UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – PRPPG - CNPq Relatório técnico-científico semestral de bolsa de iniciação científica – 2005 Bolsita: Alessandro Jocelito Beccari Título do projeto: A distinção entre nomes próprios e comuns na gramática categorial. Orientador: Luiz Arthur Pagani Título do projeto: Construção de uma interface gráfica para análise (Banpesq n. 2004013622) gramatical. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LINGÜÍSTICA, LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS 1. TÍTULO: A distinção entre nomes próprios e comuns na gramática categorial. Bolsista: Alessandro Jocelito Beccari Orientador: Luiz Arthur Pagani Relatório técnico-científico semestral apresentado à Pró-Reitoria de Recursos Humanos daUniversidade Federal do Paraná. Instituto financiador: CNPq Curitiba 2005 2 RESUMO Nessa segunda fase da pesquisa, foram analisadas ocorrências do tipo ‘(ARTIGO DEFINIDO) + NOME PRÓPRIO/COMUM + verbo intransitivo’ e ‘NOME PRÓPRIO/COMUM + verbo intransitivo’ de uma variante do português do Brasil (doravante PB), submetendo-as aos parâmetros de análise proporcionados pelo quadro teórico da Gramática Categorial. O estágio inicial do trabalho consistiu na leitura da base teórica encontrada no manual sobre a Gramática Categorial de BORGES NETO (1999), no capítulo de autoria desse mesmo autor sobre semântica de modelos, BORGES NETO (1996), e em GEACH (1962). Depois disso, passaríamos à segunda fase da pesquisa, que consistiria na formalização dos resultados obtidos até o término do primeiro período de duração da presente bolsa de iniciação científica. Desde o seu começo, a pesquisa teve seu escopo estreitado a sentenças antecedidas ou não pelo artigo definido, do tipo ‘(ARTIGO DEFINIDO) + NOME PRÓPRIO/COMUM + verbo intransitivo’. Essas estruturas foram privilegiadas por apresentarem marcadas diferenças entre a evidente gramaticalidade de seu uso cotidiano na variante curitibana e as dificuldades que apresentam em suas atribuições de categorias gramaticais, o que levou o pesquisador a estudar abordagens lógico-filosóficas, na tentativa de explicar a ausência de simetria entre a compreensão do falante e a análise formal dessas ocorrências. Dessa forma, nessa segunda fase, o bolsista avaliou a aplicação nesse pequeno corpus de sentenças do quadro teórico da gramática categorial, de acordo como é apresentada por BORGES NETO (1999). Tal aplicação seria uma tentativa de interpretação de fenômenos de referência e distribuição envolvidos no estudo das sentenças em questão. Assim, o objetivo inicial do presente trabalho era efetuar a representação semântica de sentenças de tipo ‘(ARTIGO DEFINIDO) + NOME PRÓPRIO/COMUM + verbo intransitivo’ e ‘NOME PRÓPRIO/COMUM + verbo intransitivo’ com vistas à atribuição de categorias sintáticas que pudessem eliminar a referida assimetria supracitada. Todavia, o fato do bolsista atual não estar completamente familiarizado com o quadro teórico da gramática categorial e com a bibliografia sobre nomes próprios e comuns, impossibilitou a consecução plena desse objetivo, sendo que a maior parte do segundo período do programa foi ocupado na leitura de textos introdutórios sobre lógica, formalismos semânticos e filosofia da linguagem. Desse modo, os resultados do trabalho ficaram restritos a uma aplicação superficial e introdutória da gramática categorial e do operador LAMBDA às sentenças apresentadas acima. 3 INTRODUÇÃO 3.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Na Gramática Categorial, as expressões lingüísticas pertencem a diferentes categorias, que podem ser básicas ou derivadas, de acordo com sua função na expressão maior a que pertencem. Assim, respeitando uma distinção tradicional entre nomes próprios e comuns, é costume atribuir a eles, respectivamente, as categorias básicas N e NC. No entanto, há sentenças gramaticais que recusam esses atributos. Neste trabalho apresentaremos, com um pouco mais de detalhes, o problema que acabamos de citar. Para isso, mencionaremos algumas questões sobre nomes próprios e comuns que são expostos por BORGES NETO (1996) em seu manual de Introdução às Gramáticas Categoriais e em seu texto Semântica de Modelos. Vejamos quatro diagramas de árvore de sentenças que exemplificam o problema que desejamos abordar: (1) Pedro N corre. (2) O N\S N/NC S homem NC corre. N\S N S (3) O N/NC Pedro corre. N N\S ? (4) Homem corre. NC N\S ? O presente estudo sobre a distinção entre nomes próprios e comuns centraliza-se no comportamento de ocorrências de sentenças do tipo ‘nome (próprio ou comum) + verbo intransitivo’ em sentenças do português do Brasil, doravante PB. A pesquisa a que se propõe esse trabalho, é fundamentada no estudo de teorias formais de análise lingüística, aliado ao uso de um número limitado de ocorrências sugeridas ao bolsista por seu orientador no início do projeto de pesquisa. Essas ocorrências, em número de quatro, anotados sintática e morfologicamente, são chamados de corpus, plural corpora. Além disso, analisou-se a intuição de falante nativo do próprio pesquisador sobre extratos de língua encontrados por ele no processo de pesquisa de maneira a serem emitidos julgamentos sobre aceitação, gramaticalidade ou estranhamento em relação aos mesmos. Desse modo, a partir da análise de dados empíricos e pela aplicação de alguns princípios de teorias formais de análise lingüística, foi desenvolvido um estudo introdutório sobre as ocorrências apresentadas. A aplicação básica dos princípios da gramática categorial para o estudo do SN, expressa nos diagramas de árvore (p.4), provem da leitura do manual de BORGES NETO (1999). O artigo de RUSSELL (1905) sobre as descrições de tipo ‘menino’, citado por BORGES NETO (1999), foi importante na elucidação do problema das diferenças entre os usos de descrições como essa para duas variedades de categorização possíveis para nomes comuns: NC e N/S e S/(N\S). Posteriormente à fase de leitura dos dois textos supracitados, passamos à leitura de textos mais gerais sobre a semântica formal. Entre eles destacamos vários verbetes das seguintes enciclopédias de lingüística: The Encyclopedia of Language and Linguistics (1994) e International Encyclopedia of Linguistics (2003), que foram essenciais como pontos de partida para o estudo da possibilidade de uma posterior interpretação formal do material pesquisado. Por exemplo, a leitura nessas enciclopédias de verbetes sobre referência, generalidade, nomes próprios e descrições foram introdutórias com respeito à importância da obra de KRIPKE (1972) na compreensão dos desenvolvimentos efetuados durante o século XX na ciência da linguagem a partir das idéias sobre a distinção entre nomes próprios e comuns, que foram primeiramente desenvolvidas por FREGE (1892) e posteriormente chamaram a atenção de RUSSELL (1905). A leitura do livro de verbetes dessas enciclopédias e do livro de Emmon Bach, Informal Lectures on Formal Semantics, BACH (1990), auxiliaram o bolsista na introdução ao estudo do operador LAMBDA em sua aplicação à semântica formal. 3.2 OBJETIVOS O trabalho limitou-se à pesquisa de quatro ocorrências de sentenças do tipo: ‘o + nome comum/próprio + verbo intransitivo’ e ‘nome comum/próprio + verbo intransitivo’, que são encontradas em uma variante da língua portuguesa falada na cidade de Curitiba. O que despertou interesse nessas ocorrências é o fato da ocorrência do artigo definido antes do nome próprio ser considerado gramatical por falantes dessa variedade do PB, apesar disso parecer impossível semântico sintaticamente no caso do SN ser constituído por um nome próprio. Chega-se a essa conclusão porque a colocação de um artigo definido antes de um nome comum, num SN do tipo ‘o + nome comum’, no entendimento de um falante de português brasileiro, em pelo menos uma de suas variantes curitibanas, produz um nome genérico. Inicialmente, o objetivo deste trabalho deveria ser dar um tratamento formal a tais sentenças, para que fosse possível melhor compreensão das diferenças semânticas entre os dois conjuntos de duas sentenças: ‘o + nome comum/próprio + verbo intransitivo’ e ‘nome comum/próprio + verbo intransitivo’. O presente trabalho, no entanto, desviou-se desse objetivo, pois, na tentativa de uma formalização das sentenças em que ocorrem esses SN’s foi chamada a atenção do pesquisador para problemas de referência e generalidade de nomes comuns e, em conseqüência disso, no campo das investigações lógicas, as questões que surgem na formalização de tais SN’s. O que nos leva a pensar numa mudança de orientação, nos próximos trabalhos, para um estudo mais aprofundado de formalismos que possam dar conta da elucidação de problemas de ambigüidade semântica, como os encontrados nas ocorrências no português brasileiro aqui estudadas. 4 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO 4.1 MATERIAIS E MÉTODOS Na Gramática Categorial, as expressões lingüísticas pertencem a diferentes categorias, que podem ser básicas ou derivadas, de acordo com sua função na expressão maior de que fazem parte. Assim, respeitando uma distinção tradicional entre nomes próprios e comuns, é costume atribuir a eles, respectivamente, as categorias básicas N e NC. No entanto, há sentenças gramaticais que recusam esses atributos. No corrente projeto, temos estudado, com um pouco mais de detalhes, o problema que acabamos de citar. Para isso, tentamos esclarecer algumas questões sobre nomes próprios e comuns com ajuda da exposição de BORGES NETO (1996), que se encontra em seu manual intitulado Introdução às Gramáticas Categoriais e em seu texto Semântica de Modelos. Vejamos quatro diagramas de árvore de sentenças que exemplificam o problema que temos abordado: (1) Pedro N corre. (2) O N\S N/NC S homem NC corre. N\S N S (3) O N/NC Pedro corre. N N\S (4) Homem corre. ? NC N\S ? A distinção entre nomes próprios e comuns parece encontrar respaldo de um ponto de vista sintático, já que os nomes comuns podem ser ligados a adjetivos, possessivos e artigos sem apresentarem problemas, enquanto o mesmo não acontece com os nomes próprios. Semanticamente, os nomes comuns singulares, desprovidos de determinantes, tornam-se genéricos, enquanto os nomes próprios são, por definição, singulares e não tem valor genérico. A partir dessas definições e das atribuições de categorias acima apresentadas, tomemos a sentença: (1’) Pedro corre. Podemos deduzir que nessa sentença, o verbo intransitivo “corre” pertence à categoria derivada N/S (uma expressão que toma outra de categoria N, o nome próprio “Pedro”, para resultar numa expressão da categoria S). Já no caso de: (2’) O homem corre. De acordo com as atribuições de categorias sintáticas para expressões do português apresentadas acima, vimos que um determinante como “o” pertence à categoria derivada N/NC (uma expressão que toma outra de categoria NC para resultar numa expressão da categoria N). Segundo RUSSELL (1974), citado por BORGES NETO (1996), os nomes próprios denotam simplesmente indivíduos singulares. Os nomes comuns, por sua vez, podem ser encarados como abstrações que denotam conjuntos formados por indivíduos semelhantes entre si. Assim, “homem” denota ‘o conjunto dos x tal que x é homem’. Além disso, de acordo com a definição de Russell, chega-se à definição de tais conjuntos de indivíduos quando se pensa em suas propriedades. Na teoria dos conjuntos, as propriedades são pensadas em termos de conjuntos e entidades abstratas, como “homem”, são imaginadas como uniões entre vários conjuntos de propriedades. Assim, levando em conta o senso comum adicionado do conceito de Russell, enquanto a sentença (1) apresenta um só indivíduo, “Pedro”, que possui apenas o atributo de “correr”, a sentença (2) não só nos traria um conjunto de um só elemento, “homem”, que aponta para um elemento singular (um homem em particular), como também denotaria o conjunto de todos os homens. Em ambos os casos “homem” (indivíduo singular) e “homem” (denotação de um conjunto de seres), podem ser definidos respectivamente como pertencentes ao conjunto dos que correm e como o conjunto de todos os indivíduos que têm a mesma propriedade: correr. Como resultado disso, de acordo com a definição segundo a qual “homem” denota um conjunto de indivíduos, para fins de atribuição categorial, a categoria NC pode ser reinterpretada como S/N, ou seja, como um conjunto de indivíduos. Assim, para efeito de congruência, o determinante “o” pode deixar de receber a categoria N/NC e passar a ser lido como N/(S/N). Nesse sentido, a sentença (2) pode ser reinterpretada da seguinte forma: (2’’) N/(S/N) ● S/N ● N\S = S Observe-se que essas atribuições concatenam-se tão facilmente quanto: (2’’’) N/NC ● NC ● N\S = S Disso pode-se concluir que categorias diferentes são atribuíveis às mesmas expressões lingüísticas. Isso ocorre porque, na gramática categorial, as diferentes atribuições de categorias para as expressões sintáticas não dependem somente da interpretação semântica das expressões individualmente, mas também do contexto frasal em que estas ocorrem. Em outras palavras, na atribuição de categorias sintáticas no quadro da gramática categorial, do mesmo modo que em qualquer outro empreendimento científico, conceitos teóricos dependem de evidências empíricas. Uma vez que as diferentes atribuições dependem dos diferentes contextos em que se inserem as expressões lingüísticas. Para que essa contextualização seja refletida na linguagem categorial é necessário que se produzam seqüências bem formadas como (2’’) e (2’’’). A questão é saber se as categorias N/(S/N) e S/N correspondem, respectivamente, às categorias N/NC e NC quando estão fora de contextos frasais, já que as duas opções de seqüências apresentadas acima parecem ser igualmente satisfatórias como traduções de (2). Como vimos acima, de acordo com a definição de Russell, a atribuição da categoria complexa S/N para os nomes comuns parece estar mais de acordo com os fatos da realidade. Se isso for aceito, a atribuição da categoria NC para os nomes comuns, torna-se meramente contingente e sem nenhum respaldo do ponto de vista de sua necessidade lógica. Além disso, se a definição de Russell se mantém, então é possível N/(S/N) como uma atribuição satisfatória para “o” e S/N como suficiente para “homem”, em (2). Como vimos acima, segundo a definição de Russell, os nomes comuns, que recebem a categoria NC, podem ser entendidos como conjuntos de indivíduos e, desse modo, receberem a categoria N/S. A explicação dessa alteração de uma categoria básica para uma categoria complexa pode ser obtida pela regra de elevação de tipo (R4) do cálculo de Lambeck. Segundo a regra de elevação de tipo, as categorias S/(S\N) ou (N/S)\S podem ser obtidas a partir de N (a categoria dos nomes próprios). Isso pode ser entendido a partir de um raciocínio bem simples: 1. Sabe-se que a expressão “Pedro corre” é uma sentença; 2. Sabe-se que a expressão “Pedro” é da categoria N; 3. Qual seria a categoria da expressão “corre”? Sendo que a expressão algébrica da concatenação entre essas expressões é algo como: N●x=S Para se obter o valor de x, isola-se a incógnita e a equação se transforma em: x = S/N Se a categoria S/N representa a expressão “corre” e se “Pedro corre” é uma sentença (S), quando se desejar saber a categoria de “Pedro”, tem-se duas opções: ou se considera “Pedro” como argumento de “corre” e se lhe atribui a categoria N, ou consideramos “Pedro” como um funtor que toma “corre” como argumento, ou seja, “Pedro” será um funtor que concatenado com S/N resultará num S. Como resultado, tem-se um funtor da categoria S/(N\S). Nesse caso, trata-se apenas de uma nova aplicação da mesma regra que no raciocínio acima foi utilizada para a obtenção de “corre”. Apesar dessas novas atribuições, os nomes próprios e comuns continuam a receber categorias diferentes: N/S e S/(N\S), o que impossibilita a concatenação entre “o” e “Pedro” em (3), já que “o” recebe ou a categoria N/(N/S) ou a categoria N/NC, enquanto que “Pedro” recebe ou a categoria N ou a categoria S/(N\S). BORGES NETO (1996) propõe a solução de Richard Montague para esse problema. Segundo MONTAGUE (1974), os primitivos individuais só podem ser entendidos como categorias vazias. A razão semântica para isso é que um indivíduo qualquer só existe, num mundo qualquer, quando suas propriedades são levadas em conta. Por exemplo, conhece-se Pelé pelas designações: brasileiro, casado, ex-jogador de futebol e atleta do século. Na linguagem da teoria dos conjuntos, poderíamos dizer que o indivíduo a que chamamos “Pelé” é na verdade um conjunto que inclui vários conjuntos: o conjunto dos brasileiros, dos ex-jogadores de futebol, e o conjunto de um só elemento, o de atleta do século. Cada um desses conjuntos define uma das propriedades desse indivíduo e a totalidade deles é o nome que lhe atribuímos: “Pelé” (um conjunto de conjuntos—um feixe de propriedades). Segundo a definição de Montague, não só os nomes comuns, mas também os nomes próprios devem ser interpretados dessa forma: todos os SN’s devem ser entendidos como conjuntos de conjuntos de propriedades. Portanto, como foi visto, há pelo menos dois argumentos em favor da atribuição do tipo S/(N\S) aos nomes próprios: a aplicação da regra de elevação de tipo (R4) do cálculo de Lambek e a abordagem dos SN’s proposta por Montague que propõe que os nomes próprios sejam entendidos como conjuntos de conjuntos de indivíduos. A partir dessa abordagem, expressões como “Pedro” deixam de ser entendidas apenas como indivíduos singulares e passam a ser vistas como intersecções de conjuntos de propriedades. Se os SN’s que contêm nomes comuns forem entendidos da mesma forma que os SN’s que contêm nomes próprios, ou seja, como conjuntos de conjuntos de propriedades, então nomes comuns podem ser entendidos não só como indivíduos singulares a que se atribuem a categoria NC, mas, igualmente aos nomes próprios, como intersecções de conjuntos. Por exemplo, a expressão “homem” passa a ser entendida como a intersecção de todos os conjuntos de propriedades que são comuns a todos os homens. Dessa forma, para efeitos práticos, com o uso da regra de aplicação funcional, podemos atribuir a mesma categoria, S/(N\S), tanto para “Pedro” quanto para “homem”. Consequentemente, ao artigo definido “o” pode ser atribuída não só a categoria N/NC, mas também a categoria N/(S/(N\S)). Ao levar-se em conta essa segunda atribuição, obtém-se a seguinte representação arbórea para a sentença (3): (3’) O N/(S/(N\S)) Pedro S/(N\S) corre. N\S N S Dessa maneira, com a abordagem de Montague para os SN’s e aplicação da regra de elevação de tipo, soluciona-se o problema apresentado pela sentença (3), já que, como vimos, “o” deixa de receber apenas a categoria N/NC e passa a receber também a categoria N/(S(N\S)). Como foi visto acima, em (2’’), além de N/NC e N/(N\S), o determinante “o” também pode receber a atribuição da categoria N/(S(N\S)). Assim, (2) poderia receber mais de uma representação arbórea: (2’’’’) O homem N/(N\S) (N\S) corre. N\S N S e (2’’’’’) O homem N/(S/(N\S)) S/(N\S) corre. N\S N S Como se acabou de ver, a atribuição das categorias sintáticas N\S e S/(N\S) para nomes próprios e comuns parecerem satisfazer as interpretações semânticas de sentenças como (2) e (3). O mesmo se pode dizer de sentenças como (4): (4’) Homem corre. Cuja representação arbórea será: (4’’) Homem S/(N\S) corre. N\S S Como foi visto na apresentação da regra de elevação de tipo (R4), o cálculo de Lambek admite a flexibilidade das mudanças de tipo sintático, quando essas são necessárias na concatenação de categorias a outras categorias. Ou seja, de acordo com esse caráter flexível da gramática categorial, uma expressão como “Pedro” não será atribuído não a apenas uma categoria, mas a uma família de categorias: N, S/N, S/(N\S), etc. Nos casos particulares aqui estudados de aplicação da regra de elevação de tipo—as sentenças (1), (2), (3) e (4)—fica demonstrado que os sintagmas nominais, básicos ou complexos, de nomes próprios ou comuns, podem deixar de receber apenas duas categorias sintáticas, N e NC, e passar a ser escritos S/(S\N). Dessa forma, na gramática categorial, todos os SN’s podem receber um tratamento unificado, como ocorre na gramática normativa. Na linguagem categorial, dá-se o nome de polimorfismo a essa flexibilidade de atribuição de categorias sintáticas. Apesar da abordagem conjuntista de Richard Montague ajudar muito na compreensão dos nomes próprios e das definições e, como resultado, justificar a atribuição de uma categoria sintática generalizada como S/(S\N), que refletiria todas as ocorrências de N e NC de uma determinada língua, há argumentos contrários a que se seja dado um tratamento unificado aos sintagmas nominais. Um desses argumentos é sustentado por Saul Kripke, KRIPKE (1972), e diz respeito aos objetos de referência dos nomes próprios. Segundo Kripke, nenhum conjunto de definições iniciadas por artigos definidos como “o preceptor de Alexandre”, “o autor da Metafísica”, “o filósofo grego” é suficiente para que alguma crença associada a qualquer indivíduo seja considerada verdadeira. Para ele, o único critério de referência válido para os nomes próprios é o do batismo. As descrições associadas a esse nome de batismo não seriam essenciais, porque designariam totalmente um determinado indivíduo. As descrições, segundo Kripke, seriam tão desnecessárias quanto impossíveis. Como tentativa de esclarecimento do problema da referência dos nomes próprios, Kripke introduz o conceito de mundos possíveis: determinado nome se refere a um determinado indivíduo se e somente se, em todos os mundos possíveis, o mesmo indivíduo recebe esse mesmo nome. Kripke chamou esse tipo de nomes de designadores rígidos. Por outro lado, Kripke chamou as descrições de Russell—os nomes comuns—de designadores flutuantes, porque as descrições podem diferir de um mundo possível para outro. É interessante que Montague parte exatamente da mesma noção de mundos possíveis empregada por Kripke para propor a formalização das línguas naturais. O fragmento que ambos esses autores utilizam remonta a Leibniz, que declara o seguinte: (5) Duas coisas são idênticas se e somente se todas as suas propriedades são as mesmas. Isso significa que se dois indivíduos A e B partilham exatamente das mesmas propriedades, se e somente se eles tem todas as suas propriedades em comum, então é possível dizer que, na verdade, A e B são o mesmo indivíduo. Na verdade essa é uma maneira enfática de se expressar o princípio da identidade: a = a. À partir dessa idéia básica, Montague dá um tratamento formal a SN’s básicos como “Pedro” e complexos como “os peixes que moram no mar”. Assim, de acordo com Montague, uma sentença como: (1’’) Pedro corre. Pode receber as seguintes traduções: (6) Pedro está no conjunto dos corredores; (7) A propriedade de correr está no conjunto de propriedades que Pedro tem; E, finalmente, (8) O conjunto dos corredores é membro do conjunto de conjuntos a que Pedro pertence. Ou, seja, como foi visto acima, “Pedro” pode ser interpretado como a intersecção de vários conjuntos: um conjunto de conjuntos. A sentença (1) pode ser traduzida pela fórmula: (9) C(p) Em que “C” é o predicado que corresponde à expressão “corre” e “p” é a constante que corresponde à expressão “Pedro”. (9) será verdadeira se e somente se “Pedro” denotar um indivíduo no mundo que corre. Se a constante “p” for substituída pela variável “x”, tem-se: (10) C(x) (10) será verdadeira se e somente se a variável x também for verdadeira. Ou seja, a verificação de (10) se dá na medida em que sua variável seja considerada verdadeira ou falsa. Portanto, para garantir a veracidade de uma fórmula como (10) é necessário que a variável x seja ligada a um valor verdadeiro, ou seja, que x corresponda a uma constante que denote um indivíduo que sirva de argumento para o predicado. Esse indivíduo precisa ser retirado de um conjunto em que todos os indivíduos partilhem do mesmo predicado, ou seja, é necessário que se crie uma função que relacione os argumentos e os predicados em fórmulas como (10). A maneira como se realiza esse processo é pela utilização de um operador que a lingüística importa da lógica matemática e que foi amplamente utilizado por Montague em seu trabalho. Tal ferramenta é conhecida pelo nome de operador LAMBDA. O operador LAMBDA, representado pela letra grega , é o instrumento principal do cálculo lambda. O operador LAMBDA é um meio de se construírem expressões que denotam funções de expressões que denotam valores de verdade ou outras expressões que denotam funções. Por exemplo, se Pa é uma expressão que denota o valor de verdade que indica que o objeto a tem a propriedade P. A abstração do operador sobre a com uma variável x resulta em x.Px , que sempre é verdadeiro quando aplicado a objetos que tenham a propriedade P. Ou seja, x.Px é uma expressão que verifica o valor de verdade dos argumentos aplicados ao predicado P e, desse modo, é uma expressão que denota P. Na mesma fórmula, Pa, da mesma maneira como se abstrai o argumento a, também é possível abstrair-se o predicado P. Para isso, emprega-se a variável X. Disso resulta X.Xa: uma expressão que denota uma função que resulta verdadeira quando há uma propriedade que pertence a a e, do contrário, quando não existe essa propriedade, falsa. Em outras palavras, X.Xa denota a propriedade de ser uma propriedade de a. Para usar o exemplo que se empregou em nossa discussão inicial observe-se a sentença: Segundo José Borges Neto (BORGES NETO 1999), para se entender as definições definidas e indefinidas é necessário que se parta de uma maneira diferente de encarar sentenças simples do tipo: (1’’’) Pedro corre. Nessa sentença, a expressão “Pedro” não denota o indivíduo singular no mundo que é denominado PEDRO, mas sim a intersecção do conjunto de propriedades que fazem de PEDRO um indivíduo singular. De acordo com esse ponto de vista, os nomes próprios e, por extensão, todos os SN’s, podem ser interpretados como conjuntos de conjuntos. A partir desse novo prisma, pode-se descrever (13) tanto como a aplicação do predicado “C” (que denota o conjunto dos que correm) à constante individual “p”, como em: (11) C(p) Em uma tradução para a teoria dos conjuntos: (12) P C Em (12), fica estabelecida uma relação entre dois conjuntos: o conjunto das propriedades que PEDRO possui, que é representado por “P” e o conjunto dos que correm, que é representado por “C”. Esta relação pode ser entendida tanto como o fato de PEDRO pertencer ao conjunto dos que correm, quanto ao fato de que “correr” é uma das propriedades do conjunto de conjuntos que é denotado pela expressão “Pedro”. Como foi visto acima, como foi visto acima na apresentação do cálculo , constantes individuais podem ser abstraídas de predicados e substituídas por variáveis e o mesmo pode ser feito com os predicados. Dessa forma, dá-se uma verificação do valor de verdade de fórmulas abertas como (11). Ao aplicar-se o operador a (11), obtém-se: (13) x[Corre(x)](pedro’) A abstração em (13) será verdadeira se e somente se o indivíduo denotado pela constante pedro’, ou seja, PEDRO, fizer parte do conjunto dos que correm. Do mesmo modo que em (13), pode-se abstrair o predicado de (11) para obter-se: (14) X[X(pedro’)](Corre) De forma similar ao que foi dito de (13), pode-se dizer que (14) verifica (11) se e somente se o conjunto dos que correm fizer parte do conjunto dos conjuntos que são denotados por “Pedro”. O mesmo procedimento que foi usado para se analisar (11) pode ser empregado na sentença seguinte: (15) Um homem corre. Nesse caso, a representação lógica é: (16) x(H(x) & C(x)) E a representação na teoria dos conjuntos é: (17) H C 0 Ou seja, a intersecção dos elementos do conjunto H e do conjunto C é diferente de 0. Em outras palavras, existe ao menos um elemento no conjunto H que participa da propriedade “correr” do conjunto C. Na linguagem do cálculo LAMBDA, essa relação entre conjuntos pode ser interpretada da seguinte forma: (18) P1.x(H(x) & P1(x)) (C) Em que P1 é a variável com que se abstrai o predicado C, “correr”. Ao substituir-se C por P1, tem-se: (19) P1.x(H(x) & P1(x)) Que é equivalente a: (20) “Um homem” O próximo passo é a substituição de H por uma variável: (21) P2 P1.x(P2(x) & P1(x)) Que substitui: (23) “um” Igualmente, em: (24) O homem corre. Tem-se a fórmula: (25) xy(H(y)(y = x) & C(x)) Na linguagem da teoria dos conjuntos: (26) | H C | = 1 O que significa que a cardinalidade da intersecção de H e C é igual a 1. Em (24), ao seguir-se um processo similar ao de todas as substituições que foram processadas em (15), obtém-se: (27) P2P1x y(P2(y) (x = y)) & P1(x)) Que, em português, corresponde a: (28) “o” Em casos como (15) e (24), em que se procedeu à formalização dos artigos definido e indefinido, é possível observar-se a aplicação de um instrumento da lógica contemporânea—o operador LAMBDA—na elucidação de fenômenos das línguas naturais. Assim, além de ser útil no estudo dos SN’s simples e complexos, o operador LAMBDA também se presta ao estudo das classes de palavras, como no caso dos artigos definidos e indefinidos. 4.2 RESULTADOS A atual formalização das ocorrências dos SN’s estudados ainda encontra-se em fase incipiente. Como a pesquisa atual restringiu-se a analise de apenas sentenças do tipo ‘(artigo) + nome próprio/comum + verbo intransitivo’, foi possível, através do emprego da gramática categorial e da iniciação em conceitos clássicos sobre o assunto estudado, um processo meramente intuitivo de averiguação das peculiaridades semânticas das sentenças em questão. Esperamos que em futuros trabalhos, em que estejamos mais familiarizados com a gramática categorial e com a lógica em geral, possamos levar a cabo uma investigação mais minuciosa de questões de referência e generalização que parecem ser abundantes no material estudado. 4.3 DISCUSSÃO As atribuições de categorias sintáticas são ferramentas úteis na interpretação formal das línguas naturais. Como foi visto acima, as atribuições das categorias NC e S\N nas seqüências: (2’’’’’’) N/(S\N) ● S\N ● N\S = S e (2’’’’’’’) N/NC ● NC ● N\S = S Apontam para problemas de ambigüidade semântica representado por sentenças do tipo: (2’’’’’’’’) O homem corre. O polimorfismo das atribuições de categorias sintáticas na gramática categorial possibilita que essa ambigüidade seja interpretada de maneira mais satisfatória. Isso fica evidente ao constar-se que uma categoria simples como N pode ser reescrita como S/N e S/(N\S). Esse é um exemplo da versatilidade da Gramática Categorial que nos leva a pensar na possibilidade do emprego de seus recursos na solução de problemas de natureza nominal que são matrizes de ambigüidades semânticas, como pareceu ser o caso no exemplo (2) acima discutido. Temos a intenção de abordar esses problemas em trabalhos futuros, quando tivermos o aparato teórico que possibilite tal abordagem. Também foi notável a utilidade da aplicação do operador LAMBDA numa formalização dos SN’s que leva em consideração não só sua sintaxe, mas também sua semântica. 5 CONCLUSÕES Embora ainda não existam conclusões, há certamente a constatação intuitiva das possibilidades do emprego proveitoso da Gramática Categorial e do operador LAMBDA na elucidação de questões sobre a natureza dos nomes, pelo menos na análise das sentenças aqui analisadas. Tal estudo nos parece altamente produtivo, uma vez que a solução de problemas desse tipo possibilitaria maior e melhor conhecimento do fenômeno da formação de sentenças nas línguas naturais. Tal compreensão nos parece elucidativo no entendimento da maneira como o ser humano comunica e interpreta suas idéias a respeito do mundo. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALSTON, W. P. Filosofia da Linguagem. Rio de Janeiro : Zahar, 1964. BACH, E. Infomal lectures on formal semantics. Albany. New York : State University of New York Press, 1989. BORGES NETO, J. Semântica de modelos. Curitiba : Universidade Federal do Paraná, 1996. BORGES NETO, J. Introdução às Gramáticas Categoriais. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 1999. CANN, R. Formal semantics: an introduction. Cambridge : Cambridge University Press, 1993 COOPER, R. Quantification and syntact theory. Dordrecht : Reidel, 1983. DOWTY, D. ; WALL, R. PETTERS, S. Introduction to montague semantics. Dordreccht : Reidel, 1981. THE ENCYCLOPEDIA of Language and Linguistics. Oxford : Pergamon Press, 1994. INTERNATIONAL encyclopedia of linguistics. Oxford : Oxford University Press, 2003 KRIPKE, S. Naming and Necessity. In: DAVIDSON, D.; HARMAN, G. Semantics of Natural Language. Dordecht : Reidel, 1972 LINK, G. The logical analysis of plural and mass terms: a lattice theoretic aproach .[S.l. : s.n.], 1983. RUSSEL, B. Da denotação . São Paulo : Abril, 1974. v. XLII, p. 9-20. (Coleção Os Pensadores) 7 RELATÓRIO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES Este projeto, desde seu início, objetivou a apresentação de uma solução para a aparente agramaticalidade de sentenças como: (3’) O Pedro corre e (4’’) Homem corre Tal objetivo foi atingido parcialmente, já que não foram formalizados semanticamente todos os resultados. Entretanto, no que diz respeito à atribuição de categorias sintáticas, o propósito do projeto de pesquisa foi amplamente realizado, graças ao estudo do manual intitulado Introdução às Gramáticas Categoriais de José Borges Neto (BORGES NETO 1999). Uma introdução ao tratamento semântico dessas ocorrências foi feita a partir da leitura do manual supracitado e do livro Infomal lectures on formal semantics de autoria de Emmon Bach (BACH 1989). Durante o período da bolsa, o bolsista publicou o artigo A distinção entre nomes próprios e comuns na Gramática Categorial na revista Estudos Lingüísticos, número XXXIV, p. 159-164, 2005. Esse mesmo artigo tinha sido publicado como resumo nos Anais do 52º Seminários do GEL, Campinas: Editora da Unicamp, 2004. v.52. p.210-210. Em termos de atividades fora do projeto de pesquisa, podem ser citadas: a participação do bolsista em grupos de estudos que se reuniram semanalmente com o orientador deste projeto de pesquisa e tinham três objetivos principais: o aprendizado de uma versão de PROLOG (programa de programação em lógica), o estudo de LATEX (um programa de editoração de textos para lingüistas) e o aprofundamento no estudo da Gramática Categorial a partir de seus textos clássicos. Além disso, o bolsista, juntamente com seu grupo de estudo, participou de uma apresentação coordenada no 52º Seminário do GEL, Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo, em Campinas.