KANT E O PROBLEMA DE ENSINAR FILOSOFIA NO ENSINO SUPERIOR Dean Fábio Gomes Veiga* RESUMO O presente trabalho tem como objetivo, discutir a problemática do ensino de filosofia no ensino superior. Trata-se de uma investigação baseada nos pressupostos da filosofia kantiana que afirma a impossibilidade, abrindo a perspectiva de que se ensine a filosofar. As linhas mestras de nossa análise cercam-se primeiramente da premissa conceitual acerca da própria natureza da filosofia. Perguntamo-nos: o que é filosofia? O que é filosofar? A filosofia necessita de um método próprio ou pode se amparar no método de outras disciplinas. Kant preocupa-se em todo seu percurso filosófico em investigar a possibilidade do conhecimento humano. A temática sobre o ensino de filosofia aparece em um de seus cursos de 1765 com a publicação posterior da obra que reúne as lições de Kant sobre alógica filosófica. Aferida estas premissas, o artigo pretende instigar reflexões sobre a problemática do ensino sobre o ensino superior, tendo na filosofia de Kant um referencial que auxilie os docentes a pensarem em alternativas de transpor esta barreira, tornando a filosofia cada vez mais presente na vida universitária. Palavras-chave: Ensino. Filosofia. Kant. Conhecimento. INTRODUÇÃO O problema apresentado neste artigo nasce da mudança de cenário em relação ao ensino de filosofia, observada a partir de dois marcos históricos recentes, quais sejam, o do estabelecimento e estruturação do ensino de filosofia na LDB 9394/96 e da volta do ensino * Mestrando do Programa Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento da UNESPAR, Universidade Estadual do Paraná - Campus de Campo Mourão. Professor de Filosofia, Licenciado pela PUCPR. Bolsista CAPES/Fundação Araucária (2016-2017). Endereço: Rua Pitanga,1549, Apartamento 312. Centro - Campo Mourão - Paraná. E-mail [email protected]; Telefone: (44) -9825-3629. Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 59 de filosofia a nível médio através da lei 11.684/2008 sancionada pelo então presidente em exercício José de Alencar. Este marcos históricos possuem reflexos e inferências também no ensino superior. A democratização do ensino superior, observada nos governos populares de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ampliaram consideravelmente a oferta de vagas, e a possibilidade de acesso ao ensino superior. A criação de novas universidades federais e institutos de aplicação tecnológica (IFs) demonstram uma mudança de cenário estrutural no Ensino superior que serve como pano de fundo para nossa discussão. Neste bojo de transformações no cenário do ensino superior brasileiro, emerge a problemática do ensino de filosofia. Muitas vezes como disciplina transversal, a filosofia é inserida no currículo do nível superior” depois de uma tímida e nem sempre bemsucedida, experiência no ensino médio. Não entraremos no mérito da questão da estrutura ou da justificativa do ensino de filosofia no ensino superior, nosso intento é expresso a partir da seguinte questão: A filosofia pode ser ensinada no ensino superior? Para tanto, precisamos iniciar nossa reflexão sobre algumas digressões sobre a natureza da filosofia e do pensar filosoficamente. A filosofia nasce da inquietude. ‘O homem ao reconhecer o mistério’ o contraditório em sua volta, passa a indagar-se acerca da origem do mundo, das coisas que o rodeiam e até mesmo de sua própria existência. Toda definição histórica do surgimento da filosofia nos é conhecida. No entanto, o que percebe-se nas salas de aula, são apenas transmissões de fatos históricos e pouco incentivo ao filosofar, o pensar criticamente. Esta falta de identidade da filosofia no ensino superior, muitas vezes é responsável pelo desinteresse e rejeição por parte dos discentes em relação a filosofia. Um conhecimento histórico apenas superficial, a torna uma ‘vilã’ do curriculum das graduações, sendo acusada de desnecessária e por vezes sem sentido. Entende-se que há uma riqueza imbricada na história da filosofia, mas ao mesmo tempo, restringir as aulas de filosofia a uma mera narração de histórias e de exegese de conceitos, torna-se um consenso a Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 60 natureza do espírito filosófico que requer a crítica, a reflexão e o debate. A História da filosofia composta pelo pensamento dos filósofos, através problemas filosóficos devem ser o ponto de partida para a discussão e debates na sala de aula, contudo não esgotando-se e restringindo-se a este exame. Neste sentido, considerando as contribuições de Kant a filosofia, especialmente sua ideia de esclarecimento, autonomia e liberdade, entendemos que o conjunto de suas investigações, tem muito a dizer ainda hoje aos docentes de filosofia. Sem duvida ao ‘convidarmos’ Kant para este debate sobre a filosofia e o ensino superior, estamos seguros ao afirmar que é impossível ensinar filosofia no ensino superior, e o papel do professor é tornar-se filosofo e assim poder ensinar a filosofar, oque certamente será um ganho vigoroso, a nossos alunos, a academia e a sociedade como um todo. Nosso artigo estrutura-se do seguinte modo: Na primeira parte apresentaremos um recorte sintético sobre reflexões que versam sobre o ensino de filosofia no ensino superior. No segundo eixo, iremos discutir sobre a problemática em Kant da impossibilidade de se ensinar filosofia como uma disciplina ‘comum’ semelhante as outras ( não fazendo da filosofia exclusivista, um saber arrogante) mas, advogando que para que a filosofia cumpra seu papel de função critica e integradora. O ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO SUPERIOR Nosso artigo tem sua natureza ancorada no caráter bibliográfico. Principiamos nossa investigação a partir de um olhar crítico do Artigo 35 da LDB 9394/96 que versa sobre as características básicas do ensino da filosofia. O presente artigo de lei afigura-se como uma referência fundamental para pensarmos o ensino de filosofia e sua aplicação mediada pelo processo de ensino e aprendizagem. Pergunta-se a partir dessa leitura: Como a filosofia pode ser ensinada? E ainda, (se é possível seu ensino)? Por meio de uma leitura crítica do PCNS, e das Orientações curriculares para o ensino de filosofia, formulamos o problema central de nossa investigação, qual Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 61 seja: a in (possibilidade) de ensinar filosofia no Ensino superior. Dentre as diversas escolhas possíveis a fim de alcançarmos os propósitos estabelecidos no escopo de nosso trabalho, amparamo-nos nas reflexões de Kant, sobre o papel da razão em conhecer, expresso na Crítica da razão Pura. Recorrendo à Kant, sobretudo nos textos: Resposta à pergunta o que é o esclarecimento, o que significa orientar-se no pensamento, Lógica, nos foi possível chegar às conclusões apresentadas neste texto. Falar de filosofia implica na atividade de filosofar. Tal atividade emerge da existência e formulação de problemas filosóficos. Neste sentido é preciso identificar o que é um problema filosófico? A filosofia nasce do espanto. Da indagação critica. A coruja que lança vôo no crepúsculo, imortalizada como símbolo da filosofia nos escritos de Hegel na Fenomenologia do Espírito, simboliza o papel da filosofia entendida como problema filosófico. Entre Kant que advoga que não aprendemos filosofia e sim a filosofar e o embate com Hegel, que pensa o oposto, escolhemos Kant para fundamentar nossa argumentação. Mas a pergunta é o que é um problema filosófico? Qual é a natureza, a origem epistemológica de um problema filosófico? Em síntese, podemos conceituar um problema filosófico como uma descrição da essência (natureza) da própria filosofia. Ao levantar vôo quando há o crepúsculo, a coruja de minerva, busca em meio à obscuridade e incertezas da escuridão caminhos seguro a fim de fazer com segurança seu pouso. O problema epistemológico-filosófico tem sua natureza (origem) dentro do próprio conceito da filosofia, uma vez que estudar filosofia, pesquisar filosofia é descobrir novos problemas, que levam a soluções nem sempre acabadas, mas que na maioria das vezes suscitam novos problemas. Um problema filosófico é uma colcha de retalhos que vai se costurando parte a parte para formar um todo. A filosofia é assim. Só há sentido no filosofar e no estudar filosofia, quando se consegue fazer a mediação entre teoria e pratica. Não que devemos cair no modismo de uma ‘filosofia’ com fins técnicos e práticos. Pelo contrário, a mediação entre teoria e prática indica a capacidade de aplicar problemas filosóficos para que sejam debatidos também pela sociedade. Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 62 Um problema filosófico define-se como a capacidade de tomar um tema discutido pelo senso comum e transforma-lo em uma discussão reflexiva e crítica. Ainda, o problema filosófico implica na capacidade de dialogar com os clássicos da filosofia, de compreender problemas já formulados, ao longo da história da filosofia. O ‘fazer’ filosofia, estudar filosofia, implica nesse processo de “escuta” silenciosa da tradição filosófica. Respeito silencioso, não místico e dogmático, mas ativo, especulativo, que sabe se posicionar. O filósofo caricato de Rondhen que apenas permanece imóvel, na observação pacata das realidades a sua volta, em pouco, ou melhor, em quase nada, representa a figura do verdadeiro filósofo frente às ideias, conceitos, realidades que problematiza em sua investigação. Deste modo, compreendemos que a questão nuclear de nosso trabalho, qual seja, a da problemática de ensinar filosofia no ensino superior. Além de uma questão meramente metodológica, pedagógica, trata-se de uma questão epistemológica, cabendo assim a necessidade de recorrer á própria filosofia (sua história, seus clássicos) a fim de, verificarmos se problemáticado ensino de filosofia no nível superior possui solubilidade. A filosofia pode (e deve) ser apresentada recorrendo-se a sua história, a formação de seu pensamento filosófico e de seu método crítico de investigação. No entanto, a filosofia não se esgota na análise histórico-temporal, sendo uma ‘ciência’ que extrapola o tempo, e se faz presente a partir de seus autores clássicos, que separados historicamente de nós, ainda continuam a dar importantes contribuições. Assim recorremos a filosofia de Kant, a fim de encontrarmos pistas para possível solução do problema exposto no escopo de nosso trabalho. A tarefa de ensino-aprendizagem composta por métodos pedagógicos é conhecida de todo docente. Perguntamo-nos a nos referir à filosofia, se esta possui um método próprio de ensino aprendizagem, ou se como disciplina dentro de um currículo maior pode tomar de empréstimo métodos já existentes ou conhecidos? Entendemos que a filosofia não pode ser amparada por um método unicamente pedagógico de assimilação de conteúdos e de reprodução de ideias. A filosofia não apenas ensina ideias, mas gera (fecunda) novas Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 63 inquietações produzidas a partir do próprio indivíduo que se dispõe a aprendê-la. A filosofia necessita de um método para apresentar suas ideias, seus sistemas, mas, no entanto, não pode ser restringida a este. A capacidade de produzir novas ideias, questionar argumentativamente outras já existentes são os eixos do próprio saber filosófico. KANT E O PROBLEMA DE SE ENSINAR FILOSOFIA Para Kant, o ensino está ligado á questão do conhecimento. Na Crítica da razão pura, o filósofo analisa as possibilidades, limites e alcance da razão no processo do conhecimento. Para Kant, conhecer é antes de tudo formular juízos. Para ele, os juízos analíticos, são aqueles que ‘‘[...] nada acrescentam ao objeto em matéria de conhecimento, mas somente dividem por desmembramento de seus conceitos, que eram confusamente, pensados sobre eles’’ (KANT, 1999, p. 58). Ao passo que, os juízos sintéticos são ampliadores do conhecimento, uma vez que [...] nada do predicado se encontra no conceito que me é apresentado, como, por exemplo, quando digo, que todos os corpos são pesados, o predicado é bem diverso daquilo que penso num mero conceito de corpo (KANT, 1999, p. 58). O conhecimento, segundo Kant (1999, p. 72), consiste em isolar o que o entendimento pensa mediante conceitos e, em seguida, separar tudo o que é advindo da sensibilidade, para que reste apenas o que é puro e, assim, constatar o que pode ser fornecido a priori. Para o filósofo, a produção do conhecimento começa pelo modo como nossa mente é afetada pelo objeto quando este passa pela experiência sensível. Este, portanto, é o papel da sensibilidade, permitirnos ter um primeiro acesso ao objeto que será posteriormente pensado segundo as categorias e conceitos do entendimento. A sensibilidade, portanto, produz em nós, por meio da intuição, uma representação do objeto, assim, o ponto de partida para o conhecimento será a intuição sensível, ou melhor, a intuição empírica. Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 64 Cumpre notar, porém, que Kant admite a possibilidade de uma intuição pura que não tem relação nenhuma com a sensação, ou seja, funciona a priori em nossa mente.A sensibilidade é, portanto, o contato imediato que temos com o objeto, que nos é conferido pela intuição; assim, pela sensibilidade, o objeto nos é dada e afeta nosso espírito de alguma maneira. Porém, não se trata de um conhecimento baseado apenas na experiência, mas de uma relação entre a experiência sensível e o pensamento, que me possibilitara compreender o objeto que afeta a minha mente. Deste modo a intenção principal da Estética transcendental, será o de examinar estas intuições puras, que por sua vez são as fontes originarias do conhecimento. Por Intuições puras Kant (2013, p. 34-35) compreende o seguinte: Denomino puras (em sentido transcendental) todas as representações em que não for encontrado nada pertencente à sensação. Consequentemente, a forma pura de intuições sensíveis em geral, na qual todo o múltiplo dos fenômenos é intuído em certas relações, será encontrada a priori na mente. Essa forma pura da sensibilidade também se denomina ela mesma intuição pura. Assim, quando separo da representação de um corpo aquilo que o entendimento pensa a respeito, tal como substância, força, divisibilidade, etc., bem como aquilo que pertence à sensação, tal como impenetrabilidade, dureza, cor, etc., para mim ainda resta algo dessa intuição empírica, a saber, extensão e figura. Ambas pertencem à intuição pura, que mesmo sem um objeto real dos sentidos ou da sensação ocorre a priori na mente como uma simples forma da sensibilidade (KANT, 1983, p. 34-35). A intuição pura é, portanto, a fonte originária do conhecimento uma vez que através do contato que esta possui com o objeto, são extraídos os dados necessários para que possa se originar o processo inicial do conhecimento que implica da conexão intuição puro acrescida do conceito, que o entendimento produzirá como um juízo. Deste modo, o conhecimento será operado através da intuição e dos conceitos. Afirma, ainda, o filósofo que “a intuição e o conceito Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 65 constituem, pois, os elementos de nosso conhecimento” e, em seguida, argumenta que o conhecimento só poderá surgir dessa união (KANT, 1999, p. 91). Assevera, entretanto, o filósofo na Analítica que“[...] pela sensibilidade os objetos nos são dados e apenas ela nos fornece intuições; pelo entendimento, os objetos são pensados e deles se originam conceitos” (KANT,1999, p. 73). Assim, podemos considerar que a conexão entre o objeto da sensibilidade, pensado pelo entendimento, constitui a estrutura do conhecimento, que é operada por um sujeito transcendental. O sujeito transcendental é a estrutura kantiana sobre a qual ocorre o processo do conhecimento filosófico. O problema do conhecimento especialmente do conhecimento filosófico é uma das preocupações recorrentes do autor em sua filosofia. No texto “Resposta à pergunta: o que é o esclarecimento?”, Kant novamente discute o papel do conhecimento e da filosofia. O conhecimento pressupõe o Esclarecimento, que implica a superação da menoridade. O próprio Kant (1985, p. 100) afirma que é preciso coragem e determinação para que o homem saia da menoridade da qual ele mesmo é culpado. Assim, compreende-se que o aperfeiçoamento moral é também responsabilidade do próprio homem, uma vez que é ele, o artífice de sua própria história. Porém o esclarecimento dos indivíduos se dará não por meio de uma revolução, mas sim nas palavras de Kant (1985, p. 104), “[...] por meio de uma reforma do pensamento”. O uso público do pensamento denota o esclarecimento de um povo, como declara Kant (1985, p. 104): Para este Esclarecimento [Aufklärung], porém nada mais se exige senão LIBERDADE. E a mais inofensiva entre tudo aquilo que se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer uso público de sua razão em todas as questões. Conhecimento, razão e ensino de filosofia para Kant estão unidas de forma indissociável. A problemática sobre a in(possibilidade) de ensinar filosofia é a preocupação do filosofo alemão em suas aulas de Lógica ministrado em Konisberg entre os anos de 1765 a 1766. Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 66 Kant problematiza a questão do ensino de filosofia a partir da premissa sobre a composição do ‘filosofar’, do ensino de filosofia a partir da premissa sobre a composição do ‘filosofar’. A atividade expressa da filosofia é o filosofar. Kant separa (subdivide) os diversos tipos (categorias) de conhecimentos científicos, e dá uma atenção especial ao maior e mais “sublime de todos os conhecimentos” o conhecimento filosófico. Segundo o autor, a filosofia é: O sistema dos conhecimentos filosóficos ou dos conceitos racionais a partir de conceitos. Eis aí o conceito escolástico dessa ciência. Segundo o conceito do mundo, ela é a ciência dos fins últimos da razão humana. Este conceito altivo confere dignidade, isto é, um valor absoluto à filosofia. E realmente, ela também é o único conhecimento que só tem valor intrínseco, pois dela vem o valor de todos os demais conhecimentos ( KANT, 1999, p. 126). Há decerto, uma sublimidade de Kant ao referir-se a razão. Ora, é importante salientar que tal ode ao conhecimento filosófico não se trata de uma visão dogmática ou combativa as outras ciências e formas de conhecimentos, mas sim uma demarcação de Kant acerca da importância da filosofia como fonte de conhecimento que auxilia os “demais tipos de saberes” (KANT, 1992, p. 46). Kant na Lógica perfaz uma conotação importante sobre a natureza do filósofo. Segundo o autor, “Ninguém que não possa filosofar, pode ser chamado ou arrogar-se a si o título de filósofo” (KANT, 1192, p. 47), ou seja, ao licenciado em filosofia, ou em outra área do conhecimento, o simples fato de transmitir de modo metódico e sistemático os ‘conteúdos’ da filosofia não faz dele necessariamente um filosofo. Pode parecer redundante, mas seria como se Kant nos dissesse ‘para ser filósofo é necessário filosofar’. Filosofar para Kant e para o contexto clássico epistemológico da filosofia, não se refere a um discurso fantasioso, emocionado ou de palavras e frases sem sentido, complexas, pelo contrário, filosofar implica a capacidade de um diálogo Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 67 racional, sistematizado, comandado pela razão. Filosofar é adentrar no mundo dos clássicos, no mundo dos filósofos e tomar parte no debate. É utilizar-se das regras impostas pela razão, é deixar fluir do interior (maiêutica socrática) o conhecimento. É também utilizar-se da experiência sensível. Filosofar é tomar parte no discurso (Foucault). Se apenas falar de filosofia, tiver o domínio técnico dos conteúdos (lições da filosofia) não fazem do docente, do aluno um filósofo, o ensinar filosofia é possível? Kant (1992, p. 51) nos responde do seguinte modo: Como é que se poderia a rigor aprender a Filosofia? Todo pensador filosófico constrói, por assim dizer, sua obra sobre os destroços de uma obra alheia; mas jamais se erigiu uma que tenha sido instável em todas as suas partes. Não se pode aprender filosofia, já pela simples razão que ela ainda não está dada. Kant aponta para a impossibilidade de aprender filosofia, e por consequência a impossibilidade de ensinar filosofia. Causa espanto a primeira vista ao leitor, uma posição ‘cética’ vinda da parte de um filósofo que devotou sua investigação em elevar a filosofia ao status de uma ciência segura. No entanto, essa ‘estranheza’ é dissolvida à medida que se compreende que a impossibilidade de ensinar (aprender) filosofia é transposta pela alternativa kantiana que afirma que ‘é possível filosofar’. Em outros termos, não é possível ensinar filosofia, mas sim a filosofar. A filosofia no nível superior sofre com diversas síndromes. Uma delas é a questão celebre imposta por alunos e até mesmo docentes de outras disciplinas expressa na assertiva: qual é a importância da filosofia? Porque a filosofia está no currículo? Não seriam tempo perdido aulas de filosofia, onde os alunos mal conseguem abstrair conceitos básicos como metafísica, por exemplo? Metafísica é um conceito profundo. Essas angústias compartilhadas por docentes de filosofia, sobretudo, no ensino superior e esta ‘desconfiança’ sobre a pertinência do ensino filosófico, sua importância e viabilidade, são dissolvidas à medida que se compreende que filosofia não é uma técnica, como a oratória, a matemática e outras ciências, que gozam de importância Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 68 singular na formação universitária, mas sim, é a filosofia mais do que um método, mas uma forma de ver o mundo, de criticá-lo é num termo marxista: transformá-lo. Aprende-se a filosofar. É esta a tarefa do docente de filosofia no ensino superior motivar os alunos ao amor ao saber, a amizade da filosofia. A arma da filosofia é a crítica, formar cidadãos críticos afigurase como uma das principais tarefas e justificativas do ‘por que’ da filosofia apresentar-se no ensino superior. Ensinar a filosofar, a desenvolver a criticidade em nossos alunos de nível superior, é uma tarefa árdua e um processo que demanda tempo e mudança de paradigmas. Se não se ensina filosofia (como se ensina técnicas), mas se ensina a filosofar, um caminho e um suposto ‘método’ para tal é o diálogo de nossos acadêmicos com os clássicos da filosofia e seus problemas. Apenas se aprende a filosofar com este diálogo com o ‘passado’ que tem como objetivo principal transpor, tornar presente o clássico aos dias de hoje. É preciso levar nossos estudantes a compreender que a filosofia não está presa temporalmente a poeira de autores milenares, mas que, por exemplo, a Política de Aristóteles, a República de Platão, Fundamentação da Metafísica dos costumes de Kant tratam-se de obras atuais, embora escritas há muito. Na filosofia não há a distância temporal, mas sim uma progressão, e um diálogo continuo com o presente. A filosofia neste sentido não pode estar submetida a uma servidão metodológica, apenas para o cumprimento de currículo, mas deve funcionar como uma ciência integradora, que fomente a critica nos mais diversos níveis, sobretudo além de seu campo disciplinar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dado o exposto, podemos (pode-se) aferir algumas conclusões, embora que provisórias sobre a problemática do ensino de filosofia no nível superior. A filosofia no ensino superior busca ainda por parte de docentes e discentes sua legitimidade. Questiona-se a pertinência e a viabilidade da filosofia no ensino superior. A questão imposta por professores até Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 69 mesmo da disciplina de filosofia, argumenta acerca da dificuldade de fazer o saber filosófico ser compreendido e até mesmo tornado ‘interessante’ para os alunos. Nesta problemática, compreendemos, concordando com Kant, primeiramente acerca da impossibilidade de ensinar filosofia. Trata-se nesse sentido, de uma resposta negativa, semelhante a outras ciências a filosofia não pode ser ensina transmitida de forma didático-pedagógica. Isto, contudo não exime a filosofia de uma busca por aperfeiçoamento didático ou até mesmo uma rixa metodológica com os parâmetros dametodologia, pelo contrario, a filosofia inserida como ‘disciplina’ precisa de rigor de método, contudo como ciência integradora critica, não pode resumir-se a isto. Não há em filosofia uma ‘receita’, uma ‘técnica’. Os moldes do ensino de filosofia no ciclo superior, por vezes sufocam e fazem recair na superficialidade o conhecimento filosófico. A filosofia torna-se marginalizada, um conteúdo abstrato por demais e sem sentido para os estudantes. A carga horária torna-se um dos fatores que colaboram para essa ‘marginalização’. A filosofia tornar-se uma disciplina a ‘mais’ no currículo sem cumprir sua natureza de promover o debate e a formação do pensamento crítico. A segunda inferência encontrada na investigação tem sentido positivo, utilizando-se das observações de Kant. Se é impossível ensinar filosofia no ensino superior, há a necessidade de se ‘ensinar a filosofar’. A filosofia não pode ser ensinada a rigor de outras disciplinas. A compreensão de alguns conceitos, frases ou chavões não resultam na ‘aprendizagem de filosofia’. Kant nos ensina, a fazer o uso rigoroso, sistemático e livre da razão. Uma metodologia não pode ‘aprisionar’ o pensamento filosófico, a metodologia em filosofia é um meio e jamais um fim. Quando se fala de ensinar a filosofar, extrapola-se a compreensão ou apreensão de conceitos, e o estudante passa a ter uma postura proativa em relação á filosofia. Ensinar a filosofar é na visão de Kant, ensinar a formular juízos, é estimular a crítica, dialogar com o mundo. Esta deve ser a preocupação do docente de filosofia no ensino superior. A recusa da ‘prisão’ de um manual e de uma didática que mal aplicada por vezes serve apenas para Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 70 ‘cumprir prazos e conteúdo’, deve ser uma pratica constante do professor de filosofia. Submeter a filosofia a uma técnica ou a um método significa a morte do pensamento filosófico que é a fonte da criticidade. Ensinar a filosofar, a desenvolver o pensamento crítico, o diálogo e o debate, é um caminho longo, árduo, que é preciso começar a ser percorrido no ensino superior (não só nele, mas desde o ensino fundamental). Os frutos desse movimento certamente serão benéficos para a formação humana e integral de nossos estudantes. A formação de uma mentalidade critica a partir da busca por parte dos docentes, em fazer com que os alunos ‘filosofem’ ou seja produzam novas ideias, critiquem o sistema vigente de valores e de normas políticas. Por fim, cremos que o filosofar precisa fazer parte da vivência de nossos estudantes ensinando-os não a submissão, mas a critica. A filosofia ensina-nos a fazer o uso do nosso próprio entendimento (Kant) ensina-nos a nos rebelar, a não aceitação do imposto, mas instiga-nos ao questionamento. Se a filosofia no ensino superior fomentar o filosofar, mesmo não com respostas acabadas, mas com novas indagações, ao certo ela já cumpriu seu papel. ABSTRACT This paper aims to discuss the problem of philosophy teaching in higher education. This is an investigation based on the assumptions of Kantian philosophy that affirms the impossibility, opening the prospect that is taught to philosophize. The main lines of our analysis first surround yourself conceptual assumption about the nature of philosophy. We ask ourselves: What is philosophy? What is philosophy? Philosophy requires a method or can sustain them in the way of other disciplines. Kant is concerned in all its philosophical route to investigate the possibility of human knowledge. The theme of the teaching of philosophy appears in one of his 1765 courses with the subsequent publication of the work that brings together the lessons of Kant on philosophical logic. Checked these premises, the article aims to instigate reflections on the problem of teaching on higher education, with the philosophy of Kant a reference to assist teachers to think of alternatives to overcome this barrier, making philosophy increasingly present in university life. Keyworks: Education. Philosophy. Kant. Knowledge. Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 11, n. 1, p. 59-72, 2015 71 REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília, DF, 1999. v. 4, Ciências Humanas e suas Tecnologias. BRASIL. Projeto de Lei, 2003. Alteram dispositivos do artigo 36 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2003. KANT, I. Resposta a pergunta: que é esclarecimento? Textos Seletos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2005. Disponível em: <http://ensinarfilosofia.com.br/__pdfs/e_livors/47.pdf>. 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