Núcleo de Educação Popular 13 de Maio - São Paulo, SP . CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA EDIÇÃO Nº1275/76 – Ano 29; 2ª e 3ª Semanas Dezembro 2015. A Natureza do Ajuste Econômico . JOSÉ MARTINS Destruição deliberada de uma das maiores economias do mundo. Induzida a sangue frio pela política econômica. A falência das contas públicas no centro da ingovernabilidade política da protoburguesia brasileira. No começo de 2015, o governo diagnosticou que a política econômica anticíclica anterior de Guido Mantega era a grande responsável pelos desequilíbrios da economia, aumento dos preços e queda do crescimento. Decidiu mudar de cabo a rabo aquela política. Implantou um ajuste das contas públicas para eliminar os desequilíbrios. Como? Aumento da taxa de juro do Banco Central; ordem a bancos estatais e privados de secar o crédito ao mercado; cortes profundos das despesas primárias e, pelo menos se imaginava, elevação das receitas totais do governo. Promessa ao distinto público que os primeiros resultados positivos começariam a aparecer já neste final de ano. Remédio amargo para o paciente se recuperar logo e com boa saúde. Todo mundo engoliu o milagroso remédio. Sem pensar. Vejamos no que deu. DEZ MESES DEPOIS, a temperatura no interior do aparelho fiscal da União apresenta níveis altamente preocupantes. A inflação anual já ultrapassava os 10%. A carestia avança. A produção e o emprego desabam. A ingovernabilidade se instala. O processo se inicia com a falência das contas públicas. Observemos os resultados fiscais da União no ano, publicados em 30/11/15 pelo Banco Central e Tesouro Nacional. Brasil: Déficit primário, gasto com juros e déficit nominal (R$ milhões) Mês Déficit primário Gasto com juros Déficit Nominal jan/15 -21.062,81 18.021,54 -3.041,27 fev/15 2.299,65 56.337,06 58.636,71 mar/15 -239,36 69.488,63 69.249,27 abr/15 -13.445,01 2.212,79 -11.232,22 mai/15 6.900,41 52.877,02 59.777,44 jun/15 9.323,15 26.933,07 36.256,22 jul/15 10.018,65 62.752,92 72.771,57 ago/15 7.309,98 49.703,21 57.013,19 set/15 7.318,33 69.993,08 77.311,41 Out/15 11.530,19 17.883,74 29.413,93 19.953,18 426.203,06 446.156,25 Acumulado em 2015 Fonte: Banco Central. Notas econômico-financeiras para a imprensa – Politica Fiscal; Tesouro. (Vol. 22, N. 10 – Novembro/2015). Elaboração: Crítica Semanal da Economia. Em outubro de 2015, o setor público registrou déficit primário de R$11,53 bilhões. O chamado déficit primário é aquele em que ainda não são computados os pagamentos dos 1 juros para os bancos. Mesmo assim, é o pior resultado para um mês de outubro na série histórica iniciada em 2001. Medido em doze meses, o déficit é de R$ 40,9 bilhões, elevando-se de 0,45% do PIB, em Setembro, para 0,71%, em outubro. No acumulado do ano, como indicado na tabela acima, o déficit primário somou R$ 19,953 bilhões. Também é o pior resultado da história para o período. VIVA OS PARASITAS – aparentemente pequeno, o déficit primário acumulado no ano é na verdade muito elevado para quem tem que pagar uma montanha incalculável de juros para os banqueiros nacionais e estrangeiros. A gravidade da situação fica mais clara, portanto, quando se considera o chamado déficit nominal, que adiciona as despesas devidas ao pagamento dos juros aos bancos às despesas já contabilizadas no déficit primário. Como se verifica na tabela acima, os juros nominais totalizaram R$17,88 bilhões em outubro, comparativamente a R$69,99 bilhões em setembro. No acumulado no ano, os juros nominais alcançaram R$426,20 bilhões, comparativamente a R$230,70 bilhões no mesmo período do ano anterior. Quase o dobro. Encontramo-nos aqui com o primeiro elemento de ruptura e descontrole absoluto das contas públicas e, consequentemente, da própria governabilidade da economia. Para alimentar os parasitas do sistema o governo perde progressivamente a capacidade de controlar suas próprias contas. Cai no “cheque especial”. E vê sua receita sendo engolida descontroladamente pelos juros. Em doze meses, os juros nominais atingiram R$506,9 bilhões (8,79% do PIB). Nunca na história deste país se presenciou uma elevação tão rápida das despesas com juros. E com esta inacreditável magnitude. São massas reais de mais-valia retiradas autoritariamente da circulação do capital (via tributação) e entesouradas nos cofres da burguesia parasita. Nesta última categoria não se encontram só os banqueiros estrito senso, mas todas as classes dominantes nacionais e estrangeiras em conjunto – desde a burguesia industrial, proprietários fundiários, etc., até a imensa classe média assalariada dos managers e gerentes em geral – que conservam e acumulam capital-dinheiro na esfera puramente financeira da economia através de papéis de renda fixa, renda variável, etc. Esse banco de sangue dos parasitas depende do aumento da dívida pública. A conversão desta massa de capital-dinheiro esterilizada na forma de capital fictício (8,79% do PIB) em dinheiro-capital seria mais do que suficiente para uma explosão de produção, emprego e consumo da sociedade. Mas, não se deve esquecer, a economia é sempre política. O que determina as decisões econômicas domésticas é a luta de classes no próprio interior das economias e a particular relação geopolítica de dominação ou submissão de cada país no mercado mundial e no sistema imperialista. Os economistas monetaristas e do imperialismo que atualmente controlam a política econômica nacional e aplicam o plano de ajuste das contas públicas afirmam erroneamente que os juros pagos aumentam porque o governo gasta muito com as despesas primárias (gastos sociais, Previdência, etc.). Trata-se então de cortá-las ao máximo, em nome de um imaginário reequilíbrio e retomada do crescimento. Mas como se vê pelos números da tabela acima, o déficit primário acumulado no ano (R$ 19,953 bilhões) é um volume irrisório perto do volume de gastos com juros no mesmo período. Os gastos primários não criam nenhuma exagerada necessidade de financiamento do setor público. Acontece que os gastos com juros aumentam de maneira induzida – pela elevação da taxa básica de juros do Banco Central – ou, de maneira autônoma, pela própria rolagem da dívida pública interna. De um lado, os gastos com juros aumentam catastroficamente devido a uma crescente elevação da taxa básica de juros do Banco Central (a maior do mundo, no caso do Brasil); de outro lado, esses gastos devem ser financiados com a mesma dinâmica de um “cheque especial” que apresenta sua fatura a 2 cada mês. Exponencialmente. É essa dinâmica de acumulação de dinheiro público pelos parasitas da sociedade que deve ser cortada imediatamente para se reequilibrar as contas públicas. Caso contrário – como já se pode verificar nos seus resultados apurados nos dez meses do ano – o problema só vai aumentar. EUTANÁSIA DA PRODUÇÃO. O parasitismo do atual ajuste econômico é registado pela diferença de aceleração do déficit primário e do déficit nominal. No acumulado do ano, até outubro, como se observa na tabela, registra-se um déficit nominal de R$ 446,146 bilhões, comparado com o déficit de R$242,2 bilhões no mesmo período do ano anterior. Quer dizer, o déficit nominal da era Joaquim Levy já é quase o dobro do mesmo déficit da era Mantega. Só esse dado já serve para desmentir o argumento que os desequilíbrios atuais do setor público são devidos unicamente aos “erros acumulados da desastrosa política econômica anterior”. Na verdade, o desastre é muito maior agora do que na administração anterior. O que ainda estava na garantia e era para ser consertado quebrou de vez. Ora, como prometido pelos próprios formuladores e condutores do atual ajuste fiscal, no seu anúncio no final do ano passado, neste final de 2015 já se apresentariam claros resultados de reequilíbrio fiscal do governo e de retomada do crescimento. Tiveram tempo para isso. No entanto, o que se presencia é que em menos de um ano, o remédio amargo da prometida receita de redenção da política econômica conseguiu apenas causar danos dificilmente reparáveis, principalmente no que se refere à explosão da dívida interna e, consequentemente, no gigantesco volume de juros e recursos esterilizados nos circuitos do capital fictício. O resultado desse parasitismo inerente ao atual ajuste econômico não é apenas moral ou meramente concentrador de renda. O problema mais sério é que ele desestruturou internamente a administração das finanças públicas e provocou uma precoce e perigosíssima crise na produção industrial. Brasil - Variação percentual da despesa primária, receita líquida e produção industrial (Acumulado Janeiro/Outubro 2015) Despesa primária Receita Produção Industrial 0,0% -0,1% -5,0% -10,0% -15,0% -18,2% -20,0% -21,4% -25,0% Elaboração: Crítica Semanal da Economia Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física (PIM-PF) e Tesouro Nacional – Resultado do Tesouro Nacional Vol.22, N.10-Novembro/2015 3 Os indiscriminados cortes de despesas correntes e de investimentos do setor público foram acompanhados por uma abrupta queda das suas receitas totais. Como se verifica no gráfico acima, enquanto as despesas acumuladas até outubro mantiveram-se praticamente constantes, as receitas caíram impressionantemente (21,4% no ano). Se a política monetária de elevação dos juros e de forte contração do crédito pode favorecer os rentistas do sistema, como vimos acima, ela reduz necessariamente a demanda por bens industrializados. Promove a eutanásia da produção. O resultado imediato é uma redução acumulada no ano da produção industrial de bens duráveis de 18,2 %. Essa redução da produção e do correspondente nível de atividade da economia é o elemento que provoca queda significativa das receitas totais do governo. E aumenta o déficit. Há uma incrível correlação entre a queda da produção industrial e a das receitas do Tesouro. Assim, junto com a elevação da taxa básica de juros (aumento das despesas públicas) a fulminante queda da receita é o que explica o aumento recorde do déficit e descontrole atual das contas públicas brasileiras. PERIGOSA AVENTURA BURGUESA. Os economistas da tesoura foram os únicos surpreendidos pelo indesejado resultado. Falta-lhes teoria econômica. E o déficit primário não parou de crescer no decorrer do ano. Mesmo com a tesoura comendo solta nas despesas sociais e de investimento do governo. Para justificar os crescentes déficits primários, exatamente o oposto do que prometeram dez meses antes, os desastrados tesoureiros culparam a “imprevista queda das receitas”. Esse tipo de ignorância teórica e de irresponsabilidade prática os leva agora a outros delitos econômicos, como, por exemplo, à idiotice de compensar essa queda das receitas com novos aumentos de impostos. Isso reforçará ainda mais o impacto sobre a já deprimida demanda. E permite vislumbrar uma perspectiva assustadora para a produção real do país Todas essas barbeiragens emolduram um sinistro quadro econômico para os próximos trimestres. Brasil: Índice da produção industrial no ramo de bens de consumo duráveis (Jan/2005=100) 160 147,51 140 120 100 100,00 100,28 80 82,46 60 set/15 jan/15 mai/14 set/13 jan/13 mai/12 set/11 jan/11 mai/10 set/09 jan/09 mai/08 set/07 jan/07 set/05 mai/06 jan/05 40 Elaboração: Crítica Semanal da Economia Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física (PIM-PF) O que começou como queda da produção industrial impulsionada pela elevação da taxa de juros, ajuste fiscal do governo e contração da demanda agora se transforma em 4 depressão econômica. Como é ilustrado pelo gráfico acima, em setembro deste ano o núcleo da produção industrial (bens de consumo duráveis) já tinha regredido para o mesmo patamar de janeiro de 2005. Mas a queda brutal de aproximadamente 30% sobre o mesmo mês de setembro do ano passado não era absolutamente necessária. Nenhuma grande economia do mundo sofreu nos últimos doze meses essa queda da produção. Do mesmo modo, nenhuma delas está elevando a taxa de juros como no Brasil no período recente; ao contrário, estão diminuindo, como na China e na Índia, apenas para ficar nas outras duas maiores economias do grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e South África). Todas têm desequilíbrios fiscais parecidos aos do Brasil. Mais graves ainda em algumas variáveis fiscais e financeiras. Mas ninguém é maluco de fazer um “plano de austeridade” quando a economia internacional se aproxima de mais um potente choque global de superprodução. Por enquanto está todo mundo se segurando. Fazendo fortes políticas anticíclicas. Sem vacilar. Dos EUA à África do Sul. Da Alemanha à Austrália. Menos o Brasil. Portanto, a protoburguesia brasileira é a única culpada por antecipar o inferno da crise. Crise antes da hora mundial. Crise à brasileira orquestrada pela inteligentíssima dupla Dilma/Levy, que mais parecem dois elefantes dançando apaixonadamente em uma loja de porcelanas. Essa precipitação dentro do ciclo global vai ser cobrada quando essa crise nacional induzida pela sua idiota burguesia se encontrar na pororoca da próxima crise internacional que, diga-se de passagem, já se avista no horizonte dos próximos dois a três trimestres. Uma coisa já se pode afirmar com segurança: quando explodir essa próxima crise global, a produção industrial brasileira já estará abaixo do ponto mais baixo da última crise de 2008/2009. Em janeiro de 2009, como se pode comprovar na curva acima, a produção havia caído para 82,46. Alguém duvida que este recorde de queda seja triunfalmente superado ainda no primeiro trimestre de 2016? Veremos a seguir as consequências desta perigosa aventura burguesa sobre a parte da classe trabalhadora mundial que habita e trabalha neste fim de mundo chamado Brasil. 5