Nota: Este material foi desenvolvido pelo prof. Roland Veras Saldanha Jr, e representa uma primeira versão de material a ser transformado em livro didático. Reservam-se os direitos autorais sobre o mesmo, mas comentários e sugestões são bem vindas no e-mail [email protected]. Cap 3 Concorrência Perfeita e Análise de Bem Estar Introdução Inicia-se neste capítulo a discussão das estruturas de mercado que se prestam como referência aos argumentos desenvolvidos na OI. De partida, é fundamental evitar qualquer expectativa de encontrar firmas ou indústrias reais que se ajustem perfeitamente a qualquer um destes referenciais ideais. Na prática, deve-se entender estas estruturas como modelos estilizados e que precisarão ser adaptados ou combinados caso a caso para refletir adequadamente cada situação específica. O uso destes referenciais teóricos, entretanto, costuma trazer importantes esclarecimentos na análise de problemas concretos e específicos, o que justifica a insistência em seu estudo. São instrumentos singelos, é verdade, mas sua utilização não implicará em raciocínios simplistas ou inúteis, desde que se tenha bom domínio sobre suas funções e limitações. Na Economia Industrial os bons resultados dependerão da maestria no uso de ferramentas como estas, em esforço similar ao que se precisa fazer para apertar parafusos de tamanhos e formatos muito diferentes com poucas opções de chaves de fenda. Neste capítulo ocupa-se da análise da concorrência perfeita, provavelmente a mais abstrata e rara dentre as quatro estruturas de mercado a serem discutidas nesta parte do livro. Associa-se esta estrutura de mercado ao pólo em que os agentes econômicos envolvidos dispõem de pouco ou nenhum poder de interferir nos resultados de mercado. No pólo oposto ao da concorrência perfeita encontram-se os monopólios (e monopsônios), a serem discutidos no Capítulo 4, 2 nos quais se costuma esperar agentes com capacidade efetiva para alterar os preços ou quantidades observadas no ambiente em que atuam. A lógica econômica de operação em monopólios merecerá atenção também por oportunidade da análise das políticas de regulação, cuja discussão se realiza na última parte deste livro. As situações de mercado mais frequentemente encontradas na realidade empírica, entretanto, costumam guardar mais proximidade com as estruturas dos oligopólios e da concorrência monopolística. Tais estruturas serão avaliadas nos capítulos 6 e 7, respectivamente, reservando-se o capítulo 5 para uma apresentação sucinta de elementos básicos da Teoria dos Jogos que são importantes tanto para a análise dos problemas estratégicos entre oligopolistas, como para a discussão de outras condutas estratégicas a serem tratadas na segunda parte do manual. Na avaliação das diferentes estruturas de mercado uma forte superposição aos argumentos microeconômicos tradicionais é incontornável. Não obstante, o enfoque aqui adotado procurará explorar com rigor as hipóteses e o contraponto empírico destes referenciais teóricos, tentando mapear os limites dentro dos quais cada uma das estruturas típicas pode servir como base segura para os objetivos da OI. O modelo de concorrência perfeita está baseado em diversas características interessantes do ponto de vista didático, dele sendo extraídos elementos que facilitarão a comparação com as outras estruturas de mercado no que concerne à eficiência na utilização de recursos e à análise de bem estar. Assim, após uma apresentação dos pilares lógicos e principais resultados do modelo concorrencial, as bases da análise econômica de bem estar sob equilíbrio parcial são discutidas. 3.1 Concorrência Perfeita – Caracterização e Hipóteses 3 Se fosse necessário definir a concorrência perfeita através de um único atributo teórico, a escolha mais adequada certamente recairia sobre a falta de poder dos agentes neste ambiente competitivo para alterar os resultados de mercado. De fato, em mercados perfeitamente competitivos, espera-se que todos os ofertantes e demandantes sejam tomadores de preços (price takers), de forma que nenhum deles se sinta capaz, sozinho ou em combinação com outros, de alterar os preços determinados nos mercados. A maior parte dos consumidores já passou pela experiência de ser um tomador de preços, bastando lembrar da última vez em que foi a um grande supermercado ou magazine para fazer suas compras. Naquela oportunidade, a sensação de impotência para negociar ou reduzir os preços das mercadorias se traduziu na simplicidade das escolhas que o consumidor precisou fazer: quanto adquirir de cada um dos itens em sua lista de compras. Os preços estavam ali pré-definidos nas etiquetas, e nada (lícito) que o demandante fizesse poderia alterá-los. Feliz ou infelizmente, esta estória muda bastante quando se observa que na grande maioria das situações práticas encontram-se agentes, ofertantes ou demandantes, dotados de capacidade de alterar as soluções de mercado. Os casos práticos de concorrência perfeita, se existem, são extremamente raros. Não obstante, ainda que exista, sempre que o poder para interferir nas soluções de mercado for baixo, o modelo de concorrência perfeita será útil na tentativa de destrinchar logicamente a situação envolvida. Para justificar logicamente este cenário em que os ofertantes e demandantes se sentem impotentes, incapazes de interferir nos preços dos produtos que compram e vendem, algumas hipóteses teóricas sobre a estrutura de concorrência perfeita precisam ser feitas. Uma primeira suposição importante para a caracterização de um ambiente perfeitamente competitivo está na ausência de barreiras à entrada e saída do mercado. No capítulo sobre monopólios uma seção será dedicada exclusivamente à análise destas barreiras e da contestabilidade dos mercados, mas intuitivamente esta hipótese aponta para as dificuldades em se beneficiar com lucros econômicos positivos por muito tempo se não houver obstáculos significativos à entrada de 4 outros agentes no mercado. Se inexistirem barreiras importantes ao ingresso em determinado mercado, qualquer tentativa de abusar do poder de mercado, alterando preços ou quantidades em proveito próprio, tenderá a ser dissipada pelo ingresso de novos ofertantes ou demandantes. Uma alta contestabilidade dos mercados aparece, ao menos logicamente, como fator que reforça a impotência dos agentes em ambientes concorrenciais na manipulação dos resultados da livre operação dos mercados. No arcabouço ideal da Microeconomia, a de ausência de problemas informacionais ou da informação perfeita é outra hipótese freqüentemente empregada na discussão do modelo teórico da concorrência perfeita. Neste contexto, por informação perfeita é de se entender que todos os agentes participantes do mercado conhecem todos os preços e a qualidade da totalidade dos produtos ali transacionados. A suposição de informação perfeita tem bases tão frágeis quanto a proposição de que os seres humanos são oniscientes, mas para muitas aplicações teóricas as vantagens de se abstrair dos problemas de incerteza trazem uma relação benefício/custo bastante favorável. Não se pode esquecer que os modelos teóricos sempre representam simplificações da realidade para a qual apontam. Fosse necessária a total identificação dos modelos e hipóteses teóricas com o mundo real para a aceitação destas explicações, o único modelo aceitável seria a própria realidade que se pretende explicar, num óbvio contra-senso. O uso de suposições como a da informação perfeita certamente impede que muitos aspectos interessantes sejam considerados, mas estas simplificações serão justificáveis e úteis caso o fenômeno analisado não dependa intrinsecamente daquilo que se abstraiu, assim como ocorre no modelo de concorrência perfeita. A quarta hipótese usual nas apresentações do modelo competitivo é a da ausência de externalidades. Como o próprio nome indica, as “externalidades” estão associadas a alguma forma de efeito externo, neste caso externo às escolhas dos agentes econômicos. Externalidades são os efeitos das ações de um agente econômico sobre os demais, podendo ser positivas ou negativas. Ocorre uma externalidade positiva, por exemplo, quando a escolha de um agente 5 em criar abelhas, que se explica pelo objetivo individual de produzir mel e outros produtos apícolas, acaba por beneficiar o vizinho que cultiva laranjas. A polinização mais efetiva nos laranjais tende a fazer com que a atividade do citricultor apresente maior produtividade ou menores custos em função das ações de outro agente. A existência de externalidades positivas ou negativas tem implicações sobre a eficiência na utilização dos recursos e gera impactos sobre as avaliações de bem estar. Para evitar estas complicações a suposição de ausência de externalidades aparece com freqüência nas apresentações preliminares do modelo competitivo. Ainda neste capítulo, depois de discutidas as relações entre concorrência perfeita, eficiência no uso dos recursos e bem-estar, o problema das externalidades será formalmente retomado. Para fazer um contraponto a outras estruturas de mercado típicas, é interessante destacar uma suposição relativa à qualidade dos produtos transacionados em ambientes perfeitamente competitivos. Por hipótese, os produtos ofertados pelas diferentes firmas nos mercados competitivos serão considerados homogêneos, vale dizer, perfeitamente substituíveis entre si. Colocadas à disposição dos consumidores quantidades iguais de produtos produzidos pelos diferentes ofertantes, pela hipótese de homogeneidade, estes se mostrarão indiferentes em relação à origem dos produtos. Outra suposição bastante comum em modelos de concorrência perfeita é a da divisibilidade dos produtos ofertados. Pela hipótese de divisibilidade entende-se que os produtos podem ser comercializados em quaisquer quantidades, inteiros ou fracionados. Trata-se de uma suposição que elimina algumas dificuldades analíticas que se poderia encontrar em mercados nos quais são comuns vendas discretas, como no comércio de pianos. Quem compraria 1,5 pianos? Uma outra forma de contornar esta dificuldade, e que dispensaria a referida hipótese, seria trabalhar com transações que ocorrem por intervalo de tempo, já que não há nada de estranho com vendas de 1,5 pianos/dia. Como uma nota final, e fazendo uma oportuna ligação com o final do capítulo anterior, é interessante perceber que se pelo menos duas das hipóteses mais sensíveis apresentadas acima seriam desnecessárias caso se adotasse 6 explicitamente a suposição de ausência de custos de transação. De fato, a hipótese de ausência de custos de transação é implicitamente usada na maior parte das apresentações tradicionais do modelo de concorrência perfeita, embora não se costume enfatizá-la em função das dificuldades lógicas do modelo concorrencial que ela expõe, como a indeterminação do tamanho e a própria necessidade da existência das firmas. De qualquer maneira, a suposição de que os mercados possam ser usados sem quaisquer custos (de transação) eliminaria a necessidade da hipótese de informação perfeita, já que a aquisição de informações é um dos custos mais importantes para a utilização dos mercados, assim como seria desnecessária a hipótese de ausência de externalidades pois, seguindo o argumento de Coase (1960), na ausência de custos de transação todas as externalidades seriam automaticamente internalizadas nos mercados. Um quadro resumo das hipóteses subjacentes ao modelo de concorrência perfeita é apresentado abaixo. Eventualmente o leitor sinta a falta de uma previsão a respeito do número de ofertantes e demandantes envolvidos no mercado, já que faz parte do imaginário econômico a idéia de que para que haja concorrência perfeita seja necessária uma grande quantidade de agentes pequenos, atomizados. Trata-se, entretanto, de hipótese desnecessária tecnicamente e sem fundamento lógico. Ainda que o aumento na quantidade de agentes envolvidos pelo lado da oferta ou da demanda tenda a reduzir o poder para que se interfira nos preços, esta preocupação é desnecessária quando já se supôs que nenhum agente é capaz de interferir nos resultados de mercado. Adicionalmente, mesmo que um mercado seja caracterizado pela existência de poucos e grandes ofertantes ou demandantes, a estrutura de concorrência perfeita pode ser adequada para explicar seus comportamentos quando as barreiras à entrada e saída forem suficientemente baixas. Modelo de Concorrência Perfeita – Quadro Resumo das Hipóteses Básicas Hipóteses 1) Ausência de Barreiras à Entrada e Saída 7 2) Ausência de Custos de 2.a) Informação Perfeita Transação 2.b) Ausência de externalidades 3) Produtos Homogêneos 4) Produtos Divisíveis 3.1.1 Concorrência Perfeita Esta apresentação do modelo de concorrência perfeita enfatizará as decisões de oferta das firmas, sem tecer maiores considerações sobre o lado da demanda. Entende-se, entretanto, que as firmas serão tomadoras de preços tanto quanto ofertantes de produtos quanto como demandantes de insumos e fatores de produção. Neste contexto, serão analisadas as decisões de oferta para firmas uniproduto no curto e no longo prazo, embora os resultados apresentados sejam imediatamente extensíveis ao caso de firmas multiproduto. No intuito de simplificar ao máximo a apresentação, desconsideram-se os problemas de conflitos de interesses entre agentes e principais discutidos no capítulo anterior, o que corresponde a imaginar que os responsáveis pelas decisões na firma escolham e ajam como se fossem seus proprietários. De forma rigorosa, o proprietário de uma firma deve estar preocupado com a maximização do valor presente dos fluxos econômicos nela gerados. Isto significa que a totalidade dos fluxos atuais e futuros necessários ou decorrentes da atividade empresarial precisaria ser levada em conta por ocasião das decisões de produção realizadas. Representando por Rt ( qt ) as receitas totais esperadas para o período t, por Ct ( qt ) os custos econômicos realizados em t para a obtenção de tais receitas, e tomando uma taxa de juros constante e igual a r por período, o problema da firma seria o de escolher as quantidades a produzir em cada período que maximizassem o valor presente da firma, VP, dado pela expressão (3.1): 8 (3.1) VP = R0 ( q0 ) − C0 ( q0 ) + R1 ( q1 ) − C1 ( q1 ) R2 ( q2 ) − C2 ( q2 ) + + 2 1+ r (1 + r ) + RT ( qT ) − CT ( qT ) (1 + r ) T Formalmente, dada uma taxa de juros, r, o problema de escolha seria o da maximização do VP, com a escolha das quantidades q1 , q2 ,… , qT : T (3.2) max VP = ∑ q0 , q1 ,…, qT t =0 Rt ( qt ) − Ct ( qt ) (1 + r ) t O programa de otimização esboçado em (3.2) pode e costuma ficar bastante complexo à medida que nele se introduzem os fluxos associados a investimentos, depreciação e ganhos ou perdas esperadas de capital. Não obstante as dificuldades adicionais que esta metodologia traz, é com base em raciocínios similares a este que costumam ser calculados os valores das empresas na realidade, especialmente quando se pretende estimar seu preço para aquisição ou venda. Deixando claro que o objetivo da firma é a maximização de seu valor (presente), no argumento a seguir emprega-se uma metodologia bastante mais singela, reduzindo os problemas de escolha a apenas um período. Via de regra, esta última simplificação aparecerá como uma aproximação empiricamente razoável e adequada do ponto de vista didático para explicar as escolhas de produção das firmas. Na prática, entretanto, haverá inúmeras situações em que esta suposição de comportamento de maximização dos lucros será inadequada, merecendo aperfeiçoamentos conforme o caso. A Decisão de Oferta no Curto-Prazo Fixado o objetivo da firma na maximização dos lucros do período, a lógica proposta para explicar a decisão de produção no curto-prazo passa a ser trivial. 9 Imagina-se que, no curto-prazo, a única variável de escolha para a firma é a quantidade a ser produzida, q. Escolhendo a quantidade a ser produzida, a firma tanto determina a sua receita total, RT(q), como os seus custos totais de produção no período, CT(q). Subtraindo-se das receitas totais os custos de produção, encontra-se o lucro da firma no período, π ( q ) = RT ( q ) − CT ( q ) . Admite-se que existe alguma quantidade, q*, para a qual o lucro seja máximo. Para evitar desdobramentos formais, supõe-se ainda que esta quantidade seja única, vale dizer, que o máximo seja global. Desta maneira, pode-se perceber no gráfico 3.1 que o lucro máximo ocorre quando a inclinação de uma reta tangente à função lucro tenha inclinação nula, ou seja, quando dπ ( q ) = 0. dq π q0 q∗ q1 q Gráfico 3.1 Para qualquer quantidade diferente de q*, como mostra gráfico, o lucro poderia ser aumentado pela alteração na quantidade produzida. Tome, por exemplo, o ponto q0, em que a reta tangente à função lucro tem inclinação positiva. Se uma firma estiver produzindo a quantidade q0, será possível aumentar o lucro aumentando a quantidade produzida, de forma que em q0 o lucro não é máximo. De forma análoga, em q1 existe a possibilidade de elevar o lucro reduzindo a quantidade produzida, algo que acontecerá sempre que a inclinação da função lucro no ponto considerado for negativa. 10 No raciocínio marginalista, o que se faz é checar, para cada quantidade de produção factível, o que aconteceria com o lucro em decorrência de uma pequena variação na quantidade produzida. Esta informação é encontrada pela quantificação da mudança observada dos lucros quando são realizadas pequenas alterações, positiva ou negativas, nas quantidades produzidas. Geometricamente, a variação marginal nos lucros corresponde à inclinação da reta que tangencia a função lucro no ponto considerado. De forma intuitiva uma outra linha de argumentação poderia ser apresentada, comparando as variações nas receitas totais e nos custos totais à medida que se altera marginalmente a quantidade de produção. Denominando por receitas marginais, RMg, estas mudanças nas receitas, e lembrando da definição de custos marginais, CMg, apenas três situações poderiam ser observadas: > dRT ( q ) dCT ( q ) = RMg = CMg = dq dq < Se as receitas marginais forem maiores que os custos marginais quando se produz determinada quantidade, como ocorre em q0, no gráfico 3.1, os lucros poderiam ser ampliados com o aumento na quantidade produzida. Na situação contrária, quando os custos marginais forem maiores do que as receitas marginais, vide q1 no gráfico, seria possível aumentar os lucros reduzindo a produção. Apenas quando a produção de uma quantidade maior gerar receitas e custos adicionais iguais, o lucro será máximo. Somente nesta última situação alterar a quantidade produzida não traz qualquer vantagem para a firma, e o lucro será máximo, como ilustra o ponto q*. Algebricamente, o programa de otimização sob análise aparece em (3.3). (3.3) max π ( q ) = RT ( q ) − CT ( q ) q 11 A solução para este problema ocorre pela escolha da quantidade produzida compatível com dπ ( q ) = 0 . Derivando (3.3) em relação a q e forçando a condição dq de lucro máximo, obtém-se: d π ( q ) dRT ( q ) dCT ( q ) = − =0 dq dq dq ou, rearranjado os termos: (3.4) RMg ( q ) = CMg ( q ) A expressão (3.4) estabelece a condição para a maximização dos lucros de forma bastante geral. De fato, a mesma condição (3.4) será usada para explicar a decisão de oferta dos monopolistas, dos oligopolistas e das firmas em concorrência monopolística, já que a maximização dos lucros permanecerá como objetivo a ser perseguido independentemente da estrutura de mercado considerada. As soluções específicas encontradas pela aplicação da regra geral em (3.4) tenderão a mostrar diferenças conforme as firmas detenham ou não poder para afetar os preços e quantidades de mercado, bem como em função das barreiras à entrada e saída observadas nas distintas situações. No caso de firmas que atuam em ambiente perfeitamente competitivo, a condição expressa pela igualdade entre receita marginal e custo marginal pode ser simplificada caso se relembre o fato de que, nesta estrutura de mercado, os agentes são tomadores de preços. Sendo os preços determinados no mercado, independentemente das escolhas de qualquer firma individual, percebe-se que para a firma as receitas marginais são pré-determinadas e iguais ao preço vigente no mercado, RMg = p . Imagine, a título de ilustração, que o produto da firma tenha um preço unitário de mercado p1 = $10 e que ela esteja ofertando, a este preço, q1 = 8000 unidades por mês. Com estes valores, suas receitas totais seriam 12 iguais a RT ( q1 ) = p1q1 = ( $10 )( 8.000 ) = $80.000 /mês. Considere, agora, que a firma aumente sua produção em 1%, passando a ofertar 8.080 unidades/mês, com receitas de vendas iguais a $ 80.800. Nota-se que as receitas totais variaram em ∆RT = $80.800 − $80.000 = $800 , em decorrência de uma mudança de ∆q = 8.000 − 8.080 = 80 unidades na quantidade produzida. Tomando a razão ∆RT $800 = = $10 = p1 , percebe-se que a variação nas receitas totais será igual ao ∆q 80 preço de mercado. Esta relação será sempre a mesma desde que o preço de mercado não mude, qualquer seja a mudança na quantidade ofertada, de forma que para a concorrência perfeita, a condição básica para a maximização do lucro, apresentada em (3.4), pode ser reescrita da seguinte forma: . (3.5) p = CMg ( q ) Numa primeira abordagem, portanto, percebe-se que para maximizar seus lucros, uma firma sob concorrência perfeita precisa ofertar as quantidades que façam com que os seus custos marginais de produção sejam iguais aos preços de mercado. Para se obter uma relação mais segura e geral, entretanto, será necessário avaliar a relação entre os preços de mercado, os custos totais médios e os custos variáveis médios de produção da firma. No raciocínio usado para a obtenção de (3.5) os custos inevitáveis são desconsiderados, já que, por definição, aumentar ou reduzir a quantidade produzida não traz qualquer mudança sobre custos fixos. Este será um problema importante, pois quando os preços de mercado forem menores do que os custos totais médios de produção, o uso mecânico da regra posta em (3.5) poderá gerar soluções em que a firma terá lucros econômicos negativos (prejuízos). Enquanto os preços de mercado forem superiores aos custos variáveis médios de produção, pode ser conveniente à firma suportar prejuízos econômicos temporariamente, desde que haja a perspectiva de elevação dos preços ou da redução dos custos no futuro. Caso os preços de mercado sejam menores do que os custos variáveis 13 médios de produção, a melhor decisão seria o fechamento da firma, que deixaria de produzir de forma a minimizar seus prejuízos. No lado esquerdo da Figura 3.1, encontram-se esboçadas as curvas de custos no curto-prazo para uma firma individual, i, que ajudam a esclarecer estas questões. Para simplificar a apresentação, supôs-se que todos os custos fixos são inevitáveis, de forma que a curva de custos variáveis médios (CVMe) pode ser identificada à curva dos custos evitáveis médios. Para este raciocínio, é crucial saber encontrar no gráfico o lucro econômico da firma para as diferentes quantidades produzidas. Suponha que o preço de mercado seja igual a p1, de forma que a maximização dos lucros indique como ótima a produção de qiCP unidades por período. Neste nível de produção, as receitas totais são dadas por p1qiCP , o que corresponde à área do retângulo que se inicia na origem, com altura p1 e tem base igual a qiCP . Os custos totais para se produzir a quantidade qiCP também podem ser medidos pela área de um retângulo, cuja altura é dada pelos CTMe para a produção deste montante de produtos, e a base é novamente igual a qiCP [lembre-se que CTMe × q = CT ]. Ora, ao preço p1, constata-se que a firma obtém um lucro econômico positivo no curto prazo, dado pela diferença entre as receitas e custos totais, conforme mostra a área hachurada no gráfico. Quando o preço for igual a p0 na Figura 3.1, a quantidade produzida compatível com o lucro máximo será dada por qiLP e, como se constata com facilidade, a firma estará recebendo por unidade exatamente o seu custo total médio de produção, ou seja, perceberá um lucro econômico nulo. Esta situação aparentemente desoladora é, na verdade, aquela que se espera prevalecer no equilíbrio de longo prazo em ambientes perfeitamente concorrenciais. Longe de ser um mau resultado, um lucro econômico igual a zero traduz a idéia de que todos os recursos empregados nas operações da firma estão sendo remunerados da melhor maneira possível, tomando por referência as maiores remunerações que eles receberiam caso fossem alocados fora da firma. Tema já discutido no Capítulo 2, o cálculo dos lucros pela dedução dos custos econômicos implica um 14 critério extremamente rigoroso para a avaliação dos resultados obtidos pela firma, sendo anormais ou extraordinários os lucros econômicos positivos, e normais os lucros econômicos nulos. Os dois preços críticos a serem considerados no gráfico são, desta forma, p0 e pE, pois a preços menores do que p0 a firma passará a ter lucros econômicos negativos e abaixo de pE deixar de produzir será uma alternativa mais interessante do que produzir qualquer quantidade positiva. A situação em que o preço é igual aos custos variáveis médios mínimos, estabelece o ponto de entrada da firma no mercado. A curva de custos marginais cruza a curva de custos variáveis médios exatamente no ponto em que estes são mínimos, de forma que produzir quantidades positivas a preços menores do que pE seria um contra-senso, já que os prejuízos percebidos pela firma diminuiriam se ela simplesmente cessasse a produção. O preço de entrada, pE , desta forma, também é conhecido como preço de fechamento, e a curva de oferta da firma no curto-prazo é definida pela regra: (3.6) p = CMg ( q ) se p ≥ pE , com q = 0 , se p ≤ pE . 15 p p Firma Mercado CMg p1 π CP > 0 S QCP CTMe CVMe QD p0 pE qiE qiLP qiCP q nqiE nqiCP Q Figura 3.1 Ainda que o preço de mercado seja maior do que pE, a firma permanecerá tendo prejuízo econômico enquanto o preço que recebe por unidade vendida for menor do que os custos totais médios de produção. O custo total médio mínimo é encontrado no cruzamento das curvas de custo marginal e custo total médio o que, na Figura 3.1 ocorre quando a produção é igual a qiLP . Pode-se indagar por que uma firma estaria disposta a produzir a preços inferiores a p0, já que estaria sofrendo prejuízos econômicos. De fato, esta opção seria ilógica se os preços fossem permanecer inferiores aos custos médios por muito tempo, mas em se tratando de uma situação transitória ou caso a firma espere conseguir reduzir seus custos de produção no futuro, seria razoável manter a firma aberta e produzindo quantidades positivas no curto-prazo. É por este motivo que, na caracterização da curva de oferta de curto-prazo para a firma individual, a regra p = CMg ( q ) é admissível para preços menores do que os custos totais médios, desde que os custos variáveis médios estejam sendo cobertos. No longo-prazo, como se verá mais adiante, esta peculiaridade deixa de ser importante já que neste horizonte de 16 planejamento mais dilatado todos os custos são variáveis e, desta forma, o ponto de entrada e o de custo total médio mínimo coincidem. Do lado direito do Figura 3.1 encontram-se as curvas de oferta e demanda de mercado para o produto comercializado pela firma i. A curva de oferta de S , inclui as quantidades ofertadas pela totalidade das firmas aos mercado, QCP diferentes preços. Supôs-se na construção desta curva de oferta de curto prazo a existência de n firmas com estruturas de custos idênticas à da firma i. Neste caso, fica fácil entender por que abaixo de pE a oferta de mercado é nula, havendo uma quantidade ofertada igual a nqiE assim que, ao preço pE, as n firmas entram no mercado. Observa-se, ainda, que para a curva de demanda QD, o equilíbrio de mercado indicado no gráfico está determinando preços iguais a p0, o que implica que cada uma das n firmas esteja auferindo um lucro econômico positivo. A situação de firmas em concorrência perfeita percebendo lucros extraordinários contradiz outra imagem do imaginário econômico, pela qual apenas lucros econômicos nulos ou “normais” seriam factíveis nesta estrutura de mercado. No curto-prazo não há nada de anormal com firmas perfeitamente competitivas ganhando lucros econômicos positivos. O que não se pode esperar é que, na ausência de barreiras à entrada e saída, estes lucros extraordinários continuem a ser observados por muito tempo. A Mão Invisível em Ação: Equilíbrios de Curto-prazo e de Longo-Prazo O processo pelo qual os lucros econômicos positivos (ou negativos) em concorrência perfeita são dissipados leva a um quadro distinto do que se estava analisando, conforme exibido na Figura 3.2. Do lado direito desta figura, encontram-se as curvas de oferta e demanda de mercado para o longo prazo, chamando a atenção o fato de a oferta no longo prazo ser perfeitamente horizontal no nível de preços p0. Por trás deste formato da curva de oferta de longo prazo há 17 duas pressuposições que merecem explicitação: (i) o fato de p0 ser igual aos custos (totais) médios de produção e (ii) a ausência de economias ou deseconomias de escala. Efetivamente, só haverá equilíbrio de longo prazo em mercados perfeitamente concorrenciais quando os lucros percebidos pelas empresas que nele atuam, também denominadas firmas “incumbentes”, forem iguais a zero. Enquanto houver lucros econômicos positivos, a entrada de novas firmas permanecerá ocorrendo e se as incumbentes estiverem tendo prejuízos, elas sairão do mercado, de forma que o preço de entrada ou de fechamento, no longo prazo, será igual ao custo médio mínimo, como se pode observar do lado esquerdo da Figura 3.2. Como se está supondo que todas as firmas neste mercado têm estruturas de custo idênticas, a ausência de economias ou deseconomias de escala impõe uma escala de produção eficiente com a produção de qiLP unidades por firma. A quantidade total ofertada no mercado será, então, igual ao número de firmas que ali ficarão produzindo, nLP, multiplicado por qiLP . De forma mais geral, seria interessante considerar a possibilidade de ocorrência de economias ou deseconomias de escala externas às firmas, eventualmente por razão da presença de algum insumo com disponibilidade fixa, cuja intensificação no uso ou aumento da demanda causasse alterações nos preços dos inputs. Neste caso, a curva de oferta de longo prazo poderia ter inclinação positiva (deseconomias externas) ou negativa (economias externas), mas o fim processo de entrada ou saída de novas firmas permaneceria determinado pela ausência de oportunidades de obtenção de lucros econômicos anormais. 18 p p Firma Mercado CMg CTMe CVMe S QLP p0 qiCP qiLP q nLP qiLP Q Figura 3.2 Na Figura 3.3 ilustra-se uma curva de oferta perfeitamente competitiva de longo prazo com inclinação positiva. Conforme desenhada, a curva foi obtida pela diferenciação dos ofertantes em dois grupos, os do tipo I e os do tipo II. A existência de algum fator de produção fixo, como por exemplo, terras de alta fertilidade, permite aos ofertantes do tipo I produzir a custos médios relativamente menores do que os produtores do tipo II, que utilizam terras menos férteis. Por simplicidade supôs-se que as curvas de custos marginais para os dois tipos de produtores fossem iguais. Assim, ao preço p1, somente ofertantes do tipo I estariam no mercado, ofertando em conjunto a quantidade n1q1. Estes produtores permanecerão sozinhos no mercado até que os preços se elevem a p2, quando passará a ser factível a entrada dos ofertantes do tipo II. A este preço maior, a oferta conjunta será igual a ( n1 + n2 ) q2 , e ninguém mais desejará entrar no mercado, já que as terras mais férteis estão todas ocupadas e os lucros econômicos dos produtores que ocupam terras menos férteis é igual a zero. Aos preços p1, entretanto, observa-se que os produtores do tipo I estarão recebendo por unidade vendida valores substancialmente maiores do que os seus custos 19 médios de produção: Como poderiam produtores competitivos auferir lucros econômicos positivos no longo prazo? p p Firma Mercado S QLP CMg CMe2 p2 Renda Econômica CMe1 p1 q1 q 2 q n1 q1 n1 q 2 ( n1 + n2 ) q2 Q Figura 3.3 Não podem, e os produtores do tipo I na Figura 3.3 não estão obtendo lucros anormais. Reaparece aqui a importância do uso da noção econômica de custos ou dos custos de oportunidade. De fato, observa-se que os produtores do tipo I ingressam primeiro no mercado porque têm custos médios menores do que os produtores do tipo II. Mas quando estão produzindo a quantidade q2, estes produtores conseguiriam alugar ou arrendar suas terras férteis a outros produtores por um valor máximo igual a estas receitas adicionais (anormais) que recebem por usarem terras mais férteis, exibido pela área em destaque no gráfico da esquerda. Este valor não é um lucro econômico derivado da produção, mas uma renda que cabe àqueles que são proprietários dos recursos limitados, como são as terras de alta fertilidade. Reitera-se, assim, que no longo prazo as firmas em um mercado perfeitamente competitivo percebem lucros econômicos nulos, ou 20 normais. Situações como a ilustrada na Figura 3.3 para os produtores do tipo I não aparecem como exceções, desde que a noção econômica de custos seja usada. A Curva de Demanda Residual No início do capítulo colocou-se como suposição central no modelo de concorrência perfeita o fato dos agentes serem tomadores de preços. Esta hipótese foi usada para encontrar a oferta ótima das firmas e traduz bem o espírito do modelo concorrencial, mas, mesmo dentro de uma estrutura de mercado teórica e ideal, ela não é rigorosamente verdadeira. Pode-se mostrar que até uma firma competitiva se defronta com uma curva de demanda negativamente inclinada e, portanto, tem alguma capacidade para alterar os preços de mercado. Ocorre que este poder em mercados competitivos é bastante pequeno, de forma que a idéia de que os preços seja dados - ou de que demanda individual seja horizontal - para firmas perfeitamente concorrenciais permanece sendo uma boa aproximação. Dois conceitos serão discutidos para que se consiga esclarecer estes pontos: o de elasticidade e o de curva de demanda residual. As elasticidades são usadas em Economia como indicadores de sensibilidade. Elas medem a variação percentual no valor de uma variável trazida por mudanças percentuais em outra. A priori é possível encontrar a elasticidade para qualquer par de variáveis quantitativas, mesmo que não sejam econômicas. Por exemplo, a “elasticidade horas de estudo da nota obtida no curso de OI” mediria a sensibilidade da variável “nota” a mudanças na “quantidade de tempo” de estudo dedicado à matéria. Na prática, estas notas podem estar numa escala de 0 a 10, mas há professores que usam critérios diferentes, como avaliações de 0 a 5 ou de 0 a 100. Da mesma forma, o tempo de estudo pode ser medido em dias, horas ou minutos, e para cada opção de unidades de medida se obteria uma medida de sensibilidade diferente. É por isto que no cálculo das elasticidades prefere-se trabalhar com variações percentuais nos valores das 21 variáveis envolvidas. O uso de mudanças em percentagem elimina problemas com as unidades de mensuração, permitindo comparações mais abrangentes e de fácil interpretação. A fórmula para a “elasticidade tempo de estudo (t) da nota (g)”, poderia ser expressa da seguinte forma: Εt , g ∆g ∆g t g = = ∆t ∆t g t Como fica evidente da fórmula acima, o valor da elasticidade depende não apenas das mudanças absolutas das variáveis envolvidas, ∆t e ∆g , mas também dos valores com relação aos quais se calculam as variações percentuais, t e g. O tempo de estudo e a nota a serem substituídos por t e g no cálculo de Εt , g são os anteriores à mudança ou aqueles observados depois que o tempo de estudo foi alterado? Este problema será importante sempre que se estiver calculando as elasticidades com base em mudanças discretas (“grandes”), já que nestes casos os valores iniciais e finais das variáveis envolvidas podem ser muito diferentes. Elasticidades calculadas usando mudanças discretas nas variáveis são denominadas elasticidades no arco, e neste caso não há uma regra única para a escolha dos valores escolhidos para aferir a variação percentual, podendo ser os iniciais, os finais ou, eventualmente, uma média de ambos. Se as variações envolvidas no cálculo das elasticidades forem suficientemente pequenas, entretanto, esta dificuldade não existe. Elasticidades aferidas com base em mudanças marginais são denominadas elasticidades no ponto, e como as mudanças tendem a ser pequenas entre a situação inicial e a final, os valores iniciais serão adequados para a aferição da elasticidade. Para o exemplo das notas e tempo de estudo, a elasticidade no ponto seria: ε t , g = lim ∆t → 0 22 ∆g t dg t = ∆t g dt g Uma aplicação do conceito mais próxima aos usos práticos na OI seria o cálculo da elasticidade preço da quantidade demandada de um produto, aqui apresentada na forma marginal (elasticidade no ponto). O que esta elasticidade quantifica é a sensibilidade da quantidade demandada em determinado mercado derivada de alterações no preço do produto, sempre em termos percentuais. Como em resposta a uma elevação (redução) de preços espera-se que a quantidade demandada de determinado produto em um mercado se reduza (eleve), o sinal desta elasticidade é sempre negativo. Se uma alteração dos preços de 1% causar uma mudança em sentido oposto da quantidade demandada de 2%, o valor da elasticidade preço da demanda será igual a ε p ,Q D = − 2% = −2 . 1% Os valores de ε p ,Q D estão compreendidos em um intervalo entre −∞ e 0, de maneira que a fórmula da elasticidade preço da demanda seria: (3.7) ε p ,Q D = ∂Q D p , ∂p Q D com, −∞ < ε p ,Q D ≤ 0 Em termos absolutos, as elasticidades preço da demanda tendem a ser maiores quanto mais substitutos houver para o produto em consideração, já que o primeiro caminho usado pelos demandantes para se proteger de uma elevação nos preços de um produto é a substituição por outros produtos cujos preços não tenham se elevado. É por este motivo que se costuma usar o exemplo do sal de cozinha para ilustrar o caso de um bem com demanda preço inelástica, pois diante de uma elevação no preço do sal os consumidores encontram poucas alternativas de substituição, reduzindo pouco a quantidade demandada1. Pelo mesma razão, têm-se como “regra geral” que à medida que o tempo passa, mais fácil é para os demandantes encontrar substitutos para os produtos que tradicionalmente adquirem, pelo que as elasticidades preço costumam ser maiores (em valor absoluto) no longo prazo do que no curto prazo. 23 Qualquer regra geral relativa às elasticidades deve ser percebida com cautela. O objetivo de se usar estas medidas de sensibilidade não é o de explicar a realidade dos mercados, mas apenas organizar ou resumir informações econômicas de forma simples e objetiva. Neste sentido, é interessante notar que para os bens duráveis, como uma geladeira ou um automóvel, por exemplo, o comportamento das elasticidades preço no curto e no longo prazo é exatamente o oposto do preconizado pela “regra geral” acima. No curto prazo, uma elevação no preço da geladeira induz o demandante substituir o refrigerador novo por aquele que já possui, ou seja, a prolongar a vida da geladeira usada. Este comportamento que eleva a elasticidade preço da demanda por geladeiras no curto-prazo, entretanto, não pode ser mantido indefinidamente, já que a depreciação da geladeira velha forçará, no longo prazo à aquisição de uma nova, mesmo a preços mais elevados. Assim, as elasticidades preço da demanda por bens duráveis tendem a ser maiores no curto prazo do que são no longo prazo. Outro aspecto interessante com relação à elasticidade preço da demanda é que um mesmo produto pode e costuma exibir valores diferentes para este indicador à medida que os preços e quantidades variam. No gráfico 3.2 exibe-se uma curva de demanda de mercado linear, aqui representada por Q D = a − bp . É imediato perceber que qualquer variação em p leva a uma mudança na quantidade demandada, ∆Q D , igual a −b∆p . Desta maneira, observa-se que dQ D = −b , uma dp constante negativa que pode ser substituída em (3.7), obtendo-se: (3.8) ε p ,Q D = −b p QD Na mesma curva de demanda para um produto encontram-se elasticidades preço da demanda distintas, a depender do ponto em que elas são calculadas. Um 1 As elasticidades preço da demanda também tendem a ser maiores (em valores absolutos) quando os dispêndios com os produtos a que se refere representarem uma proporção significativa dos gastos do demandante. O sal também é um bom exemplo desta regularidade, já que além de ter poucos substitutos, usualmente não representa uma fração importante dos dispêndios dos consumidores. 24 primeiro ponto interessante nesta curva é aquele para o qual a elasticidade-preço é unitária, ε p ,Q D = −1 = −b linear ao preço p = Q p , que pode ser localizado nesta curva de demanda QD D e à quantidade Q D = bp . No ponto de elasticidade b unitária, uma elevação de 1% no preço do produto faz com que a quantidade demandada caia em exatos 1%. Note-se que para preços superiores a p = Q D b , a elasticidade preço da demanda assumirá valores entre −∞ < ε pQ D < −1 , e a preços inferiores aos da elasticidade unitária, 0 > ε pQ D > −1 . p −∞ < ε pQ D < −1 Q D = a − bp ε pQ = −1 D QD b 0 > ε pQ D > −1 α =− 1 b bp Gráfico 3.2 Não deve causar estranhamento o fato da elasticidade preço da demanda aumentar (em valores absolutos) quando o preço do bem sobe. Isto ocorre porque os preços mais altos funcionam como incentivos para que os demandantes encontrem substitutos e pelo fato da redução no poder de compra dos demandantes trazida pela elevação dos preços normalmente force uma redução nas quantidades demandadas. 25 A apresentação da noção de curva de demanda residual propicia um interessante uso do conceito de elasticidade. Imagine que existam n firmas em determinado mercado no qual se comercializa um produto perfeitamente homogêneo. Por simplicidade supõe-se que todas elas têm estruturas de custos exatamente iguais, e procura-se encontrar a curva de demanda “exclusiva” de uma destas firmas, digamos a firma i. O raciocínio é ilustrado no gráfico 3.3, em que se superpõem a curva de oferta de mercado das outras n-1 firmas e a curva de demanda de mercado. Sem a oferta da firma i, o preço que equilibraria este mercado seria p1. A este preço, a demanda residual da firma i seria igual a 0, conforme se observa no gráfico da direita. Para preços inferiores a p1, entretanto, observa-se que as quantidades demandadas no mercado são maiores do que a oferta das outras firmas, e as diferentes combinações entre preços e excesso de demanda de mercado abaixo de p1 constituem a curva de demanda residual da firma i. QoS p p P1 P0 Q QoS ( p0 ) qiR D Q D ( p0 ) qiR ( p0 ) = Q D ( p0 ) − QoS ( p0 ) Gráfico 3.3 A fórmula para calcular a demanda residual da firma i é apresentada a seguir: (3.9) qiR ( p ) = Q D ( p ) − QoS ( p ) , Q D ( p ) < QoS ( p ) 26 para Q D ( p ) ≥ QoS ( p ) e qiR ( p ) = 0 , para Derivando-se (3.9) em relação a p, e multiplicando-se ambos os lados por p , qi chega-se a uma expressão para a elasticidade preço da demanda individual da firma i, ε iR : ε iR = dqiR p dQ D p dQoS p = − dp qi dp qi dp qi Os dois termos do lado direito da expressão acima podem ser transformados em elasticidades, bastando para tanto multiplicar e dividir o primeiro por QD e o segundo por QoS : ε iR = dQ D Q D p dQoS QoS p dQ D p Q D dQoS p QoS − = − dp Q D qi dp QoS qi dp Q D qi dp QoS qi ε ε oS Representando a elasticidade preço da demanda de mercado por ε , a elasticidade preço da oferta das outras firmas por ε oS , e notando que que QD =n e qi QoS = n − 1 , chega-se a uma expressão mais sintética e de fácil interpretação: qi (3.10) ε iR = ε n − ε oS ( n − 1) Por (3.10) percebe-se que a elasticidade preço da demanda individual da firma i depende (i) da elasticidade preço da demanda de mercado, ε , (ii) do número de firmas incumbentes, n, e da elasticidade preço da oferta das outras firmas, ε oS . Fazendo a suposição extremamente conservadora2 de que a oferta das outras firmas seja totalmente preço inelástica, ε oS = 0 , algumas simulações apresentadas 27 na Tabela 3.1 revelam que mesmo para produtos com baixa elasticidade preço da demanda, digamos, ε = −2 , a elasticidade preço da demanda residual para um firma específica assume valores bastante altos ainda que o número de firmas seja pequeno, com ε iR = −16 para n=8 e ε iR = −32 caso hajam 16 firmas. Para se ter uma idéia, com ε iR = −16 se a firma elevasse seus preços em 1% perceberia uma redução na quantidade demandada de 16%, o que torna esta opção de eR i e Elasticidade Preço da Demanda de Mercado interferência nos preços pouco atrativa. -1 -2 -4 -8 -16 -32 -64 Número de Firmas (n) 2 8 16 64 128 512 -2 -8 -16 -64 -128 -512 -4 -16 -32 -128 -256 -1024 -8 -32 -64 -256 -512 -2048 -16 -64 -128 -512 -1024 -4096 -32 -128 -256 -1024 -2048 -8192 -64 -256 -512 -2048 -4096 -16384 -128 -512 -1024 -4096 -8192 -32768 Tabela 3.1 Eficiência e Bem-Estar A alusão a mercados perfeitamente competitivos traz imediatamente à mente dos economistas as imagens da maximização do bem-estar social e do uso eficiente de recursos. Estas associações são pertinentes desde que se conheça com rigor os limites do instrumental teórico disponível na análise econômica de bem-estar, já que é relativamente fácil cometer equívocos de interpretação nesta área em que as vertentes positiva e normativa do pensamento econômico se encontram. 2 Esta suposição de completa inelasticidade preço da oferta indica que elevações no preço do produto não trazem qualquer alteração na quantidade ofertada pelas outras firmas, o que dificilmente ocorre na prática. (continuação da nota de rodapé) 28 Quantificar e fazer proposições sobre o bem-estar de uma sociedade é mesmo tarefa delicada. O primeiro ponto a se notar é que as medidas de bem-estar são obtidas a partir de um determinado referencial teórico usado para explicar como são resolvidos os problemas econômicos, aquilo que se costuma denominar por Economia Positiva. É com base nestas explicações sobre a operação dos mercados e comportamento dos agentes econômicos que se estruturam as proposições de Economia Normativa, vale dizer, as recomendações técnicas ou de política econômica voltadas à satisfação de determinados objetivos sociais. Dizer que os indivíduos responsáveis pelas decisões das firmas escolhem de forma a maximizar o valor presente da empresa ou os lucros do período é propor uma lógica teórica de operação para o sistema econômico, uma explicação de natureza positiva voltada a esclarecer quais são os problemas econômicos e como são resolvidos. Proposições como estas têm natureza positiva porque seu objetivo é tentar encontrar uma lógica científica para os comportamentos observados na realidade, sem a intenção imediata de interferir sobre o fenômeno estudado. Algo bastante diverso ocorre quando se propõe ações específicas para alterar ou conformar a realidade que se observa. Nos argumentos de natureza normativa há uma pretensão de controle e a fixação de objetivos práticos a serem atingidos, o que transforma o cientista “isento” em um agente que sugere aperfeiçoamentos ou mudanças cuja implementação ele considera adequada. Ao se defender um conjunto de objetivos ou ações econômicas em detrimento de outras, realiza-se uma escolha diante de possibilidades alternativas e a “isenção” científica abre espaço para uma opção valorativa. Os problemas e valores envolvidos na análise de bem estar dependerão das situações concretas consideradas. Não obstante, dispõe-se de uma metodologia relativamente padronizada e simples para a estruturação lógica de problemas de bem estar relacionados ao funcionamento dos mercados, que passa agora a ser discutida. Trata-se da análise de bem estar sob equilíbrio parcial, cujos Como a elasticidade preço da oferta é positiva, num contexto mais realista as estimativas da elasticidade preço da demanda residual para a firma i seriam ainda maiores em termos absolutos. 29 antecedentes remontam a Dupuit3 (1804-1866). Para este autor, a curva de demanda mostraria os preços máximos que os consumidores estariam dispostos a pagar para adquirir as diferentes quantidades de um bem ou serviço. Supondo que os preços máximos que os consumidores voluntariamente pagariam para adquirir determinada quantidade de uma mercadoria guardem uma relação direta com o bem estar por ela propiciado, Dupuit associou a área compreendida abaixo da curva de demanda à utilidade total que os consumidores atribuem ao consumo ou uso desta mercadoria. Alfred Marshall (1842–1924) aperfeiçoou e disseminou os insights de Dupuit. A partir de Marshall os conceitos de excedente dos consumidores e seu análogo, o excedente dos produtores, popularizam-se como medidas de bem estar associadas ao uso de determinado mercado. Baseados em curvas de oferta e demanda para mercados específicos, estes indicadores de bem estar se enquadram na análise de equilíbrio parcial, pois não pretendem avaliar o bem estar da sociedade como um todo, mas apenas aquele relacionado aos agentes participantes de determinado mercado. Max Corden (1974) associa a análise de equilíbrio parcial ao estudo de uma ou poucas peças de um grande quebracabeças, numa metáfora esclarecedora. O fenômeno econômico é único quer se tente analisá-lo de perto, identificando as “peças” isoladamente, quer se escolha estudá-lo em sua inteireza, como um sistema organizado e complexo do quebra cabeças completo. Aproximando-se de cada peça, problemas e situações imperceptíveis para quem está em posição distante, contemplando toda a figura, passam a ser visíveis. Na análise de equilíbrio parcial, “destaca-se” um ou poucos mercados para estudá-los detalhadamente, mas este ganho cognitivo tem como contrapartida a perda de informações sobre as relações entre o mercado “destacado” e o resto do sistema econômico. As análises de equilíbrio parcial serão, desta forma, sempre imperfeitas ou, como o próprio nome diz, “parciais”. Justificam-se, entretanto, já que a tentativa de estudar todos os mercados simultaneamente, uma empreitada típica da análise de equilíbrio geral, exige um 3 Conhecido como um “engenheiro-economista”, Dupuit foi um francês que ofereceu notáveis contribuições à teoria econômica, especialmente no que concerne à relação entre a curva de demanda e a (continuação da nota de rodapé) 30 esforço de abstração e traz uma complexidade analítica que dificulta sobremaneira a obtenção de resultados práticos aplicáveis. Por este motivo o nobel Gary Becker (1973) qualifica a análise de equilíbrio parcial como uma análise de equilíbrio geral aplicada. A grande vantagem do uso dos conceitos de excedente dos consumidores e dos produtores está exatamente na facilidade do seu uso ou de aplicabilidade. A partir de estimativas confiáveis das curvas de oferta e demanda envolvidas, é possível extrair um indicador do “grau” de bem estar associado ao uso do mercado em consideração. É preciso sempre ter em mente, entretanto, que nesta análise desconsideram-se, ao menos em primeiro contato, as relações entre o que ocorre neste mercado e nos demais, de forma que a medida de bem estar obtida será parcial e incompleta. Ainda numa avaliação preliminar deste instrumental, uma outra questão a ser notada decorre de seu caráter estático ou de estática comparativa. Os processos e ajustes observados nos mercados podem levar um tempo considerável para se estabilizarem, ou seja, as mudanças entre posições de equilíbrio não precisam ou costumam ser instantâneas. Este fato é importante quando se entende que nas análises de bem estar sob equilíbrio parcial comparam-se apenas situações que pressupõem estabilidade ou “equilíbrio estático”. Ora, enquanto tais situações de equilíbrio estático não forem efetivamente atingidas, os valores dos excedentes dos agentes econômicos estarão se alterando, assim como estarão as medidas de bem estar neles baseadas. Trata-se de um problema de fundo ainda não solucionado pelo corpo teórico da Economia atual e que revela a fragilidade dos conhecimentos disponíveis sobre a dinâmica dos processos econômicos. Se ainda não se dispõe de respostas adequadas para estas questões, ter consciência dos limites da análise estática empregada é um bom começo para evitar equívocos de avaliação ou a super-estimativa do poder deste instrumental. A forma mais intuitiva e direta para apresentar os conceitos de excedente dos consumidores e produtores é gráfica. Ao preço p0 = 10 unidades monetárias e à utilidade marginal dos consumidores. 31 quantidade Q0 = 100 mil unidades por mês, o mercado perfeitamente concorrencial representado no Gráfico 3.4 está em equilíbrio, vale dizer, a este preço não há nenhum agente insatisfeito com as quantidades que demanda ou oferta desta mercadoria. Pela observação da curva de demanda nota-se, entretanto, que haveria consumidores dispostos a pagar mais do que $10 por unidade do bem ou serviço. Mais precisamente, no gráfico analisado o preço máximo que alguém estaria disposto a pagar para ter uma unidade desta mercadoria seria igual a $20, o intercepto da curva de demanda com o eixo em que se medem os preços. Como todos os consumidores estão pagando exatamente $10 por unidade adquirida, pode-se dizer que os consumidores neste mercado percebem uma vantagem, um ganho definido pela diferença entre o valor máximo que estariam dispostos a pagar e o que realmente pagam. À diferença entre o valor máximo que os demandantes em conjunto estariam dispostos a pagar por determinada quantidade de uma mercadoria e o valor que efetivamente pagam denomina-se excedente dos consumidores (EC). Supondo que todos os demandantes pagam exatamente o mesmo preço pelos produtos adquiridos, o EC pode ser quantificado pela área compreendida abaixo da curva de demanda e acima da linha de preços, o que no Gráfico 3.4 equivale à área do triângulo retângulo com base (b) Q0 = 100 mil e altura (h) pMax = 20 - p0 = 10 = 10 unidades monetárias. Como a área de um triângulo é igual a b*h , o valor do EC no caso analisado seria de 2 100*$10 = $500 mil/mês. 2 Para os produtores, entendendo que nas curvas de oferta encontram-se os preços mínimos que eles estariam dispostos a receber para ofertar as diferentes quantidades de um produto, define-se o excedente dos produtores (EP) como a diferença entre o valor mínimo que os ofertantes em conjunto estariam dispostos a receber por determinada quantidade de uma mercadoria e o valor que efetivamente recebem. O triângulo que mede o EP no Gráfico 3.4 tem 32 base igual a Q0 = 100 mil e uma altura igual a p0 = 10 - pE = 6 = $4, pelo que seu valor é igual a 100*$4 = $200 mil/mês. 2 p QS pMax = 20 EC p0 = 10 EP pE = 6 QD Q0 = 100 Q Gráfico 3.4 Nesta análise, entende-se que a soma do EC ao EP é igual ao valor do bemestar dos agentes (demandantes e ofertantes) que participam deste mercado, pelo que a utilidade ou felicidade destes agentes teria um valor igual a EC+EP = $700 mil/mês. Não cabe aqui a realização de uma prova formal a respeito deste resultado, facilmente encontrada em bons manuais de Microeconomia. É de se notar, entretanto, que para tomar o valor dos excedentes como indicador do bemestar dos agentes participantes em determinado mercado assume-se que $1 equivale a 1 “utilidade” ou “felicidade” para todo e qualquer indivíduo neste mercado. Trata-se de uma suposição bastante forte, já que admitir que $1 a mais de renda representa a mesma utilidade adicional para um indivíduo bastante abastado que para um assalariado de baixa renda é pouco plausível. Esta hipótese de “utilidade marginal da renda constante”, não obstante, permanece 33 sendo efetivamente usada quando se calcula o bem estar dos envolvidos em determinado mercado com o auxílio dos conceitos de EC e EP4. Chama-se novamente a atenção para o fato de o Gráfico 3.4 representar um mercado perfeitamente competitivo, em que todos os agentes são tomadores de preços e inexistem barreiras à entrada/saída. Nesta situação, admitindo que as curvas de oferta e de demanda ali expostas são representações adequadas dos problemas enfrentados pelos ofertantes e demandantes, pode-se observar que em qualquer combinação factível entre preço e quantidade diferente da que equilibra este mercado, o bem estar dos agentes envolvidos será reduzido. Posto de outra forma, em equilíbrio, o mercado competitivo determina uma situação de bem estar máximo, já que a soma dos EC e EP será sempre menor do que $700 mil/mês se os preços ou quantidades forem diferentes daqueles determinados na intersecção das curvas de oferta e demanda. 4 É fato que se pode realizar ajustes posteriores para dar mais peso às unidades monetárias de excedente em função do nível de renda de cada agente separadamente, mas persistiremos com a hipótese de utilidade marginal da renda constante por ora, de forma a evitar complicações didaticamente desnecessárias. 34 p QS pMax = 20 A p1 = 15 B p0 = 10 C D E p2 = 8, 4 pE = 6 QD Q1D = 50 Q0 = 100 Q1S = 225 Q Gráfico 3.5 No Gráfico 3.5 esboçam-se os efeitos de uma política de preços mínimos voltada a “estimular” a produção neste mercado. A equipe responsável pela política industrial neste país resolve estabelecer um preço mínimo p1 = 15 para o produto em questão, tomando as medidas administrativas necessárias para coibir qualquer tentativa de venda deste produto abaixo do piso fixado. Qual o impacto desta medida sobre o bem estar dos indivíduos atuantes neste mercado5? Observa-se que com os preços mais elevados, a quantidade demandada cai para 50 mil de unidades/mês, de forma que o novo valor do EC passa a ser a área do triângulo A, cuja base mede p1 − p0 = $5 , e altura é igual a Q1D = 50 . Sendo a 5 Para o leitor interessado, as funções oferta e demanda de mercado usadas nos gráficos 3.4 e 3.5 têm as seguintes especificações: Q D = 200 − 10 p Q S = −150 + 25 p 35 área do triângulo A igual a $5*50 = $125 mil/mês, constata-se que o preço mínimo 2 reduziu o EC de $500 para $125 mil/mês, uma perda de bem estar mensal para os demandantes equivalente a $375 mil. A perda de excedente sofrida pelos consumidores pode ser percebida graficamente pela soma das áreas do retângulo B e do triângulo C, cada qual merecendo justificativa própria. O retângulo B tem base Q1D = 50 e altura igual a p1 − p0 = $5 , e sua área (= $250 mil/mês) quantifica a transferência de excedente dos consumidores para os produtores decorrente da política. Já o triângulo C, com base Q0 − Q1 = 100 − 50 = 50 mil/mês e altura p1 − p0 = $5 , aparece como uma perda de EC associada à redução no consumo da mercadoria em função da elevação artificial de seu preço. Aos preços maiores, alguns demandantes preferirão deixar de adquirir a mercadoria, substituindo-a por outra ou simplesmente poupando seus recursos. Esta mudança de escolhas, causada pela interferência no livre funcionamento do mercado, é denominada perda de eficiência ou perda peso-morto (deadweight loss) para os consumidores, e seu valor aqui é igual a $62,5 mil/mês. O EP também foi alterado, pois os ofertantes passaram a vender uma quantidade menor de unidades por mês, em contrapartida recebendo um preço unitário maior. Pode-se calcular o novo valor do EP achando a área do trapézio de área B + D, cuja base maior (B) mede p1 − pE = $15 − $6 = $9 , com base menor (b) dada por p1 − p2 = $15 − $8, 4 = $6, 6 e altura (h) igual a Q1D = 50 . Lembrando que a área do trapézio é dada por ( B + b ) h = ( $9 + $6, 6 ) 50 = $390 mil/mês, 2 2 observa-se que os produtores obtiveram um aumento no EP igual a $190 mil/mês. Este valor também poderia ser obtido pela soma da área B ao EP anterior à política de preços mínimos, com a subtração da área do triângulo D. Já se sabe que B representa uma transferência de renda mensal dos consumidores para os produtores igual a $250 mil, faltando apenas perceber que o triângulo D, com base Q0 − Q1 = 100 − 50 = 50 e altura igual a p0 − p2 = $10 − $8, 4 = $1, 6 , implica uma perda 36 de EP igual a $40 mil/mês. Ora, a soma dos ganhos de $250 mil com as perdas peso morto dos produtores de $40 mil leva à variação no EP igual a $210 mil/mês. Os efeitos da política de preços mínimos discutida aparecem resumidos na Tabela 3.2. Sempre que se tomar por referência o equilíbrio em mercados competitivos ideais, qualquer solução diferente da encontrada na intersecção entre as curvas de oferta e demanda trará perdas de eficiência e de bem estar social, ao menos enquanto se supuser que a utilidade marginal da renda é constante e igual para todos os agentes econômicos. No exemplo considerado, a política de preço mínimo fez com que a soma dos excedentes diminuísse em $165 mil/mês, que podem ser encontrados adicionando as áreas dos triângulos de perda peso morto, C e D. Bem-Estar (mil/mês) EC EP EC+EP Perda de Eficiência Tabela 3.2 Sem a Política (I) $ 500 $ 200 $ 700 - Com a Política (II) $ 125 $ 410 $ 535 $ 165 Variação (I) – (II) - $ 375 + $ 210 - $ 165 +$ 165 As perdas peso morto decorrem de distorções nas decisões que os ofertantes e demandantes fariam caso o mercado fosse perfeitamente concorrencial. Podese, desta forma, intuir que este tipo de perda ocorrerá sempre que não se verificar a solução perfeitamente competitiva, o que leva aos interessantes temas das falhas de mercado e da intervenção pública no sistema econômico. O equilíbrio que seria determinado em mercados perfeitamente competitivos, ideais, serve como referencial teórico para o que os economistas costumam denominar de “solução de primeiro melhor” ou “first best solution”. Neste contexto hipotético, o bem estar econômico,medido pela soma dos excedentes dos consumidores e produtores seria máximo, sendo impossível melhorar a situação de um agente econômico qualquer sem piorar a de outro, o que caracteriza uma situação de “ótimo de Pareto”. 37 Se todos os mercados fossem concorrenciais e perfeitos, nada haveria a ser feito para melhorar o bem estar social como definido acima. Políticas públicas como as de preço mínimo, impostos, e qualquer forma de intervenção estatal no domínio econômico seriam desnecessárias e, em última instância, inúteis. Em um mundo ideal como este, talvez fosse desnecessário um curso de Economia Industrial e, se ele existisse, provavelmente teria a natureza de uma discussão filosófica e puramente abstrata, já que todos os problemas práticos estariam sendo automaticamente resolvidos nos mercados. Mas o mundo em que vivemos não é assim, os mercados têm falhas e as soluções de primeiro melhor são extremamente raras, se é que existem. A preocupação dos economistas com as falhas de mercado não é nova, já havendo certo consenso que os mercados não resolvem bem os problemas de alocação social ótima de recursos quando há: 1) Presença de Externalidades; 2) Problemas Informacionais; 3) Poder de Mercado; 4) Bens públicos; 5) Problemas de Distribuição de Renda. Como visto no início deste capítulo, as externalidades decorrem dos efeitos das ações de um agente econômico sobre os demais. Na maior parte dos modelos econômicos, supõe-se que os agentes tomadores de decisão desconsideram os efeitos de suas ações sobre os demais indivíduos, numa postura “egoística” e auto-interessada com interessantes desdobramentos práticos. Uma maneira simples de ilustrar este tópico é distinguir entre os custos privados e sociais de produção, digamos, de tecidos. Considere uma situação em que um grupo de empresários do setor têxtil resolve construir um complexo industrial na periferia de uma cidade, por coincidência próximo de uma clínica médica. Supondo que o mercado de tecelagem seja competitivo, após o início das operações, as firmas estarão produzindo de forma a maximizar seus lucros, observando a regra p=CMg, conforme ilustrado pela curva CMg P no gráfico. Para uma curva de demanda dada, o equilíbrio neste mercado seria encontrado no Gráfico 3.6 ao preço p0 e à 38 quantidade Q0. A produção destas firmas, entretanto, causa ruídos altos o suficiente para dificultar a auscultação dos pacientes e os exames clínicos em geral, pelo que há custos para terceiros que não são considerados pelas tecelagens. Imagine, por um momento, que os médicos proprietários da clínica fossem também os donos das empresas de tecido. Nesta situação, eles levariam em consideração como custos produtivos da fabricação de tecidos as perdas de receitas ou aumentos de custos em suas atividades médicas, e as curvas de custos apropriadas estariam representadas por CMg S , que levaria a um equilíbrio no mercado ao preço p1 e à quantidade Q 1 . CMg S p CMg P p1 p0 QD Q1 Q0 Q Gráfico 3.6 Evidentemente, se os médicos fossem os proprietários das tecelagens não haveria externalidades, já que os efeitos da produção de tecidos sobre as atividades médicas seriam naturalmente levadas em consideração e o ótimo de Pareto seria atingido com a produção menor e os preços mais altos. Quando as 39 diferentes atividades são administradas por agentes diferentes, entretanto, observa-se uma solução em que o bem estar da sociedade não é maximizado. A correção deste problema poderia se dar pelo próprio uso de mercados, caso não fosse muito caro fazê-lo. Afinal, de quem é o direito sobre o “silêncio ambiental”, dos médicos, dos donos de tecelagem ou de nenhum deles? Se os médicos fossem proprietários de direitos ao silêncio, poderiam vendê-los aos fabricantes por um preço que compensasse suas perdas com o barulho. Da mesma forma, se fossem os donos das tecelagens os proprietários dos direitos ao silêncio, encontrariam médicos dispostos a adquirí-los por valores iguais ou menores dos prejuízos que vêm sofrendo, de uma forma ou de outra solucionando o problema das externalidades. O grande obstáculo para a ocorrência destas transações de mercado está na dificuldade em estabelecer direitos de propriedade sobre o “silêncio”. Pode-se imaginar que negociações alternativas, envolvendo a possível construção de isolamentos acústicos nas fábricas ou na clínica ou a própria mudança das instalações que eliminassem as externalidades, mas quem arcaria com os custos? À proporção em que os custos de transação aumentam, trocas mutuamente benéficas podem deixar de ser viáveis, o que implica a manutenção das ineficiências ou, alternativamente, dá motivo para que se crie uma tecnologia alternativa para resolver os problemas não solucionados bem pelo uso dos mercados. Esta linha de raciocínio deve muito à teoria dos custos de transação de Ronald Coase, apresentada nos capítulos anteriores. De fato, se não houver custos de transação, espera-se que os mercados forcem automaticamente a internalização de todas as externalidades, o que levaria à solução socialmente ótima. Como estes custos para o uso dos mercados existem e não são desprezíveis, alguns economistas entendem que se justifica a ação estatal no sentido de mitigar os efeitos das falhas de mercado sobre o bem estar. Uma lei do silêncio, ou regras administrativas que limitem a um nível aceitável de decibéis os ruídos em determinadas regiões urbanas, por exemplo, elimina a necessidade de longas e onerosas negociações e, se bem delineadas, aproximam o equilíbrio de mercado da situação ótima. 40 Raciocínios similares podem ser feitos para todas as outras falhas de mercado, mas haverá ainda oportunidades específicas nos capítulos subseqüentes para tratar dos problemas associados a bens públicos, ausência ou assimetria de informações, poder de mercado e distribuição de renda. Na medida em que estes tópicos forem tratados, remissões e complementações aos fundamentos da análise de bem estar aqui lançados serão realizadas. Palavras-Chave Estrutura de Mercado Concorrência Perfeita Poder de Mercado Externalidade Homogeneidade de produto Informação Perfeita Maximização do valor presente Maximização dos lucros Receita Marginal Custo Marginal Ponto de entrada ou fechamento Renda econômica Elasticidade Demanda residual Economia positiva Economia normativa Análise de bem estar Equilíbrio parcial Equilíbrio geral Excedente dos consumidores Excedente dos produtores 41 Perda peso morto Equilíbrio Estático Solução de primeiro melhor Ótimo de Pareto Eficiência Custo Marginal Social Custo Marginal Privado Exercícios Sugeridos 1. Quais as principais hipóteses teóricas usadas para caracterizar a estrutura de Concorrência perfeita? 2. Já que situações práticas de concorrência perfeita parecem ser raras, por que motivo este modelo abstrato e ideal permanece sendo usado na Economia Industrial? 3. No gráfico 3.1, encontrou-se uma quantidade ótima supondo (1) que existia um ponto de lucro máximo e (2) que este máximo era global. Conforme desenhada, aquela função lucro assemelhava-se à forma de um sino. Refaça aquele gráfico de forma que a função lucro se pareça com dois sinos com alturas diferentes. Identifique os pontos que satisfazem a condição de igualdade entre receita marginal e custo marginal neste novo gráfico, e discuta a importância das suposições (1) e (2). 4. Para uma firma em concorrência perfeita, qual a importância dos custos inevitáveis para definir o ponto de entrada ou fechamento? Sua resposta é a mesmo caso se esteja falando do de um longo prazo ou de curto prazo? Por quê? 5. Desenhando as curvas de custo marginal total médio e custo marginal variável médio para uma firma competitiva, ilustre uma situação em que esta firma aufere lucros econômicos positivos no curto prazo. Isto não é 42 contraditório com a hipótese de ausência de barreiras á entrada/saída? Explique. 6. “Na ausência de economias ou deseconomias de escala externas, a renda econômica de firmas competitivas não pode ser positiva”. É Falso, verdadeiro ou incerto? Por quê? 7. Explique o que são e para que servem as elasticidades em Economia. Supondo uma curva de demanda linear, mostre que mesmo mercadorias que apresentam poucos substitutos e representam uma fração pequena dos gastos totais dos demandantes pode exibir elasticidades-preço da demanda bastante elevadas. 8. Suponha que a demanda de mercado por certo produto seja representada por QD = 100 – p. Neste Mercado, existem 50 firmas idênticas, cada qual com custos marginais iguais a q. Encontre a curva de demanda residual para uma destas firmas. 9. Ao preço que equilibra o mercado descrito na questão anterior, supondo apenas 49 firmas incumbentes, quais são as elasticidades preço da demanda de mercado e da demanda residual para a 50ª firma (considere que a elasticidade preço da oferta das outras firmas seja igual a 0). 10. Suponha que o mercado de maças possa ser descrito pela seguintes equações: Demanda: P=20-q Oferta: P=q-4 Onde p é o preço em unidades monetárias de cada caixa de maças e q é um número de caixas da fruta em milhares de unidades. 43 a) se este mercado for perfeitamente competitivo, que preço e quantidade serão observados? b) Qual o valor dos excedentes dos consumidores e produtores neste mercado? 11. As autoridades públicas após terem conhecimento dos benefícios que o consumo de maças traz à saúde dos consumidores, entendem que seria interessante estimular o consumo deste produto em sociedade. Para tanto, contratam você para realizar uma análise do impacto sobre o bem estar das seguintes alternativas: a) a imposição de um preço máximo, p=8 para garantir o acesso de mais consumidores a este produto b) a concessão de um subsídio de $4 por mil caixas produzidas. c) Calcule e mostre graficamente a variação dos excedentes dos consumidores e produtores para as duas alternativas consideradas. Qual delas, se alguma, mereceria seu apoio. Leituras Sugeridas 44