Investigação, v. 10, n. 1, p. 26-31, 2010 Investigação ISSN 2177-4080 (on-line) http://publicacoes.unifran.br Artigo de Revisão Cuidados paliativos: a enfermagem e o doente terminal Palliatives care: nursing the terminally ill Estefânia Maria Braga* , Karla Montagnini Ferracioli , Rosângela Cristina de Carvalho, Glória Lúcia Alves Figueiredo Universidade de Franca, Franca, São Paulo, Brasil. ■ Recebido em: 17/11/09 | Recebido revisado em: 31/03/10 | Aceito em: 27/04/10 | Disponível on-line em: 07/05/10 ■ resumo Este estudo de revisão bibliográfica objetivou analisar os cuidados paliativos ao doente em fase terminal, dando enfoque à atuação da equipe de enfermagem. Foi analisada a produção científica no período de 1994 a maio de 2009, a partir das bases de dados LILACS e BIREME e de periódicos e livros. Após leitura e análise dos textos foram classificados em três eixos temáticos: 1) morte, parte do processo da vida; 2) atuação da enfermagem em cuidados paliativos; e 3) impacto da doença terminal no enfermo e seus familiares. Apesar de a morte estar presente em nossas vidas e ser inevitável, percebemos dificuldades em aceitar nossa terminalidade e lidar com a terminalidade dos enfermos. No trabalho com enfermos graves parecem surgir dificuldades de enfrentamento para o doente, o profissional de saúde e seus familiares quando o diagnóstico não apresenta possibilidades terapêuticas. A morte não deveria ser banalizada pelos profissionais da saúde, que poderiam buscar aprimoramento para que ao tratar de um enfermo nessa fase ofereçam qualidade de vida e respeito a suas necessidades e a seus familiares. Os cuidados paliativos parecem estar voltados para essa busca, com a criação de vínculos entre equipe de saúde, doente e família, em relações de confiança e segurança. Nesse contexto, a família parece ser essencial na soma de esforços com os profissionais para que se desenvolva uma assistência integral ao doente. Palavras-chave: Morte; Cuidados paliativos; Enfermagem. abst r ac t This bibliographic review study aims to evaluate palliative care to terminally ill, focusing on the performance of the nursing staff. We analyzed the scientific production from 1994 to May 2009, from the database LILACS and BIREME, and periodicals and books. After reading and analyzing texts were classified into three main themes: 1) death, part of the process of life; 2) nursing activities in palliative care, 3) and the impact of terminal illness in the sick and their families. Despite the death is present in our lives and be inevitable, we find difficulty in accepting our terminally and accept it with the terminally ill. At the work with difficult sick, it seems that difficulties coping for the patient, health professionals and their families when the diagnosis does not present therapeutic possibilities. The death should not be trivialized by health professionals who might seek to improve when treating a patient at this stage offers quality of life and respect their needs and their families. Palliative care seems to be focused on this search, with the creation of links between the health team, patient and family, in relationships of trust and security. In this context, the family appears to be essential for professionals joining forces to develop a comprehensive care to the ill. Keywords: Death; Palliatives care; Nursing. *Autor correspondente Endereço: Avenida Padre Ivo Soares de Matos, 90, Centro CEP: : 37910-000, Delfinópolis/MG | Telefone: (35) 9964 3086 – (35) 3525 1624 E-mail: [email protected] E. M. Braga; K. M. Ferracioli; R. C. Carvalho; G. L. A. Figueiredo • Investigação, v. 10, n. 1, p. 26-31, 2010 1. Introdução Desde os tempos remotos, as sociedades oferecem apoio e conforto a seus membros doentes e aos que estão no fim da vida. Normalmente, uma profunda reverência e mística envolvem esses acontecimentos (PESSINI; BERTACHINI, 2005). Observaram-se no decorrer dos anos notáveis avanços tecnológicos na área da saúde. Os hospitais tornaram-se centros de cura e favoreceram a tecnologia. Entretanto, também se observou que a atenção aos enfermos graves e seus familiares não acompanhou esse processo, fragmentando o cuidado. Visando à abordagem do cuidado não fragmentado, registrou-se no Reino Unido uma iniciativa de desenvolvimento de cuidados paliativos, o movimento denominado hospice (KOVASK, 2009). A palavra francesa hospice é a tradução do vocabulário latino hospitium, cujo significado é “hospedagem, hospitalidade” e traduz um sentimento de acolhimento. Hospitium significava tanto o local como o vínculo que se estabelecia entre as pessoas. Assim, hospice representava um lugar de descanso para viajantes ou peregrinos. Posteriormente, o tema foi relacionado a hospitais, conventos e asilos (RODRIGUES, 2004). A filosofia hospice tem o intuito de prestar um cuidado digno aos enfermos graves. A origem dos hospices é do século IV da era cristã, que cuidava dos necessitados. O primeiro foi fundado em 1842 em Lyon, na França, e atendia os moribundos. Mais tarde outros hospices foram fundados na Irlanda (1846) e Inglaterra (1885). Finalmente em 1967, através de Cicely Saunders, foi aberto o St. Christopher Hospice, ao sul de Londres, que trazia as características principais dos cuidados paliativos, como o controle da dor, a aceitação da morte como um processo natural da vida, os cuidados com as necessidades psicológicas, sociais e espirituais do enfermo e o controle dos sintomas de desordem orgânica do indivíduo (CHAVES; MASSAROLLO, 2009). O conceito atual de hospice não se refere a um lugar, edifício ou uma instituição determinada. É um conjunto de ideias e atitudes que, associadas aos conhecimentos científicos próprios, direcionam as condutas dos profissionais de saúde no atendimento dos doentes em fase terminal; assim é uma conduta baseada na consideração holística da pessoa (TEIXEIRA, 2006). Na Inglaterra, em 1967, Cicely Saunders, enfermeira, assistente social e médica desenvolveu um modelo de cuidados para pessoas portadoras de enfermidades graves. Com embasamento científico das ações, sensibilidade ao sofrimento do próximo e fidelidade a um ideal, Saunders sugeriu a promoção da qualidade dos cuidados no final da vida e dignidade no momento da morte. A abordagem holística parece proporcionar ambiente agradável e acolhedor com capacidade para aliviar o sofrimento humano que antecede a morte do enfermo (ARAÚJO, 2006; RODRIGUES, 2004). A atenção à saúde que se baseia em prevenção, diagnóstico, tratamento efetivo e cura de doenças, diante de uma situação de incurabilidade, se mostra ineficaz e nos leva a questionar, então, o que fazer. Esse questionamento motivou a criação de cuidados que não visassem apenas à cura. Esse conjunto foi denominado de cuidados paliativos, ramo da medicina responsável pelo cuidado total do enfermo com doença não responsiva ao tratamento curativo. São procedimentos feitos por todos os integrantes da equipe de saúde, que trazem uma opção de tratamento adequado aos enfermos fora de recursos terapêuticos de cura e de resgate da humanização da medicina (IOCHIDA; BIFULCO, 2009). A abordagem multiprofissional se mostra importante para os cuidados paliativos porque demonstra que nenhuma profissão consegue abranger todos os aspectos envolvidos no tratamento dos enfermos, o que destaca o significado do trabalho coletivo, permitindo promover uma assistência completa. Os profissionais devem aprender as condições humanas, a dimensionar a fragilidade física e psicológica do enfermo em relação aos valores pessoais e espirituais. Além da competência técnica e profissional, nada substituiria a pessoa humana como fonte e fator de cura para o doente (REIS; REIS, 2007). Definir a expressão cuidados paliativos seria uma tarefa extremamente complexa e desafiadora, considerando sua operacionalidade no que diz respeito à delimitação de um campo de atuação das ciências da saúde, envolvendo conceitos e sua articulação com formulações das ciências humanas, como psicologia, filosofia, antropologia, história (SIMONI; SANTOS, 2003). Paliativo deriva de pallium, palavra latina que significa capa, manto, dando uma excelente imagem para os cuidados paliativos: um manto protetor e acolhedor, que ocultaria o que está subjacente; no caso, os sintomas decorrentes da progressão da doença (FLORIANI; SCHRAMM, 2007). A Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu em 1990 e revisou em 2002 o conceito de cuidados paliativos, como cuidados ativos e totais ao paciente cuja doença não responde mais ao tratamento curativo. Trata-se de uma abordagem de cuidado diferenciada que visa melhorar a qualidade de vida do paciente e seus familiares, por meio da adequada avaliação e tratamento para alívio da dor e sintomas, além de proporcionar suporte psicossocial e espiritual (ARAÚJO, 2006). Portanto, os cuidados paliativos constituem uma modalidade terapêutica integrada e multiprofissional. Essa possibilidade, descrita como de baixa tecnologia e de alto contato, busca evitar que os últimos dias do paciente se convertam em dias perdidos, oferecendo um tipo de cuidado apropriado às suas necessidades (SANTOS; PAGLIUCA; FERNANDES, 2007). A filosofia dos cuidados paliativos não seria confrontar a constante atualização dos conhecimentos terapêuticos, e sim ir além, abrangendo de forma completa todas as necessidades do enfermo, pois o crescente desenvolvimento tecnológico, as melhorias e as vantagens adquiridas na efetividade do tratamento fariam com que a prestação de serviço em saúde valorizasse apenas a tecnologia e não as práticas humanistas de preocupação, apreço e solidariedade com o indivíduo doente (REIS; REIS, 2007). No Brasil, o conhecimento e a prática dos cuidados paliativos iniciaram-se na década de 1880, fase na qual os brasileiros ainda viviam o fim de um regime de ditadura, cujo sistema de saúde priorizava a modalidade hospitalocêntrica, essencialmente curativa. Nesta época uma equipe de saúde trouxe experiências da Inglaterra e do Canadá quanto aos cuidados paliativos e adaptaram a filosofia hospice à realidade brasileira. A partir de então passaram a ser os multiplicadores do conhecimento em cuidados paliativos no país. Vários fatores, porém, parecem dificultar a disseminação de cuidados paliativos no Brasil: o tamanho continental do país, as diferenças socioeconômicas dos estados, a 27 28 E. M. Braga; K. M. Ferracioli; R. C. Carvalho; G. L. A. Figueiredo • Investigação, v. 10, n. 1, p. 26-31, 2010 diferença de acesso ao sistema de saúde, a formação cartesiana nos cursos da área de saúde, a resistência dos profissionais em aderir ao paradigma do cuidar quando não há mais cura, entre outros (ARAÚJO, 2006; RODRIGUES, 2004). Em 1997, foi fundada a Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABCP), visando proporcionar a vinculação científica e profissional da equipe de saúde que estuda e pratica as disciplinas ligadas aos cuidados na terminalidade, promovendo eventos técnico-científicos e fomentando pesquisas. Em 2005, criou-se a Academia Nacional de Cuidados Paliativos, agregando profissionais de saúde de todas as regiões do país que isoladamente praticavam esta filosofia de cuidado. A Academia objetiva promover eventos que divulguem os cuidados paliativos para profissionais de saúde e leigos e atua de modo empreendedor para o reconhecimento legal deste enfoque do cuidar, mostrando esperança para a operacionalização da filosofia dos cuidados paliativos no Brasil, onde ainda são escassas as unidades de saúde que adotam essa modalidade. É um tipo de cuidado encontrado mais frequentemente no atendimento domiciliar, em especial nas classes mais favorecidas economicamente (ARAÚJO, 2006; SIMONI; SANTOS, 2003). De acordo com levantamentos da ABCP, existem hoje no Brasil pouco mais de trinta serviços que oferecem esse tipo de cuidado, que surgiram em sua maioria a partir de serviços hospitalares que atendem pacientes com diagnósticos de dor (ARAÚJO, 2006). Este trabalho tem como objetivo conhecer a produção científica acerca dos cuidados paliativos a pacientes sem recursos terapêuticos, com vistas a contribuir para a melhoria na abordagem hospitalar e domiciliar da enfermagem. Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica sobre o tema cuidados paliativos ao doente em fase terminal. O objetivo de estudo desta pesquisa foi a produção científica sobre o tema existente nas bases de dados LILACS e BIREME e em periódicos e livros, no período de 1994 a maio de 2009, pois atendiam ao objetivo deste estudo. Foram utilizadas as seguintes palavras-chave: morte, cuidados paliativos e enfermagem. Após leitura e análise, o material foi classificado em três eixos temáticos: morte, parte do processo da vida; atuação da enfermagem em cuidados paliativos e impacto da doença terminal no enfermo e seus familiares. 2. Revisão de Literatura A sociedade parece exaltar a saúde e a vida, porém a morte é um assunto quase sempre evitado. É com frequência negada, mesmo quando iminente e nessa fase o enfermo e sua família esgotam todas as suas perspectivas de cura da doença. Nesse contexto é esperado que a equipe de enfermagem, mediante o doente terminal, desenvolva ações direcionadas a preservar a vida, buscando alívio do sofrimento, oferecendo conforto, apoio emocional, atenção e não somente a busca pela cura clínica, e assim fortalecer o vínculo com o enfermo e seus familiares (BERNARDES et al., 2008). 2.1 Morte, parte do processo da vida A morte é um dos fenômenos que mais geram interrogações em toda a história do homem. Filósofos, antropólogos, cientistas sociais, variados pensadores fizeram inúmeras especulações acerca da morte e do mistério pelo qual ela está envolvida. No entanto, para uma grande variedade de pessoas, a morte é encarada ainda como um acontecimento alheio, distante de nossa realidade, de nosso cotidiano agitado, e vem sendo banalizada. Quando conferimos à morte essa banalização, esquecemos de discuti-la, de conhecê-la, e assim elaborar conceitos e meios de lidar com ela (SILVA; RUIZ, 2003). Com a morte considerada como inimiga urge o anseio de nos livrarmos de seu toque. Essa fantasia onipotente parece cada vez mais permitir à sociedade moderna acreditar no seu poder sobre a morte. Em consequência, as modificações sociais e o domínio sobre a tecnologia que ocorreram na área da saúde fizeram aumentar as expectativas tanto dos pacientes quanto dos profissionais de saúde, na medida em que ampliaram as intervenções médicas (OLIVEIRA; SÁ; SILVA, 2007). Entretanto, a medicina curativa, quando reconhece sua própria impotência diante da morte e assume uma atitude negativista, parece infringir aos seres humanos um sofrimento cruel e desnecessário (FIGUEIREDO, 2001), pois se considera que a medicina trará o alívio do sofrimento, pela cura, e negar essa confiança parece diminuir o sentimento de esperança pelos envolvidos. Seria errônea a suposição de que não há mais nada a se fazer pelo enfermo sem possibilidades de cura. Enquanto há vida, existe esperança (ARAÚJO, 2006). O movimento dos cuidados paliativos trouxe de volta no século XX a possibilidade de reumanização do morrer, opondo-se à ideia da morte como o inimigo a ser combatido a todo custo, ou seja, a morte seria vista como parte do processo da vida. Os tratamentos, de modo geral, deveriam visar à qualidade de vida e ao bem-estar das pessoas, enfermos e familiares, mesmo quando a cura não fosse mais possível (KOVÁCS, 2003). A medicina paliativa parece afirmar a vida e reconhecer o morrer como um processo normal do viver, não apressando nem adiando a morte, mas aliviando a dor e outros sintomas angustiantes, oferecendo sistemas de apoio para enfermos e seus familiares (SKABA, 2005). Os estudos da psiquiatra Kübler-Ross, realizados a partir de suas experiências profissionais com pacientes gravemente enfermos, sobre a morte e o morrer, analisam os estágios pelos quais passam as pessoas nessa fase da vida. A autora relata cinco fases observadas entre os pesquisadores, são elas: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação (COMBINATO; QUEIROZ, 2006). A negação e o isolamento seriam os primeiros estágios, caracterizados como defesa temporária, que na maioria das vezes tem como discurso “isso não está acontecendo comigo” ou “não pode ser verdade”. É comum também nessa fase o enfermo agir como se nada estivesse acontecendo (KÜBLER-ROSS, 1994). A ira, segunda fase, seria quando prevalecem a revolta, o ressentimento, e podem surgir períodos de descrença. É quando o enfermo passa a ser agressivo com a equipe de saúde e seus familiares, questionando todos os procedimentos e adota o discurso “por que eu?” (KÜBLER-ROSS, 1994). Na terceira fase, a barganha, o enfermo faz promessas a Deus de mudança se for curado e tenta fazer acordo em troca de mais um tempo de vida (KÜBLER-ROSS, 1994). A quarta fase, o enfermo se deprime ciente de sua doença E. M. Braga; K. M. Ferracioli; R. C. Carvalho; G. L. A. Figueiredo • Investigação, v. 10, n. 1, p. 26-31, 2010 incurável, sente-se vazio, relacionando-se pouco com outras pessoas, o que o leva a deixar de intervir no tratamento (KÜBLER- ROSS, 1994). A última fase é quando o enfermo aceita e tenta entender sua situação, dando assim um sentido para sua vida (KÜBLER-ROSS, 1994). Apesar da gravidade do processo, a autora ressalta que persiste em todos os estágios a esperança. E é justamente esse sentimento que dá a sensação de que tudo deve ter um sentido e os faz suportar com o auxílio dos profissionais e de sua família (COMBINATO; QUEIROZ, 2006). A morte é inevitável. Mas não deveria ser vivenciada pelos profissionais da saúde como um processo comum ou ser banalizada. A busca pelo aprimoramento para trabalhar nesta temática traria benefícios para o tratamento do enfermo nessa fase, assim como o apoio aos familiares. Entendemos que a essência da profissão seria fazer tudo o que for possível para que o enfermo tenha qualidade de vida em todos os momentos, inclusive na fase terminal, respeitando seus limites e suas necessidades. 2.2 Atuação da enfermagem em cuidados paliativos A enfermagem é um meio contínuo de cuidados com os enfermos, com a finalidade de acolher, preservar e proporcionar condições físicas e mentais, espirituais. No cotidiano da enfermagem deveria ser valorizada a participação do enfermo na sua recuperação. Tal participação envolveria não somente administrar a dor, a insuficiência respiratória, a ansiedade e a depressão, mas o compartilhar com o paciente e sua família nas decisões das ações de cuidados. Essa terapêutica paliativa vai além do desempenho de determinados procedimentos técnicos, mas envolveria o estar-com e estar-ali, os quais implicariam a presença ativa da equipe de enfermagem. O cuidado à pessoa gravemente enferma deveria preservar autonomia e a capacidade em tomar decisões que o enfermo ainda é capaz de apresentar (SANTOS; PAGLIUCA; FERNANDES, 2007). Há necessidade do cuidado de enfermagem no acompanhamento do enfermo durante todo seu tratamento, mesmo quando não é mais possível a cura, submetendo-o aos cuidados paliativos. A enfermagem parece ter um papel primordial nos cuidados paliativos, já que o cuidar é a essência da profissão (ARAÚJO, 2006). No estudo de Smeltzer e Bare (2005), observou-se que muitos pacientes sofrem desnecessariamente quando não recebem a atenção adequada para os sintomas que acompanham sua doença. A cuidadosa avaliação por parte da equipe de enfermagem deveria incluir não somente os problemas físicos, mas também as dimensões psicossociais e espirituais da experiência da doença grave por parte do enfermo e da família. Essa conduta poderia contribuir para uma compreensão mais abrangente e abordagem das necessidades apresentadas e percebidas. A comunicação seria uma medida terapêutica eficaz, pois é um importante componente do cuidado, capaz de reduzir o estresse psicológico do paciente à medida que também lhe permite compartilhar o sofrimento. O contato, através do olhar do profissional passa a mensagem silenciosa de que se importa não apenas com o que o paciente está falando, mas também com o que ele está sentindo e expressando. Mostrando, assim, preocu- pação com o paciente enquanto ser humano e não apenas com o sintoma ou um órgão comprometido (ARAÚJO; SILVA, 2007). Os indivíduos gravemente enfermos relataram no estudo de Araújo e Silva (2007) a importância da relação humana e que o relacionamento interpessoal baseado na empatia e compaixão seria principal subsídio que eles esperaram de quem deles cuidaram. O relacionamento humano pareceu ser a essência do cuidado que sustentaria a fé e a esperança nos momentos mais difíceis. Expressões de compaixão e afeto na relação com o outro trouxeram a sensação de que seríamos parte importante de um conjunto, o que consola e traz paz interior (ARAÚJO; SILVA, 2007). A enfermagem parece reconhecer que os cuidados paliativos vêm preencher uma lacuna existente no cuidado prestado ao enfermo grave à medida que procura atenuar ou minimizar os efeitos de uma situação fisiológica desfavorável. Prezar pelo não abandono, pelo acolhimento espiritual do doente e de sua família, além do respeito à verdade e à autonomia do doente, parece favorecer a participação do enfermo no tratamento, não esquecendo de que o tratamento não pertence aos profissionais de saúde, mas sim ao próprio enfermo. A não possibilidade de cura parece romper com os limites terapêuticos, mas de forma alguma com as possibilidades de cuidar e proporcionar dignidade e respeito aos limites de quem não quer viver sofrendo (OLIVEIRA; SÁ; SILVA, 2007). A medicina paliativa vai além de rótulos. Ela nos qualifica, desenvolve o aprendizado e ajuda a oferecer o que se tem de melhor, resgatando o amor. A educação entre os profissionais de saúde, desde sua formação, com apropriada informação e treinamento, torna-se fundamental para que o significado e a filosofia do exercício médico não se percam. A promoção e a presença de uma abordagem paliativa aos pacientes elegíveis em tempo apropriado certamente tornariam a medicina geral mais próxima dos desejos e valores dignos dos homens (COSTA et al., 2008). Seria preciso resgatar de forma mais ampla o valor do cuidado paliativo, que parece estar em segundo plano ante a busca pela cura das doenças. E que num sentido mais amplo procura abranger aspectos humanos, espirituais e sociais. Os cuidados paliativos se mostram necessários à reabilitação dos enfermos, possibilitando conviver com suas limitações, ou seja, mesmo que eles não tenham na dimensão biológica chances terapêuticas de cura clínica, tenham a sua condição de ser humano e ser social ativo (CHAVES; MASSAROLLO, 2009). Os enfermos valorizam a alegria, tanto em si mesmos quanto nos profissionais de saúde e nas pessoas com as quais convivem. O humor parece uma forma de comunicação espontânea e contextual, caracterizada por expressões verbais, faciais e risadas. O bom humor e a alegria, representados pela risada, se mostraram capazes de aliviar a tensão em um contexto de dor e sofrimento. Estudos apontaram que o bom humor e a risada proporcionaram um modo de aliviar a ansiedade, tensão e insegurança, mediante a morte que acompanha questões opressivas de estresse, sentimentos que geralmente são difíceis de expressar e lidar (ARAÚJO; SILVA, 2007). Os cuidados paliativos parecem estar voltados, principalmente, para a busca de melhoria ao enfermo enquanto ser humano autônomo, capaz de tomar decisões, mesmo na sua fase ter- 29 30 E. M. Braga; K. M. Ferracioli; R. C. Carvalho; G. L. A. Figueiredo • Investigação, v. 10, n. 1, p. 26-31, 2010 minal. A enfermagem poderia desempenhar um trabalho com proximidade, acolhimento, criação de vínculos para construir uma relação de confiança e segurança entre a equipe de saúde, o doente e a família. 2.3 Impacto da doença terminal no enfermo e seus familiares É esperado que a família forneça proteção psicológica e social ao enfermo, pois se considera como o principal apoio durante o processo de adoecimento e hospitalização. Seria praticamente impossível cuidar do indivíduo de forma íntegra não considerando seu contexto, dinâmica e relacionamento familiar (ARAÚJO, 2006). Segundo a OMS, seria importante a participação da família e amigos próximos no processo de aceitação e suporte do doente. Além do suporte profissional, o envolvimento da família e amigos, quando possível, parece oferecer segurança e confiabilidade para o enfermo em relação aos cuidados no processo de decisão do tratamento e das intervenções em si. A família poderia aprender a identificar e gerir os sintomas físicos e psicológicos, sabendo quais providências poderiam ser tomadas ou a quem encaminhar. Esses familiares responsáveis são denominados cuidadores. Esse processo de cuidar tende a ser desgastante, mas a família parece aprender a cuidar de si própria para o enfrentamento das necessidades (REIS; REIS, 2007). A presença do enfermo com pouco tempo de vida parece trazer intenso estresse à sua família e ao seu cuidador. A organização de um sistema de saúde que absorva na integralidade os pacientes com doença avançada e em fase terminal, e seus familiares, só seria possível se este sistema se fundamentar em princípios que incluam o cuidado, o não abandono e a proteção. Por “integralidade” queremos dizer um sistema que se comprometa completamente com a assistência do doente em todos os níveis da rede de atenção dando, a ele e seus familiares, a certeza do acolhimento (FLORIANI; SCHRAMM, 2007). A vivência da fase terminal de um familiar parece fragilizar a família, pois se percebe sem condições de cuidar sozinha do enfermo, demonstrando tendência a valorizar o trabalho do profissional de saúde. Em razão disso, o estudo de Dias e Pereira (2007) observou nas famílias estudadas a busca por apoio e confiança, tanto através de procedimentos técnicos como de uma atenção diferenciada pela equipe. A organização dos serviços de saúde deveria estar atenta quanto à comunicação e esclarecimento entre família, profissionais de saúde e pacientes, apresentando fatores importantes para uma assistência mais humanizada, diminuindo os riscos de interpretações equivocadas, que se tornam geradoras de conflito (CHAVES; MASSAROLLO, 2009). A enfermagem, ao cuidar de uma pessoa em fim de vida, precisaria conhecer essa pessoa e a sua família, saber das suas necessidades e limitações, e simultaneamente ter consciência das próprias capacidades e limitações enquanto enfermeiros, de modo a direcionar as ações para ajudar o doente nesta etapa do seu continuum vida-morte e a sua família no processo de adaptação-desadaptação. O ato de cuidar não se resume ao doente, uma vez que consiste essencialmente numa relação de ajuda, na arte de assistir a pessoa e a sua família (GUEDES; BORENSTEIN; SARDO, 2007). A presença compassiva, mesmo que silenciosa, e a companhia que consola e conforta seriam maneiras sutis, mas de extrema importância que parecem expressar ao enfermo que ele é importante e que receberá cuidados até o fim (ARAÚJO; SILVA, 2007). Durante a fase de terminalidade o doente parece passar por sofrimento físico e espiritual e a família seria importante no processo de adaptação e acolhimento ao doente. Assim, a família poderia ser considerada pela equipe de saúde como uma parceira, somando esforços com a equipe, visando à melhoria da qualidade de vida do enfermo. 3. Conclusões Apesar de a morte estar presente em nossas vidas e ser inevitável, percebemos dificuldades em aceitar nossa terminalidade e lidar com a terminalidade dos enfermos. No trabalho com enfermos graves, parecem surgir dificuldades de enfrentamento para o doente, o profissional de saúde e seus familiares quando o diagnóstico não apresenta possibilidades terapêuticas. Acreditamos que os cuidados paliativos sejam capazes de auxiliar nesse momento, amenizando o sofrimento, facilitando o relacionamento entre os envolvidos, provendo cuidado humanizado e uma visão holística do enfermo, como o próprio nome indica, pallium, capa, manto, protetor e acolhedor. A morte é inevitável. Mas não deveria ser vivenciada pelos profissionais de saúde como um processo comum ou ser banalizada. A busca pelo aprimoramento para trabalhar nesta temática traria benefícios para o tratamento do enfermo nessa fase, assim como o apoio aos familiares. Entendemos que a essência da profissão seria fazer tudo o que for possível para que o enfermo tenha qualidade de vida em todos os momentos, inclusive na fase terminal, respeitando seus limites e suas necessidades. Os cuidados paliativos parecem estar voltados, principalmente, para a busca de melhoria ao enfermo enquanto ser humano autônomo, capaz de tomar decisões, mesmo na sua fase terminal. A enfermagem poderia desempenhar um trabalho com proximidade, acolhimento, criação de vínculos para construir uma relação de confiança e segurança entre a equipe de saúde, o doente e a família. Durante a fase de terminalidade o doente parece passar por sofrimento físico e espiritual e a família seria importante no processo de adaptação e acolhimento ao doente. Assim, a família poderia ser considerada parceira pela equipe de saúde, somando esforços com a equipe, visando à melhoria da qualidade de vida do enfermo. As instituições de graduação poderiam inserir mais discussões na perspectiva de ampliar o conhecimento nessa área, permitindo melhoria nas habilidades de comunicação, relacionamento interpessoal e outros, uma vez que todos vivenciaremos o momento da morte, pessoas e profissionais. Referências ARAÚJO, M. M. T. Quando “uma palavra de carinho conforta mais que um medicamento”: necessidades e expectativas de pacientes sob cuidados paliativos. Biblioteca Digital de Teses e Dis- E. M. Braga; K. M. Ferracioli; R. C. Carvalho; G. L. A. Figueiredo • Investigação, v. 10, n. 1, p. 26-31, 2010 sertações da USP, São Paulo, 2006. Disponível em: <http://www. teses.usp. br/teses/disponiveis/7/7139/tde-02102006-14415>. Acesso em: 12 ago. 2008. REIS, L. C. J.; REIS, P. E. A. M. 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Não houve conflitos de interesse de qualquer natureza (econômicos, pessoais, científicos, assistenciais, educacionais, religiosos e sociais) que possam ter interferido nos resultados da pesquisa. 31