SES-MT/CPFT Parecer nº 08/Março 2015 PARECER TÉCNICO Tratamento das glomerulopatias e Transplante Renal em Adultos e Crianças RESUMO A secretaria de Saúde do Estado de Mato Grosso, através da via judicial, prática clínica e Portaria n° 172/2010/GBSES tem se submetido a dispensar medicamentos que não fazem parte do elenco do Sistema Único de Saúde (SUS) ou aqueles que, embora integrem a assistência terapêutica do SUS, teham sido solicitados para situações alheias às preconizadas nos protocolos clínicos, consistindo o uso off-label. O presente parecer técnico teve como objetivo analisar os medicamentos inerentes à demanda supracitada, para o tratamento das glomerulopatias e transplante renal no que diz respeito à disponibilidade no SUS e indicação formal. O estudo concluiu que das tecnologias analisadas, parte estão no SUS e os demais não tiveram suas candidaturas a incorporação na Relação Estadual de Medicamentos (RESME-MT) aceitas por se tratar de uso off-label Palavras chaves: síndrome nefrótica, doença renal crônica, transplante renal, tratamento, avaliação. 1 1-Das condições clínicas abordadas 1.1-Glomerulopatias De acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia, as glomerulopatias ou “glomerulonefrites”, são doenças que acometem os glomérulos renais, além de outros elementos responsáveis pela ultrafiltração do plasma. São doenças variadas, algumas de natureza aguda; outras de curso crônico; umas de caráter inflamatório, outras não; algumas tratáveis, outras não. São chamadas de primárias, as glomerulopatias originadas nos rins e acomete apenas esses órgãos, recebem o nome de secundárias, quando causadas por outras doenças, como diabetes, hepatites, doenças autoimunes, dentre outras.1 Nota-se um aumento das glomerulopatias no Brasil e no mundo, sendo a glomerulonefrite a principal causa da insuficiência renal em 30%-60% dos pacientes eleitos para tratamento dialítico, na Ásia e Oceania. Na Europa e nos Estados Unidos, esse valor está entre 10%-15%.2 Durante a admissão para diálise realizada no Brasil e Uruguai, cerca de 20% dos pacientes recebem o diagnóstico de glomerulonefrite. 2 A nefropatia por IgA é a glomerulopatia mais diagnosticada em províncias européias, com incidência de 1,9 paciente/ano/100.000 habitantes na Holanda e 2,7 pacientes/ ano/100.000 na França, já a glomerulopatia membranosa é a segunda mais prevalente nessa população.3 As glomerulopatias devem ser diagnosticas precocemente de forma a serem tratadas adequadamente para que não haja a progressão para insuficiência renal crônica terminal. 1 1.2-Transplante renal Transplante é a transferência de células, tecidos ou órgãos vivos de um doador a um receptor com a intenção de manter a integridade funcional do material transplantado no receptor. Seu grande limitador é a rejeição, a qual pode ser mediada por reação 2 celular e/ou humoral. O uso de drogas imunossupressoras tem por objetivo o controle deste fator.4 De acordo com dados recentes da Associação Brasileira de Transplantes de Órgão, o transplante renal tem demonstrado crescimento desde o ano de 2007, tendo atingido em 2014 um crescimento de 3,7%. Tal incremento se deu à custa do transplante com doador falecido que cresceu 4,7%, enquanto o transplante com doador vivo diminuiu 22% de 2008 a 2013 e estabilizou-se em 2014. Entretanto, o transplante com doador vivo parente caiu 2,4% e o com doador vivo não parente passou de 4,8% para 6,9%, um aumento preocupante de 43,3%. Dois estados realizaram mais que 50 transplantes renais por milhão de população-pmp (RS e SP) e dois realizaram mais que 40 com doador falecido (RS e SC), enquanto que, em apenas um estado (PR), a taxa de transplantes com doador vivo ultrapassou 15 pmp.5 Em Mato Grosso no ano de 2014, a necessidade anual estimada de transplante renal foi de 182 casos. A mesma base de dados informa ainda que, desde o ano de 2010 não há realização de transplante renal no Estado em questão. 5 A transplantação renal permite que o doente se liberte de algumas das restrições impostas pela diálise e se apresenta como uma modalidade terapêutica que faculta uma melhor qualidade de vida e uma maior esperança de vida. 4 2-Pergunta de avaliação O Sistema Único de Saúde (SUS) fornece tratamento farmacológico para Glomerulopatias e Transplante Renal capazes de substituir aqueles medicamentos demandados na prática clínica (no âmbito do estado de Mato Grosso), na Portaria nº 172/2010/GBSES e nas decisões judiciais? 3 3-Da tecnologia analisada Os medicamentos abaixo foram listados de acordo com a prática clínica de especialistas em Nefrologia do Estado de Mato Grosso, demandas judiciais e administrativas do Sistema Único de Saúde/MT QUADRO 1. AVALIAÇÃO DA DEMANDA 6,7 Medicamento Prednisona 5 e 20mg comprimido Metilprednisolona 500mg amp Hidrocortisona 100mg amp Uso terapêutico para o qual o medicamento foi solicitado Glomerulopatias e transplante renal Glomerulopatias e transplante renal Glomerulopatias e transplante renal Clorambucil 2mg comprimido Glomerulopatias Ciclofosfamida 50mg drágea Glomerulopatias Disponibilidade no SUS Componente Básico da Assistência Farmacêutica básica (CBAF) Componente especializado Componente Básico da Assistência Farmacêutica básica (CBAF) Não disponível Componente Especializado da Assistência Farmacêutica-CEAF (não disponível para este uso terapêutico) Tacrolimo 1mg e 5mg cápsula; Tacrolimo de 5mg/ml amp Glomerulopatias e transplante renal 4 Informações adicionais Componente Especializado da Assistência Farmacêutica-CEAF Off-label para glomerulopatias Off-label para glomerulopatias Micofenolato de mofetila 500mg comprimido Glomerulopatias e transplante renal Micofenolato de sódio 360mg comprimido Glomerulopatias e transplante renal Everolimo 0,5mg,0,75mg,1mg comprimido Transplante renal Componente Especializado da Assistência Farmacêutica-CEAF (disponível apenas para transplante renal) Componente Especializado da Assistência Farmacêutica-CEAF (apenas para transplante renal) Componente Especializado da Assistência Farmacêutica-CEAF Ciclosporina 25mg; 50mg ou 100mg cápsula e 100mg/ml sol. Oral. Glomerulopatias e transplante renal Muromonabe CD3 (Orthoclone OKT3) 5mg/ 5ml frascoampola Imunoglubulina 0,5mg; 1mg; 2,5mg; 3mg; 5mg e 6mg ampola. glomerulopatias e transplante renal Transplante renal Timoglobulina 25mg/ 0,5ml frasco-ampola. Transplante renal Componente Especializado da Assistência Farmacêutica-CEAF Medicamento disponível em âmbito hospitalar Componente Especializado da Assistência Farmacêutica-CEAF 5 Medicamento disponível em âmbito hospitalar Off-label para glomerulopatias Off-label para glomerulopatias 4-Metodologia utilizada Para a análise da demanda de medicamentos descritos no quadro 1, item 3 utilizamos as seguintes passos: Passo 1: O bulário eletrônico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foi consultado para identificar a indicação de bula de cada droga e se constatou que os medicamentos, Clorambucil 2mg comprimido; Ciclofosfamida 50mg drágea; Micofenolato de mofetila 500mg comprimido e Micofenolato de sódio 360mg comprimido, não possuem indicação de bula para a situação clinica solicitada, a saber, glomerulopatias. Portanto se inserem na definição de uso off-label o que desencorajou o estudo pormenorizados de tais drogas. 7 O termo “off-label” refere-se a medicamentos prescritos de forma diferente daquela orientada na bula, ou seja, indicações não aprovadas pela agência reguladora do País em questão, no caso do Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária(ANVISA). De acordo com esta agência, o uso offlabel não é proibido, no entanto, o médico deve estar consciente de que recai sobre o prescritor a responsabilidade a respeito de possíveis efeitos colaterais decorrentes do uso não aprovado do medicamento ou até mesmo a ineficiência do tratamento proposto.8 Passo 2: A RENAME 2014 foi a ferramenta utilizada para se averiguar a disponibilidade ou não dos medicamentos aqui discutidos junto ao Sistema Único de Saúde (SUS). Os medicamentos Prednisona 5 e 20mg comprimido, Metilprednisolona 500mg amp, Hidrocortisona 100mg amp, Tacrolimo 1mg e 5mg cápsula, Tacrolimo de 5mg/ml amp, Everolimo 0,5mg, 0,75mg, 1mg comprimido, Ciclosporina 25mg; 50mg, 100mg cápsula e 100mg/ml sol. Oral e Imunoglubulina 0,5mg; 1mg; 2,5mg; 3mg; 5mg , Micofenolato de sódio 360mg comprimido e Micofenolato de mofetila 500MG comprimido, integram o elenco de medicamentos disponibilizados pelo SUS. O acesso a algumas destas drogas são realizados por intermédio do Componente Básico da Assistência Farmacêutica CBAF, outras, através do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica- CEAF (vide quadro 1 ).6 Passo 3: Em consulta a RENAME 2014, foi verificado que as drogas, muromonabe CD3 (Orthoclone OKT3) 5mg/5ml frasco-ampola e Timoglobulina 25mg/ 6 0,5ml frasco-ampola fazem parte da Relação Nacional de Medicamentos de Uso Hospitalar no SUS. Destacamos que, esta sessão da rename é composta apenas por medicamentos que integram os procedimentos financiados pelas autorizações de Internações Hospitalares (AIHs). 6 Passo 4: identificação dos medicamentos referendados em protocolos. Foram considerados os seguintes protocolos: -Protocolo e Diretrizes Terapêuticas. Transplantes Renais-Tratamento Imunossupressor. Portaria SAS/MS nº 666, de 17 de julho de 2012.4 - Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Síndrome Nefrótica Primária em Crianças e Adolescentes. Portaria N 459, de 21 de maio de 2012.2 - Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Síndrome Nefrótica Primária em Adultos. Portaria N 1320, de 25 de novembro de 2013. 9 5- Conclusão Da análise da demanda aqui apresentada contraposta com o tratamento medicamentoso proposto pelo SUS (por intermédio dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas que abordam glomerulopatias e transplante renal) conclui-se que dizem respeito a drogas que já são parte do elenco do SUS ou se enquadram no conceito de uso off-label. A Comissão Permanente de Farmácia e Terapêutica de Mato Grosso entende que sob uma perspectiva coletiva, o fornecimento de medicamentos que configuram uso off label pode ser classificado como precipitado, uma vez que não há estudos comprovando eficácia e segurança para uma determinada indicação; fato este que desfavoreceu a idealização de um estudo aprofundado destes casos. Desta forma, esta equipe de revisão técnica, com o intuito de otimizar o tratamento e proporcionar melhores resultados, sugere a promoção de um trabalho de divulgação dos protocolos clínicos aqui analisados entre os profissionais de saúde uma vez que, tais documentos estabelecem critérios de diagnóstico, fluxogramas de 7 tratamento bem como, mecanismos de controle, acompanhamento e informação aos pacientes. 6-Referências 1- Sociedade Brasileira de Nefrologia. Glomerulopatias. [internet]. Disponível em: http://www.sbn.org.br/publico/glomerulopatias. Acesso em: 23/03/2015. 2- Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Síndrome Nefrótica Primária em Crianças e Adolescentes. 3- Bahiense-Oliveira M, Malafronte P. Epidemiologia das glomerulopatias. In: Barros RT, Alves MAR, Dantas M, Kirsztajn GM, Sens YAS, editores. Glomerulopatias: patogenia, clínica e tratamento. 2. ed. São Paulo: Sarvier; 2006, p. 55-63. 4- Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas. Transplantes Renais-Tratamento Imunossupressor. 5- Associação Brasileira de Transplantes de Órgão. transplante. Dados referentes ao ano de 2014. [internet]. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2014/rbt2014-lib.pdf. Acesso: 23/03/2015. 6- Brasil. Ministério da Saúde. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). RENAME 2014. [internet]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o- ministerio/principal/secretarias/sctie/daf.Acesso em: 25/03/2015. 7- Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. ANVISA. Bulário Eletrônico 2014. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/Anvisa+Portal/Anvisa/Inicio/Medicament os/Assunto+de+Interesse/Bulas+e+Rotulos+de+medicamentos/Como+acessar+o +Bulario+Eletronico+-+Cidadao+-+Profissionais 8- Brasil. Agencia Nacional de Vigilância Sanitária. ANVISA. Registro de medicamentos. Como a Anvisa vê o uso off label de medicamentos. [internet]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/registro/registro_offlabel.htm. em: 25/03/2014. 8 Acesso 9- Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Síndrome Nefrótica Primária em Adultos. Conflito de interesse A equipe de revisão técnica declara não ter nenhum conflito de interesse com relação ao medicamento aqui estudado. Coordenação do trabalho: Comissão Permanente de Farmácia e Terapêutica do Estado de Mato Grosso (CPFT-MT). Equipe de trabalho: Dorlene Goes Fernandes; Fernando Augusto Leite de Oliveira; Helder Cássio de Oliveira; Ivo Antônio Vieira; Kelli Carneiro de Freitas Nakata; Lucí Emilia Grzybowski de Oliveira; Luisa Daige Marques; Maria Luisa Trabachin; Neyres Zínia Taveira de Jesus; Sabrina Monteiro Tosoncin da Silva. Revisão Técnica: Kelli Carneiro de Freitas Nakata; Luisa Daige Marques; Sabrina Monteiro Tosoncin da Silva. Consultor Técnico: Ivo Antônio Vieira. 9