Hora de acordar nossos pacientes na UTI

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Hora de acordar nossos pacientes na UTI... Sedar os pacientes sob ventilação mecânica é considerado justo e necessário. E é, de fato, a rotina em praticamente todas as unidades de terapia intensiva. Afinal, a ventilação mecânica é um procedimento altamente invasivo e, em tese, muito desconfortável. Em tese. Na prática, sedar profundamente sempre e todos nossos pacientes de forma rotineira e indistinta tal vez não seja a melhor das opções. Embora o conforto do paciente seja certamente uma das prioridades da assistência médica, a sedação não deveria mais ser considerada a única nem a melhor forma de confortar o individuo sob ventilação mecânica. Esta é a mensagem do artigo de revisão recentemente publicado sobre o tema no Minerva Anestesiologica, revista oficial da sociedade italiana de anestesiologia (Minerva Anestesiol 2011;77:59‐63), por Strom e Toft. Sedar profundamente pacientes sob ventilação mecânica virou uma rotina nos anos setenta, quando a introdução dos benzodiazepinicos intravenosos permitiu titular esta sedação “em tempo real”. A sedação dos pacientes foi muito bem‐vinda naquela época, pois eliminava a dissincronia com o ventilador, “apaziguava” o paciente e poderia ser revertida rapidamente uma vez indicada a cessação da ventilação mecânica e a extubação do individuo. Contudo, a introdução de ventiladores mais modernos, capazes de acompanhar a ventilação espontânea o paciente e oferecer um suporte ventilatório mais fisiológico, reduziu grandemente a possibilidade de dissincronia. Ao mesmo tempo, o uso adequado de analgésicos pode propiciar conforto reduzindo a necessidade de sedar o paciente de forma rotineira. Ou seja: sedar profundamente e continuamente todos os pacientes sob ventilação mecânica não deveria mais ser considerado um paradigma. Mas porque de repente tanta aversão a sedação? O que pode haver de errado em deixar nossos pacientes dormindo de forma contínua enquanto cuidamos deles? Os motivos são vários. Em primeiro lugar, ao sedar o paciente perdemos a possibilidade de monitorar seu nível de consciência, que, como bem lembrado por Strom e Toft, é um parâmetro de perfusão tecidual altamente valioso; em segundo lugar, a sedação nos tira a possibilidade de valorizar e avaliar o desconforto do paciente como um sinal de alerta para algum problema subjacente que precisa ser resolvido (i.e. hipóxia, hipercapnia, retenção urinária, delirium, dor, etc.); em terceiro lugar, temos sólidas evidências que quanto maior a “carga de sedação” maior o tempo de ventilação mecânica e de internação na UTI; em quarto lugar, o paciente sedado é menos mobilizado, tendo conceitualmente maior predisposição a miopatia, tromboembolismo venoso e lesões de decúbito; e finalmente: a sedação parece não reduzir o estresse pós traumático dos pacientes uma vez recebida a alta hospitalar. O estudo clássico que representa um marco no assunto é o publicado no New England Journal of Medicine por Kress e colaboradores em 2000. Nesse estudo demonstrou‐se que a rotina de interrupção diária da sedação até a superficialização da consciência e/ou o desconforto do paciente levou a redução do tempo de ventilação mecânica. Como sabemos, quanto maior o tempo de ventilação mecânica maior o risco de desenvolver uma pneumonia associada a ventilação mecânica (PAV), fator complicador temido pela alta mortalidade. Por este motivo a rotina proposta por Kress e colaboradores passou a integrar o bundle da prevenção da PAV proposto pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI) na bem‐sucedida “Campanha das 100.000 Vidas”. Avançando ainda mais, o grupo de Strom publicou no Lancet, em 2010, um estudo comparando a rotina de Kress com a ausência completa de sedação e registrando uma redução ainda maior no tempo de ventilação mecânica com esta última estratégia. Um detalhe muito importante é que a estratégia da “não‐
sedação” é uma estratégia inicialmente cara, pois é fato que o paciente acordado da “mais trabalho” e requer maior assistência: no estudo de Strom a relação enfermeiro/paciente era de 1:1. É claro que a mensagem final não é deixar sem sedação quem precisa dela. A mensagem, nas palavras do próprio Strom, é “ajustar a sedação as necessidades do paciente em vez de ajustar o tratamento do paciente as necessidades da UTI”! 
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