LÓGICA: FERRAMENTAS DO PENSAR1 Na família, no trabalho, no lazer, na política, sempre que nos dispomos a conversar com as pessoas, usamos argumentos para expor e defender nossos pontos de vista. Nos encontros entre amigos nem sempre todos têm a mesma opinião a respeito de assuntos tais como: se a fidelidade é importante nas relações amorosas, se a política é ou não importante na vida de todos, se o aborto é uma maneira adequada de resolver uma gravidez indesejada, se clonar humanos é uma prática eticamente correta, e assim por diante. A lógica é um importante instrumento para organizarmos nossas idéias de forma mais rigorosa, de maneira a não tirarmos conclusões inadequadas a partir de enunciados dados, podendo defini-la como o estudo dos métodos e princípios da argumentação. Como podemos perceber, ela faz parte do nosso cotidiano. Foi Aristóteles quem elaborou com maior amplitude e rigor as questões acerca da lógica, e a subdividiu em lógica formal (menor) e lógica material (maior). A primeira estabelece a forma correta das operações do pensamento. Se as regras forem aplicadas corretamente o raciocínio é considerado válido. Já a segunda investiga a adequação do raciocínio à realidade. É também chamada de metodologia, e como tal procura o método próprio de cada ciência. Uma das mais duradouras contribuições da lógica está no estabelecimento dos primeiros princípios que, por serem anteriores a qualquer raciocínio, servem de base a todos os argumentos. São eles: O principio de não-contradição: duas proposições contraditórias não podem ser verdadeiras. Não é possível afirmar e negar simultaneamente a mesma coisa. Nenhum enunciado pode ser verdadeiro e falso. Princípio de identidade: Se um enunciado é verdadeiro, então é verdadeiro. Terceiro excluído: Um enunciado ou é verdadeiro, ou é falso. Argumento: é a mais básica unidade completa de um raciocínio. É um discurso em que encadeamos proposições de maneira a chegar a uma conclusão. Os argumentos não são a mesma coisa que as explicações. Os argumentos buscam demonstrar que algo é verdadeiro, ao passo que as explicações buscam demonstrar como algo é verdadeiro Proposição: é tudo o que pode ser afirmado ou negado. Por exemplo, “Todo cão é mamífero” ou então “Animal não é mineral”. Observe: O mercúrio é um metal. (premissa ou antecedente) Ora, o mercúrio não é sólido. (premissa ou antecedente) 1 Material elaborado a partir dos textos: ARANHA, Maria Lúcia Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando Introdução à Filosofia. 3. Ed. São Paulo: Moderna, 2003. p. 438, pp. 100 - 110. BAGGINI, Julian; FOLS, Peter S. Trad. Luciana Pudenzi. As ferramentas dos filósofos – Um compêndio sobre conceitos e métodos filosóficos. Edições Loyola, São Paulo, 2008. p. 278, pp. 13 – 40. Logo, algum metal não é sólido. (conclusão ou consequente). No exemplo, há três proposições em que a última, a conclusão (ou consequente), deriva logicamente das suas anteriores, chamadas premissas ou antecedentes. Eis o que chamamos de silogismo: a ligação de dois termos por meio de um terceiro. Quando expomos nossas idéias, às vezes começamos pela conclusão, além de, com frequência omitirmos premissas, deixando-as subentendidas. Por isso, um dos trabalhos do lógico é montar o raciocínio redescobrindo sua estrutura e avaliando se a conclusão se segue das premissas. Por exemplo, quando dizemos: “Preste atenção, a palavra Malu não tem acento!” estamos enunciando a conclusão de um raciocínio subentendido que pode ser montado assim: “Toda palavra oxítona terminada em i ou u tônico só é acentuada quando precedida de vogal. Ora, na palavra Malu o “u” tônico não é precedido de vogal, portanto não deve ser acentuado”. A passagem das premissas para a conclusão corresponde à inferência. A inferência é um processo de pensamento pelo qual, a partir de certas proposições, chegamos a uma conclusão. Cabe ao lógico examinar a forma da inferência, o nexo existente entre os diversos enunciados, a fim de verificar se é válido chegar à determinada conclusão. Sobre as proposições podemos dizer que elas são verdadeiras ou falsas. Mas quando se trata do argumento, dizemos que são válidos ou inválidos. Uma proposição é verdadeira quando corresponde ao fato que expressa. Um argumento é válido quando sua conclusão é consequência lógica de suas premissas. Toda estrela brilha com luz própria. Ora, nenhum planeta brilha com luz própria. Logo, nenhum planeta é estrela. Nesse exemplo as proposições - antecedentes e conclusão - são verdadeiras e a inferência é válida. Todos os cães são mamíferos. Ora, todos os gatos são mamíferos. Portanto, todos os gatos são cães. Os antecedentes são verdadeiros, a conclusão é falsa e a inferência é inválida. Proposição geral: quando o sujeito da proposição é tomado na totalidade. Por exemplo, “Toda baleia é mamífero”, “O homem é livre”. Não importa se nos referimos a uma parte de outra totalidade; se na proposição tomamos todos os elementos que a constituem, trata-se de uma proposição geral. Na proposição “Os paulistas são brasileiros” não importa que os paulistas sejam uma parte dos brasileiros, mas que nesse caso estamos nos referindo à totalidade dos paulistas. Proposição particular: Quando o sujeito da proposição é tomado em apenas uma parte indeterminada: “Alguns homens são injustos”, “Certas pessoas são curiosas”, “Esta flor é bonita”, “Sócrates é filósofo”. As oito regras do Silogismo O silogismo só deve ter três termos (o maior, o menor e o médio); De duas premissas negativas nada resulta; De duas premissas particulares nada resulta; O temor médio nunca entra na conclusão; O termo médio deve ser pelo menos uma vez total; Nenhum termo pode ser total na conclusão sem ser total nas premissas; De duas premissas afirmativas não se conclui uma negativa; A conclusão segue sempre a premissa mais fraca (se nas premissas uma delas for negativa, a conclusão deve ser negativa; se uma for particular, a conclusão deve ser particular). Tipos de argumentação Dedução: é a forma de argumentação mais rigorosa que existe, visto que a passagem das premissas à conclusão é tal que, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão também será, necessariamente, verdadeira. A dedução é um modelo de rigor, mas é também estéril, no sentido que não nos ensina nada de novo, a conclusão está contida nas premissas, e retira daí a prova de sua verdade; nada acrescenta àquilo que as premissas já disseram. Todo brasileiro é sul-americano. Todo mineiro é brasileiro. Todo mineiro é sul-americano. Indução: é uma argumentação pela qual, a partir de diversos dados singulares constatados, chegamos a proposições universais. Chega a conclusão a partir de evidências parciais, exemplos: “Esta água ferve a cem graus, e esta outra, e esta outra...; logo, a água ferve a cem graus.” “A turma 1 é muito desenvolvida, e a 2, e a 3, e a 4...; logo esta é uma excelente escola.” Diferentemente do argumento dedutivo, o conteúdo da conclusão da indução excede o das premissas. A conclusão tem apenas probabilidade de ser correta. Apesar da aparente fragilidade da indução, trata-se de uma forma de pensar onde se fundamenta grande parte dos nossos conhecimentos, sendo de grande valia para a ciência experimental. Todas as nossas previsões têm base na indução: partindo de alguns casos da experiência presente, inferimos que o mesmo poderá acontecer mais tarde. Falácias: é um tipo de raciocínio incorreto. Quando a incorreção se encontra na forma ou na estrutura do argumento, a inferência falaciosa é denominada “falácia formal”. Quando a incorreção reside no conteúdo do argumento, denomina-se “falácia informal”. Falácia formal Todos os elefantes são vertebrados. Ora, Jumbo é vertebrado. Logo, Jumbo é elefante. À primeira vista ficamos tentados a dizer que este é um argumento válido, porém é formalmente inválido. Não nos interessa que a conclusão seja verdadeira, mas sim que não se trata de uma construção logicamente válida. Basta recorrer a uma das regras do silogismo, segundo a qual o termo médio deve ser, pelo menos uma vez, total. Neste silogismo verifica-se que seu termo médio, vertebrado, é particular nas duas proposições. Falácia informal Embora possua um argumento formalmente correto, seu conteúdo não corresponde à realidade, sendo muitas vezes utilizadas como sendo verdadeiras. Veja alguns exemplos dessas falácias. Argumento de autoridade: é usado o prestígio da autoridade para outro setor que não é de sua competência. Apega-se a ela, como se fosse capaz de assegurar a validade do argumento. Isso é muito comum na propaganda, quando artistas famosos “vendem” desde sabonetes até idéias, ou quando apóiam um candidato às eleições. Argumento contra o homem: Você invalida o argumento atacando àquele que o profere. A conclusão se dá por falsa, por partir de alguém/algo que depreciamos. É como desvalorizar a filosofia de Francis Bacon porque ele perdeu seu cargo de Chanceler na Inglaterra depois de serem constatados atos de desonestidade. Falácia de acidente: Considera-se essencial algo que foi mero acidente. Julga-se o todo pela parte. É como dizer que a medicina é inútil por causa de um erro médico. Falácia de ignorância da questão: Consiste em se afastar da questão, desviando a discussão. Um advogado habilidoso, que não tem como negar o crime do réu, enfatiza que ele é um bom filho, bom marido, trabalhador etc. Petição de princípio ou círculo vicioso: consiste em supor já conhecido o que é objeto da questão. “Por que o ópio faz dormir? _Porque tem uma virtude dormitiva.” ou “Tal ação é injusta porque é condenável; e é condenável porque é injusta”. A lógica Aristotélica continua sendo um instrumento eficaz para a verificação da validade dos argumentos, servindo de base inclusive para as novas lógicas que a complementam e para as outras que a ela se opõem.