que o MEC – Ministério da Educação e Cultura – regulamente a legislação que
o orienta, pois há divergências teóricas inconciliáveis entre as pretensões do PROEJA,
as Diretrizes Curriculares Nacionais e os Parâmetros Curriculares Nacionais. É preciso
então que se estabeleça uma política educacional para o ensino médio e a educação de
jovens e adultos coerente com as propostas do PROEJA.
Além destes limites legais, coloca-se entre outros a questão presente em todos os
níveis de ensino referente ao financiamento e valorização da educação. Estes limites
devem ser objeto de reivindicação por parte de todos os educadores e dos alunos
ingressos e egressos do PROEJA, pois compreendemos que no processo de
implementação desta política, poderemos construir uma educação que beneficie a classe
trabalhadora, destinatária da educação pública
Ao requerermos do Estado a efetivação do PROEJA como uma política
educacional que atenda aos interesses desta classe, também se abre outra possibilidade
do programa: demonstrar o limite do atendimento destas reivindicações, visto serem os
interesses da classe trabalhadora antagônicos aos interesses do capital representado pelo
Estado.
11
Também os próprios limites da estrutura da sociedade capitalista não permite
que as funções requeridas do PROEJA sejam realizadas em sua totalidade, pois a atual
fase de expansão do capital nos mostra que vivemos um desemprego estrutural,
colocado por István Mészáros (2006, p. 11) como conseqüência da crise estrutural do
capitalismo atualmente vivenciada.
Considerando então o desemprego estrutural, é necessário admitir que não
existem e não existirão vagas no mercado de trabalho para que todos os trabalhadores
possam garantir sua sobrevivência, mesmo estes possuindo escolarização e qualificação
para o exercício de funções supostamente requeridas do mercado.
Nesse contexto econômico e social, percebemos que as funções do PROEJA são
limitadas à própria lógica do capital, e para se reduzir significativamente a pobreza e a
marginalidade, conseqüências deste modo de produção, seria necessário a sua negação e
a construção de uma nova sociedade.
Mas os próprios limites das funções do PROEJA demonstram as possibilidades
do programa em desvelar as contradições presentes no sistema capitalista, onde
escolaridade e qualificação não são suficientes para a inclusão social, mas são
funcionalmente exigidos ou utilizados no processo de seleção de trabalhadores, como
afirma Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier (1990, p. 156):
Na sua evolução, o capitalismo tende ainda, especialmente num contexto de
plena expansão das camadas médias que buscam crescentemente a ascensão
social via ascensão ocupacional, a levar a escola a funcionar como uma espécie
de controle entre a oferta e a demanda de ocupações, que nem sempre crescem
na mesma proporção que as aspirações sociais de ascensão. Como a contenção
da oferta de ensino quando atinge essas camadas intermediárias gera sérios
conflitos políticos, o prolongamento da escolaridade e o conseqüente
retardamento do ingresso dos aspirantes no mercado de trabalho é a solução
conciliatória por excelência.
Ou seja, a capacitação e qualificação não garantem emprego, já que o setor
produtivo supriu a necessidade de recursos humanos pelo maquinário e os trabalhadores
de que precisam não necessitam ter, em sua maioria um elevado grau de instrução para
exercer as funções. O processo de produção acaba gerando trabalhadores baratos e
descartáveis para garantir a produtividade a custos baixos e que possam possibilitar
maior competitividade às empresas.
12
Reafirmando essa análise, Roberto Antonio Deitos (2000, p. 40) coloca que:
“[...] o setor produtivo, cada vez menos, precisa de menos força de trabalho vivo,
reduzindo os postos de trabalho, apesar do aumento da produtividade e da concentração
de renda e riqueza.”
Porém, ao não conseguir gerar emprego e renda, esta política social estará
mostrando as contradições do sistema capitalista, que podem ser interpretados à luz dos
conhecimentos transmitidos pelo próprio PROEJA, se ofertado com qualidade. Esses
trabalhadores, advindos de cursos do PROEJA, ao tomarem consciência da
dissimulação da realidade, contribuirão para a transformação social, e não para a sua
coesão.
CONCLUSÃO
As reflexões feitas neste trabalho nos levaram a compreender de maneira mais
detalhada o que representa cada função requerida do PROEJA, bem como ficou
evidenciado que as mesmas se complementam, contribuindo em seu conjunto para o
alcance dos objetivos do programa que mais se destacaram no Documento Base: a
redução das desigualdades econômicas e sociais.
Neste sentido, observamos que a função reparadora pretendida pelo PROEJA
visa “corrigir” os males causados ao público jovem e adulto pela exclusão propiciada na
sociedade capitalista, seja por esta não ter lhes permitido o acesso à escolarização na
idade própria e/ou por não ter concedido a oportunidade de exercer um trabalho
rentável, que lhes permita condições de sobrevivência.
Ao exercer a referida função reparadora, oferecendo ao público jovem e adulto
os conhecimentos de uma educação geral e os de profissionalização, o PROEJA estaria
exercendo as outras duas funções para as quais é requerido. Ou seja, a função
equalizadora e qualificadora.
A função equalizadora pretende ser efetivada através da diminuição das
diferenças de conhecimentos entre os que estudaram no ensino regular e os alunos do
PROEJA, de modo que estes tenham oportunidade de ingressar no “mundo do trabalho”
gerando renda para sua subsistência. Nesse sentido o PROEJA estaria exercendo a
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função equalizadora na medida em que diminuiria a pobreza e a possível situação de
marginalidade que o público atendido estaria vivenciando ou poderia vivenciar.
Mas, para que o ingresso dos alunos do PROEJA no mundo do trabalho
aconteça, é necessário, segundo o Documento Base, que o programa consiga exercer a
função qualificadora, transmitindo conhecimentos gerais que possibilitem ao
trabalhador exercer diferentes funções, ou seja, conhecimentos que os tornem flexíveis
para adaptar-se às mudanças produtivas, e de maneira mais específica profissionalizar o
trabalhador para o exercício de determinada função.
Ao relacionar as justificativas presentes no Documento Base do PROEJA para
requisição destas funções com documentos do governo brasileiro e de organismos
internacionais, percebemos a existência de semelhanças entre os mesmos.
Assim, destaca-se em relação às políticas sociais, que o PROEJA se caracteriza
como tal principalmente por visar atender aos anseios da classe trabalhadora, por
focalizar grupos socialmente vulneráveis e por pretender minimizar a pobreza,
possibilitando que o público do PROEJA também consuma, contribuindo para
reproduzir o sistema capitalista.
Em relação aos organismos internacionais, percebemos que suas propostas para
o Brasil também pretendem a reparação das situações de exclusão, o alívio da pobreza
com a diminuição das desigualdades (equalização) e a transformação produtiva que por
sua vez, requer a qualificação.
Esses organismos internacionais colocam o Estado como responsável por
implementar políticas que levem o país a enfrentar essas dificuldades de forma que o
mesmo se integre ao mercado global, podendo competir e conseqüentemente crescer
economicamente, melhorando as condições de vida da população.
Para implementação pelo Estado de políticas sociais com vistas à superação dos
entraves que impedem o desenvolvimento e crescimento do país, a educação é tida pelos
organismos internacionais como central.
Desta forma percebemos que a Educação de Jovens e Adultos, bem como a
educação de nível médio também vem sendo requerida por estas instituições e pelo
Estado como necessária para o crescimento e desenvolvimento econômico.
Porém, sendo o PROEJA uma política social, também se constitui como uma
conquista dos trabalhadores, a qual incorpora suas reivindicações, ainda que de maneira
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restrita. Desta forma o programa não é apenas uma concessão do Estado à classe
trabalhadora, visto que pretende a reprodução do sistema capitalista, mas é também uma
política que oferece benefícios ao público jovem e adulto trabalhador,
Assim, o PROEJA traz possibilidades aos trabalhadores no referente aos meios
de sobrevivência e no acesso à educação, demonstrando as contradições entre capital e
trabalho e a necessidade de transformação desta sociedade para a defesa dos interesses
da classe trabalhadora.
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NOTAS
1
Instituído pelo Decreto Federal nº 5.478 de 24 de junho de 2005 e revogado pelo Decreto Federal nº
5.840 de 13/07/2006.
16
2
As funções do PROEJA estão embasadas no documento: Parecer CNE/CEB nº 11/2000. BRASIL.
Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB nº 11/2000. Diretrizes Curriculares para a
Educação de Jovens e Adultos. Brasília, MEC, maio de 2000.
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