o que é a filosofia? da criação conceitual ao aprender

Propaganda
O QUE É A FILOSOFIA? DA CRIAÇÃO CONCEITUAL AO APRENDER1
Jurandir Goulart Soares2
Salvador Leandro Barbosa3
Resumo:
O presente trabalho pretende apontar a partir da contribuição dos filósofos franceses Gilles
Deleuze e Félix Guattari na obra O que é a filosofia? quais os pressupostos da atividade
filosófica. Ou seja, de que modo o fazer filosófico constitui-se numa atividade de criação
conceitual diferentemente da atividade desenvolvida pela Ciência e a Arte. Para tais autores a
criação filosófica advém do encontro com signos que proporcionam o aprender a pensar
conceitualmente. Sendo assim buscamos investigar de que modo o pensamento deixa de ser
uma mera repetição e torna-se potência de um pensar singular, a saber, um pensar que a partir
das forças e vetores próprios da atividade conceitual produz a novidade, a diferença.
Palavras-chave: Atividade filosófica. Aprender. Criação conceitual.
Os filósofos contemporâneos Gilles Deleuze e Félix Guattari propõem um modo de
compreender a atividade filosófica que se afasta e difere significativamente do que, até então,
a tradição interpretativa tem se assentado numa concepção que trata a História da Filosofia
como sendo o centro de referência da aprendizagem, no qual todas as possibilidades de
abordagem filosófica respondem a uma relação com a temporalidade dos conceitos de forma
linear. Ou seja, há uma subordinação ao antes e depois dos conceitos produzidos, ao longo da
história do pensamento filosófico, que engessa a atividade de pensar a uma imagem que
apenas representa o pensamento, e não o modo como o próprio fazer filosófico se dá.
As perspectivas de compreensão assumidas pela tradição filosófica acerca do que
seria a atividade do filósofo têm possibilitado intensos encontros e desencontros do que
poderia propriamente caracterizar a filosofia, à medida que não parece ser algo tão simples de
ser caracterizado, principalmente porque as tentativas, as mais diversas possíveis, indicam que
os esforços intentados pelos filósofos mediante a sua própria prática filosófica não têm se
afastado da sua própria forma de pensar.
1
O artigo faz parte da apresentação parcial da pesquisa do Projeto de Pesquisa de Iniciação Cientifica registrado
no Gabinete de Projetos do Curso de Filosofia da FAPAS, intitulado: Gilles e a problemática da criação
conceitual na atividade do filósofo, sob a orientação da professora Simone Freitas da Silva Gallina.
2
Acadêmico do Curso de Filosofia da FAPAS. E-mail: [email protected].
3
Acadêmico do Curso de Filosofia da FAPAS. E-mail:[email protected].
2
Sendo assim, este conflito entre o modo como concebemos o fazer filosófico e
efetivamente como ele se realiza precisa ser elucidado, para tanto pensamos que seria
relevante identificar as forças que incitam a atividade filosófica. O que nos faz problematizar
acerca das condições e o modo no qual a filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari
contribuíram para apontar o que significa ser filósofo. Sendo que para os autores, há na
filosofia um certo construtivismo no modo pelo qual a experimenta-se “O construtivismo
exige que toda criação seja uma construção sobre um plano que lhe dá uma existência
autônoma” (Deleuze; Guattari, 1992, p.16), sendo que o pensamento enquanto atualização de
problemas indica a necessária criação, produção de um plano conceitual.
É importante reconhecermos que a partir da perspectiva de Deleuze e Guattari acerca
da atividade filosófica há o traçado de um plano filosófico em torno do que seria a criação de
conceitos, ou ainda, de que modo, o pensamento filosófico se efetiva. Pois, ao que parece, a
filosofia contemporânea francesa, enquanto proposta de registro filosófico, encontra
principalmente em Sartre, Foucault, Deleuze, Guattari, Derrida, expressão de outras maneiras
para perspectivar as relações com a História da Filosofia, ou seja, encontra nos conceitos já
pensados, as brechas nas quais ainda há o que pensar, tornar o pensamento criativo.
O virtual e o atual na atividade conceitual
Pensar acerca do virtual e do atual, enquanto elaboração e solução de novos
problemas, faz parte das questões entorno do que seria propriamente a atividade da filosofia.
Segundo Gilles Deleuze, os conceitos de virtual e atual indicam a condição de criação de
acontecimentos filosóficos. E que, por outro lado, os processos de virtualização configuram
novas dimensões de espacialidade e temporalidade. Sendo assim, tais processos suscitam
velocidades que constituem qualidades de vivências que adentram o universo de significações
e sentidos novos.
O território da atividade filosófica enquanto invenção de conceitos propicia a eclosão
de dimensões que não estão mais na ordem do dado, é desta forma que a História da Filosofia
pode representar um índice a partir do qual aquele que (re)inventa conceitos, também
constitui velocidades e fluxos aos conceitos datados.
Atualizando as afecções afirmativas e positivas da vida, a partir da atividade do
pensar há um desdobramento e deslocamento criativo que movimenta a própria vida, dando
condições à manifestação dos afectos alegres. “Na verdade, há apenas um termo, a Vida, que
compreende o pensamento, se bem que, inversamente, ela só é compreendida pelo
3
pensamento. Não quer dizer isto que a vida esteja no pensamento. Mas só o pensador tem uma
vida poderosa e sem culpabilidade nem ódio, somente a vida explica o pensador” (Deleuze,
2002, p. 19-20). Ou seja, a vida é o vetor no qual o pensamento cria as linhas de fuga que
potencializam novas maneiras de pensar e que justificam a própria Vida.
É importante considerar que a História da Filosofia tem representado à atividade da
filosofia uma forma de controle que inviabiliza a criação de conceitos. Pois há uma cultura
difundida principalmente por uma perspectiva interpretativa, que assenta a prática filosófica
na imitação de conceitos, deste modo a filosofia tem servido, muitas vezes, apenas para
reprodução do pensamento. Pois segundo Deleuze no livro Conversações
A história da filosofia sempre foi o agente de poder na filosofia, e
mesmo no pensamento. Ela desempenhou o papel de repressor: como
você quer pensar sem ter lido Platão, Descartes, Kant e Heidegger, e o
livro de fulano ou sicrano sobre eles? Uma formidável escola de
intimidação que fabrica especialistas do pensamento, mas que também
faz com que aqueles que ficam fora se ajustem ainda mais a essa
especialidade da qual zombam (Deleuze; Parnet, 1998, p.21).
A compreensão parcial do que seja a filosofia tem interferido diretamente na
atividade de criação e, conseqüentemente, no aprender um estilo de pensar filosoficamente.
Não se pode esquecer que a História da Filosofia deve apontar para uma possibilidade de
contato com conceitos já criados, mas que efetivamente não deve inviabilizar a criação de
algo filosoficamente novo. Isto nos leva a pensar como as propostas de inserção de conteúdos
da filosofia nos concursos de ingresso à universidade pública e gratuita (UEL, UNB,
UFSM...) podem contribuir para a mudança nesta perspectiva histórica de prática filosófica,
tanto nos espaços escolares quanto nos acadêmicos. Que as exigências de tais conteúdos
sejam orientadas pela experimentação do pensar não somente os aspectos que se referem à
História do pensamento, mas também à própria vida.
O trato com a filosofia não pode se resumir a uma abordagem que se contenta com os
dados históricos e biográficos referentes à vida dos ícones da filosofia, quando não, aos dados
cotidianos dos hábitos, que em nada contribuem efetivamente para se pensar os conceitos
produzidos. Foi a partir do pressuposto: produzir uma história filosófica, da filosofia que
muitos filósofos tentaram escapar da imposição da história enquanto a bússola da atividade
filosófica. Entre eles encontramos Michel Foucault que, valendo-se dos registros históricos
para constituir sua teia conceitual, elaborou uma concepção de trabalho com a história que em
nada prejudica o caráter filosófico inerente à atividade.
4
Mesmo que muitas vezes sejamos forçados a estabelecer um tipo de relação com a
produção conceitual datada enquanto algo intocável, reconhecemos, por outro lado, que é
preciso a compreensão de que a ausência de uma certa ‘competência’ para aprender-produzir
filosofia, não pode ser justificada somente pela falta de uma boa base da história da filosofia,
pois, ao que parece, estaria muito mais ligada a uma forma de compreensão do que seja a
filosofia. Ou seja, a atualização de um pensar à medida que para Tomas Tadeu
O pensar é um choque do encontro com o outro do pensamento. O
aprender é o momento da conjunção – mas não assimilação, mas não
imitação, mas não identificação – com o outro do pensamento. [...] O
pensamento encontra, pois, um outro, que é o seu “fora”, mas não um
fora que ele então representaria, como na teoria clássica da
representação e do signo (2002, p.50).
Há uma dimensão de encontro com o outro, o encontro com o produto de um já pensado, mas
que de algum modo serve para que se estabeleçam relações de aprendizagem.
Sendo assim há uma indicação do fazer filosofia como uma atividade de atualização
e virtualização, isto é, significaria romper com a concepção pré-estabelecida que vê a
atividade do filósofo restrita a poucos, e que se pararmos para nos perguntarmos o que o torna
um filósofo, provavelmente nos daríamos conta de que não o sabemos bem ao certo, por que o
reconhecemos enquanto tal. Ora, esta tendência freqüente tem desempenhado um papel
negativo em relação à História da Filosofia, a qual passa a ser vista como um domínio
inacessível, produzindo uma insegurança perante o já pensado. Mas, como nos mostra
Guillermo Obiols, podemos ter uma relação diferente com a história da filosofia:
Em qualquer circunstância que nos encontremos, se há um processo
de ensino de filosofia, este deve apontar para facilitar que se produza
uma aprendizagem filosófica, e os clássicos estabeleceram firmemente
que esta aprendizagem é uma aprendizagem inseparável de um
conteúdo e uma forma, que se trata de aprender filosofia e de aprender
a filosofar e que apenas se aprende a filosofar estudando
filosoficamente a filosofia efetivamente existente (Obiols, 2002,
p.104).
Sendo que o já pensado deve apenas representar uma fonte, um problema que
conduza a novas problematizações e, conseqüentemente, à soluções. Nada mais significativo
que propor para a atividade em filosofia aquilo que se apresenta como uma exigência
propriamente filosófica: produzir acontecimentos. Neste sentido, assumir o território da
atividade filosófica enquanto criação de conceitos possibilita dimensões além do dado.
5
Enfim, não considerar a capacidade criativa e original necessária ao fazer filosófico
pode indicar, de algum modo, a impossibilidade de constituirmos atividades que favoreçam a
aprendizagem de formas de pensar autônomas. Poderíamos afirmar, com isto que a filosofia
adquire sentido no ensino quando atentamos para as condições da criação filosófica inerentes
à própria Vida do pensador.
Referências bibliográficas
ALLIEZ, Eric, (Org.). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Editora 34, 2000.
DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Tradução Bento Prado Jr. e
Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34, 1992.
DELEUZE, Gilles. Espinosa. Filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002.
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998.
GALLO, Sílvio. Deleuze & a educação. Belo Horizonte: Autentica, 2003.
HARDT, Michael. Gilles Deleuze: um aprendizado em filosofia. São Paulo: Editora 34,
1996.
LINS, Daniel (Org.). Niestzsche e Deleuze. Pensamento nômade. Rio de Janeiro: Relume
Dumará. 2001.
LINS, Daniel; GADELHA, Sylvio (Orgs.). Nietzsche e Deleuze. Que pode o corpo. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2002.
OBIOLS, Guillermo. Uma introdução ao ensino da filosofia. Ijuí: UNIJUI, 2002. (Filosofia
e ensino, 3).
ORLANDI, Luis B. L.; RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo (Orgs.). Imagens de
Foucault e Deleuze. Ressonâncias nietzschianas. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
TOMAS TADEU. A arte do encontro e da composição: Spinoza + Currículo +Deleuze. In:
Educação & Realidade. v.27, n.2, jul./dez., p. 47-57, 2002.
ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará.
2004.
Download