PERSPECTIVAS 6 CORREIO DO POVO - 24 e 25 de dezembro de 2002 FOTOS AFP / CP & imagens Economia: ‘SEGURAR INFLAÇÃO É FUNDAMENTAL PARA O CRESCIMENTO’ Durante a campanha presidencial, o mercado era muitas vezes tratado como personagem de novela: hoje acordou apreensivo, depois do almoço ficou nervoso e à tarde foi para casa desanimado. Dólar dispara, bolsa cai, juros sobem – tudo por obra e graça do mercado. “Tem congestionamento na Marginal Pinheiros, pronto: aumenta o nervosismo do mercado”, brinca o economista-chefe do Lloyds TSB, o paulistano Odair Abate, de 44 anos. Mesmo demonstrando tranqüilidade ao analisar as dificuldades do próximo governo, o economista alerta: “Acho fundamental que se segure a inflação porque senão o crescimento não será sustentável”. A inflação média observada para 2003 está acima de 9%, avalia. Ele observa, contudo, que a dispersão é muito grande: a média está em torno de 9%, mas há quem fale em 5%, 6%, e gente que prevê 14%, 15% ou mais. “A variável chave para dizer aonde a inflação vai é o câmbio. Um câmbio em torno de R$ 3,60 viabiliza uma inflação de dois dígitos, mesmo que a economia continue crescendo ao redor de 1,5%”, argumenta. Se o câmbio estiver neste nível, o repasse das tarifas será imediato. “Os preços no atacado mostram isso claramente”, exemplifica. A situação, de acordo com o economista, é agravada pelo fato de a transição de governo deixar um clima de dúvidas no ar. “Exageradamente ou não, o mercado mantém dúvidas com relação ao futuro.” De acordo com Abate, as dúvidas permeiam as economias mais desenvolvidas do mundo e os fluxos de capitais para países emergentes como o Odair Brasil. “Temos uma série de variáveis ruins. Há também o acréscimo agregado do repasse que se dá em cima de uma base inflacionária de 8%, o que potencialmente leva a inflação para 13% ou 14% se a taxa de câmbio não baixar.” Com relação ao surgimento de pressões por indexação, Odair Abate admite que pode até parecer contraditório, pois não houve reindexação em 1999, quando a economia vinha de um período de crescimento bastante razoável a partir do real. “Agora a situação é diferente. A taxa de desemprego naquela época era baixa e agora é alta. O crescimento econômico lá era alto, agora é baixo”, compara. Por causa da transição, vários setores sentem- se no direito de pedir reajustes. Além disso, explica o economista, a perspectiva de inflação alta estaria mais clara agora. Há uma expectativa de como o presidente eleito vai combinar crescimento com um esperado aumento de juros para controlar a inflação. Para Abate, é absolutamente fundamental que se segure a inflação “porque senão o crescimento não será sustentável”. “Essa coisa de financiar o aumento do salário mínimo com inflação é piada! A idéia que tem que ser passada é a seguinte: existe uma dificuldade séria de administração no curto prazo, e é preciso garantir que a inflação se mantenha sob controle para que a taxa de juros possa cair consistentemente. Qualquer medida exótica, com redução inconseqüente da taxa de juros, pode fomentar uma elevação forte da inflação”, sustenta. O governo, para ele, terá de fazer um discurso a favor da meta de inflação, mesmo sabendo que é muito improvável que ela será alcançada. “O razoável seria admitir uma taxa de inflação mais elevada, como o governo FHC fez nas negociações com o FMI.” Sobre o comportamento da balança comercial em 2003, Abate conta que há quem fale em superávit comercial de 20 bilhões de dólares, mas ele prefere a cautela e diz que se pode acreditar em bons superávits. “Trabalho com um superávit de 13 bilhões a 14 bilhões de dólares.” Para o economista, as linhas externas de financiamento não estão voltando porque “não é fácil convencer lá fora de que o Brasil não é uma Argentina”. ”Tenho a impressão de que eles vão esperar para ver”, opina. Abade Em um balanço dos oito anos do governo de Fernando Henrique, Odair Abate avalia que foram dois mandatos distintos. O primeiro, para a população, foi muito melhor porque apresentou crescimento econômico, acabou com a inflação e introduziu as classes D e E no mercado de consumo. O segundo mandato foi mais complexo. “Foi mais difícil sob a ótica de convencimento do Congresso em relação às reformas e também porque a reeleição pesou muito na base de suporte político do governo.” O grande mérito do governo FHC, para o economista, foi reduzir a inflação, mostrar que o Brasil podia ser um país sério e tinha condições de fazer ajustes em suas contas públicas. “Não é facil convencer lá fora de que o Brasil não é uma Argentina.” As reações do mercado financeiro, em 2002, foram afetadas pelo sentimento de dúvidas sobre o futuro governo, o que, somado a outras variáveis, provocou uma seqüência de oscilações Crise enfrentada pelo país vizinho alarma os investidores internacionais, que passam a analisar as possibilidades de negócios na América Latina com mais precaução Alta do câmbio acaba afetando as tarifas e é considerada uma variável chave para as previsões sobre a inflação