PSICOTERAPIA COGNITIVOCOMPORTAMENTAL A terapia cognitiva começou a ser desenvolvida por Aaron Beck, no início da década de 60. Beck, ao observar seus pacientes deprimidos, verificou no conteúdo dos pensamentos e sonhos desses pacientes uma tendência para interpretar os acontecimentos de forma negativa. Beck propõe uma terapia cognitivamente orientada, objetivando reverter cognições disfuncionais e comportamentos relacionados. Inicialmente, a utilização de princípios comportamentais na psicoterapia prestava pouca atenção aos processos cognitivos envolvidos nos transtornos psiquiátricos. Com o desenvolvimento da terapia comportamental, houve a incorporação de teorias e estratégias cognitivas aos tratamentos. Observou-se que a perspectiva cognitiva acrescentava contexto, profundidade e entendimento as intervenções comportamentais. Os componentes comportamentais da TCC tiveram início quando pesquisadores clínicos começaram a aplicar, na prática clínica, as idéias de Pavlov, Skinner e de outros behavioristas experimentais. (WRIGHT, BASCO, THASE, 2008) 1 EXEMPLO: Um paciente com transtorno de pânico normalmente apresenta sintomas cognitivos (medos catastróficos de calamidades físicas ou de perda de controle) e sintomas comportamentais (fuga ou evitação). Considerando o exemplo acima, pesquisas realizadas demonstraram a eficácia de uma abordagem combinada, que utiliza estratégias cognitivas para modificar as cognições de medo e comportamentais para romper com os padrões de evitação ou fuga. MODELO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL Evento Comportamento Avaliação cognitiva Emoções 2 EXEMPLO: Modelo cognitivo-comportamental de um paciente com fobia social. Evento Preparando-se para ir a uma festa. Comportamento deu desculpa e evitou a festa Avaliação cognitiva “Não vou saber o que dizer” “vou travar e ir embora imediatamente” Emoções Ansiedade, tensão. Fonte: Wright, Basco, Thase (2008). 3 ASPECTOS COGNITIVOS DA TCC Beck e colaboradores identificaram três níveis básicos de processamento cognitivo: Pensamentos automáticos: São fluxos de pensamentos que ocorrem espontaneamente de forma rápida e breve, geralmente são aceitos como verdadeiros, não sendo alvo de reflexão e de crítica. As pessoas que sofrem de algum transtorno psicológico têm mais dificuldade para examinar os seus pensamentos. EXEMPLOS: “Isso realmente faz sentido. Finalmente um livro ensinar-me a ser um bom terapeuta.” => entusiasmada. “Eu realmente preciso aprender tudo isso. E se entender? E se eu nunca ficar bom nisso?” => ansioso. que vai sente-se eu não sente-se Crenças intermediárias: São regras, normas e atitudes que adotamos e que guiam nossa conduta. Crenças centrais: São afirmações absolutistas e cristalizadas a respeito de nós mesmos, a respeito dos outros e do mundo. Frequentemente precisamos inferir essas crenças a partir das ações dos pacientes. (BECK, 1996) 4 Crença central Eu sou incompetente. Crença intermediária Se eu não entendo algo perfeitamente, então eu sou burro. Situação Pensamentos automáticos Reações Ler este livro Isso é difícil demais. Eu jamais entenderia isso Emocional Tristeza Comportamental Fecha o livro Fisiológica Peso no abdômen A partir de uma avaliação desses pensamentos automáticos, o paciente poderia respondê-los da seguinte forma: “Espere um minuto. Isso pode ser difícil, mas não é necessariamente impossível. Eu fui capaz de entender esse tipo de livro antes. Se eu me mantiver com ele, provavelmente o entenderei melhor.” => reduz a tristeza e continua lendo. (BECK, 1996) Crenças disfuncionais são ativadas quando uma pessoa está com depressão, por exemplo. Ao mesmo tempo em que crenças mais adequadas deixam de ser evocadas. Como consequência o indivíduo passa a distorcer suas experiências em conformidade com essas crenças (RANGÉ, 2001). 5 Beck (1996) sugere que as crenças disfuncionais têm origem na interação predisposição genética e exposição às influências indesejáveis do ambiente e aos acontecimentos traumáticos. A TCC busca ensinar os pacientes a “pensar sobre o pensamento”. ESTRATÉGIAS COMPORTAMENTAIS As estratégias comportamentais utilizadas na TCC objetivam romper padrões de evitação; enfrentar gradativamente a situação temida; desenvolver habilidades de enfrentamento e reduzir emoções dolorosas ou excitação autonômica. Exemplos de algumas estratégias comportamentais: ENSAIO COMPORTAMENTAL; REFORÇAMENTO; TÉCNICAS DE RELAXAMENTO; DISTRAÇÃO; ECONOMIA DE FICHAS; EXPOSIÇÃO NO IMAGINÁRIO; EXPOSIÇÃO IN VIVO; PLANEJAMENTO DE TAREFAS GRADUAIS; PROGRAMAÇÃO DE ATIVIDADES. (CABALLO, 2007) 6 CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA APRENDIZAGEM AO MODELO DA TCC PARA OS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE Os transtornos de ansiedade caracterizam-se por medos irreais de objetos e situações, superestima os riscos ou perigos, subestima a capacidade de lidar com os estímulos temidos e apresenta padrões repetidos de evitação. EXEMPLO: Quando uma pessoa com fobia de altura precisa enfrentar a perspectiva de subir uma escada alta, ela pode ter pensamentos automáticos provocadores de medo (“vou desmaiar... não vou aguentar...”), além de emoções intensas e ativação fisiológica (ansiedade, coração disparado, respiração acelerada, suor frio). E => R Estímulo original que levou a pessoa a ter medo (Lugar onde a pessoa teve o ataque de pânico pela primeira vez. Ex: Ônibus) => Estímulo não-condicionado Resposta original de medo => Resposta não-condicionada Coisas que lembram o paciente o estímulo original também podem evocar uma resposta de medo (O ataque de pânico passa a ser associado a qualquer lugar fechado ou de onde seja difícil sair. Ex: elevadores, cinemas, teatros) => Estímulo condicionado Generalização de estímulos: ocorre quando a resposta de ansiedade é desencadeada por lembranças associadas ao estímulo original. 7 Resposta de medo evocada pelo estímulo condicionado => Resposta condicionada Como as respostas emocionais e fisiológicas aos estímulos temidos são aversivas, aqueles que as sofrem farão tudo o que for necessário para evitar passar por eles novamente (Ex: um paciente com fobia social ficará longe de situações que possa se sentir exposta às pressões sociais). Como a evitação é recompensada com o alívio emocional, é provável que o comportamento evitativo ocorra novamente quando a pessoa se deparar com as mesmas circunstâncias ou circunstâncias semelhantes. EXEMPLO: Quando uma pessoa com fobia social decide não ir a uma festa, sente um alívio imediato da ansiedade (a evitação é reforçada). Na próxima vez que receber um convite para um outro evento social, a pessoa provavelmente manterá o padrão de evitação para controlar a ansiedade associada ao julgamento social o qual prevê que irá acontecer. O padrão de evitação dos estímulos temidos reforça a crença do paciente de que ele não consegue lidar com o objeto ou situação ameaçadora. A evitação reduz o medo evocado pelo estímulo no curto prazo, mas não desfaz a conexão estímulo-resposta. Os procedimentos utilizados para romper com a conexão estímulo-resposta são os seguintes: inibição recíproca e exposição. (WRIGHT, BASCO, THASE, 2008) 8 INIBIÇÃO RECÍPROCA É um processo de redução da excitação emocional ao ajudar o paciente a vivencia uma emoção positiva ou saudável que se contraponha a resposta de medo. O método utilizado é induzir um estado de profundo relaxamento muscular, produzindo um estado de calma incompatível com a ansiedade ou excitação. Quando a pessoa fica relaxada diante do estímulo temido, o estímulo e a resposta podem ser despareados. Quando este método é utilizado regularmente, o poder do estímulo de evocar o medo e a evitação podem diminuir ou ser eliminado. (WRIGHT, BASCO, THASE, 2008) EXPOSIÇÃO GRADUAL A exposição também produz o despareamento da conexão estímulo resposta. A exposição é uma estratégia de enfrentamento em oposição à evitação, o paciente é auxiliado a confrontar-se com situações estressantes, enquanto são utilizados métodos de reestruturação cognitiva e de relaxamento. O medo desencadeado pela situação temida, geralmente, tem tempo limitado, pois a excitação fisiológica não pode ser mantida em um estado 9 elevado indefinidamente. Ocorre a fadiga e, na ausência de novas fontes de excitação, a pessoa começará a se adaptar a situação. Com a repetição da exposição, a resposta à situação temida deve diminuir à medida que pessoa conclui que o estímulo pode ser enfrentado e controlado. A exposição gradual consiste em desenvolver, juntamente com o paciente, uma hierarquia das suas dificuldades, que serão enfrentadas gradualmente através da exposição. EXEMPLO: Construção da hierarquia de dificuldades de um paciente com fobia social. (1) Fazer uma pergunta a outro estudante depois da aula. (2) Fazer uma pergunta ao professor depois da aula. (3) Fazer uma pergunta em aula. (4) Responder a uma pergunta em aula. (5) Expressar sua opinião na classe. (6) Apresentar um trabalho na classe. A exposição inicia com a atividade que está relacionada a uma ansiedade baixa ou moderada, seguida da atividade que gera níveis mais elevados de ansiedade. O paciente deve avaliar o grau de ansiedade antes e após o exercício de exposição e manter um registro da redução alcançada. 10 Cada novo item da hierarquia deve ter como objetivo reduzir um pouco mais a ansiedade, até que a situação não evoque mais medo. É importante que o terapeuta estimule o paciente a fazer uma previsão do grau de ameaça que a exposição terá e até que ponto ele acha que conseguirá lidar com a situação. Após a exposição, solicitar que o paciente compare suas previsões com o resultado real. Antes de iniciar a exposição é ensinado, ao paciente, métodos para controlar a ansiedade (Ex: Técnicas de relaxamento, controle da respiração, distração). TÉCNICAS DE RELAXAMENTO A prática do relaxamento pode ser dividida em métodos que enfocam o relaxamento físico e métodos que enfocam o relaxamento mental. Quando se está relaxado fisicamente, o relaxamento mental vem a seguir e viceversa. A prática do relaxamento pode aliviar a ansiedade, pois é difícil para o corpo ou para a mente estar simultaneamente relaxado e ansioso. Desenvolvendo-se a capacidade de relaxar antes e durante situações estressantes, pode-se reduzir substancialmente a freqüência e severidade da ansiedade experimentada. (BECK, 1996; CABALLO, 2007) 11 REFORÇAMENTO Tem como base o princípio de Reforço Positivo proposto por Skinner. Este princípio postula que dependendo do que ocorre após nossa ação nos voltamos a agir da mesma forma ou não. É possível utilizar o reforçamento durante o período da exposição, incentivando o comportamento adaptativo, cada vez que o paciente se aproxima da situação temida. Parentes, amigos e professores podem elogiar o paciente e dar recompensas ou incentivos pela realização dos objetivos da exposição. EXEMPLO: Um paciente com tricotilomania arranca os próprios cabelos de modo recorrente até aparentar perda óbvia; refere um crescente aumento de tensão imediatamente antes de arrancar o cabelo ou ao tentar resistir ao impulso de arrancar; refere prazer, satisfação ou alívio ao arrancar os cabelos. Esse distúrbio causa significativo estresse clínico e incapacidade social, ocupacional ou em outra área do funcionamento individual. Neste exemplo, é possível utilizar o reforçamento positivo sob a forma de elogios pelo terapeuta e pelos outros significativos, nas seguintes situações: (a) Quando o paciente usa a resposta fisicamente incompatível com o hábito, mostrando resistência ao impulso; (b) Quando é observada qualquer melhoria na aparência, mesmo mínima, devido ao crescimento dos fios ou à cicatrização. 12 É importante selecionar cuidadosamente tanto o reforçador como o comportamento que se vai reforçar, considerando que o que constitui um reforçador para um indivíduo não será necessariamente para outro. (RANGÉ, 2001) ECONOMIA DE FICHAS Esta técnica também provém dos trabalhos de Skinner sobre o condicionamento operante. Consiste em um sistema de reforçamento no qual se administram fichas como reforço imediato, que são posteriormente trocadas por reforços valiosos. As fichas são obtidas quando o paciente engaja-se no comportamento adequado e são retiradas quando ele engaja-se no comportamento indesejado. EXEMPLO: Como desenvolver e utilizar esta técnica? (1) O terapeuta define, juntamente com o paciente, os reforçadores e quantos pontos serão necessários para trocar as fichas por um determinado reforçador (Ex: Passeio com os pais e os irmãos no parque – 7 pontos). (2) O paciente é informado que poderá obter 2 fichas se não estiver com as mãos nos cabelos ou áreas de risco quando for observado. E que devolverá 1 ficha se estiver com as mãos nos cabelos ou áreas de risco (comportamento indesejável). 13 (3) O paciente inicia a atividade com um certo número de fichas, para estimulá-lo a envolver-se na atividade. Para implementar esta técnica é necessário, muitas vezes, que haja o envolvimento de uma outra pessoa (ex: os pais) que terá o papel de observar o comportamento e entregar as fichas. (CABALLO, 2007) 14