PDF Português - Revista Adolescência e Saúde

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ARTIGO ORIGINAL
Luis Fernando Bouzas1
Mirna Calazans2
Tumores sólidos e hematológicos na
infância e na adolescência – Parte I
INTRODUÇÃO
O diagnóstico de neoplasia maligna em crianças é raro, sendo que na maioria dos casos ela se
origina de tecidos germinativos, ao contrário do
que ocorre em adultos, quando se origina mais
freqüentemente de tecidos epiteliais. Nas crianças,
essa origem mais comum determina altas taxas de
sobrevida a longo prazo e cura, uma vez que esses
tumores apresentam alta sensibilidade a quimioterapia e radioterapia. Os excelentes resultados atingidos na população pediátrica são conseqüência do
tratamento multidisciplinar efetivo e dos esforços
que os grandes grupos cooperativos desenvolvem
na progressão dos estudos clínicos controlados.
Os sintomas e o exame físico são de extrema
relevância no reconhecimento das doenças malignas em crianças e adolescentes. Dessa forma, é de
especial importância a participação do pediatra e
do cirurgião pediátrico para que o diagnóstico e as
intervenções de urgência pertinentes a cada caso
sejam realizados o mais cedo possível. Assim, o paciente poderá ser encaminhado ao especialista em
oncologia pediátrica em estágio ainda precoce de
sua doença. O objetivo desse artigo é descrever os
principais achados clínicos e laboratoriais relacionados às neoplasias da infância e adolescência, no
intuito de facilitar o reconhecimento dessas patologias pelo profissional que realizará o primeiro atendimento médico desses pacientes. Portanto não
abordaremos aspectos relacionadas a estaqueamento, tratamento e prognóstico dessas doenças.
Médico; pediatra; membro do Comitê de Oncohematologia da Sociedade de
Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ); presidente da Sociedade Brasileira de
Transplante de Medula Óssea (SBTMO); mestre em Hematologia pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea
do Instituto Nacional de Câncer (INCa).
2
Médica hematologista do Centro de Transplante de Medula Óssea do INCa.
1
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A IMPORTÂNCIA DA DETECÇÃO
PRECOCE
O prognóstico da doença maligna na infância
depende primariamente do tipo do tumor, da extensão da doença ao diagnóstico e da rápida resposta ao tratamento. Como a maioria dos tumores é passível de cura, o diagnóstico precoce é de
especial importância. Além disso, geralmente nas
doenças em estágios iniciais, o tratamento indicado, apesar de curativo, é menos agressivo do que
o utilizado em estágios mais avançados da mesma
patologia. Nas crianças esse aspecto assume grande relevância por tratar-se de uma população cuja
sobrevida é longa, e o objetivo é evitar, sempre
dentro do possível, mutilações ou patologias secundárias ao tratamento indicado.
A história e o exame clínico devem ser orientados pela idade do paciente, uma vez que os
diferentes subtipos de neoplasia na criança geralmente ocorrem em grupos etários específicos.
Por exemplo, os tumores embrionários, incluindo
o neuroblastoma, geralmente ocorrem nos primeiros 2 anos de vida. A incidência de leucemia
linfoblástica aguda, linfomas não-Hodgkin (LNH)
e gliomas aumenta entre os 2 e 5 anos de idade.
Durante a adolescência predominam os tumores
ósseos, gonadais e de tecidos conectivos, além da
doença de Hodgkin (DH). Dessa forma, em lactentes deve-se dar especial atenção ao possível
diagnóstico de tumores embrionários ou intra-abdominais, como tumor de Wilms, retinoblastoma,
teratoma, neuroblastoma e neoplasias hepáticas.
Nas idades pré-escolar e escolar precoce as leucemias, os linfomas e os tumores neurológicos
devem ser investigados, levando-se em consideração o quadro clínico. Nos adolescentes, os sarcomas e os tumores germinativos são as neoplasias
mais comuns (Tabela 1).
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Bouzas & Calazans
TUMORES SÓLIDOS E HEMATOLÓGICOS NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA − Parte 1
Tabela 1
TIPOS DE MALIGNIDADE MAIS COMUNS EM CRIANÇAS COM O
PICO DE IDADE AO DIAGNÓSTICO E INCIDÊNCIA NOS EUA
Malignidade
Pico de idade
(anos)
Taxa de incidência
(milhão/ano)
2-5
24,7
Constante
5
Leucemia
Linfocítica aguda
Não-linfocítica aguda
41
as de 5 e 14 anos. As doenças neoplásicas mais comumente diagnosticadas incluem leucemia aguda,
LNH, DH e tumores primários do sistema nervoso
central (SNC). Entre os tumores sólidos pediátricos
mais comuns estão o neuroblastoma, o tumor de
Wilms, o rabdomiossarcoma e o retinoblastoma(11)
(Tabela 1).
LEUCEMIAS AGUDAS
Linfomas
Não-Hodgkin
6-16
9,3
Hodgkin
> 10
7,5
Constante
13,4
Meduloblastomas
5-10
4.9
Ependimoma
<5
2,1
Neuroblastoma
<3
8
Tumor de Wilms
<5
6,9
Retinoblastoma
<3
3
2-6 e 14-18
3,7
Sarcoma de Ewing/PNET
10-18
2,1
Osteossarcoma
10-18
3,1
Hepatoblastoma
<2
1,6
< 2 e > 14
0,4
Tumores de SNC
Gliomas
Tumores sólidos
Rabdomiossarcoma
Tumores de células
germinativas
Fonte: Surgical Clinics of North América. W. B. Saunder Co. 2000; 80(2).
SNC = sistema nervoso central; PNET = primitive neuroectodermal tumor.
Estima-se que no ano de 2007 ocorrerão
472.050 casos novos de câncer no Brasil. Uma vez
que o percentual dos tumores infantis observados
pelos registros de câncer de base populacional brasileiros variou de 1% a 4%, depreende-se que os tumores infantis deverão corresponder a valores compreendidos entre 4.700 e 19 mil casos novos(12).
EPIDEMIOLOGIA
As neoplasias malignas são a terceira causa de
morte em crianças de 1 a 4 anos e a segunda entre
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A leucemia é a neoplasia mais comum na
infância, sendo que aproximadamente 2.500 novos casos são diagnosticados nos EUA por ano(10).
Em 75% desses casos o diagnóstico é de leucemia
linfocítica aguda (LLA), e em 20%, de leucemia
mielóide aguda (LMA). O pico de incidência da
leucemia aguda na criança ocorre aos 4 anos, devido principalmente à LLA, que é mais comum em
meninos. A incidência de LMA é constante durante
toda a infância, com um discreto pico nos primeiros
anos de vida e na adolescência tardia. Geralmente
as crianças com diagnóstico de leucemia aguda
são inicialmente levadas ao atendimento médico
devido a sinais e sintomas relacionados a hematopoese ineficaz, secundária à infiltração da medula
óssea por células com características blásticas.
Esses sintomas incluem febre ou infecção devido à
neutropenia, fadiga e palidez devidas à anemia e
sangramento secundário à trombocitopenia. A dor
óssea também é uma queixa freqüente, sendo mais
comum nos casos de LLA, estando geralmente associada à elevação do periósteo e, mais raramente,
a microfraturas e necrose óssea. Os achados radiológicos clássicos incluem bandas radioluscentes nas
metáfases, elevação do periósteo e lesões líticas,
todas elas mais bem observadas nas áreas dos ossos
longos, próximas a joelhos, tornozelos e punhos.
Linfadenomegalia e hepatoesplenomegalia também podem ser encontradas. Outra queixa menos
freqüente é a de dor abdominal, que pode ser secundária a hepatoesplenomegalia, sangramento
gastrointestinal ou, menos freqüentemente, a infiltração leucêmica da parede intestinal. A leucemia
extramedular acometendo o SNC, a pele e os testículos é rara, exceto em bebês. Os pacientes com
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infiltração leucêmica do SNC apresentam aumento
da pressão intracraniana e paralisia de nervos cranianos (mais comumente dos sexto e sétimo pares),
e o diagnóstico é feito através do exame do liquor.
Pacientes com leucometria total superior a 200 mil
leucócitos por milímetro cúbico apresentam risco
aumentado de desenvolver leucostase, o que também pode acarretar alterações neurológicas(2). As
lesões cutâneas associadas à leucemia geralmente
apresentam-se como nódulos subcutâneos azulacizentados ou de coloração salmão(4). O comprometimento testicular pela leucemia comumente se
apresenta como um aumento uni ou bilateral da
gônada, que se mostra firme e indolor. O diagnóstico deve ser confirmado por biópsia testicular. Os
tumores sólidos compostos por células blásticas
mielóides são chamados de cloromas ou sarcomas
granulocíticos, e podem ocorrer em 5% dos pacientes com LMA, tanto simultaneamente com o
comprometimento medular, como surgir como primeira manifestação da leucemia semanas ou meses
antes de ocorrer o aumento do número de blastos
na medula óssea(4, 8). Essas lesões acontecem mais
freqüentemente no SNC (cerebral ou epidural), em
ossos e tecido mole da cabeça (principalmente órbita) e pescoço. O hemograma do paciente com
leucemia aguda geralmente apresenta alterações
como anemia normocítica com hemácias em lágrima e eritroblastos, trombocitopenia e leucocitose,
com neutropenia e blastos no sangue periférico.
Também ao diagnóstico podemos observar alterações metabólicas compatíveis com a síndrome da
lise tumoral e coagulação intravascular disseminada
ou fibrinólise. O paciente com suspeita clínica de
leucemia aguda deve ser encaminhado ao hematologista o mais brevemente possível.
LINFOMA NÃO-HODGKIN
Os linfomas são a terceira causa mais freqüente de malignidade na infância, correspondendo a
aproximadamente 10% das neoplasias diagnosticadas nas crianças(9). Cerca de dois terços dos casos são de LNH, sendo o restante de DH. Os subtipos histológicos de LNH mais comuns na infância
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são os linfomas linfoblástico B e T, de Burkitt, anaplásico de grandes células e de grandes células B.
A idade média ao diagnóstico é de 11 anos, não
ocorrendo um grande pico na curva de incidência. A doença é mais comum em meninos, e a
maioria das crianças que desenvolvem o LNH está
previamente saudável. No entanto alguns estudos
encontraram vários fatores de risco associados à
doença. Por exemplo, em alguns pacientes com
imunodeficiência adquirida, tanto secundária ao
vírus HIV quanto à terapia imunossupressora, o
DNA do vírus Epstein-Barr (EBV) foi identificado
no tecido tumoral, indicando a associação desse
patógeno com a doença(5).
O linfoma linfoblástico representa 30% dos
LNHs da infância. Ele apresenta várias características clínicas e laboratoriais semelhantes ao LLA, sendo que o diagnóstico diferencial geralmente é arbitrário. Se ao estaqueamento inicial o aspirado de
medula óssea apresentar mais de 25% de blastos, o
diagnóstico a ser considerado é o de LLA, ao invés
de estádio IV do linfoma linfoblástico. Geralmente
os pacientes são levados ao pediatra devido ao
surgimento rápido de linfadenomegalia cervical e
mediastinal(9). Uma apresentação clínica típica é
do adolescente masculino com insuficiência respiratória secundária à massa mediastinal anterior,
com ou sem derrame pleural. Queixas freqüentes
desses pacientes incluem tosse e evidências da síndrome da veia cava superior. Por tratar-se de uma
doença aguda e de comportamento agressivo, medidas devem ser rapidamente adotadas para que o
diagnóstico e o tratamento inicial sejam iniciados o
mais brevemente possível. O pediatra deve procurar realizar o procedimento menos invasivo possível, e o hematologista pediátrico deve ser chamado
para a avaliação assim que a doença for suspeitada.
A hematoscopia do sangue periférico e do aspirado
de medula óssea deve ser feita antes de qualquer
procedimento invasivo. Se houver derrame pleural,
ele pode ser avaliado em relação à presença de células malignas. Se o estudo da medula óssea e do
líquido pleural não for diagnóstico, deve-se realizar
uma biópsia de um linfonodo comprometido, de
preferência aqueles localizados em cadeias periféricas e de fácil acesso. O uso de irradiação ou de
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corticosteróides antes da obtenção de um tecido
por biópsia deve ser evitado para que o diagnóstico final não seja prejudicado.
O linfoma de Burkitt corresponde a, aproximadamente, 40% dos diagnósticos de LNH em crianças(11). A forma endêmica é a mais comum, porém
está praticamente restrita à África e associada ao
EBV em 95% dos casos. A forma esporádica é rara,
estando associada ao EBV em 15% dos casos(12). O
sítio de acometimento mais comum na forma esporádica é o abdome, geralmente se apresentando
como uma massa no quadrante inferior direito ou
como um abdome agudo, secundário a intussuscepção ileocecal. Esse tipo de apresentação ocorre
mais freqüentemente entre os 5 e 10 anos de idade.
Geralmente a laparotomia exploradora está indicada. O tratamento indicado é a ressecção cirúrgica
completa do segmento intestinal comprometido,
além do mesentério associado. No entanto a maioria
dos pacientes apresenta uma lesão não-ressecável,
podendo comprometer o mesentério, o retroperitônio, os rins, os ovários e as superfícies peritoneais,
o que geralmente está associado a ascite maligna.
Para fins diagnósticos deve-se dar preferência aos
métodos menos invasivos, porém sem grande demanda de tempo, uma vez que a doença apresenta
comportamento agressivo, com crescimento tumoral rápido e distúrbios hidroeletrolíticos freqüentes
(síndrome da lise tumoral). A avaliação de possível
líquido pleural ou ascite deve ser realizada para a
pesquisa de células tumorais. Exames de imagem
devem incluir tomografia computadorizada (TC) e
ressonância magnética (RM) para avaliação do sítio
primário da doença. Pacientes com tumores primários na cabeça e no pescoço podem ter doença não
detectada no abdome (especialmente comprometendo os rins), também devendo ser avaliados com
exames de imagem do abdome.
Os linfomas de grandes células constituem
aproximadamente 30% dos linfomas na infância,
sendo que 30% deles são classificados como anaplásicos de grandes células, mais freqüentemente com
fenótipo de células T(9), o qual tende a comprometer tanto os linfonodos como os sítios extranodais,
incluindo pele, tecidos moles, pulmão e ossos. Os
linfomas difusos de grandes células B compromeAdolescência & Saúde
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tem mais comumente os linfonodos periféricos, o
mediastino anterior, os ossos e o abdome.
O tratamento quimioterápico agressivo é
obrigatório na maioria dos casos de linfoma.
DOENÇA DE HODGKIN
Aproximadamente 10% a 15% de todos os
casos de DH ocorrem em pacientes com menos de
16 anos(3). Em países industrializados o pico de incidência é bimodal, sendo o primeiro pico entre 20
e 30 anos de idade e o segundo, mais tardiamente
na vida adulta. A doença é rara antes dos 5 anos e
a maioria dos casos pediátricos acomete pacientes
acima dos 11 anos de idade(3). Antes dos 10 anos
é mais comum em meninos e na adolescência a
incidência é igual em ambos os sexos. Geralmente
a doença se apresenta com comprometimento de
linfonodos supradiafragmáticos. A doença com
comprometimento mediastinal pode se apresentar
com tosse e dispnéia ou como a síndrome da veia
cava superior(6). Aproximadamente um terço dos
pacientes tem febre, sudorese noturna e perda de
peso superior a 10% do peso corporal nos últimos
seis meses (sintomas B). Cerca de 90% das crianças
mostram linfonodomegalia cervical indolor e 60%
têm comprometimento de linfonodos do mediastino anterior, paratraqueais ou peri-hilares. O comprometimento infradiafragmático isolado é raro. O
diagnóstico de DH deve ser dado através de biópsia de linfonodo ou outro tecido comprometido.
CONCLUSÃO
O diagnóstico precoce das neoplasias malignas
nas crianças é de suma importância, uma vez que
aproximadamente 70% dos tumores são potencialmente curáveis. Portanto os profissionais que lidam
com essa população de pacientes devem ter alto índice de suspeição diante de um caso sugestivo.
O diagnóstico e o tratamento da criança com
câncer devem ser cuidadosamente orientados e explicados aos pais e, se a criança possuir idade para
tal, também com ela. Uma explanação clara e honesvolume 4  nº 1  fevereiro 2007
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ta é necessária, e informações importantes como a
necessidade de intervenções com possíveis seqüelas
definitivas devem ser elucidadas. Sempre que possível, a criança e seus familiares devem ser acompanhados por uma equipe multidisciplinar, também
envolvendo profissionais como assistentes sociais,
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psicólogos e psiquiatras pediátricos e professores
capacitados para lidar com crianças com diagnóstico de câncer. Assim, sentimentos e ações comuns
durante todo o tratamento, como ansiedade, raiva,
culpa e depressão, podem ser compreendidos e trabalhados de forma mais adequada.
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