Aspectos de contato linguístico no uso do português como língua materna Paula Letícia Duarte Ramalho 1- Introdução Este artigo tem como objeto de estudo o português brasileiro e procura reconhecer e discutir, em alguns fenômenos da oralidade, efeitos do contato deste português com outras línguas, bem como efeitos do contato entre dialetos da própria língua portuguesa. A compreensão do contato como fenômeno natural e previsível, inseparável da história da própria civilização humana e das línguas naturais, supõe a possibilidade da ocorrência destes. Tal é a visão da Linguística, especialmente da área da Sociolinguística e das Línguas em Contato, ao caso do chamado “purismo linguístico”, defendido por membros de academias e pela Gramática Normativa. Os puristas, escolas e igrejas buscam impedir que formas linguísticas estrangeiras se instalem no âmago da gramática portuguesa. Os puristas combatem os “estrangeirismos”, assim como os “barbarismos”, rótulo que empregam para denominar formas que não existem na língua padrão. O fenômeno do contato linguístico acompanha, naturalmente, o decorrer da história, os movimentos migratórios dos diferentes povos e etnias e pode-se perceber, numa perspectiva mais local, de modo mais intenso em regiões e comunidades fronteiriças. De um modo geral, pode-se dizer que o contato linguístico produz-se pelo contato de diversas culturas, já que não há contato linguístico sem contato cultural. Por sua vez, a cultura se expressa e se dá através de várias ferramentas, esses criados pelo homem com a finalidade de suprir suas exigências e necessidades. Dentre estes, a linguagem, além de produto cultural, é também ferramenta de transmissão da própria cultura, de uma geração para outra - significa dizer que os efeitos do contato projetam-se, não apenas no espaço geográfico, mas também no tempo. O contato linguístico e o cultural, então, completam-se entre si, o segundo referindo-se mais aos costumes, às crenças, às tradições e a própria produção artística, científica e tecnológica das comunidades que entram em contato. O contato entre línguas pode ocorrer numa certa delimitação geográfica ou territorial, como a região de fronteira natural entre países linguisticamente diferentes, ou num ambiente artificial, como o da sala de aula de língua estrangeira ou da Internet. No primeiro caso, temos fronteiras geográficas (ou políticas) e linguísticas, naturalmente resultantes dos processos históricos de dominação e migração entre os povos; no segundo, somente fronteiras linguísticas. Ambos os tipos de fronteira, mesmo que guardem diferenças entre si quanto à sua natureza, possuem também características em comum. Nas fronteiras entre países, o contato linguístico cria dialetos fronteiriços, que são formas ou sistemas linguísticos híbridos, com variações e palavras de uma e de outra língua. Nesses dialetos fronteiriços ou interlínguas-ligação entre línguas, o falante alterna entre uma e outra língua e modifica a sua fala segundo vários fatores linguísticos e extralinguísticos, principalmente vinculados à comunicação. E o contato e a hibridação continuada, ao longo do tempo, tende a criar regularidade gramatical na interlíngua, consolidando a mescla linguística. É o caso de certos dialetos fronteiriços do Brasil, que têm sido rotulados como “portunhol”, os quais, como o termo já diz, consistem numa mistura da língua portuguesa com a língua espanhola. Em sala de aula de inglês como língua estrangeira, no Brasil, e nas fronteiras ditas “virtuais”, construídas no âmbito do uso da Internet, por exemplo, surgem interlínguas resultantes do contato. O “internetês”, por exemplo, incorpora à base do português inúmeras palavras e expressões do inglês, bem como termos técnicos, próprios do jargão tecnológico. Ali podem ser observados fenômenos semelhantes aos que ocorrem nas fronteiras geográficas: o code switching (ou troca de código) e as interferências. No que se refere ao léxico, considera-se code switching quando pelo menos uma palavra inteira é buscada na outra língua – a língua que não está sendo usada como base no discurso. Ao contrário, quando a mescla se produz no interior da palavra, fala-se em “interferência”. O contato linguístico, até aqui, é entendido como contato interlinguístico, ou seja, entre línguas. Nesse sentido, certo desvio da norma linguística do português é interpretado como um efeito do contato do português com outra língua. Ampliando um pouco esse enfoque, propomo-nos neste trabalho, a observar também como se manifestam as interferências de um dialeto social. Do mesmo modo, pode ocorrer contato entre dialetos. Um dialeto pode ser entendido como um falar de certa língua, característica de uma determinada região ou grupo social, conforme será visto no item 2.2. Sobre outro, em trechos monolíngues de português. Neste sentido, ao aplicarmos semelhança do contato entre línguas ao contato entre dialetos, passamos a entender o contato linguístico não só como contato entre línguas, mas como contato entre dialetos, ou seja, interdialetal. Assim, importará a este trabalho analisar casos em que, em certo dialeto ou registro de português, como língua materna, interfira outro dialeto ou língua, atentando para os possíveis fatores que condicionem tais interferências – abrangendo aqui, o fenômeno de code switching, o empréstimo e a interferência propriamente dita. Especificamente, será observado, por um lado, o contato do português com o inglês e com o jargão próprio das tecnologias de informação e comunicação atual e , por outro, o contato do português formal com o informal.