DETERMINANTES SOCIAIS EM SAÚDE: SANEAMENTO BÁSICO E AS DOENÇAS INFECTOCONTAGIOSAS Amanda Ayumi Kimura* Jean Antonio Ferreira* Larissa Luane* Maria Leticia Portela* Nina de Moura Alencar* Rafaela Cynara* Leide da Conceição Sanches** Maria Cecilia Da Lozzo Garbelini*** RESUMO: O saneamento básico pode ser definido como um conjunto de bens de uso coletivo existentes em cidades e meios rurais, voltados ao bom funcionamento da cidade enquanto local de consumo e produção. A fim de compreender quais os fatores devem ser combatidos para a melhoria desse serviço público, é necessário entender primeiramente os determinantes sociais relacionados, para que se tenha um conhecimento aprofundado e eficaz na busca por uma solução. O artigo tem como objetivo, através do método de revisão bibliográfica, compreender o saneamento básico como um determinante social, bem como algumas das consequências diretas a saúde dos indivíduos e o mecanismo celular envolvido em uma das doenças. A partir da revisão de literatura, conclui-se que, para que ocorra o aumento na qualidade de vida da população, é necessária maior atuação de políticas públicas que visem à melhoria nas habitações, educação, acesso à água potável, além do tratamento de esgoto, evitando-se assim diversas doenças infectocontagiosas, e considerando estes aspectos essenciais para a formação da construção social de um país. Palavras-chave: determinantes sociais da saúde, saneamento básico, doenças, cólera. _____________ * Acadêmicos do 3º período do curso de Biomedicina da Faculdades Pequeno Príncipe (FPP). ** Professora de Sociologia e Antropologia da FPP, Doutoranda em Sociologia pela UFPR. *** Professora de Biologia Celular da FPP, Doutora em Biologia Celular pela USP. INTRODUÇÃO Determinantes sociais de saúde podem ser fatores econômicos, culturais, raciais, psicológicos e comportamentais que podem resultar na ocorrência de problemas de saúde contribuindo para o aumento da iniquidade em algumas sociedades (BUSS; FILHO, 2007). Além disso, fatores ético-culturais podem estar relacionados ao aumento da desigualdade na saúde, expondo população a uma condição vulnerável no que diz respeito a saneamento básico adequado e proteção contra doenças infecto-contagiosas (FERNANDEZ, 2014). O objetivo da pesquisa foi compreender o saneamento básico como um determinante social e a sua influência direta na saúde dos indivíduos. REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA O conhecimento sobre determinantes sociais ainda é recente, devido ao longo período em que a saúde foi interpretada como um conceito restrito no qual se consideravam apenas alterações biológicas. Durante meados do século XIX a teoria miasmática sustentou as explicações para diferentes processos fisiológicos e até mesmo sociais, sendo então substituída pela teoria biologicista no século seguinte. A utilização dessa segunda teoria fez com que os aspectos sociopolíticos permanecessem afastados do conceito de saúde (BUSS; FILHO, 2007). Com a criação e estruturação do campo da saúde pública, no período de 1913 a 1916, surgiram diferentes debates sobre essa nova área de estudo fazendo com que freqüentemente o conceito de saúde oscilasse entre duas concepções: uma que levava em consideração as condições sociais, ambientais e econômicas de um indivíduo e sua população para compreender os processos de saúde e doença; e uma segunda que favorecia os estudos biológicos e laboratoriais considerando esse novo campo como uma ramificação especializada da medicina (BUSS; FILHO, 2007). Assim como ocorreu no início do século XX, com a criação da Organização Mundial da Saúde, o conceito de saúde adquiriu uma concepção mais ampla, sendo definido como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de enfermidades" (OMS, 1948), mas permaneceu com seu enfoque variando entre o social e o biológico até os anos noventa (BUSS; FILHO, 2007). A partir do estabelecimento das Metas do Milênio, no fim dos anos 90, e da criação da Comissão Sobre Determinantes Sociais da Saúde da OMS, em 2005, os aspectos sociais firmam-se como fatores essenciais na compreensão da saúde e surge o entendimento sobre determinantes sociais da saúde (DSS). Os Determinantes Sociais da Saúde podem ser compreendidos como fatores que através de condições sociais irão afetar a saúde e que através de mecanismos de ação podem ser alterados (KRIEGER, 2001 apud BUSS; FILHO, 2007). Segundo a Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais de Saúde (CNDSS) os determinantes sociais da saúde “são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos, raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população”. Compreendendo os determinantes sociais é possível estabelecer a relação entre os fatores que afetam a saúde de uma população e também os mecanismos de iniqüidades em saúde (BUSS; FILHO, 2007). As iniqüidades em saúde são as desigualdades sistemáticas e relevantes existente entre grupos populacionais que podem ser consideradas como evitáveis, injustas e desnecessárias (WHITEHEAD, 2000 apud BUSS; FILHO, 2007). O mecanismo pelo qual os determinantes causam as iniqüidades em saúde podem se dividir em três abordagens, sendo o enfoque desse artigo a abordagem que considera os “aspectos físicos-materiais” relacionados com a saúde e doenças. Além das diferenças de renda que afetam a saúde dos indivíduos pela falta de recursos, os poucos investimentos em infraestrutura comunitária advindos de decisões políticas e econômicas norteiam essa abordagem (BUSS; FILHO, 2007). Antes mesmo das diferenças de rendas, um fator importante a ser considerado é a divisão de classes. Para Max Weber, a sociedade pode ser distinta em três dimensões, sendo de ordem econômica, política e social. A estratificação econômica é representada por bens e serviços de um indivíduo; a social é representada pelo estilo de vida do sujeito e a estratificação política envolve a distribuição de poder entre os indivíduos. Partindo destes conceitos, têm-se a interdependência deles, descrita por Sorokin (LAKATOS, 1991). Tendo como foco a estratificação econômica, entende-se que a distribuição de rendas dá origem à segregação da sociedade em grupos com maior ou menor poder aquisitivo, independente da forma de governo e a política vigente no país. Com a divisão da sociedade em grupos, têm-se as classes sociais, que segundo Giddens, é uma consequência das mudanças históricas ocorridas (LAKATOS, 1991). Quando se trata de infraestrutura comunitária envolvem-se todos os aspectos relacionados à educação, transporte, habitação, serviços de saúde e, o foco desse trabalho, o saneamento básico (BUSS; FILHO, 2007). O saneamento básico são todos os fatores do meio físico do homem, que podem exercer efeitos danosos ao bem-estar físico, mental e social (OMS, 2007). Pode ser definido como um conjunto de bens existentes em cidades e meios rurais, de uso coletivo, para o bom funcionamento da cidade enquanto local de consumo e produção, sob responsabilidade estatal (COING,1992). Também envolve ações como recuperação de mananciais e reservatórios de águas poluídas (SOUZA, 2002). Segundo a Lei do saneamento básico nº. 11.445/2007 as diretrizes do sistema que possuem estrutura física e educacional, legal e institucional abrangem os seguintes requisitos: o abastecimento de água da população, coleta e tratamento de esgotos, coleta e destino final de todos os tipos de lixo, controle de inundações, controle de doenças transmissíveis, saneamento de alimentos e de meios de transporte, planejamento territorial e controle da poluição ambiental (CARVALHO, 2007). Saneamento básico também engloba a salubridade ambiental, que se define pelo estado de saúde normal em que uma população urbana ou rural vive, referindose a prevenção e impedimento de endemias ou epidemias transmitidas pelo meio ambiente (GUIMARÃES, 2007). Frequentemente as atividades de saneamento tem por objetivo o controle de doenças, melhoria na qualidade de vida da população, facilitar atividades econômicas e melhorar a produtividade do individuo (SANEBAVI, 2015). Os primeiros indícios de saneamento básico no Brasil datam no início do séc. XVI, onde, com colonizadores e suas doenças, preocupações sanitárias com a limpeza começaram a surgir, e assim serem construídos chafarizes em praças públicas para a distribuição de água, através dos escravos (RIBEIRO e ROOKE, 2010). Somente com a chegada a família Real foram criadas as primeiras leis que fiscalizavam os portos e os navios, assim como as primeiras redes de coleta de esgoto e escoamento de água da chuva. Contudo, as condições de saúde ainda eram precárias e, com o fim da escravidão em 1888, não havia mais trabalhadores para o transporte de dejetos. Assim, novas providências foram necessárias e, com pesquisas médicas e científicas sendo investidas, o governo passou a investir também em uma reforma sanitária (RIBEIRO; ROOKE, 2010). No século XX, o saneamento fortaleceu-se, com preocupações mais voltadas ao controle de qualidade da água e a questão ambiental (RIBEIRO; ROOKE, 2010). O saneamento passou então por implementações e melhorias, tais como o PLANASA (Plano Nacional de Saneamento Básico) e um novo regime para atender a demanda por água tratada para a população urbana, devido ao crescimento acelerado desta (RUBINGER, 2008). Ainda assim, o país necessita de melhorias, estas buscadas através de novas medidas, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que planeja aumentar para a população o abastecimento de água, tratamento de esgoto, proteção de mananciais e despoluição de cursos d'água no tratamento de resíduos sólidos (RUBINGER, 2008). Contudo, apesar de toda a preocupação, o saneamento ainda se encontra precário, onde, dos 8,4 bilhões de litros de esgoto produzidos por dia no Brasil, apenas 3 bilhões recebem tratamento, sendo o restante descartado sem cuidados no meio ambiente, ocasionando contaminações tanto a natureza, quanto a saúde da população (SPITZCOVSKY, 2009). A falta de saneamento básico tem como consequência várias doenças que interferem na qualidade de vida de uma população. Doenças que são fáceis de serem controladas chegam a causar mortes em regiões onde o tratamento do esgoto é negligenciado (SANEPAR, 2010). No Brasil, a falta de saneamento básico principalmente em áreas pobres tem acentuado o quadro epidemiológico (BRASIL, 2006 apud RIBEIRO e ROOKE, 2010), sendo estimados pelo Estudo do Banco Mundial (1993) que quase 30% da ocorrência de doenças nos países desenvolvidos são decorrentes do ambiente doméstico inadequado (BRASIL, 2006 apud RIBEIRO e ROOKE, 2010). Com mais de 4 bilhões de casos por ano, a diarreia é uma das doenças que mais aflige a humanidade, sendo consequência da falta de saneamento básico, causando 30% das mortes de crianças com menos de um ano de idade (GUIMARÃES, CARVALHO e SILVA, 2007). As crianças são as mais expostas a esses problemas, segundo o BNDES (1998), no Brasil, 65% das internações hospitalares de crianças menores de 10 anos estão associadas à falta de saneamento básico. Essas doenças que são consequências da falta de saneamento básico são transmitidas através dos esgotos e são causadas principalmente por microorganismos patogênicos de origem entérica, animal ou humana. Sendo assim, o contato com o esgoto agrava o risco de doenças como: febre tifóide, disenteria bacilar, hepatite A amebíase, giardíase, leptospirose, dengue, entre outras (KRONEMBERGER, 2014). A cólera é uma infecção intestinal aguda causada pela bactéria Vibrio cholerae, que penetra no organismo humano por contaminação fecal-oral, através da ingestão de alimentos ou água contaminada. A bactéria alcança o intestino delgado, multiplica-se e é capaz de desenvolver uma enterotoxina que causa diarréia e vômitos. (PEDRO, CASTIÑEIRAS e MARTINS, 2008). O V. cholerae é capaz de causar esses sintomas, pois permanece nas paredes do intestino. A toxina produzida pela bactéria afeta a proteína de membrana que transporta cloro, super estimulando esse canal e liberando esse íon em excesso. Como conseqüência, sódio e água são levados para fora da célula, causando uma considerável perda de líquidos resultando em diarréia e vômitos (CARVALHO et al., 1997). Normalmente a pessoa infectada tende a eliminar a bactéria pelas fezes no período de 7 a 14 dias (RODRIGUES, 2013). Em casos mais agudos, pode causar consideráveis distúrbios no sistema digestório, deixando o organismo do infectado resistente a alguns antibióticos. (RODRIGUES, 2013). O V. cholerae, pode ser encontrado com maior freqüência em alimentos crus ou mal cozido, uma vez que a bactéria pode sobreviver por até 10 dias em temperaturas de 0 a 40°C, não sendo resistente em temperaturas acima de 80°C (PEDRO, CASTIÑEIRAS e MARTINS, 2008). A infecção pela bactéria é mundial. Mas tende a ocorrer com maior freqüência nos países em desenvolvimento, onde o investimento em saneamento básico é inadequado (PEDRO, CASTIÑEIRAS e MARTINS, 2008). As pessoas mais infectadas pela bactéria são as de classes sociais menos favorecidas, devido às condições de saneamento deficientes e insalubres, principalmente a falta de água tratada (RODRIGUES, 2013; PEDRO, CASTIÑEIRAS e MARTINS, 2008). O tratamento da cólera consiste basicamente em reidratação oral. Medicamentos antidiarreicos são contra-indicados no tratamento da doença, pois diminuem os movimentos peristálticos do intestino, o que facilita a multiplicação da bactéria. Adstringentes também não devem ser utilizados, pois aumentam a perda de sódio e potássio (eletrólitos) pelas fezes. No geral, somente a reidratação adequada é suficiente no tratamento da cólera. Em casos mais agudos, recomendase o uso de antibióticos nas primeiras 24h após a contaminação, pois podem diminuir a duração da diarréia (PEDRO, CASTIÑEIRAS e MARTINS, 2008). METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa de revisão bibliográfica. Para o levantamento bibliográfico, optou-se pela busca de artigos na base de dado Google Acadêmico, bem como livros e sites de instituições nacionais relacionadas ao assunto. A pesquisa foi limitada a artigos em português, com foco em revisões de literatura e sem especificar o ano de publicação dos artigos. Foram utilizados os seguintes descritores: “determinantes sociais da saúde”, “iniquidades”, “saneamento básico”, “doenças” e “cólera”. A análise foi realizada levando em consideração a relevância das informações e a relação com tema pesquisado. CONCLUSÃO A falta de saneamento básico ainda é um problema de grande magnitude em diferentes países, com destaque para aqueles em desenvolvimento. Trata-se de um assunto de responsabilidade de diversos setores e dependente da ação em conjunto dos mesmos, sendo muitas vezes negligenciado, evidenciando a vulnerabilidade e os efeitos sobre uma sociedade estratificada. Tendo em vista que o saneamento básico está entre os determinantes sociais da saúde que causam as iniqüidades e, sabendo que uma das maneiras de atuar sobre esses determinantes é por meio de ações, é essencial a atuação de políticas públicas nas condições materiais em que o indivíduo vive. Buscando melhorias nas habitações, acesso à água e esgoto tratados, alimentos saudáveis e nutritivos, além de educação de qualidade e disseminação de informações é possível garantir não somente o acesso ao saneamento básico adequado, evitando diferentes patologias, mas também alterar as configurações sociais de um país. A partir da visão do saneamento básico como um direito universal, a saúde passa a possuir um fator prejudicial a menos e embora esse não seja o único determinante que afeta a saúde, é uma maneira de se resolver problemas graves como as patologias causadas pela falta de saneamento básico, e assim evitar mortes e males que trazem sofrimento tanto individual quanto de um grupo de pessoas. Com a intervenção nos diferentes níveis dos determinantes sociais da saúde é possível minimizar as iniquidades relacionada à estratificação social e mesmo que essas ações estejam relacionadas a diferentes setores públicos é de extrema importância que todas as políticas visem diminuir as diferenças sociais como um todo, na tentativa de fortalecer a coesão social de grupos mais vulneráveis bem como incentivando a participação na construção social de um país. REFERERÊNCIAS BENONES, A.V. et al.; Saneamento, isso é uma questão de infraestrutura. 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