complicações das terapias antineoplásicas: prevenção e tratamento

Propaganda
Investigação, 14(6):121-124, 2015
REVISÃO DE LITERATURA |
CIÊNCIAS DA SAÚDE
COMPLICAÇÕES DAS TERAPIAS
ANTINEOPLÁSICAS: PREVENÇÃO E
TRATAMENTO DA MUCOSITE ORAL
Complications in cancer therapies: prevention and
treatment of oral mucositis
1
Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca, São Paulo, Brasil.
Matheus E. Barillari1*, Mariana N. Goulart1, Antonio C. P. Gomes1
* Av. Dr Armando Sales Oliveira, 201, CEP: 14.404-600, Pq. Universitário, Franca – SP
Email: [email protected]
RESUMO
ABSTRACT
Os efeitos colaterais das terapias antineoplásicas impactam na qualidade de vida dos pacientes com
câncer. Dentre estes efeitos, as complicações orais, interferem diretamente na conduta terapêutica para
o tratamento oncológico. A mucosite oral se destaca como o efeito de maior importância e frequência
encontrado nestes pacientes. Apesar dos estudos e pesquisas frequentes relacionadas à esta complicação,
o tratamento atual ainda tem como objetivo o controle dos sintomas, sendo um cuidado paliativo a
fim de evitar a suspensão do tratamento antineoplásico. Esta revisão de literatura tem o objetivo de
salientar a importância do cirurgião-dentista no tratamento destas complicações e da manutenção da
saúde bucal prévia aos tratamentos médicos.
The side effects of anticancer therapies impact over the quality of life of cancer patients. Among these
side effects, the oral complications interfere directly in the therapeutic approach to cancer treatment.
Oral mucositis stands as the effect of utmost importance and often found in these patients. Despite the
frequent studies and research related to this complication, the treatment relies only to control symptoms,
being a palliative care in order to avoid the suspension of the anticancer treatment. This literature review
aims to inform about the relevance of the dentist in treating these complications, in addition to oral
health maintenance prior to medical treatment.
Palavras-chave: mucosite oral, odontologia, prevenção, tratamento, radioterapia, quimioterapia.
ISSN 21774080
121
Keywords: Oral mucositis, dentistry, prevention, treatment, radiotherapy, chemotherapy.
Investigação, 14(6):121-124, 2015
INTRODUÇÃO
Em 2014, as estatísticas do Instituto Nacional do
Câncer revelaram cerca de 576.580 novos casos de câncer
na população brasileira, contra 472.050 em 2006 (VIEIRA e
LOPES, 2006; INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER, 2014). Em
contrapartida, estudos e pesquisas fomentaram a prática das
terapias antineoplásicas, que garantem aumento na qualidade
de vida dos pacientes. A radiação ionizante, a quimioterapia e
imunoterapia são os principais métodos de tratamento para o
combate desta doença,dependendo do tipo, grau, localidade e
da malignidade do tumor (HESPANHOL et al. 2010; PAIVA et al.
2010).
Xerostomia, trismo, cárie de radiação, mucosite,
osteorradionecrose são alguns dos efeitos adversos orais
causados pelas terapias anti-neoplásicas (VIEIRA e LOPES,
2006). Os efeitos da mucosite e outras complicações orais
são determinantes no tratamento anti-neoplásico; pois a
sensibilidade, desconforto e a própria dificuldade de nutrição
podem substituir ou até mesmo suspender a terapia de escolha.
Em casos extremos, o paciente pode necessitar de nutrição via
enteral ou parenteral (VIEIRA e LOPES, 2006; SANTOS et al. 2009).
A literatura estudada revelou inúmeros protocolos para
o tratamento e prevenção dessas complicações orais como a
utilização de laser de baixa potência, bochechos com gluconato
de clorexidina ou bicarbonato de sódio, isolados ou combinados,
uso sistêmico de analgésicos ou opiáceos em casos de graus
intensos de mucosite e anestésicos de uso tópico. O tratamento
é baseado nos sintomas, ou seja, abordagem paliativa com
o objetivo de minimizar o desconforto do paciente (VIEIRA e
LOPES, 2006; VOLPATO et al. 2007; HESPANHOL et al. 2010).
O PACIENTE COM CÂNCER
MUCOSITE
O cuidado com o paciente que se submete ao tratamento
oncológico (quimioterapia, radioterapia ou transplante
de medula óssea) é composto por protocolos que visam a
promoção da saúde do mesmo (ARAÚJO et al. 2007). Tendo a
odontologia como perspectiva, o cirurgião-dentista deve atuar
no cuidado integral dos acometidos, ressaltando a prevenção e o
tratamento destas alterações bucais consequentes das terapias
antineoplásicas. Dentre essas alterações bucais citam-se:
mucosite, osteoradionecrose, xerostomia, disgeusia, infecções
secundárias, cáries de radiação, trismo, entre outros (VIEIRA e
LOPES, 2006; ARAÚJO et al. 2007; VOLPATO et al. 2007).
A inflamação da mucosa, mucosite, causada pela
oncoterapia é a complicação bucal mais encontrada nos
pacientes que se submetem à este tratamento. Cerca de 40%
dos pacientes que utilizam da quimioterapia como tratamento
de escolha desenvolvem esta afecção oral. Já na combinação
da quimioterapia com a radioterapia, 34-43% dos pacientes
desenvolverão mucosite severa, dependendo da localização do
tumor. Os pacientes que possuem tumores na região de cabeça e
pescoço e recebem radiação local, cerca de 90-97% dos mesmos
desenvolverão mucosite (VOLPATO et al. 2007).
Este trabalho tem o objetivo de elencar as terapias atuais
voltadas ao tratamento e a prevenção da mucosite (VIEIRA e
LOPES, 2006; ARAÚJO et al. 2007; KELNER e CASTRO, 2007; PAIVA
et al. 2010).
ISSN 21774080
122
É o termo adotado para uma reação inflamatória da mucosa
oral, podendo ser induzida pelas terapias antineoplásicas:
quimioterapia, radioterapia ou transplante de medula óssea
ou outros tipos de mucosite encontrados na cavidade oral
(SANTOS et al. 2009). Dentre os sinais clínicos destacam-se
eritema, edema, ulceração e descamação oral. Já os sintomas
se caracterizam pelo desconforto bucal acompanhado de dor
que pode resultar em perda de paladar e até dificuldade de
deglutição, além da sensação de queimação (VIEIRA e LOPES,
2006; PAIVA et al. 2010). Estes sintomas podem ser acentuados e
intensificados dependendo da alimentação e dos cuidados orais
do paciente (VIEIRA e LOPES, 2006).
O grau da mucosite pode ser determinante para a
continuidade do tratamento oncológico ou se o mesmo terá
que ser interrompido (LABBATE et al. 2003; VOLPATO et al. 2007;
HESPANHOL et al. 2010). Na quimioterapia, o aparecimento
de lesões ocorre entre o quinto e décimo dia de medicação, e
dependem do tipo de fármaco administrado. Já na radioterapia,
as lesões surgem aproximadamente entre a terceira e quarta
semana de tratamento (VIEIRA e LOPES, 2006).
A instalação da mucosite depende de variáveis associadas
ao paciente - diagnóstico, idade, nível de saúde bucal, condição
sistêmica e ao tratamento: agente quimioterápico, dose e
frequência de administração da medicação, região irradiada,
volume do tecido irradiado, tipo de radiação ionizante, dose
fracionada e dose cumulativa da radioterapia, uso concomitante
de quimioterapia e radioterapia (VOLPATO et al. 2007).
Investigação, 14(6):121-124, 2015
A Organização Mundial de Saúde classificou a mucosite
a fim de graduar a gravidade das lesões e facilitar a escolha
dos tratamentos: grau 0 – indica ausência de mucosite, ou
seja, ausência de anormalidade; grau I – presença de úlcera
indolor, eritema e podendo ou não estar acompanhado de
dor, sem a necessidade de analgésicos; grau II – presença de
eritema doloroso, área edemaciada, ou úlceras, não havendo
a necessidade de analgesia e alimentação com sólidos; grau
III – presença de úlceras dolorosas onde há interferência na
alimentação do paciente, alterando a dieta para líquidos e o
uso de analgésicos; grau IV – onde os sintomas são severos e
o paciente necessita de alimentação parenteral (VOLPATO et al.
2007; SANTOS et al. 2009; FIGUEIREDO et al. 2013).
TRATAMENTO
A conduta terapêutica visa a abordagem do tratamento
isolado dependente de cada sintoma, e a prevenção de infeções
secundárias – fúngicas ou bacterianas (VIEIRA e LOPES, 2006;
SANTOS et al. 2009).
Cuidados Orais
A manutenção da saúde oral tem importância significativa
para a integridade e saúde da mucosa. Tem por finalidade
reduzir a flora bacteriana local, diminuindo o risco de infecções
secundárias. Os cuidados também são relevantes para redução
do sangramento e de outras complicações bucais como cáries
de radiação, gengivite ou periodontite (VIEIRA e LOPES, 2006).
Analgésicos, anti-inflamatórios e soluções tópicas
A ação destes medicamentos tem o objetivo paliativo
no controle da dor. Esta conduta terapêutica visa a utilização
de analgésicos sistêmicos, opiáceos, analgésicos tópicos,
anestésicos e agentes citoprotetores (VIEIRA e LOPES, 2006;
SANTOS et al. 2009; MARCUCCI, 2012).
Dentro os analgésicos citam-se a codeína associada ao
paracetamol; opióides também são utilizados pela inibição da
recaptação da serotonina e da dopamina e tem sido utilizados
para tratar mucosites grau III e IV (cloridrato de tramadol - dose
máxima de 400mg – 8 cápsulas ao dia) sulfato de morfina (um
comprimido de 10mg ou 30mg a cada quatro horas). Já em
relação aos anti-inflamatórios, faz-se uso da Prednisona (40mg/
dia durante uma semana) (VIEIRA e LOPES, 2006; MARCUCCI,
2012; SALAZAR et al. 2008).
Métodos alternativos como a aplicação de chá de camomila
(4-5 vezes ao dia) e crioterapia, que está indicada para analgesia
em alguns casos da mucosite causada pela quimioterapia.
Pode ser utilizada com a ingestão de água gelada ou pequenas
porções de gelo colocadas na cavidade oral, em contato com
as áreas afetadas até o seu derretimento (VIEIRA e LOPES, 2006;
SANTOS et al. 2009; MARCUCCI, 2012).
Bochechos com clorexidina também são utilizados para o
tratamento dessas lesões, apesar de estudos se opuserem ao uso
(MARCUCCI, 2012) e outros que disponibilizam bons resultados
com a aplicação. A clorexidina em solução aquosa recupera a
mucosa por reduzir a infecção secundária (SANTOS et al. 2009).
Pode estar associada com outras substâncias, como por exemplo,
hidróxido de alumínio com Gluconato de Clorexidina 0,12%, ou
apenas o Gluconato de Clorexidina 0,12% ou 0,2% duas vezes
ao dia (SALAZAR et al. 2008).
ISSN 21774080
123
Laser de baixa intensidade (LILT – Low Intensity Level
Treatment)
É um dispositivo composto por um meio ativo (substâncias
gasosas, sólidas ou líquidas) que quando estimuladas por
energia, geram luz (VIEIRA e LOPES, 2006). Há estudos onde a
laserterapia tem a capacidade de diminuir a dor e aumentar os
efeitos biológicos como a reparação tecidual, a bioestimulação
e a analgesia do local onde aplicado (KELNER e CASTRO, 2007;
SANTOS et al. 2009; FIGUEIREDO et al. 2013).
A absorção de luz é feita por uma fina camada de tecido,
portanto, os lasers mais eficazes são aqueles com baixa potência
de penetração. Os de baixa intensidade aumentam o metabolismo
celular onde a atividade mitocondrial é estimulada, atuando
como analgésico. É uma terapia de fácil manuseio e atraumática
para o paciente. Os protocolos existentes na literatura indicam a
aplicação diária, previamente à terapia antineoplásica, em torno
de 5 a 10 minutos, de forma pontual diretamente sobre as lesões
(VIEIRA e LOPES, 2006; KELNER e CASTRO, 2007; FIGUEIREDO et
al. 2013).
PREVENÇÃO
Estudos visam tratamentos profiláticos para a prevenção
da mucosite oral induzida por terapias antineoplásicas. Os
métodos de prevenção são os mesmos utilizados no tratamento
destas lesões, todavia, em protocolos de aplicações diferentes.
Sintetizando artigos de estudos sobre a mucosite oral, alguns
autores defenderam a importância da manutenção da higiene
oral. Quando essa estiver comprometida, pode aumentar o
surgimento destas lesões e da microbiota bucal, auxiliando
para o aparecimento de infecções oportunistas (VIEIRA e LOPES,
2006; KELNER e CASTRO, 2007; GONDIM et al. 2010).
Investigação, 14(6):121-124, 2015
Protocolos de aplicação do laser de baixa intensidade são
utilizados para a prevenção do surgimento da mucosite oral, pela
sua capacidade de bioestimulação e aumento do metabolismo
celular, assim, retardando o aparecimento das lesões (GONDIM
et al. 2010). Além de algumas substâncias como a clorexidina,
benzidamina e amifostina, são aliadas à bochechos e vêm
representando melhoras significativas nos quadros de mucosite
oral (VIEIRA e LOPES, 2006).
Portanto, ao analisar os efeitos da mucosite oral induzida
pela oncoterapia e os métodos de tratamento da mesma, é de
suma importância que o cirurgião-dentista tenha conhecimento
desta complicação oral resultante de uma terapia, sabendo que
a gravidade das lesões pode afetar significantemente a terapia
antineoplásica aplicada no paciente.
Labbate R, Lehn CN, Denardin OVP 2003. Efeito da clorexidina na
mucosite induzida por radioterapia em câncer de cabeça e pescoço.
Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. 69(3): 349-54.
Marcucci G. 2012. Fundamentos da odontologia: estomatologia. Santos Editora,
São Paulo, p.207-08.
Paiva MDEB, Biase RCCG, MORAES JJC et al. 2010. Complicações orais decorrentes da
terapia antineoplásica. Arquivos em Odontologia. 48(01): 48-55.
Salazar M, Victorino FR, Paranhos LR et al. 2008. Efeitos e tratamento da radioterapia
de cabeça e pescoço de interesse ao cirurgião dentista. Revista Odonto. 31: 62-8.
Santos PSS, Messaggi AC, MANTESSO A et al. 2009. Mucosite oral: perspectivas atuais
na prevenção e tratamento. Revista Gaúcha de Odontologia. 57(3): 338-344.
Vieira ACF e Lopes FF 2006. Mucosite oral: efeito adverso da terapia antineoplásica.
Revista de Ciências Médicas e Biológicas. 5(3): 268-274.
Volpato LER, Silva TC, Oliveira TM et al. 2007. Mucosite bucal rádio e quimioinduzida.
Revista Brasileira Otorrinolaringologia. 73(4):562-68.
REFERÊNCIAS
Araújo SSC, Padilha DVP, Baldisserotto J. 2007. Saúde bucal e qualidade de vida em
pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Revista Faculdade Odontologia de Porto
Alegre. 48(1/3): 73-6.
Doc. Eletrônico. Instituto Nacional do Cancer (Brasil). Coordenação de prevenção e
vigilância. Incidência do Câncer no Brasil: estimativa 2014. Disponível em: www.
inca.gov.br/estimativa/2014 [Acesso em: 09/2015].
Figueiredo ALP, Lins L, Cattony AC et al. 2013. Laser terapia no controle da
mucosite oral: um estudo de metanálise. Revista da Associação Médica Brasileira.
59(5):467-74.
Gondim FM, Gomes IP, Firmino F 2010. Prevenção e tratamento da mucosite oral.
Revista de Enfermagem UERJ. 18(01): 67-74.
Hespanhol FL, Tinoco EMB, TEIXEIRA HGC et al. 2010. Manifestações bucais
em pacientes submetidos à quimioterapia. Ciência & Saúde Coletiva,
15(Supl.1):1085-1094.
Kelner N e Castro JFL 2007. Laser de baixa intensidade no tratamento
da mucosite oral induzida pela radioterapia: relato de casos clínicos.
Revista Brasileira de Cancerologia. 53(1): 29-33.
ISSN 21774080
124
Download