6 22 MAIO 2004 O economista DANIEL BESSA está preocupado com o défice externo e defende que a solução é o Norte conseguir exportar mais. «É dali que o problema da solvabilidade externa do país deve ser resolvido», disse no almoço organizado pelo EXPRESSO e pela Ordem dos Economistas. Explica que um país tão pequeno À MESA NA ORDEM e aberto como Portugal deve ser gerido como uma empresa competitiva. Para o antigo ministro da Economia e chefe do Programa para a Recuperação das Áreas e Sectores Deprimidos (PRASD), é mais importante a microeconomia do que o défice e as taxas de juro, ou o investimento imaterial do que as obras públicas «Solução está no Norte» o Euro para Portugal, foi preciso colmatar a falta de outros argumentos com dinheiro e investimento. JOANA N UNES M ATEUS E N ICOLAU S ANTOS O EXP. - Concorda que o Norte perdeu peso na economia nacional nos últimos anos? D.B. - Acho evidente. O ciclo de pri- PRIMEIRO ministro da Economia de António Guterres, Daniel Bessa, diz que o Norte deve exportar mais para o país resolver o problema do défice externo. vatizações correu muito mal ao Norte e os seus tempos áureos estiveram ligados à moeda fraca. Foi nas crises cambiais de 78 e de 84, que o seu modelo de competição pelo custo floresceu. Sem esforço nenhum e por decisão administrativa. Essa vantagem da economia nortenha tornou-se na sua fragilidade. EXPRESSO - Os juros devem baixar na Europa como apela o BCE? DANIEL BESSA - Não. Nem consigo perceber como é que as actuais taxas bloqueiam o que quer que seja. O que me preocupa na Europa não é a conjuntura, mas o facto das taxas de crescimento potencial estarem a baixar. Um potencial de 2,5% para a economia portuguesa é baixíssimo. EXP. - Como pode Portugal crescer mais? D.B. - A palavra de ordem só pode ser competitividade. Se descontarmos o sector público, mais de metade do que Portugal produz é para exportar. Temos de atingir uma gestão quase empresarial em termos de país. EXP. - A preocupação deve ser a micro em vez da macroeconomia? D.B. - Claro. Num país tão pequeno e aberto como Portugal, é um erro básico pretender fazer alguma coisa pela via da despesa. Debater a despesa pública ou as taxas de juro é secundaríssimo perante as fraquezas que bloqueiam a atracção de investimento directo estrangeiro, a criação de condições para vender... Estou cada vez EXP. - E como se sai disso? D.B. - Temos um problema de balança de pagamentos, que se agravou muito nos últimos anos e só está agora contido pela recessão. O défice da balança de transacções correntes é de todos o mais grave e só tem duas soluções: importar menos ou exportar mais... FOTOGRAFIAS DE NUNO BOTELHO Temos de atingir gestão quase empresarial do país EXP. - O Norte tem de exportar mais? mais do lado da oferta. E uma política económica consistente deve começar por atacar esses pontos. EXP. - Que pontos são esses? D.B. - Se virmos o tempo que demora a abrir uma empresa em Portugal, a justiça... Em rigor, nem sei o que é uma garantia bancária. É muito difícil executá-la. Depois há a formação e a cultura que a Universidade transmite, que não favorece a independência, nem a ousadia ou o risco. Tudo isto pesa negativamente. Há três ou quatro anos, tive uma conversa com o engenheiro Guterres, nomeadamente sobre um «ranking» onde Portugal aparecia com uma carga fiscal sobre as empresas bastante elevada. Ele não gostou muito e dei comigo a enviar-lhe uma pequena nota sobre os relatórios internacionais de competitividade onde estão bem claros esses pontos. EXP. - E o investimento público? D.B. - Interessa, mas talvez fosse altu- ra de pensarmos noutro tipo de investimentos. Metade da formação bruta de capital fixo em Portugal é constru- ção e obras públicas. Temos 600 mil pessoas ou 12,5% da população activa neste sector, quando o «benchmark» está entre 6% e 8%. EXP. - O exemplo são os estádios do Euro... D.B. - No outro dia perdi-me em Bra- ga, fui dar a Guimarães e dez minutos depois estava em Braga outra vez. É menos tempo do que eu demoro a pé de Campanhã à Avenida dos Aliados e ter dois estádios numa distância tão curta arrepia-me muito. Mas tendo a ler assim: na hora de procurar trazer D.B. - É aí que está o potencial transaccionável do país. Se não estou muito enganado, o potencial do Norte ainda é hoje superior ao da área metropolitana de Lisboa. E é dali que o problema da solvabilidade externa deve ser resolvido. O problema é que as armas não podem ser as mesmas e nem todos os protagonistas que resolveram no passado as coisas com a ajuda cambial estão hoje em condições... Quem tem de exportar mais são as Unicer, as Sogrape, as Manuel Gonçalves, as Riopele, as Lactogal e tantas outras. É do Norte que tem de vir a solução. EXP. - No debate sobre os centros de decisão nacionais, qual é a sua posição? D.B. - O problema dos centros de de- cisão não é para a empresa, é para os fornecedores. Um negócio não se esgota em si: envolve ligações. E na hora de comprar equipamentos, de escolher o banco onde depositar os excedentes de tesouraria, que margem de escolha tem uma empresa submetida ao controlo estrangeiro? EXP. - Que sectores devem manter-se em mãos nacionais? D.B. - Defendo a manutenção do po- der nas áreas energética e das telecomuÉ um nicações. São contragrandes compradores, so-senso bretudo de serviços. Nua meta ma economia dos 3% tão internacionalizada codo PIB mo a nossa, onde o investipara o mento estrangeiro é tão imI&D portante, não podemos aspirar a ter uma percentagem de Investigação&Desenvolvimento (I&D) no PIB igual à dos outros países. EXP. - A meta dos 3% do PIB em I&D até 2010 é um contra-senso? D.B. - É porque a Autoeuropa, e ou- tras empresas que felizmente estão instaladas em Portugal, têm os seus próprios fornecedores de I&D. Para levarmos as empresas estrangeiras em Portugal a abdicar dos seus fornecedores habituais de competência tecnológica, teríamos de ser muito competitivos no I&D em si mesmo. PRASD não é mais betão DANIEL BESSA teme que o Programa para a Recuperação de Áreas e Sectores Deprimidos (PRASD) se reduza a mais obras públicas. «O Governo decidirá. Estarei sempre do lado de quem quiser dar oportunidade a medidas de outra natureza. Não tenho grandes dúvidas que a decisão que colheria maior aplauso era o anúncio, uma vez mais, de não sei quantos investimentos. Mas não era essa a grande transformação que o país precisava», entende o responsável pelo PRASD. Esta iniciativa do Ministério da Economia e do Trabalho culminará brevemente num Conselho de Ministros para Coesão, onde o Governo anunciará medidas específicas para cada região. O PRASD pretendeu identificar oportunidades de desenvolvimento das regiões mais pobres do país e apoiá-las através de incentivos fiscais, financeiros e outros instrumentos de política social. Mas na ronda que fez pelo país, todas as regiões deprimidas vieram reivindicar investimento físico: barragens em Viseu, água no Alentejo, vias no Cávado... «Pessoalmente, o PRASD foi uma oportunidade de lutar contra a maré. Acho que nestas regiões estava muita gente a discordar comigo. É um pouco frustrante pedir a diversificação do ciclo produtivo e tratar de coisas que se produzam para serem vendidas e vermo-nos constantemente confrontados com a reivindicação de mais estradas. Manifestamente, não era aquilo que as pessoas queriam ouvir», explica Daniel Bessa. Para o economista, o problema da obsessão pelo investimento físico é também cultural. «Em Portugal, há esta cultura de desmerecer o imaterial, que foi o que fez o sucesso da Irlanda ou da Não se Finlândia. Custa-me, por pode exemplo, a acreditar que uma barragem seja a medida pedir emblemática para uma região como o Dão-Lafões». o É por esta razão que Daniel Bessa suicídio teme que não se possa fugir ao anúncio de obras emblemáticas. político «O Governo até pode estar disponível para seguir o melhor ao caminho, mas não é o que as Governo pessoas querem ou sentem como necessário». O economista acrescenta que será o «primeiro a compreender» caso o Conselho de Ministros para a Coesão venha a optar pelo betão. «Isto é uma questão cultural e o Governo, este ou qualquer outro, não está na melhor posição. Muitas dessas obras recolheriam o aplauso mais fácil. E, quer se queira quer não, os Governos vão a votos, e não se pode pedir o suicídio político». BREVES Bloco de Esquerda não esquece Citigroup Socialistas pedem atenção ao Porto Novo director do Fisco mantém salário O BLOCO de Esquerda quer saber se o Ministério das Finanças vai vender este ano mais dívidas ao Citigroup. Pede também informação sobre o custo da operação em 2003 e sobre como correu a titularização nos mercados internacionais. «Como se explica o silêncio sobre o resultado de uma operação que deveria ser pública e transparente?», criticam. O PS quer aprovar no Parlamento uma operação integrada de desenvolvimento para o Porto, a financiar pelo Orçamento do Estado para 2005. As quatro medidas lançadas pelo Governo no Verão de 2003 para combater o desemprego no distrito só criaram 28 empregos. O ESTADO vai pagar ao novo director-geral dos Impostos, Paulo Jorge Macedo, o salário que este recebia como administrador do BCP. O «Correio da Manhã» avança um valor de ¤60 mil, doze vez mais do que recebia o antigo director do Fisco. Educação e tecnologia, diz Paul Krugman PORTUGAL deve investir em tecnologia, melhorar a educação e aumentar as exportações para conseguir competir, avisou o economista americano na conferência do «Semanário Económico». Portugal tem a nona inflação mais alta PORTUGAL tem a nona inflação mais elevada da União Europeia alargada. A taxa de inflação homóloga da UE dos 25 foi de 1,9% em Abril, contra 2,4% em Portugal. Com maior subida de preços só Espanha (2,7%), Luxemburgo, Grécia, Eslovénia, Malta, Letónia, Hungria e Eslováquia (7,8%).