REVISTA GESTÃO & SAÚDE (ISSN 1984 - 8153) FATORES ASSOCIADOS AO TEMPO DE INTERNAÇÃO EM UTI PÓS-CIRURGIA CARDÍACA: ESTUDO EM PACIENTES DE UM HOSPITAL DO SUL DO BRASIL ASSOCIATED FACTORS WITH HOSPITALIZATION TIME IN ICU AFTER CARDIAC SURGERY: STUDY IN PATIENTS FROM A HOSPITAL OF SOUTHERN BRAZIL Ramison SANTOS 1 *Cleber CREMONESE 2 Maria Luísa de Oliveira GREGOLETTO 2 _________________________________________________________________________________________________________________ RESUMO Introdução: Cirurgias cardíacas são amplamente utilizadas para tratar de doenças do aparelho circulatório. Por se tratar de procedimento arriscado, é necessária internação em UTI durante o período pós-operatório. Objetivo: O estudo tem como objetivo investigar que fatores estão associados a um maior tempo de internação em UTI após cirurgia de troca valvar ou CRM. Material e métodos: Foi realizado um estudo epidemiológico transversal, de série temporal, com informações do banco de dados de um hospital de Caxias do Sul. Foram incluídos 199 pacientes que permaneceram até 15 dias internados. Foram excluídos os que vieram a óbito durante o período de UTI. Análises estatísticas foram realizadas através do teste t de student, teste ANOVA e qui-quadrado. Resultados: O tempo médio de internação foi de 3,65 dias (DP±1,92). Diabetes mellitus, sexo feminino e cirurgia de troca valvar apresentaram diferenças significativas (p<0,05) para o desfecho. Pacientes que apresentaram angina permaneceram menos tempo em UTI em relação aos que não apresentaram. Conclusão: O tempo de internação em UTI pode estar associado diretamente com presença de morbidades e fatores comportamentais. PALAVRAS-CHAVE: Revascularização Miocárdica; Implante de Prótese de Valva Cardíaca; Unidades de Terapia Intensiva; Tempo de Internação; Epidemiologia. ABSTRACT Introduction: Cardiac surgeries are widely used to treat cardiovascular diseases. Because it is risky procedure is required ICU admission during the postoperative period. Objective: The study aims to investigate what factors are associated with increased length of stay in ICU after surgery for valve replacement or CRM. Methods: We conducted a cross-sectional epidemiological study, with information from the database of a hospital in Caxias do Sul. It included 199 patients who remained until 15 days hospitalized. They excluded those that died during the ICU period. Statistical analyzes were performed using Student's t test, ANOVA and Chi-square. Results: The mean hospital stay was 3.65 days (SD±1.92). Diabetes mellitus, female and valve replacement surgery showed significant differences (p<0.05) for the outcome. Patients with angina spent less time in the ICU than those who did not. Conclusion: ICU length of stay may be associated directly with the presence of comorbidities and behavioral factors. KEYWORDS: Myocardial Revascularization; Heart Valve Prosthesis Implantation; Intensive Care Units; Length of Stay, Epidemiology. 1 Graduando em Biomedicina pela Faculdade da Serra Gaúcha Docente da Faculdade da Serra Gaúcha 2 * Email para correspondência: [email protected] REVISTA GESTÃO & SAÚDE (ISSN 1984 - 8153) 18 1. INTRODUÇÃO Estilo de vida não saudáveis, como padrões alimentares inadequados, excesso de consumo de bebidas alcóolicas, tabagismo e sedentarismo podem ser apontados com algumas das possíveis exposições de risco para o surgimento e evolução de doenças crônicas não transmissíveis na população. Dentre estas, as doenças cardiovasculares se destacam como a principal causa de mortalidade no Brasil e no mundo (WHO, 2011). No ponto de vista preventivo, atualmente a eficácia nos tratamentos primários para evitar complicações cardíacas ou minimizar seus danos ocorre através de fármacos, os quais evoluem constantemente, visando diminuir os efeitos colaterais, aumentando a qualidade de vida e, principalmente, evitando a necessidade de procedimentos invasivos (BANGALORE et al, 2012). Entretanto, em muitos casos esses métodos não são suficientes, se tornando indispensável realização da cirurgia cardíaca. Os procedimentos cirúrgicos cardíacos são realizados com significativa eficiência, sendo mais frequentes às cirurgias de troca valvar e cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM). Estas duas práticas cirúrgicas constituem uma parcela importante do tratamento terapêutico atual das cardiopatias, além de representar fonte significativa na demanda de recursos técnicos (ARAÚJO e FERRAZ, 2005; LAIZO et al, 2010). Quanto às características dos pacientes, pessoas mais idosas, apresentando comorbidades, com históricos desfavoráveis de estilo de vida são aqueles que apresentam maiores riscos de complicações no pós-operatório (ANDERSON, et al., 2011). Considerando que o maior tempo de internação no pós-operatório de cirurgia cardíaca vem sendo associado à maiores riscos de mortalidade, é de fundamental importância identificar os pacientes com necessidade de prolongar o período de internação na terapia intensiva (LAIZO et al, 2010). Do ponto de vista econômico, o alto custo da internação em tratamento intensivo tem produzido um desafio para os gestores da saúde pública, sendo necessário identificar fatores que possam estar associado ao aumento do tempo de internação, o qual pode auxiliar no planejamento e nas ações em prol de melhores condições de saúde pública (NISHIDA et al, 2004). Assim, o objetivo do estudo foi investigar os possíveis fatores associados a um aumento no período de internação de pacientes submetidos à cirurgia de troca valvar, CRM ou ambas, em UTI de um hospital de Caxias do Sul, RS. 2. MATERIAL E MÉTODOS Delineamento e população do estudo Foi realizado um estudo epidemiológico observacional com delineamento transversal, utilizando-se da análise de dados secundários (prontuários), coletados junto ao banco de dados de um hospital da cidade de Caxias do Sul, RS. Os participantes do estudo indivíduos de ambos os sexos, com idade superior a 18 anos, submetidos a cirurgias cardíacas de troca valvar, CRM, ou ambas combinadas. Fatores de inclusão Indivíduos internados em UTI, de ambos os sexos, submetidos à cirurgia de troca valvar e CRM, que obtiveram alta do tratamento intensivo dentro de até 15 dias, a partir da entrada na UTI. SANTOS, R. et al. FATORES ASSOCIADOS AO TEMPO DE INTERNAÇÃO EM UTI PÓS-CIRURGIA CARDÍACA: ESTUDO EM PACIENTES DE UM HOSPITAL DO SUL DO BRASIL. Revista Gestão & Saúde, v. 13, p. 17-26, 2015. REVISTA GESTÃO & SAÚDE (ISSN 1984 - 8153) 18 Fatores de exclusão Indivíduos que vieram a óbito durante o tempo de internação na UTI foram desconsiderados para este estudo. Prontuários incompletos foram descartados. Coleta de dados Os dados coletados compreenderam o período de 1º de julho de 2011 a 31 de junho de 2014. Esta escolha se deu em virtude dos prontuários oferecerem um padrão em relação aos dados coletados e ao software de armazenamento dos mesmos no hospital. As informações dos prontuários, encontradas no banco de dados original do hospital foram coletadas e transferidas por apenas um pesquisador para uma planilha eletrônica no software IBM SPSS, versão 20.0 (IBM Corp. Armonk, Estados Unidos). O banco de dados do hospital apresentava prontuários eletrônicos dos pacientes, contendo informações sobre prescrições médicas, de enfermagem e de nutrição; evoluções de toda equipe, exames laboratoriais realizados durante a internação, além de avaliações que podem ser solicitadas para outras especialidades. Como variáveis de exposição foram coletadas e analisadas as seguintes informações: sexo (masculino e feminino), idade (contínua – posteriormente categorizada em ≤ 49 anos; 50 a 59 anos; 60 a 69 anos e ≥ 70 anos), tabagismo (não fumante e fumante), etilista (sim e não), morbidades (até 3 e 4 ou mais), dislipidemia (não apresenta e apresenta), doença pulmonar obstrutiva crônica – DPOC (não apresenta e apresenta), angina (não apresenta e apresenta), infarto agudo do miocárdio – IAM (não apresenta e apresenta), hipertensão arterial sistólica – HAS (não apresenta e apresenta) e diabete mellitus – DM (não apresenta e apresenta). Como variável de desfecho foi coletado e analisado o tempo de internação na UTI pós-cirurgia cardíaca, em dias (contínuo – posteriormente categorizado em ≤ 4 dias e >4 dias). Análise estatística Inicialmente foram realizadas análises descritivas sobre as características da população estudada com valores brutos e prevalências para variáveis categóricas. Variáveis contínuas tiveram médias e desvio padrão calculados. Para identificar possíveis associações entre variáveis de exposição e o desfecho (dias de internação na UTI) foram aplicados teste t de student e teste ANOVA, quando do desfecho contínuo. Em seguida ocorreu a categorização do desfecho (≤ 4 dias e >4 dias de internação na UTI) e realização do teste estatístico qui-quadrado para identificar diferenças entre as distribuições de frequências nas categorias. A categorização do desfecho levou em consideração o tempo médio de internação da amostra, o qual apresentou média de 3,65 dias na UTI. Ficou estabelecido um nível de significância estatística igual ou inferior a 5% (p<0,05) para identificação de diferenças significativas entre as características investigadas. Aspectos éticos A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Círculo Operário Caxiense – Faculdade da Serra Gaúcha, de acordo com a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sob parecer nº 980.785 e CAAE: 40106214.1.0000.5311. SANTOS, R. et al. FATORES ASSOCIADOS AO TEMPO DE INTERNAÇÃO EM UTI PÓS-CIRURGIA CARDÍACA: ESTUDO EM PACIENTES DE UM HOSPITAL DO SUL DO BRASIL. Revista Gestão & Saúde, v. 13, p. 17-26, 2015. REVISTA GESTÃO & SAÚDE (ISSN 1984 - 8153) 19 3. RESULTADOS O estudo contou com informações de 199 prontuários, sendo constituído por 117 homens (58,79%) e 82 mulheres (41,21%). A faixa etária compreendeu 23 a 86 anos, sendo à média 60,6 anos (DP±10,45). Destaca-se que 85% dos indivíduos participantes apresentavam idade ≥50 anos. Em relação ao estilo de vida, 44% eram fumantes e 9% disseram ser etilistas no momento da internação para intervenção cirúrgica. A maior parte dos indivíduos (79,4%) apresentou menos de 4 morbidades associadas. Dentre as morbidades analisadas junto aos prontuários, a hipertensão arterial sistólica apresentou a prevalência mais expressiva, sendo frequente em 68% das pessoas avaliadas. Destaca-se ainda a presença de diabete mellitus em 30% dos internados. O infarto agudo do miocárdio ocorreu em 22% dos indivíduos. Por fim, apresentaram menores frequências de relato a presença de angina, dislipidemia e doença pulmonar obstrutiva crônica com, respectivamente, 19,10%, 14,57% e 11,06%. Em relação ao tipo de cirurgia cardíaca, 64,3% dos internados na UTI foram submetidos apenas a CRM, 30,7% apenas a troca valvar e 5% realizou ambas. Quanto ao desfecho investigado, o tempo médio de internação dos pacientes na UTI foi de 3,65 dias (DP±1,92). Apresentaram diferenças significativas (p<0,05) nas médias de tempo de internação às variáveis angina, onde aqueles pacientes que não apresentavam o sintoma tiverem médias maiores de tempo de internação na UTI (3,8 dias) em relação aos pacientes sem o sintoma (3,03 dias) e a morbidade diabete mellitus, onde maior tempo de internação foi observado naqueles pacientes com a presença da doença (4,08) em relação aos internados sem a mesma (3,46). O tempo médio de internação, mesmo não apresentando diferença estatisticamente significativa, foi maior para mulheres (3,91 dias), em relação aos homens (3,46 dias). Quando realizada análise estatística da variável “tempo de internação” de forma dicotômica, homens e mulheres apresentaram diferenças estatisticamente significativas (p= 0,003). Dentre os que ficaram mais do que 4 dias internados em UTI, homens representaram 40,8% e mulheres 59,2%. Não apresentar angina também foi associado a maior tempo de internação, destacando-se que dos 49 pacientes com mais de 4 dias de internação, 93,9% não apresentavam angina antes da realização da cirurgia (p<0,05). O tipo de cirurgia também apresentou diferença estatisticamente significativa, sendo a troca valvar, ou a combinação de ambas as cirurgias relacionadas com um tempo maior de internação. A cirurgia de troca valvar foi responsável por 46,9% dos pacientes internados por mais de 4 dias. Tabela 2 – Prevalência de internação associada às informações dos prontuários de pacientes internados em UTI, após intervenção cirúrgica cardíaca, em hospital público de Caxias do Sul-RS, entre 2011 e 2013 (n=199). SANTOS, R. et al. FATORES ASSOCIADOS AO TEMPO DE INTERNAÇÃO EM UTI PÓS-CIRURGIA CARDÍACA: ESTUDO EM PACIENTES DE UM HOSPITAL DO SUL DO BRASIL. Revista Gestão & Saúde, v. 13, p. 17-26, 2015. REVISTA GESTÃO & SAÚDE (ISSN 1984 - 8153) 20 Tabela 1 – Tempo médio de internação associado às informações dos prontuários de pacientes internados em UTI, após intervenção cirúrgica cardíaca, em hospital público de Caxias do Sul-RS, entre 2011 e 2013 (n=199). Variável Sexo Masculino Feminino Idade ≤ 49 anos 50 a 59 anos 60 a 69 anos ≥ 70 anos Tabagismo Não fumante Fumante Etilista Não Sim Morbidades Até 3 4 ou mais Dislipidemia Não apresenta Apresenta Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica Não apresenta Apresenta Angina Não apresenta Apresenta Infarto Agudo do Miocárdio Não apresenta Apresenta Hipertensão arterial sistólica Não apresenta Apresenta Diabetes mellitus Não apresenta Apresenta Tipo cirurgia Troca Valvar CRM Troca+CRM n Tempo médio de internação (dias contínuos) 58,79 41,21 117 82 3,46 3,91 13,57 35,18 30,65 20,60 27 70 61 41 3,59 3,64 3,48 3,95 % p-valor 0,101* 0,675** 0,149* 55,78 44,22 111 88 3,81 3,44 90,95 9,05 181 18 3,72 2,89 0,078* 0,291* 79,40 20,60 158 41 3,72 3,37 85,43 14,57 170 29 3,64 3,72 0,818* 0,536* 88,94 11,06 177 22 3,68 3,41 80,90 19,10 161 38 3,80 3,03 0,026* 0,211* 77,39 22,61 154 45 3,74 3,33 31,16 68,84 62 137 3,40 3,76 0,226* 0,037* 70,35 29,65 140 59 3,46 4,08 30,7 64,3 5,0 61 128 10 4,03 3,42 4,20 0,079** * Teste t de Student; ** Teste anova; Valores em negrito são estatisticamente significativos um nível de significância de p<0,05. SANTOS, R. et al. FATORES ASSOCIADOS AO TEMPO DE INTERNAÇÃO EM UTI PÓS-CIRURGIA CARDÍACA: ESTUDO EM PACIENTES DE UM HOSPITAL DO SUL DO BRASIL. Revista Gestão & Saúde, v. 13, p. 17-26, 2015. REVISTA GESTÃO & SAÚDE (ISSN 1984 - 8153) 21 Tabela 2 – Prevalência de internação associada às informações dos prontuários de pacientes internados em UTI, após intervenção cirúrgica cardíaca, em hospital público de Caxias do Sul-RS, entre 2011 e 2013 (n=199). Variável Sexo Masculino Feminino Idade ≤ 49 anos 50 a 59 anos 60 a 69 anos ≥ 70 anos Tabagismo Não fumante Fumante Etilista Não Sim Morbidades Até 3 4 ou mais Dislipdemia Não apresenta Apresenta Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica Não apresenta Apresenta Angina Não apresenta Apresenta Infarto Agudo do Miocárdio Não apresenta Apresenta Hipertensão arterial sistólica Não apresenta Apresenta Diabetes mellitus Não apresenta Apresenta Tipo cirurgia Troca Valvar CRM Troca+CRM Prevalência de tempo de internação ≤ 4 dias >4 dias 97 (64,7) 53 (35,3) 20 (40,8) 29 (59,2) 19 (12,7) 54 (36,0) 48 (32,0) 29 (19,3) 8 (16,3) 16 (32,7) 13 (26,5) 12 (24,5) 82 (54,7) 68 (45,3) 30 (61,2) 19 (38,8) 134 (89,3) 16 (10,7) 47 (95,9) 2 (4,1) 117 (78,0) 33 (22,0) 41 (83,7) 8 (16,3) p-valor* 0,003 0,725 0,422 0,163 0,394 0,182 131 (87,3) 19 (12,7) 39 (79,6) 10 (20,4) 134 (89,3) 16 (10,7) 43 (87,8) 6 (12,2) 0,760 0,008 115 (76,7) 35 (23,3) 46 (93,9) 3 (6,1) 112 (74,7) 38 (25,3) 42 (85,7) 7 (14,3) 0,108 0,653 48 (32,0) 102 (68,0) 14 (28,6) 35 (71,4) 109 (72,7) 41 (27,3) 31 (63,3) 18 (36,7) 0,211 0,005 38 (25,3) 106 (70,7) 6 (4,0) 23 (46,9) 22 (44,9) 4 (8,2) * Teste qui-quadrado Valores em negrito são estatisticamente significativos um nível de significância de p<0,05. SANTOS, R. et al. FATORES ASSOCIADOS AO TEMPO DE INTERNAÇÃO EM UTI PÓS-CIRURGIA CARDÍACA: ESTUDO EM PACIENTES DE UM HOSPITAL DO SUL DO BRASIL. Revista Gestão & Saúde, v. 13, p. 17-26, 2015. REVISTA GESTÃO & SAÚDE (ISSN 1984 - 8153) 22 4. DISCUSSÃO O tempo de internação em UTI influencia em fatores como a disponibilidade de leitos, custo financeiro e a demanda por recursos técnicos (ARAUJO e FERRAZ, 2005; GUIRARDELLO et al, 1999). Além disso, existe a percepção negativa do leito intensivo, assim como, a relação direta entre um tempo de internação maior e elevadas taxas de mortalidade (ABBOUD et al., 2004; ANDERSON et al. 2011), fazem imprescindível esta investigação. O tempo médio de internação em UTI encontrado neste estudo foi de 3,65 (DP±1,92), semelhante ao relatado em outros trabalhos (FERREIRA e VIEGAS, 2015; TU, et al., 1994). Anderson et al., em estudo de 2011 com indivíduos de 70 anos ou mais, afirma que um período maior que 5 dias em UTI aumenta significativamente o risco de mortalidade no pós-operatório. Entre os dois tipos de intervenção cardíacas mais frequentes, este estudo apontou a CRM com 64,3% e a troca valvar com 30,7% do total, seguindo resultados de outros trabalhos (OLMOS et al., 2007; SEGALOTE et al., 2008). Pacientes que realizaram a troca valvar apresentaram maior tempo de internação (4,03 dias). Atualmente a plastia é preferível à substituição da valva, com um melhor período pós-operatório imediato e sobrevida (SEGALOTE et al., 2008; BALBINOT et al., 2008). De forma geral, os homens representam o maior contingente entre os acometidos por doenças do sistema circulatório (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015). A presente investigação apontou uma proporção maior de homens em relação às mulheres para procedimentos de cirurgia cardíaca. Apesar disso, mulheres permaneceram em UTI, em média, mais tempo que homens, concordando com inúmeros estudos (KAUFMAN et al, 2011; NOGUEIRA et al, 2010; TU, et al., 1994; FERREIRA e VIEGAS, 2015; PELLEGRINI et al, 2014). Apesar de não apresentar significância estatística, o estudo apontou uma leve ascendência do tempo de UTI com o aumento da idade. A idade média dos pacientes internados foi de 60,60 anos (DP±10,45), informação semelhante a outros achados relacionados a cirurgias cardíacas (KAUFMAN et al, 2011; NOGUEIRA et al, 2010; FERREIRA e VIEGAS, 2015; PELLEGRINI et al, 2014). Fator compreensível, em virtude das doenças crônicas, especialmente as cardiovasculares, acometerem, com maior incidência, faixas etárias mais elevadas (BATISTA e RISSIN, 2003). Em relação a morbidades apontadas como fatores de risco para maior tempo de internação em UTI, maiores prevalências foram para HAS, IAM e o DM, sendo somente a última associada significativamente com o desfecho. A DM apresentou tempo médio de internação (4,08 dias). A hiperglicemia, de forma geral contribui para um desfecho adverso, conferindo um prognóstico pior, independente de outras variáveis (DA ROSA DUARTE et al., 2005). Morricone et al. demonstrou através de um estudo com 700 pacientes divididos igualmente entre diabéticos e não diabéticos, que além de diversas complicações, o DM foi fator de risco independente para maior tempo de internação em UTI (MORRICONE et al, 1999). Por sua vez, a HAS, presente em 68% dos prontuários, não se mostrou associada significativamente com o desfecho, embora estudos na população em geral apresentem porcentagens significativamente menores, em relação a pacientes submetidos a cirurgias cardiovasculares (PASSOS et al., 2006; GUS et al, 2004). Quanto a angina, a média do tempo de internação em UTI, foi maior para pacientes que não a apresentaram a mesma (3,8 dias) em relação aos que apresentaram (3,03 dias). SANTOS, R. et al. FATORES ASSOCIADOS AO TEMPO DE INTERNAÇÃO EM UTI PÓS-CIRURGIA CARDÍACA: ESTUDO EM PACIENTES DE UM HOSPITAL DO SUL DO BRASIL. Revista Gestão & Saúde, v. 13, p. 17-26, 2015. REVISTA GESTÃO & SAÚDE (ISSN 1984 - 8153) 23 Sabe-se que a evolução da angina pode levar alguns pacientes a desenvolver níveis elevados de marcadores bioquímicos relacionados ao dano do miocárdio, sendo naturalmente associada ao IAM (NICOLAU et al, 2007). Este resultado não encontra embasamento na grande maioria dos estudos em que a angina é citada (MANFROI et al, 1998; NICOLAU et al, 2007). O IAM prévio – intimamente relacionado com a angina, foi encontrado em 22% dos indivíduos neste estudo. Diversas pesquisas confirmam sua influência em um pior prognóstico pós-operatório, e não necessariamente ao tempo de internação em UTI. O IAM não mostrou significância estatística para o desfecho do estudo (AVEZUM et al, 2005; ZORNOFF, 2002). Sobre estilo de vida, pacientes caracterizados como tabagistas não apresentaram associação estatisticamente significativa com o desfecho. De forma diferente, alguns trabalhos descrevem o tabagismo como fator de risco para complicações pós-operatórias, como mediastinite, além de uma maior morbimortalidade e aumento do tempo de internação (ABBOUD et al., 2004; AVEZUM et al, 2005; FERREIRA et al, 2011; PRADO et al, 2012;). Doenças respiratórias decorrentes do tabagismo mantêm o paciente por mais tempo em ventilação mecânica (VM) devido a maior dificuldade de oxigenação, e isto está relacionado ao aumento de complicações (LAIZO et al., 2010; PELLEGRINI et al, 2014). Independentemente deste resultado, deve-se ressaltar as implicações do tabagismo na saúde, fortemente evidenciadas na literatura. Algumas limitações devem ser consideradas no desenvolvimento da investigação. O delineamento do estudo – transversal, o qual não apresenta a possibilidade de apontar uma relação causal. O uso de dados secundários e ausência de informações complementares nos prontuários também são apontados como fatores limitantes na investigação. Aponta-se a falta de informações sobre o tempo de circulação extracorpórea (CEC), índice de massa corporal (IMC), tempo de ventilação mecânica prolongado, reinternação em UTI e sedentarismo (LAIZO et al., 2010; BRASIL et al, 2000; GUIZILINI et al, 2005; REIS et al., 2008), os quais podem estar associados a complicações pós-operatórias e aumento no tempo de internação em UTI, porém estes dados não são informados nos prontuários, impossibilitando análises com maior grau de rigor. É necessário considerar ainda que o estudo investiga exclusivamente o período de internação em UTI, levando em conta somente os dados pré-operatórios do banco de dados, desconsiderando o pós-operatório, inclusive com relação a complicações ou mesmo óbito ocorrido fora do tratamento intensivo. Assim, o estudo buscou relacionar possíveis fatores associados a um maior tempo de internação em UTI, conhecimento benéfico aos pacientes e, especialmente, ao sistema de saúde, no intuito de reduzir o ônus financeiro, focando em prevenção primária mais eficiente. Em virtude das limitações do estudo e por se tratar de dados secundários, é importante que mais pesquisas sejam realizadas, especialmente apresentando delineamentos longitudinais, para embasar as informações aqui encontradas e dar maior suporte a gestão de saúde pública, objetivando melhoras nas condições de atendimento e sustentabilidade dos órgãos envolvidos e a qualidade de atendimento dos usuários. SANTOS, R. et al. FATORES ASSOCIADOS AO TEMPO DE INTERNAÇÃO EM UTI PÓS-CIRURGIA CARDÍACA: ESTUDO EM PACIENTES DE UM HOSPITAL DO SUL DO BRASIL. Revista Gestão & Saúde, v. 13, p. 17-26, 2015. REVISTA GESTÃO & SAÚDE (ISSN 1984 - 8153) 24 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conhecer as variáveis relacionadas com um maior tempo de internação em UTI é benéfico ao paciente, buscando um melhor prognóstico da situação. Ao sistema de saúde, pode auxiliar na prevenção primária mais eficiente, reduzindo assim o ônus público. Foi possível confirmar a influência negativa do DM para o desfecho, assim como a predominância de hipertensos. Em virtude das limitações do estudo, é importante que mais pesquisas sejam realizadas, especialmente estudos de longitudinais, para embasar as informações aqui encontradas. 6. REFERÊNCIAS ABBOUD, C. S.; WEY, S. B.; BALTAR, V. T. Risk factors for mediastinitis after cardiac surgery. Ann Thorac Surg, v. 77, n. 2, p. 676-683, 2004. ANDERSON, A. J. P. G. et al. Preditores de mortalidade em pacientes acima de 70 anos na revascularização miocárdica ou troca valvar com circulação extracorpórea. Rev Bras Cir Cardiovasc, v. 26, n. 1, p. 69-75, 2011. ARAUJO, D. V; FERRAZ, M B. 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