A PARÁBOLA REVISITADA Sergio Alves IME – USP INTRODUÇÃO Tradicionalmente o ensino das cônicas é feito na geometria analítica por meio da dedução de suas equações e o conseqüente estabelecimento de alguns resultados geométricos, por exemplo, as propriedades refletoras. A parábola, por sua vez, é apresentada ao aluno do Ensino Fundamental como o gráfico de uma das mais importantes funções estudadas naquele segmento: a função quadrática. Seu desenho aparece na totalidade dos livros didáticos, mas na maioria das vezes, pouca atenção é dada aos métodos de se obter tal curva. Desenvolveremos nestas notas diversas propriedades notáveis da parábola que, apesar de pouco conhecidas da maioria dos estudantes e professores, são plenamente acessíveis e podem ser estabelecidas pelo método sintético da geometria elementar. Um destaque especial é dado à construção desta curva. São discutidos diversos métodos para a obtenção dos pontos de uma parábola bem como são apresentados vários problemas em que uma parábola é determinada com régua e compasso a partir de alguns dados. Além disso, investigaremos diversas construções em que uma parábola é definida como a envoltória da família de suas tangentes. 1 O TRAÇADO DA PARÁBOLA Num fixado plano euclidiano E consideremos uma reta d e um ponto F, F ∉ d. Definimos a parábola como o conjunto ℘ dos pontos P ∈ E que são eqüidistantes de F e de d. Assim, ℘ = {P ∈ E tais que dist(P, F) = dist(P, d)}. O ponto F e a reta d são chamados, respectivamente, o foco e a diretriz da parábola ℘. Esses dois elementos determinam completamente a parábola. A distância do foco F à diretriz d é o parâmetro da parábola ℘. • P • • • • • F • • • d Se H indica o semi-plano de E determinado pela reta d e que contém o foco F então ℘ ⊂ H. Com efeito, se P e F estão em lados opostos de d ou se P ∈ d então dist(P, F) > dist(P, d). Dado um ponto P ∈ E seja X a projeção ortogonal de P sobre d e considere a circunferência Γ de centro P e raio PF. A igualdade PF = PX é equivalente a dizer que Γ é tangente à reta d em X. Logo, a parábola ℘ de foco F e diretriz d pode também ser definida como o conjunto dos centros das circunferências que passam por F e são tangentes a d. d Γ P • X • F A reta e que passa por F e é perpendicular a d é chamada o eixo da parábola ℘. Se um ponto P pertence a ℘ então o seu simétrico P′ em relação à reta e ainda pertence a ℘ de modo que e é um eixo de simetria da parábola. 2 • X P • F • • e d • • P′ X′ Lema A. Seja r uma reta perpendicular à diretriz d de uma parábola ℘. Então r intersecta ℘ num único ponto. Prova. Sendo F o foco de ℘ existe um único ponto P pertencente a r que é eqüidistante de F e de d. Mais precisamente, se r é perpendicular a d em X então P é a intersecção de r com a mediatriz do segmento FX. No caso especial em que r é o eixo e de uma parábola ℘, o único ponto V em que e intersecta ℘ é chamado o vértice da parábola ℘. É importante observar que a demonstração do lema acima nos dá também uma maneira de obter pontos de uma parábola com régua não graduada e compasso. • X • • • • • P • • r F • • d 3 Dados uma reta d e um ponto F, F ∉ d, escolhemos um ponto arbitrário X ∈ d e traçamos a reta r perpendicular a d em X. A intersecção de r com a mediatriz do segmento FX é um ponto da parábola de foco F e diretriz d. Variando a escolha de X ∈ d obtém-se outros pontos da parábola. Descrevemos a seguir outra maneira para determinar, com régua não graduada e compasso, pontos de uma parábola. Dados uma reta d e um ponto F, F ∉ d, traçamos a perpendicular a d que contém F. Seja Q a projeção ortogonal de F sobre d. Em seguida, traçamos uma circunferência Γ de centro F e raio arbitrário r, r ≥ , obtendo o ponto A na intersecção com a semi-reta FQ. Considere os pontos B e B′ na intersecção da reta d com a circunferência de centro A e raio r. Finalmente, as circunferências de mesmo raio r e centros em B e B′, respectivamente, intersectam a circunferência Γ em pontos P e P′ distintos de A e que pertencem à parábola de foco F e diretriz d. Variando a escolha do raio r, r ≥ , obtém-se outros pares de pontos da parábola. Observando que os quadriláteros FABP e FAB′P′ são, na verdade, dois losangos, o leitor não terá dificuldades em justificar esta construção. A parábola também pode ser obtida por meio de métodos mecânicos usando-se um bloco de madeira, uma régua e um barbante. Alinha-se a base inferior do bloco ao longo da diretriz que é representada pelo bordo da régua. Um pedaço de barbante de mesmo comprimento que a lateral do bloco é preso, por um lado, ao extremo superior do bloco e, na outra ponta, a um ponto fixo F. Com a ponta de um lápis localizada num ponto P de modo a manter o barbante esticado, uma parábola de foco F será traçada quando o bloco de madeira deslizar ao longo da diretriz. 4 Problema 1. Determinar, com régua e compasso, uma parábola dados dois de seus pontos e o foco. Solução. Uma parábola é determinada pelo seu foco e sua diretriz. Como são conhecidos o foco F e dois pontos A e B pertencentes à parábola, resta determinar a sua diretriz d. Tal diretriz é tangente tanto à circunferência de centro A e raio AF quanto à circunferência de centro B e raio BF. Logo, a reta procurada d é a tangente comum a essas duas circunferências com a condição adicional de que d não contém o ponto F. A • F • • B d2 d1 Se A, B e F não forem colineares, as duas circunferências, sendo secantes, admitirão duas tangentes comuns e, portanto, existem duas parábolas que satisfazem as condições do enunciado. O resultado será o mesmo se A, B e F forem colineares com o ponto F entre A e B. Mas quando F pertencer a um dos prolongamentos do segmento AB, não haverá nenhuma solução. Veremos a seguir que uma parábola ℘ divide o plano euclidiano E em duas regiões distinguidas. Seja P um ponto do plano euclidiano E, P não pertencente a uma parábola ℘. Sendo r a reta que passa por P e é perpendicular à diretriz d de ℘, consideremos os pontos X e Y em que r intersecta d e ℘, respectivamente. Se tivermos P – Y – X (leia-se 5 o ponto Y está entre os pontos P e X) dizemos que P pertence ao interior da parábola ℘. Caso contrário, dizemos que P pertence ao exterior da parábola ℘. Note que o foco F de ℘ pertence ao interior de ℘ enquanto que os pontos da diretriz d pertencem ao exterior de ℘. Proposição 1. Seja ℘ uma parábola de foco F e diretriz d. Um ponto P pertence ao interior de ℘ se, e somente se, dist(P, F) < dist(P, d). Um ponto P pertence ao exterior de ℘ se, e somente se, dist(P, F) > dist(P, d). Prova. Dado P pertencente ao interior da parábola ℘ seja X a projeção ortogonal de P sobre a diretriz d e Y a intersecção da reta que contém P e X com a parábola ℘. Por hipótese, temos P – Y – X de modo que dist(P, F) = PF < PY + YF = PY + YX = PX = dist(P, d). Por outro lado, seja P um ponto pertencente ao exterior de ℘. Se P e F estão em lados opostos da diretriz d ou se P ∈ d, é imediato que dist(P, F) > dist(P, d). Suponha que P e F estejam do mesmo lado da diretriz d. Sendo X a projeção ortogonal de P sobre a diretriz d e Y a intersecção da reta que contém P e X com a parábola ℘ temos, por hipótese, Y – P – X de modo que YP + PF > YF = YX = YP + PX. Portanto, dist(P, F) = PF > PX = dist(P, d). Em resumo, temos provado que se P pertence ao interior de ℘ então dist(P, F) < dist(P, d) e se P pertence ao exterior de ℘ então dist(P, F) > dist(P, d). As demais implicações agora seguem trivialmente. A FORMA DAS PARÁBOLAS Os textos didáticos freqüentemente descrevem duas figuras semelhantes como tendo a mesma forma, mas não necessariamente o mesmo tamanho. Esta idéia intuitiva de semelhança funciona bem para triângulos, quadriláteros, polígonos em geral e para circunferências onde quaisquer duas circunferências são semelhantes entre si. B′ B A C A′ 6 C′ Se considerarmos a semelhança entre outras classes de figuras, particularmente entre as não limitadas, nossa intuição pode causar certa confusão a respeito desse conceito. Por exemplo, se perguntarmos aos nossos alunos se as duas parábolas abaixo desenhadas têm a “mesma forma”, certamente não haverá o mesmo consenso existente em relação à conhecida representação de triângulos nessa mesma condição. Desde que “mesma forma” não é um conceito matemático claramente definido, podemos reformular nossa pergunta como: São as parábolas acima semelhantes? Evidentemente, a resposta depende de uma definição apropriada de figuras semelhantes. É o que apresentaremos agora. Uma semelhança do plano euclidiano E é uma aplicação bijetora σ: E → E tal que existe um número real k > 0 de modo que, para todo par P, Q de pontos de E, temos P′Q′ = k PQ onde P′ = σ(P) e Q′ = σ(Q). O número k é chamado a razão da semelhança σ. Dados ℘1 ⊂ E e ℘2 ⊂ E, dizemos que ℘1 é semelhante a ℘2 se existir uma semelhança σ: E → E tal que σ(℘1) = ℘2. Segue-se imediatamente da definição acima que se σ1: E → E é uma semelhança de razão k1 e σ2: E → E é uma semelhança de razão k2 então a composta σ2σ1: E → E é uma semelhança de razão k1k2. Quando k = 1, a aplicação σ é chamada uma isometria do plano euclidiano E. Neste caso, σ preserva a distância entre pontos de E e como exemplos dessa classe especial de semelhanças citamos a translação, a rotação e a simetria em relação a uma reta. 7 B A A′ B A′ B′ C A B′ C′ O B C A m A′ C′ B′ O principal exemplo de semelhança que não é necessariamente uma isometria é descrito a seguir. Seja O um ponto do plano euclidiano E e λ um número real não nulo. A homotetia de centro O e razão λ é a aplicação HO,λ: E → E que fixa o ponto O e associa a cada ponto P ∈ E, P distinto de O, o único ponto P′ pertencente à reta OP, com P e P′ do mesmo lado ou em lados opostos de O conforme λ > 0 ou λ < 0, respectivamente, e tal que OP′ = |λ|OP. • HO,3 • P′ HO,−2 • P • O • P′ O • P Observamos que se λ = 1 então HO,1 é a aplicação identidade e se λ = −1 então HO,−1 é a rotação de centro O e ângulo 180, isto é, HO,−1 coincide com a simetria em relação ao ponto O. 8 O leitor não terá dificuldades em verificar que HO,λ: E → E é uma aplicação bijetora cuja inversa (HO,λ)−1 é a homotetia de centro O e razão 1/λ, ou seja, (HO,λ)−1 = HO,1/λ. Utilizando o critério LAL de semelhança de triângulos estabelecemos facilmente que HO,λ: E → E é uma semelhança de razão |λ|. Além disso, dada uma reta m, então HO,λ(m) é uma reta paralela a m e HO,λ(m) = m se, e somente se, m contém O. Outra propriedade importante é que se m e n são retas perpendiculares, o mesmo vale para as retas HO,λ(m) e HO,λ(n). Se σ: E → E é uma isometria e ℘ é uma parábola de foco F e diretriz d, verificamos facilmente que σ(℘) é uma parábola de foco F′ = σ(F) e diretriz d′ = σ(d). Qual a imagem, por uma homotetia HO,λ de uma parábola? Se ℘ é uma parábola de foco F e diretriz d, afirmamos que HO,λ(℘) é uma parábola de foco F′ = HO,λ(F) e diretriz d′ = HO,λ(d). Note que d e d′ são retas paralelas. Sendo ℘′ a parábola de foco F′ = HO,λ(F) e diretriz d′ = HO,λ(d), provaremos que HO,λ(℘) ⊂ ℘′ e ℘′ ⊂ HO,λ(℘). Com efeito, dado P ∈ ℘ seja X a projeção ortogonal de P sobre a diretriz d. Sendo P′ = HO,λ(P) e X′ = HO,λ(X), temos que X′ é a projeção ortogonal de P′ sobre a reta d′ = HO,λ(d) uma vez que a homotetia HO,λ leva retas perpendiculares em retas perpendiculares. Além disso, P′F′ = |λ| PF e P′X′ = |λ| PX, pois HO,λ é uma semelhança de razão |λ|. Como P ∈ ℘ temos PF = PX. Concluímos que P′F′ = P′X′ de maneira que P′ ∈ ℘′ e, portanto, HO,λ(℘) ⊂ ℘′. A prova de ℘′ ⊂ HO,λ(℘) é análoga. 9 Reciprocamente, dadas duas parábolas com diretrizes paralelas, estarão elas relacionadas por uma homotetia? Veremos agora que, em certas situações, isso é verdadeiro. Lema B. Sejam ℘ uma parábola de foco F e diretriz d e ℘′ uma parábola de foco F′ e diretriz d′ onde d e d′ são retas paralelas. Então existe uma semelhança σ: E → E tal que σ(℘) = ℘′. Prova. Como d e d′ são retas paralelas, existe uma translação T1: E → E tal que T1(d) = d′. Sendo ℘1 = T1(℘) temos que ℘1 é uma parábola de foco T1(F) = F1 e diretriz T1(d) = d′. Se F1 = F′ então ℘1 = ℘′ e T1(℘) = ℘′. Supondo que F1 e F′ sejam pontos distintos temos dois casos a considerar dependendo das retas F1F′ e d′ se intersectarem ou não. No caso em que tais retas se intersectam num ponto O, considere λ = tivermos O – F1 – F′ ou O – F′ – F1 e λ = − se se tivermos F1 – O – F′. Sendo ℘2 = HO,λ(℘1) temos que ℘2 é uma parábola de foco HO,λ(F1) = F′ e diretriz HO,λ(d′) = d′. Logo ℘2 = ℘′ e HO,λ(℘1) = ℘′, ou seja, (HO,λT1)(℘) = ℘′. 10 Se as retas F1F′ e d′ não se intersectam considere a translação T2: E → E definida pelo vetor representado pelo segmento orientado F1F′ e tome ℘2 = T2(℘1). Então ℘2 é uma parábola de foco T2(F1) = F′ e diretriz T2(d′) = d′, isto é, ℘2 = ℘′ e T2(℘1) = ℘′. Neste caso (T2T1)(℘) = ℘′. 11 O que podemos dizer a respeito de duas parábolas ℘ e ℘′ com diretrizes não necessariamente paralelas? Utilizando uma adequada rotação, transformamos ℘ em uma nova parábola cuja diretriz é paralela à diretriz de ℘′ e caímos na situação do lema anterior. Em resumo, temos estabelecido uma surpreendente propriedade que vale tanto para a parábola quanto para a circunferência. Proposição 2. Duas parábolas quaisquer são semelhantes entre si. A TANGENTE A UMA PARÁBOLA Pretendemos agora definir reta tangente a uma parábola ℘. Resumidamente, a idéia é fixar um determinado ponto P ∈ ℘ e considerar um ponto variável P′ ∈ ℘, P′ próximo de P. Traçando a reta secante que contém P e P′, a reta tangente a ℘ em P será vista como a posição limite da secante variável quando P′ desliza ao longo da parábola ℘ em direção a P. Lema C. Se por um ponto P pertencente ao exterior de uma circunferência Γ traçarmos uma secante a Γ (em A e B) e uma tangente a Γ (em T) então PA.PB = PT2. Prova. Supondo P – A – B, temos a congruência dos ângulos ∠PBT e ∠PTA de modo que ΔPBT ∼ ΔPTA e o resultado desejado segue-se imediatamente. Observação. Seja Γ uma circunferência do plano euclidiano E de centro O e raio r. Dado um ponto arbitrário P ∈ E, o número p = PO2 − r2 é chamado a potência de P relativamente a Γ. No caso em que P pertence ao exterior de Γ, aplicamos o teorema de Pitágoras ao triângulo retângulo ΔPOT descrito no lema acima e obtemos PA.PB = PT2 = p. Uma conseqüência imediata do lema anterior é o seguinte fato que será usado no argumento a seguir: “Duas circunferências Γ e Γ′ se cortam em dois pontos F e G e uma reta tangente comum as toca em X e X′, respectivamente. Nestas condições, a reta que contém F e G intersecta o segmento XX′ em seu ponto médio”. Observe que essa propriedade continua válida no caso em que Γ e Γ′ são tangentes externamente em F. 12 Sejam P e P′ dois pontos distintos de uma parábola ℘, centros de duas circunferências Γ e Γ′ que passam pelo foco F de ℘ e tangentes à sua diretriz d nos pontos X e X′, respectivamente. A reta que contém P e P′ é perpendicular à reta r que passa por F e pelo ponto médio M do segmento XX′. Fixemos o ponto P e suponha que P′ se aproxime de P ao longo da parábola ℘. Neste caso, a circunferência Γ′ se aproximará da circunferência Γ, o ponto X′ se aproximará do ponto X e, portanto, o ponto M do ponto X. Logo r tenderá, na posição limite, à reta que contém os pontos F e X. Conseqüentemente, a reta determinada pelos pontos P e P′ tenderá, na posição limite, à perpendicular ao segmento FX no seu ponto médio, ou seja, tenderá para a mediatriz do segmento FX. As considerações acima justificam a seguinte definição geométrica de reta tangente a uma parábola. 13 Dado um ponto P pertencente a uma parábola ℘ de foco F e diretriz d, a reta tangente a ℘ em P é, por definição, a mediatriz do segmento FX onde X é a projeção ortogonal de P sobre a diretriz d. Evidentemente, P pertence à reta tangente a ℘ em P uma vez que PF = PX. Além disso, dado um ponto arbitrário P ∈ ℘ existe uma única reta tangente a ℘ em P. Em particular, a reta tangente à parábola ℘ no seu vértice V é a perpendicular, em V, ao eixo da parábola. Destacamos a seguir algumas propriedades básicas envolvendo a noção de reta tangente a uma parábola. A primeira estabelece a equivalência entre a definição acima e a encontrada em outros textos. Proposição 3. Uma reta t é tangente a uma parábola ℘ em P se, e somente se, t ∩ ℘ = {P} e todo ponto Q de t, Q distinto de P, pertence ao exterior de ℘. Prova. Suponha inicialmente que t seja a mediatriz do segmento FX onde F é o foco de ℘ e X é a projeção ortogonal de P sobre a diretriz d. Dado Q ∈ t temos QF = QX e se Q é distinto de P então o segmento QX não é perpendicular a d de modo que QX > dist(Q, d). Concluímos que QF > dist(Q, d), ou seja, Q pertence ao exterior de ℘. Q X P t F d 14 Reciprocamente, suponha t ∩ ℘ = {P} e que todo ponto Q de t, Q distinto de P, pertença ao exterior de ℘. Note que a reta t não é perpendicular à diretriz d. Sendo F′ o simétrico de F em relação a t, provaremos que F′ coincide com a projeção ortogonal X de P sobre d. Conclui-se daí que t é a mediatriz do segmento FX. Se F′ ∈ d com F′ ≠ X então PF′ = PF = PX o que é um absurdo, pois o segmento PX é perpendicular a d enquanto que o segmento PF′ é oblíquo. Se F′ pertence ao semi-plano de E determinado pela reta d e que não contém o foco F então PF′ > PX = PF o que novamente é um absurdo, pois PF′ = PF. t d Γ P X M Y F′ F Q Γ′ Finalmente, se F′ pertence ao semi-plano de E determinado pela reta d e que contém o foco F, considere a circunferência Γ de centro P e que é tangente a d no ponto X. Como P ∈ ℘, segue que Γ passa por F e, portanto, também por F′. Sendo M o ponto em que as retas (não paralelas!) FF′ e d se intersectam, seja Y ∈ d tal que M é o ponto médio do segmento XY. A perpendicular a d em Y intersecta a reta t num ponto Q que é o centro de uma circunferência Γ′ que passa por F e F′ e é tangente à diretriz d no ponto Y. Logo Q ∈ t ∩ ℘ o que é um absurdo, pois Q é distinto de P e t ∩ ℘ = {P}. Proposição 4. (Propriedade refletora das parábolas) Seja ℘ uma parábola de foco F e diretriz d. Uma reta t é tangente à parábola ℘ em P se, e somente se, t contém a bissetriz do ∠FPX onde X é a projeção ortogonal de P sobre a diretriz d. 15 Prova. No caso em que P é o vértice da parábola ℘ temos que P é o ponto médio do segmento FX com F, P e X pertencentes ao eixo de ℘. O resultado desejado é imediato. Se P é distinto do vértice de ℘ então ΔFPX é um triângulo isósceles com PF = PX e uma reta t é a mediatriz do segmento FX se, e somente se, t contém a bissetriz do ∠FPX. Como é sabido, se um raio de luz é refletido num espelho então o ângulo de incidência é congruente ao ângulo de reflexão. Nessa propriedade admite-se o chamado princípio de Fermat segundo o qual um raio de luz atravessa um sistema óptico percorrendo a trajetória que minimiza seu tempo total de percurso. Quando o raio de luz percorre um único meio uniforme, tempo mínimo é equivalente a trajetória de menor comprimento. Girando a parábola em torno de seu eixo obtemos uma superfície de rotação chamada parabolóide. Se um raio de luz emana do foco da parábola, a proposição acima nos garante que o parabolóide o refletirá paralelamente ao eixo. Esse é o princípio dos faróis e das lanternas. Evidentemente, esse princípio funciona na direção contrária. Um raio de luz que incida paralelamente ao eixo numa superfície espelhada na forma de um parabolóide será refletido para o foco e esse é o segredo dos telescópios refletores, dos painéis solares e das antenas parabólicas. 16 A PARÁBOLA COMO ENVOLTÓRIA DE SUAS TANGENTES Uma das propriedades notáveis da parábola é que podemos determiná-la por meio de suas tangentes. Vejamos como. Proposição 5. Seja ℘ uma parábola de foco F e diretriz d. Um ponto X pertence a d se, e somente se, X é o simétrico de F em relação a uma reta tangente a ℘. Prova. Se X é o simétrico de F em relação à reta tangente a ℘ em P então X é a projeção ortogonal de P sobre a diretriz d e, portanto, pertence a d. Reciprocamente, seja X um ponto pertencente à diretriz d. A perpendicular a d em X intersecta a mediatriz do segmento FX num ponto P da parábola ℘ e X é o simétrico de F em relação à reta tangente a ℘ em P. 17 A propriedade acima justifica a seguinte construção. Dados uma reta d e um ponto F ∉ d, escolhemos um ponto arbitrário X ∈ d e traçamos a mediatriz t do segmento FX. A intersecção da perpendicular a d em X com tal mediatriz é um ponto P da parábola de foco F e diretriz d. Além disso, t será a reta tangente à parábola em P. Variando a escolha de X ∈ d obtém-se outras tangentes à parábola. Diremos, neste caso, que a parábola é definida como a envoltória da família de suas tangentes. Problema 2. Determinar, com régua e compasso, uma parábola dados um de seus pontos, o foco e uma reta tangente. Solução. Como é conhecido o foco F da parábola ℘, um ponto A ∈ ℘ e uma reta t tangente a ℘, resta determinar a sua diretriz d. O simétrico X de F em relação a t pertence à diretriz d que, por sua vez, é tangente à circunferência Γ de centro A e raio AF. Logo, a reta procurada d é a tangente à circunferência Γ pelo ponto X com a condição adicional de que d não contém o ponto F. X • F d2 •A t Γ d1 O problema admitirá até duas soluções se AX > AF, isto é, se A e F estiverem do mesmo lado da reta t. A solução será única se A ∈ t (AX = AF) e não haverá solução se A e F estiverem em lados opostos de t (AX < AF). Problema 3. Determinar, com régua e compasso, uma parábola dados um de seus pontos, a diretriz e uma reta tangente. Solução. Como é conhecido a diretriz d da parábola ℘, um ponto A ∈ ℘ e uma reta t tangente a ℘, resta determinar o seu foco F. Sabemos que o simétrico de F em relação a t pertence à diretriz d e, portanto, F pertence à reta d′, simétrica da reta d em relação à t. Por outro lado, F pertence à circunferência Γ de centro A e que é tangente a d. Logo, o ponto procurado F é a intersecção da reta d′ com a circunferência Γ. d′ F2 •A Γ t d 18 F1 O problema terá duas, uma ou nenhuma solução conforme dist(A, d′) seja, respectivamente, menor, igual ou maior que dist(A, d). Como exercício, caracterize essas condições a partir dos dados A, d e t. Proposição 6. Seja ℘ uma parábola de foco F e r a reta tangente a ℘ em seu vértice V. Um ponto Z pertence a r se, e somente se, Z é a projeção ortogonal de F sobre uma reta tangente a ℘. Prova. Sendo Y a projeção ortogonal de F sobre a diretriz d temos que r é a mediatriz do segmento FY. Se Z é a projeção ortogonal de F sobre a reta tangente a ℘ em P então Z é o ponto médio do segmento FX onde X é a projeção ortogonal de P sobre a diretriz d. Quando P é distinto de V, ΔXYF é um triângulo retângulo com hipotenusa FX. Logo ZF = ZX = ZY de modo que Z pertence a r. Quando P coincide com V, o resultado é imediato. Reciprocamente, seja Z um ponto pertencente a r. Logo ZF = ZY. Sendo X o ponto tal que Z é o ponto médio do segmento FX temos que ∠XYF é um ângulo reto, ou seja, X pertence à diretriz d. A perpendicular a d em X intersecta a mediatriz do segmento FX num ponto P da parábola ℘ e Z é a projeção ortogonal de F sobre a reta tangente a ℘ em P. Corolário. Se um ângulo reto do plano euclidiano E varia de modo que seu vértice descreve uma fixada reta r e um de seus lados passa por um ponto fixo F, F não pertencente a r, então o outro lado desenvolve uma parábola de foco F e cuja reta tangente no vértice é r. O corolário acima nos permite determinar, com um esquadro, as retas tangentes a uma parábola. Traçamos uma reta r e escolhemos um ponto F ∉ r a uma distância conveniente de r (exatamente o quanto é essa distância depende do tamanho de seu esquadro). Posicionamos o esquadro de modo que o vértice do ângulo reto pertença a r e um dos catetos passe por F. A reta determinada pelo outro cateto do esquadro é 19 tangente à parábola de foco F. Variando a posição do esquadro, sempre com o vértice do ângulo reto sobre r e um cateto passando por F, obtemos outras tangentes à parábola de foco F. t r • F O corolário acima pode ser estendido para um ângulo não necessariamente reto. A resposta ainda é uma parábola. Proposição 7. Se um ângulo do plano euclidiano E varia de modo que seu vértice descreve uma fixada reta r e um de seus lados passa por um ponto fixo F, F não pertencente a r, então o outro lado desenvolve uma parábola de foco F. Prova. Seja ∠XAY um ângulo de medida α tal que A ∈ r com X e Y pertencentes ao semi-plano de E determinado pela reta r e que contém o ponto F. Suponha ainda que o lado AX do ângulo passe pelo ponto F. 20 Sendo B e C as projeções ortogonais de F sobre as retas r e AY, respectivamente, temos que B e C pertencem à circunferência de diâmetro AF e, portanto, ∠FBC é um ângulo de medida α. Em outras palavras, a reta s que contém os pontos B e C é determinada a partir de B e da medida α. Quando α = 90 as retas r e s coincidem e, conforme vimos no corolário anterior, obtemos a parábola de foco F cuja reta tangente no vértice é r. Para α ≠ 90 consideramos o ângulo reto ∠FCY. Seu vértice descreve a fixada reta s, o lado CF passa pelo ponto F e, assim, o segundo lado CY desenvolve uma parábola de foco F cuja reta tangente no vértice é s. Problema 4. Determinar, com régua e compasso, uma parábola dados duas retas tangentes e o foco. Solução. Como são conhecidos o foco F da parábola ℘ e duas retas t1 e t2 tangentes a ℘, resta determinar a sua diretriz d. As projeções ortogonais Z1 e Z2 de F sobre t1 e t2, respectivamente, pertencem à reta tangente a ℘ em seu vértice que está assim determinada, pois Z1 e Z2 são distintos. A partir da reta que contém os pontos Z1 e Z2, a diretriz é facilmente obtida. d t1 Z1 •F t2 Z2 O problema terá uma única solução se a reta Z1Z2 não passar pelo foco F, ou seja, se as retas t1 e t2 não forem paralelas. Problema 5. Determinar, com régua e compasso, uma parábola dados duas retas tangentes e a diretriz. Solução. Como são conhecidos a diretriz d da parábola ℘ e duas retas t1 e t2 tangentes a ℘, resta determinar o seu foco F. t1 d d2′ F d1′ t2 21 Sabemos que os simétricos X1 e X2 de F em relação à t1 e t2, respectivamente, pertence à diretriz d. Portanto, F pertence às retas d1′ e d2′, simétricas da reta d em relação a t1 e t2, respectivamente. O problema admitirá uma infinidade de soluções se d1′ e d2′ forem retas coincidentes e nenhuma solução se d1′ e d2′ forem paralelas e distintas. Se d1′ e d2′ forem retas concorrentes, a solução será única. Podemos caracterizar essas condições a partir dos dados d, t1 e t2. Teremos uma infinidade de soluções se t1 e t2 forem perpendiculares entre si num ponto pertencente a d. Se t1 e t2 forem paralelas ou perpendiculares entre si num ponto fora de d, o problema não admite solução. Para as demais posições relativas de t1 e t2, o problema tem uma única solução. Os resultados a seguir descrevem interessantes propriedades geométricas das projeções ortogonais, sobre o eixo de uma parábola, tanto de um segmento tangente quanto de um segmento normal. Proposição 8. Seja ℘ uma parábola de foco F e diretriz d. Se a reta tangente a ℘ em P intersecta o seu eixo e no ponto T e se U é a projeção ortogonal de P sobre e então o ponto médio do segmento TU coincide com o vértice da parábola ℘. Prova. Sendo X a projeção ortogonal de P sobre a diretriz d e Z o ponto médio do segmento FX temos que os triângulos ΔPXZ e ΔTFZ são congruentes. Logo Z é o ponto médio do segmento PT. Por outro lado, Z pertence à reta tangente a ℘ em seu vértice V que, por sua vez, é paralela à reta que contém P e U. Concluímos que V é o ponto médio do segmento TU. Dado um ponto P pertencente a uma parábola ℘, a reta normal a ℘ em P é, por definição, a reta que contém P e é perpendicular à reta tangente a ℘ em P. 22 Proposição 9. Seja ℘ uma parábola de foco F e diretriz d. Se a reta normal a ℘ em P intersecta o seu eixo e no ponto W e se U é a projeção ortogonal de P sobre e então o segmento UW tem comprimento constante igual ao parâmetro p da parábola ℘. Prova. Sendo X a projeção ortogonal de P sobre a diretriz d temos que o quadrilátero PWFX é um paralelogramo. Logo, se K é a projeção ortogonal de F sobre a reta PX então UW = KX = dist(F, d) = p. Corolário. Sendo T e W como nas proposições 8 e 9, respectivamente, o ponto médio do segmento TW coincide com o foco F da parábola ℘. Prova. Utilizando as mesmas notações das proposições 8 e 9 temos TF = TV + VF = TU + = (TU + UW) = TW. 23 A PROPRIEDADE ISOGONAL DA PARÁBOLA Vimos anteriormente que dado um ponto arbitrário P pertencente a uma parábola ℘, existe uma única reta tangente a ℘ em P. O próximo resultado nos garante a existência de tangentes a uma parábola em outras situações. Proposição 10. Seja ℘ uma parábola de foco F e diretriz d. a) Dada uma reta r, r não perpendicular a d, existe uma única reta tangente a ℘ paralela a r. b) Dado um ponto A pertencente ao exterior de ℘, existem duas, e somente duas, retas tangentes a ℘ que contém A. Prova. Seja r uma dada reta, r não perpendicular à diretriz d. Logo, a reta que passa por F e é perpendicular a r intersecta d num ponto X. A perpendicular a d em X intersecta a parábola ℘ num único ponto P tal que a reta tangente a ℘ em P é paralela a r. Seja A um ponto do exterior de ℘ de modo que dist(A, F) > dist(A, d). Logo, a circunferência de centro A e que passa por F intersecta d em dois pontos distintos X e Y. 24 As perpendiculares a d em X e Y, respectivamente, intersectam a parábola ℘ em dois pontos P e Q. É imediato verificar que a reta tangente a ℘ em P contém o ponto A e o mesmo vale para a reta tangente a ℘ em Q. Observe que, neste caso, o foco F pertence ao interior do ∠PAQ. Onde estão localizados os pontos que “enxergam” uma parábola ℘ segundo um ângulo reto? Em outras palavras, utilizando-se as notações da proposição acima, a que subconjunto do exterior de ℘ pertence um ponto A tal que m(∠PAQ) = 90? A resposta é dada a seguir. Proposição 11. Seja ℘ uma parábola de foco F e diretriz d e considere as duas retas tangentes a ℘ em P e Q, respectivamente, traçadas a partir de um ponto A pertencente ao exterior de ℘. Uma condição necessária e suficiente para que m(∠PAQ) = 90 é que o ponto A pertença à diretriz d. Nestas condições, o foco F pertence ao segmento PQ e coincide com a projeção ortogonal de A sobre a reta PQ. Prova. Sejam X e Y as projeções ortogonais de P e Q, respectivamente, sobre a diretriz d. Os triângulos ΔAFP e ΔAXP são congruentes uma vez que são simétricos em relação à reta AP. Logo m(∠AFP) = m(∠AXP) e m(∠PAF) = m(∠PAX). Procedendo analogamente com os triângulos ΔAFQ e ΔAYQ temos m(∠AFQ) = m(∠AYQ) e m(∠QAF) = m(∠QAY). Além disso, como F pertence ao interior do ∠PAQ temos m(∠PAQ) = m(∠PAF) + m(∠QAF) = [m(∠XAF) + m(∠YAF)]. Q P F Y X A 25 d É agora imediato que A ∈ d se, e somente se, m(∠PAQ) = 90. Além disso, nessas condições temos m(∠AFP) = 90 = m(∠AFQ). O resultado dado a seguir é referido por alguns autores como a propriedade isogonal (ou angular) da parábola. Proposição 12. Seja ℘ uma parábola de foco F e considere as duas retas tangentes a ℘ em P e Q, respectivamente, traçadas a partir de um ponto A pertencente ao exterior de ℘. Nestas condições, temos ΔAFP ∼ ΔQFA. Conseqüentemente, ∠AFP ≅ ∠QFA e (AF)2 = FP. FQ. Prova. Sejam X e Y as projeções ortogonais de P e Q, respectivamente, sobre a diretriz d da parábola ℘. Como A é a intersecção das mediatrizes dos segmentos FX e FY, segue que A é o circuncentro do ΔFXY. Logo m(∠XYF) = m(∠XAF) = m(∠PAF). Por outro lado, m(∠XYF) = m(∠AQY) e, pela propriedade refletora da parábola, m(∠AQY) = m(∠AQF). Concluímos que m(∠PAF) = m(∠AQF). Um argumento análogo prova que m(∠APF) = m(∠QAF) e, portanto, ΔAFP ∼ ΔQFA. Em particular, ∠AFP ≅ ∠QFA e , ou seja, (AF)2 = FP. FQ. O próximo resultado é atribuído ao matemático francês Jean-Victor Poncelet (1788 – 1867), um dos fundadores da geometria projetiva. Proposição 13. Seja ℘ uma parábola de foco F e considere as duas retas tangentes a ℘ em P e Q, respectivamente, traçadas a partir de um ponto A pertencente ao exterior de ℘. Seja r a reta que contém A e é paralela ao eixo de ℘. Então a reta que contém a bissetriz do ∠PAQ contém também a bissetriz do ângulo agudo formado pelas retas r e AF. 26 Prova. Se r coincide com o eixo da parábola ℘ então as retas r e AF são coincidentes. Neste caso, os triângulos ΔPAF e ΔQAF são congruentes de modo que m(∠PAF) = m(∠QAF). Suponha que r é distinta do eixo de ℘. Usando as mesmas notações da proposição anterior, temos m(∠PAF) = m(∠AQF) = m(∠AQY) = m(∠QAB) onde B ∈ r é um ponto arbitrário pertencente ao interior de ℘. O resultado desejado segue-se imediatamente. PARÁBOLAS TANGENTES A UM TRIÂNGULO Uma conseqüência imediata da proposição 10 é que duas retas tangentes a uma parábola ℘ nunca são paralelas enquanto que três retas tangentes nunca são concorrentes em um único ponto e, portanto, determinam um triângulo. Veremos a seguir que, dado um triângulo, existe uma infinidade de parábolas tangentes às retas que contém os lados do triângulo; porém, seus focos pertencem à circunferência circunscrita ao triângulo e suas diretrizes são concorrentes no ortocentro do triângulo. Utilizaremos na prova deste fato espetacular um conhecido teorema da geometria euclidiana. Teorema. (Simson) As projeções ortogonais de um ponto P sobre as três retas que contém os lados de um ΔABC são colineares se, e somente se, P pertence à circunferência circunscrita ao ΔABC. Prova. Suponha que P pertença ao arco BC da circunferência circunscrita ao ΔABC que não contém o vértice A com dist(P, C) ≥ dist(P, B). Os demais casos são obtidos com a renomeação de A, B e C. Sejam D, E e F as projeções ortogonais de P sobre as retas BC, AC e AB, respectivamente, e x = m(∠BDF), y = m(∠CDE), z = m(∠BPE). A colinearidade de D, E e F estará estabelecida se provarmos que x = y. 27 Como os quadriláteros BFPD, DPCE e AFPE estão inscritos em uma circunferência, segue que m(∠FPB) = x, m(∠CPE) = y e m(∠BAC) + x + z = 180. Por hipótese, o quadrilátero ABPC está inscrito na circunferência circunscrita ao ΔABC de modo que m(∠BAC) + z + y = 180. Comparando essas duas últimas equações concluímos que x = y. A recíproca é obtida revertendo-se o argumento acima. A reta que contém as projeções ortogonais de P é chamada a reta de Simson de P relativa ao ΔABC. Como aplicação deste teorema, uma nova construção da parábola definida como a envoltória da família de suas tangentes será apresentada. Dado um ΔABC, seja D a projeção ortogonal do vértice A sobre a reta BC. Sendo P e Q as projeções ortogonais sobre as retas AB e AC, respectivamente, de um ponto M pertencente à reta BC, afirmamos que a reta PQ desenvolve uma parábola de foco D à medida que M descreve a reta BC. 28 Com efeito, a circunferência de diâmetro AM passa pelos pontos P, Q e D. Pelo teorema de Simson, as projeções ortogonais E, F e G do ponto D sobre as retas AB, AC e PQ, respectivamente, são colineares. A E Q G P B F D M C Assim, quando M descreve a reta BC, o ângulo reto ∠PGD varia de modo que seu vértice G descreve a reta fixa EF e o lado GD passa pelo ponto fixo D. O outro lado GP desenvolve então uma parábola de foco D e cuja reta tangente no vértice é EF. Note que as retas que contém as alturas do ΔABC a partir dos vértices B e C são tangentes a essa parábola, pois quando M coincide com B ou C a reta PQ coincide com uma ou outra dessas retas. Seja P um ponto pertencente à circunferência circunscrita a um ΔABC. Segue-se do teorema de Simson que os simétricos de P em relação às retas AB, BC e AC, respectivamente, são colineares. Mais precisamente, pertencem à imagem, pela homotetia de centro P e razão 2, da reta de Simson de P. Alguns autores referem-se a esta reta como a reta de Steiner de P relativa ao ΔABC e uma de suas propriedades notáveis é que ela contém o ortocentro do ΔABC (Lema E). Proposição 14. Seja Γ a circunferência circunscrita a um dado triângulo ΔABC. Se ℘ é uma parábola tal que as retas que contém os lados do triângulo são tangentes a ℘ então o foco F de ℘ pertence a Γ, excluídos os vértices A, B e C. Reciprocamente, se um ponto F pertence a Γ, excluídos os vértices A, B e C, então F é o foco de uma parábola ℘ tal que as retas que contém os lados do triângulo são tangentes a ℘. 29 Prova. Seja ℘ uma parábola de foco F tal que as retas AB, BC e AC são tangentes a ℘. Pela proposição 6, as projeções ortogonais de F sobre essas três retas pertencem à reta tangente a ℘ em seu vértice e são, portanto, colineares. O resultado desejado é agora conseqüência imediata do teorema de Simson. Reciprocamente, seja F um ponto pertencente à circunferência Γ, com F distinto dos vértices A, B e C. Pelo que vimos acima, os simétricos de F em relação às retas AB, BC e AC, respectivamente, pertencem à reta de Steiner de F relativa ao ΔABC. Indicando por d tal reta, considere a parábola ℘ de foco F e diretriz d. 30 Afirmamos que as retas que contém os lados do triângulo são tangentes a ℘. Com efeito, se X é o simétrico de F em relação à reta AB então a perpendicular a d em X intersecta a parábola ℘ num ponto P tal que a reta tangente a ℘ em P é a reta AB. O argumento para as retas BC e AC é análogo. A fim de estabelecermos a relação entre as diretrizes dessas parábolas e o ortocentro do triângulo, necessitamos da mencionada propriedade notável da reta de Steiner. Lema D. Suponha que P ∈ Γ onde Γ é a circunferência circunscrita a um dado ΔABC. Se U ∈ Γ é tal que as retas PU e AC são perpendiculares então a reta BU é paralela à reta de Simson de P. Prova. Considere a situação ilustrada na figura abaixo. Os demais casos são análogos. 31 Sendo X e Y as projeções ortogonais de P sobre as retas AB e AC, respectivamente, temos que o quadrilátero AXYP está inscrito numa circunferência. Logo m(∠APY) = 180 − m(∠AXY) = m(∠BXY). Por outro lado, m(∠APY) = m(∠APU) = m(∠ABU) de modo que as retas BU e XY são paralelas, ou seja, a reta BU é paralela à reta de Simson de P. Lema E. A reta de Simson de P relativa ao ΔABC intersecta o segmento PH (H o ortocentro do ΔABC) em seu ponto médio. Conseqüentemente, o ponto H pertence à reta de Steiner de P relativa ao ΔABC. Prova. Sendo D o simétrico do ortocentro H em relação à reta AC, sabemos que D ∈ Γ onde Γ é a circunferência circunscrita ao ΔABC. Como as retas PU e BD são ambas perpendiculares à reta AC, o quadrilátero PUBD é um trapézio e, por estar inscrito em Γ, é um trapézio isósceles. Logo, se Q é o simétrico de P em relação à reta AC então HQ e BU são retas paralelas e, portanto, a reta de Simson de P é paralela à reta HQ. Finalmente, observamos que no ΔPHQ a reta de Simson de P intersecta o lado PQ em seu ponto médio e, sendo paralela à reta HQ, também intersecta o segmento PH em seu ponto médio. Proposição 15. Dado um ΔABC, as diretrizes das parábolas tangentes às retas AB, BC e AC são concorrentes no ortocentro H do ΔABC. Prova. Se ℘ é uma parábola de foco F e diretriz d tal que as retas AB, BC e AC são tangentes a ℘, vimos na proposição 14 que F pertence à circunferência circunscrita ao ΔABC e d é a reta de Steiner de F relativa ao ΔABC. Pelo lema anterior, segue-se que H ∈ d. 32 Problema 6. Determinar, com régua e compasso, uma parábola dados quatro retas tangentes. Solução. Sendo AB, BC, CD e DA as quatro retas dadas, vamos determinar o foco F da parábola tangente a tais retas. Seja E o ponto de intersecção das retas AB e CD e seja G o ponto de intersecção das retas BC e DA. Pela proposição 14, o foco F pertence à circunferência circunscrita ao ΔABG e também à circunferência circunscrita ao ΔBCE. Estas duas circunferências, que já possuem em comum o ponto B, cortam-se novamente no ponto procurado F. O teorema de Simson nos garante que as projeções ortogonais I, J, K, L do ponto F sobre as quatro retas dadas pertencem a uma mesma reta r. Segue-se, novamente pela proposição 14, que as quatro retas dadas são tangentes à parábola de foco F e cuja tangente no vértice é a reta r. O problema admite uma única solução desde que duas das retas dadas não sejam paralelas e que três delas não sejam concorrentes num único ponto. r E K C D I B F J A L G 33 O resultado dado a seguir afirma que, em uma parábola, uma tangente variável determina sobre duas tangentes fixas AP e AQ partes proporcionais nas quais os pontos A e P da tangente AP têm para homólogos os pontos Q e A, respectivamente, da tangente AQ. Proposição 16. Seja ℘ uma parábola e considere as duas retas AP e AQ tangentes a ℘ em P e Q, respectivamente, traçadas a partir de um ponto A pertencente ao exterior de ℘. Se uma arbitrária reta tangente a ℘ intersecta as retas AP e AQ nos pontos B e C, respectivamente, então . Prova. Sendo F o foco da parábola ℘, a propriedade isogonal das parábolas nos garante que ΔAFP ∼ ΔQFA. Logo m(∠AFP) = m(∠QFA) = 180 − m(∠PAQ) e . 34 Se t é uma arbitrária reta tangente à parábola que intersecta as retas AP e AQ nos pontos B e C, respectivamente, então, pela proposição 14, a circunferência circunscrita ao ΔABC passa pelo foco F. Logo m(∠BFC) = 180 − m(∠PAQ) e, portanto, m(∠AFP) = m(∠QFA) = m(∠BFC). Segue-se que m(∠BFP) = m(∠CFA) e como m(∠FPB) = m(∠FAC) obtemos ΔPBF ∼ ΔACF. Concluímos que e, finalmente, . A recíproca da proposição anterior também é válida conforme o resultado a seguir. Proposição 17. Sejam AP e AQ duas fixadas retas concorrentes e seja t uma reta variável que intersecta AP e AQ nos pontos B e C, respectivamente, de modo que . Então a reta t desenvolve uma parábola ℘ tal que as retas AP e AQ são tangentes a ℘ em P e Q, respectivamente. Prova. Se então, independentemente da escolha da reta t, a circunferência circunscrita ao ΔABC contém, além de A, outro ponto fixo F. Pela proposição 14, F é o foco de uma parábola ℘ tal que as retas que contém os lados do ΔABC são tangentes a ℘. O resultado acima justifica um conhecido traçado da parábola como a envoltória da família de suas tangentes. Dado um ângulo arbitrário ∠PAQ com PA = AQ, dividimos os segmentos PA e AQ num mesmo número de partes iguais. As retas que unem os pontos dessas subdivisões de acordo com o diagrama abaixo desenvolvem uma parábola ℘ tal que as retas AP e AQ são tangentes a ℘ em P e Q, respectivamente. Com efeito, utilizando as notações da proposição 17 temos que a condição PA = AQ é equivalente a PB = AC. 35 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Akopyan A. V. e Zaslavsky A. A. – Geometry of Conics – Mathematical World, Vol 26, American Mathematical Society, 2008 Commeau J. – Géométrie: Cours de Mathématiques G. Cagnac et L. Thiberge – Masson et Cie Éditeurs, Paris, 1963 Wagner E. – Por que as antenas são parabólicas – Revista do Professor de Matemática, Vol 33 Sites consultados: http://www.cut-the-knot.org/geometry.shtml http://mathworld.wolfram.com/topics/Geometry.html http://xahlee.org/SpecialPlaneCurves_dir/specialPlaneCurves.html 36