Taquiarritmia Fetal com Condução Atrioventricular 1:1. Infusão em

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Arq Bras Cardiol
volume 75, (nº 1), 2000
Leiria
cols.
Relato
de eCaso
Taquiarritmia fetal com teste diagnóstico com adenosina
Taquiarritmia Fetal com Condução Atrioventricular 1:1. Infusão
em Veia Umbilical de Adenosina como Teste Diagnóstico
Tiago L. L. Leiria, Gustavo G. de Lima, Rejane F. Dillenburg, Paulo Zielinsky
Porto Alegre, RS
Relatamos um caso de taquicardia fetal, com condução atrioventricular 1:1, em uma gestação de 25 semanas,
detectado pela ecocardiografia pré-natal. Foi realizada
infusão de adenosina, via cordocentese, como teste diagnóstico para elucidar o diagnóstico diferencial entre taquicardia supraventricular por reentrada atrioventricular e flutter atrial. Após infusão, foi obtida dissociação
atrioventricular 2:1, transitória, confirmando o diagnóstico de flutter atrial e a terapia transplacentária com digoxina e amiodarona foi instituída com sucesso.
O diagnóstico de taquiarritmias fetais consiste em uma
tarefa desafiadora e se baseia no estudo ecocardiográfico 1,2.
As taquiarritmias supraventriculares fetais podem ser enquadradas em dois grupos: as dependentes do nó atrioventricular e as independentes do nó atrioventricular, de acordo
com o mecanismo arritmogênico que apresentam 3. As primeiras são as taquicardias reentrantes por via acessória ou
as taquicardias por reentrada nodal. O segundo tipo inclui
flutter atrial (mais freqüente), fibrilação atrial, taquicardia
atrial multifocal, taquicardia por reentrada no nó sinusal e taquicardia sinusal. Recentemente, a adenosina vem sendo
utilizada no manejo de arritmias fetais 4. Esta droga é um
nuscleosídeo purídico, que diminui a velocidade de condução dentro do nó artrioventricular, interrompendo, desta
maneira, o circuito reentrante. Como agente diagnóstico, a
adenosina pode ser utilizada para a diferenciação de taquicardias supraventriculares mediadas por via acessória ou
reentrada nodal do flutter atrial com condução 1:1.
Relato do caso
Mulher de 31 anos, caucasiana, branca, em gestação
de 25 semanas de duração, buscou atendimento na Unidade
de Cardiologia Fetal do Instituto de Cardiologia do Rio
Grande do Sul, motivada pela evidência de taquicardia fetal
em visita obstétrica de rotina. Nessa ocasião, a freqüência
Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de
Cardiologia – Porto Alegre
Correspondência: Paulo Zielinsky – Instituto de Cardiologia do RS – Unidade de
Pesquisa - Av. Princesa Isabel, 395 - 90620-001 - Porto Alegre, RS
Recebido para publicação em 23/7/99
Aceito em 13/10/99
cardíaca do feto havia sido descrita como sendo superior a
200bpm.
O exame ecocardiográfico fetal evidenciou taquicardia
supraventricular, com condução atrioventricular 1:1 e freqüência cardíaca maior que 300bpm (fig. 1). O feto não era
hidrópico e, também, não apresentava nenhuma anormalidade cardíaca estrutural. Com isso, instituiu-se terapia transplacentária com dose de ataque de 1mg/dia de digoxina.
No terceiro dia foi observada piora do quadro, com aparecimento de insuficiência cardíaca, evidenciada pela presença de ascite e derrames pleural e pericárdico à ecocardiografia fetal. Por esse motivo, foi instituída infusão de
adenosina, via cordocentese, para diminuição imediata, mas
transitória, da freqüência cardíaca, que passou de 340 para
170bpm, sendo então observado bloqueio atrioventricular
2:1, preenchendo, assim os critérios para o diagnóstico de
flutter atrial (fig. 2).
Foi administrada amiodarona (15mg/kg), via cordocentese, pois, em casos de hidropisia fetal, freqüentemente
a terapia transplacentária é ineficaz. Com essa medida, a arritmia foi interrompida. Devido à recorrência de flutter atrial,
durante o procedimento, o feto foi tratado com digoxina
(0,03mg/kg) e com nova dose de amiodarona (15mg/kg),
ocorrendo reversão para ritmo sinusal. Episódios esporádicos de flutter atrial, de curta duração, foram observados 10h
após o procedimento. Terapia transplacentária com amiodarona intravenosa (1,3g/dia) mais digoxina por via oral
(0,25mg/dia) foi instaurada. Realizada uma terceira cordocentese após uma semana, sendo novamente obtida reversão da arritmia para ritmo sinusal com a administração de
15mg/kg de amiodarona. No quinto dia não havia mais sinais de hidropsia fetal. A digoxina foi retirada no 15º dia,
sendo mantida dose oral materna de 200mg de amiodarona
diariamente. O controle ecocardiográfico fetal mostrou ritmo sinusal com freqüência de 130bpm, até a alta hospitalar.
Discussão
O diagnóstico de taquiarritmia fetal é suspeitado quando a freqüência cardíaca ultrapassa 200bpm 1. As taquiarritmias fetais têm uma prevalência de 0,4-0,6%, sendo a associação de insuficiência cardíaca e hidropisia fetal freqüente, acarretando índices elevados de mortalidade 5-7. A eco65
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Taquiarritmia fetal com teste diagnóstico com adenosina
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volume 75, (nº 1), 2000
Fig. 1 - Ecocardiografia em modo-M mostrando flutter atrial com condução atrioventricular 1:1 (freqüência cardíaca >300bpm). A- sístole atrial; V- sístole ventricular.
cardiografia fetal em modo-M é uma ferramenta de grande utilidade para o diagnóstico definitivo de arritmias, pelo fato de
ser possível identificar a relação temporal existente entre os
batimentos atriais e ventriculares 8. Dependendo da relação,
as taquiarritmias podem ser enquadradas em uma de duas
categorias: aquela em que ocorre dissociação atrioventricular
e aquela em que ocorre condução atrioventricular 1:1 3.
O nó atrioventricular é parte integrante do circuito arritmogênico, tanto nas reentradas atrioventriculares como
nas reentradas nodais. Por isso, essas arritmias são classificadas como nodo-dependentes. Por outro lado, na taquicardia atrial, flutter atrial e fibrilação atrial, o nó AV não participa do circuito da arritmia. Por possuir ritmo irregular e ser de
ocorrência rara em corações normais de fetos, a fibrilação
atrial é facilmente descartada. Com isso, as taquiarritmias
nodo-independentes, com ritmo regular com maior probabilidade de ocorrer no período pré-natal, são a taquicardia
atrial ou o flutter atrial. O flutter atrial é detectado quando a
freqüência de contrações atriais ultrapassa 300bpm, en-
Fig. 2 - Flutter atrial fetal com bloqueio atrioventricular transitório de 2:1 após a
infusão direta de adenosina via cordocentese. A- sístole atrial; V- sístole
quanto que a taquicardia atrial apresenta cifras em torno de
200-280bpm.
Neste relato, é apresentado um caso de taquicardia supraventricular fetal causando hidropisia. A freqüência era
regular, rápida e com condução atrioventricular 1:1. A administração de adenosina foi realizada no intuito de deprimir a
condução pelo nó atrioventricular, gerando dissociação
atrioventricular e com isso confirmando o diagnóstico de
flutter atrial e permitindo estabelecimento de um plano terapêutico definitivo.
A adenosina é uma ferramenta útil para o estabelecimento do diagnóstico diferencial entre taquicardia supraventricular (mediada por via acessória ou reentrada nodal) e
flutter atrial com condução atrioventricular 1:1.
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