UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO CAMILA MARIA DE OLIVEIRA CORREIA IMPACTO DA RESISTÊNCIA BACTERIANA NO COMBATE DAS INFECÇÕES RELACIONADAS À ASSISTÊNCIA À SAÚDE João Pessoa – PB Setembro – 2013 CAMILA MARIA DE OLIVEIRA CORREIA IMPACTO DA RESISTÊNCIA BACTERIANA NO COMBATE DAS INFECÇÕES RELACIONADAS À ASSISTÊNCIA À SAÚDE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Coordenação do Curso de Farmácia/CCS da Universidade Federal da Paraíba, como requisito a conclusão do curso de Farmácia. Orientador: Prof. Dr. Adalberto Coelho da Costa João Pessoa – PB Setembro – 2013 C824i Correia, Camila Maria de Oliveira. Impactos da resistência bacteriana no combate das infecções relacionadas à assistência à saúde / Camila Maria de Oliveira Correia. - - João Pessoa: [s.n.], 2013. 55 f.: il. – Orientador: Adalberto Coelho da Costa. Monografia (Graduação) – UFPB/CCS. 1. IRAS. 2. Mecanismos de resistência. 3. β-lactamases. 4. Vancomicina bactérias multirresistentes. BS/CCS/UFPB CDU: 616.98(043.2) CAMILA MARIA DE OLIVEIRA CORREIA IMPACTO DA RESISTÊNCIA BACTERIANA NO COMBATE DAS INFECÇÕES RELACIONADAS À ASSISTÊNCIA À SAÚDE Monografia apresentada em 5 de setembro de 2013, como pré-requisito para obtenção do título farmacêutico da Universidade Federal da Paraíba, submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos membros: ___________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Adalberto Coelho da Costa ___________________________________________________ Avaliadora: Profa. Dra. Edeltrudes de Oliveira Lima ___________________________________________________ Avaliadora: Profa. Dra. Islania Giselia Albuquerque Gonçalves João Pessoa – PB Setembro – 2013 seguintes Dedico este trabalho aos meus pais, José Otávio e Kátia Araçary, por todo o incentivo e a amizade. AGRADECIMENTOS Acima de tudo a Deus, fonte da vida e do amor, por me trazer a paz quando estou em momentos de ansiedade e me fazer tão paciente em momentos de desespero. Aos meus pais, José Otávio e Kátia Araçary, pela confiança e motivação dos meus estudos. Pelo empenho e total dedicação de me tornar uma pessoa melhor, independente, forte e sempre com o objetivo ajudar a quem precisa. Ao meu irmão, Luís Felipe, por estar sempre presente na minha vida. E aos meus familiares, pelo carinho e ajuda. À minha amiga, Werkuilândia (Grega), a irmã que a vida me deu, pela amizade incondicional, pelo apoio e os conselhos, pelas críticas mais construtivas. Pela paciência de me escutar e pelo ombro amigo mais presente. Aos meus amigos, pelo companheirismo, a amizade e todo o carinho nos momentos de mais angústia. Pelas ajudas que recebi em todas as dificuldades em que já passei. Aos meus colegas de turma, pela amizade de 5 anos e de uma convivência tranquila e divertida. Pela compreensão de mesmo eu sendo uma pessoa não muito sociável, fui imensamente acolhida. Ao meu orientador, Prof. Dr. Adalberto Coelho da Costa, que me amparou quando precisei, e com muita paciência e atenção, dedicou do seu valioso tempo para orientar. A todos os meus professores do ensino fundamental e médio, que fizeram com que eu me empenhasse aos meus estudos e chegasse até onde cheguei. Os meus professores do curso de Farmácia, que passaram seus conhecimentos com o objetivo de me tornar a mim e meus colegas ótimos profissionais. “Dar o exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros – é a única.” Albert Schweitzer LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AC - Ácido clavulânico ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária BGN - Bacilos Gram negativos BMR - Bactérias multirresistentes BNF - Bacilo Gram negativo classificado como não fermentador CCIH - Comissões de Controle de Infecções Hospitalares CDC - Centers for Disease Control and Prevention CECIH - Coordenações de Controle de Infecção Hospitalar do Estado CGP - Cocos Gram positivos CMCIH - Coordenações de Controle de Infecção Hospitalar do Município CVC - Cateter venoso central EPI - Equipamento de proteção individual ESBL - Betalactamases de amplo espectro FDA - Food and Drug Administration IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IH - Infecções hospitalares IMP - Imipenem resistente IPCS - Infecções primárias da corrente sanguínea IRAS - Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde ISC - Infecções do sítio cirúrgico ITU - Infecções do trato urinário associado a cateter LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde MBL - Metalo-β-lactamases MNT - Micobactérias não causadoras de tuberculose MRSA - Staphylococcus spp. resistente meticilina MS - Ministério da Saúde NNIS- National Nososcomial Infections Surveillance NDM - New Delhi Metallobetalactamase OMS - Organização Mundial de Saúde ORSA - S. aureus resistente a oxacilina OXA – Oxacilina pAmpC - AmpC plasmidiais PAV - Pneumonias hospitalares ou associadas à ventilação mecânica PBP - Proteínas ligadoras de penicilina PRSP - Penicilina resistente à Streptococcus pneumoniae PVPI - Polivinilpirrolidona iodo RDC - Resolução da Diretoria Colegiada SciELO - Scientific Electronic Library Online SCIH - Serviços de Controle de Infecção Hospitalar SHV - Sulfidril variável TEM – Temoniera UTI - Unidades de Terapia Intensiva VISA - Staphylococcus aureus com sensibilidade intermediária à vancomicina VRE - Enterococcus spp. resistente à vancomicina VRSA - Staphylococcus aureus resistente à vancomicina WHO - World Alliance for Patient Safety LISTA DE FIGURAS Figura 1. Pressão seletiva após um tratamento com a dosagem, o tempo ou concentração inadequada do antibiótico ................................................................... 22 Figura 2. Representação estrutural do antibiótico glicopeptídico vancomicina, destacando os sete aminoácidos AA-1,...,AA-7 e os cinco anéis aromáticos A, B, C, D, E presentes........................................................................................................... 24 Figura 3. Representação estrutural dos antibióticos clássicos .................................. 25 Figura 4. Mecanismo de transformação genética em bactérias ................................ 28 Figura 5. Mecanismo de conjugação em bactérias ................................................... 29 Figura 6. Microfotografia eletrônica de duas Escherichia coli em processo de conjugação ................................................................................................................ 29 Figura 7. Mecanismo de transdução ......................................................................... 30 Figura 8. Ligações entre a vancomicina e a porção D-Ala-D-Ala terminal no precursor de peptidoglicano ...................................................................................................... 38 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12 2 OBJETIVOS ....................................................................................................... 16 2.1 OBJETIVO GERAL ...................................................................................... 16 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................ 16 3 METODOLOGIA DA PESQUISA ....................................................................... 17 4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .............................................................................. 18 MECANISMO DE DEFESA BACTERIANA E RESISTÊNCIA A NTIBIÓTICOS .... 22 RESISTÊNCIAS AS BETALACTAMASES ............................................................. 32 ENZIMA KPC ......................................................................................................... 36 VANCOMICINA: MODO DE AÇÃO E RESISTÊNCIA BACTERIANA.................... 37 MICRORGANISMOS E SUA IMPORTÂNCIA CLÍNICA NAS IRAS ....................... 39 DISSEMINAÇÃO DE BACTÉRIAS MULTIRESISTENTES .................................... 41 MEDIDAS DE PREVENÇÃO E CONTROLE DAS IRAS POR MICRORGANISMOS MULTIRESUSTENTES .......................................................................................... 43 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 46 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 48 RESUMO As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) são as infecções que as pessoas adquirem enquanto estão recebendo tratamento para outra condição em um ambiente de cuidados de saúde. Quando são relatadas, essas infecções se configuram como sintomas mais evidentes da inadequação do sistema de saúde. O ambiente ocupado por pacientes colonizados ou infectados pode se tornar contaminado por bactérias e constituir um reservatório secundário, favorecendo a transmissão cruzada. Desta forma, há o surgimento de novas cepas que produzem enzimas como as β-lactamases do tipo de amplo espectro (ESBL), AmpC e carbapenemases, principalmente as NDM-1 e KPC, as quais são capazes de degradar antimicrobianos, bem como podem produzir modificações que impedem a entrada ou alteram o sítio de ação das drogas que fazem parte dos mecanismos de resistência de bactérias Gram positivas e Gram negativas. O isolamento dessas bactérias e a explanação de seus mecanismos de resistência favorecem o conhecimento sobre a atuação das bactérias multirresistentes, auxiliando as indústrias a buscarem novos antibióticos, capazes de reduzir as infecções de difícil tratamento. As estratégias que favorecem o combate às bactérias multirresistentes dispõem tanto sobre o controle de medicamentos à base de substâncias antimicrobianas, isoladas ou em associações, classificando-as sob o uso de prescrição, quanto sobre a necessidade do reforço do ato de higienizar as mãos como ação mais importante na prevenção e controle das IRAS. Palavras chave: IRAS, mecanismos de resistência, β-lactamases, vancomicina bactérias multirresistentes. ABSTRACT Healthcare-associated infections (HAIs) are infections that people get while they are receiving medical treatment for certain health condition in a healthcare environment. When reported, these infections are characterized as more obvious signs of health system inadequacy. The environment occupied by colonized or infected patients may become contaminated by bacteria and it constitutes a secondary deposit, which favors cross-transmission. Thus, there is the emergence of new strains that produce enzymes such as extended-spectrum beta-lactamases (ESBL), AmpC and carbapenemases, especially KPC-1 and NDM, which can degrade antimicrobial and produce modifications that prevent the entry or change the action site of drugs that are part of the resistance mechanisms of Gram positive and Gram negative bacteria. The isolation of these bacteria and the explanation of their resistance mechanisms promote knowledge about the performance of multi-resistant bacteria, which can help industries to seek new antibiotics that can reduce infections difficult to treat. Strategies that promote the fight against multidrug-resistant bacteria are based on controlling drugs based on antimicrobial substances, isolated or associated, classifying the use of these drugs under prescription, and as well as about the need of reinforcing the act of washing hands as the most important action in HAIs prevention and control. Keywords: HAI, mechanisms of resistance, β-lactamase, vancomycin, multiresistant bacteria. 1 INTRODUÇÃO Há uma problemática em torno das Infecções hospitalares (IH) que ainda prevalecem como um desafio à saúde pública em todo o mundo. Trata-se de uma apresentação epidemiológica com implicações econômicas e sociais graves, além da ameaça constante da disseminação de bactérias resistentes aos antibióticos (MEDEIROS; ROSENTHAL, 2010). Essas infecções somam-se às disfunções físicas e estresse emocional do paciente, podendo levar a condições incapacitantes, reduzindo a qualidade de vida e, eventualmente, levando ao aumento da letalidade. A ampliação nos custos associados à assistência à saúde é um dos efeitos, no qual o prolongamento do tempo de hospitalização do paciente com IH é um elemento importante, produzindo não só um aumento nos custos diretos como também nos indiretos, devido a perdas de dias de trabalho. Além disso, o aumento do número de drogas utilizadas, a necessidade de procedimentos de isolamento e precauções, exames laboratoriais e outros estudos diagnósticos adicionais também produzem efeitos nos custos atribuídos (GARCIA, 2006). O termo de Infecções hospitalares vem sendo substituído por Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) que abrange todos os estabelecimentos onde prestam serviço à saúde, descentralizando o foco apenas dos hospitais. Definem como infecções cuja aquisição está relacionada a um procedimento assistencial ou a internamento. Podendo ser exemplificadas como infecções do sítio cirúrgico (ISC), pneumonias hospitalares ou associadas à ventilação mecânica (PAV), infecções do trato urinário associado a cateter (ITU), infecções da corrente sanguínea associada a cateter venoso (IPCS). Em termos cronológicos, considerase quando os sintomas ocorrem 72 horas após a admissão do paciente, ou quando na admissão houver presença da infecção e um posterior agravamento ou isolamento de outro patógeno na mesma topografia (CMIRAS, 2012). A existência, no organismo dos seres humanos, de patógenos do tipo bactérias multirresistentes (BMR) capazes de participar da microbiota entérica e cutânea, e associada a procedimentos utilizados para assistência e promoção da saúde, como cateteres e sondas invasivas aumentam o risco da ocorrência de 12 infecções por BMR. Além disso, fatores como longa permanência em serviços de saúde, complexidade da assistência e maior longevidade da população também contribuem para a ocorrência de infecção e colonização por BMR. Estes estão presentes no ambiente hospitalar devido à presença de pressão seletiva dos antimicrobianos utilizados. Possuem enzimas capazes de degradar antimicrobianos e modificações capazes de impedir a entrada ou modificar o sítio de ação dos mesmos fazem parte dos mecanismos de resistência de cocos Gram positivos (CGP) e bacilos Gram negativos (BGN) (GTIRAS, 2012). São considerados, pela comunidade científica internacional, patógenos multirresistentes causadores de infecções/colonizações relacionadas à assistência em saúde: Enterococcus spp resistente aos glicopeptídeos, Staphylococcus spp. resistente ou com sensibilidade intermediária a vancomicina (VISA/VRSA) e meticilina e (MRSA), Enterobactérias Pseudomonas resistentes a aeruginosa, carbapenêmicos Acinetobacter (ertapenem, baumannii, meropenem ou imipenem) - Escherichia coli, Klebsiella spp, Enterobacter spp, Proteus spp, Citrobacter spp, entre outras (ANVISA; SESA 2010). Tem ocorrido um aumento dos casos de enterobactérias resistentes aos carbapenêmicos em vários centros brasileiros. Estas bactérias produzem uma enzima (carbapenemase) que inativa todos os antibióticos beta-lactâmicos, incluindo os carbapenêmicos. Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) é uma enzima que foi identificada inicialmente em Klebsiella pneumoniae pela primeira vez em 2001, nos Estados Unidos, mas pode ser produzida por outras enterobactérias (ANVISA, 2010). Infecções adquiridas no ambiente de assistência como diarreia, há uma tendência no aumento da incidência da doença de infecção por Clostridium difficicle. Principalmente em população pediátrica hospitalizada (DESHPANDE, 2013). Embora a grande diversidade de mecanismos de ação dos antimicrobianos, as bactérias desenvolvem meios de resistências quando expostos aos fármacos relacionados à produção de enzimas inativadoras. Estas promovem a transferência de agrupamentos químicos ou possuem atividade hidrolítica, como as conhecidas βlactamase que clivam anéis β-lactâmicos de penicilinas e cefalosporinas (WRIGHT, 2005). 13 A composição bioquímica da parede celular bacteriana também pode estar relacionada com a resistência, no qual se confere impermeabilidade a determinadas substâncias. Esta característica pode ser aumentada pela diminuição de receptores da membrana dos patógenos para antibióticos e pela existência de proteínas específicas para a exportação de substâncias nocivas ao metabolismo celular, as bombas de efluxo (OLIVEIRA; SILVA, 2008). Uma perspectiva significante é que uma cepa bacteriana pode se tornar resistente a determinado antibiótico sem a necessidade prévia do contato com a droga. São os mecanismos genéticos de resistência, podendo estar relacionados a três tipos: Resistência inerente ou intrínseca, alguns microrganismos possuem genes que lhes conferem resistência a determinado antibiótico, os quais podem ser inativos, ativos ou induzidos à ativação pela exposição a uma droga específica. A característica intrínseca está relacionada, por exemplo, a falta de um sítio de ligação para um determinado antibiótico (BERGER; MACCALLUM, 2006). Outro mecanismo é o de mutação genética, que podem ser espontâneas e que a partir de recombinações genéticas podem resultar na evolução e multiplicação de um mutante resistente. E a transferência de material genético é um mecanismo bastante considerável, pois este consiste em que as bactérias podem adquirir carga genética externa conferindo resistência pelos mecanismos de transformação (a bactéria adquire DNA livre que contém genes de resistência e o incorpora no seu próprio genoma), transdução (a bactéria atua como hospedeiro de um vírus, bacteriófago, o qual transmite genes de resistência durante seu ciclo reprodutivo), e conjugação (tipo de reprodução bacteriana em que ocorre transmissão de elementos de resistência) (BERGER; MACCALLUM, 2006). O motivo da grande problemática com a emergência dos casos de resistência bacteriana considera-se que as intervenções para o controle da disseminação devem incluir estratégias voltadas para atingir o conhecimento e o comprometimento dos profissionais da assistência à saúde e não apenas dos Serviços de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH), a detecção de pacientes com riscos (por meio da cultura de vigilância), implementação de isolamento por contato para pacientes colonizados/infectados, uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), a higienização das mãos, desinfecção de superfícies, restrição/controle do uso de 14 antimicrobianos, manutenção de um banco de dados com a identificação de todos os pacientes colonizados/infectados, além da educação do paciente e da reformulação das políticas públicas (PADOVEZE et al., 2005). Deste modo, justifica-se a realização do presente estudo pelo surgimento rotineiro das epidemias no âmbito hospitalar sendo evidenciado como um desafio considerável visto que se tornou um problema de difícil resolução, que acomete tanto os hospitais privados quanto aos públicos. Aos impactos sociais e econômicos que são proporcionalmente e potencialmente aplicáveis, devido ao aumento crescente do número de pessoas, bem como da frequência de condições de imunodepressões, com a introdução de novos patógenos e aumento da resistência dos microrganismos aos antimicrobianos. As IRAS devem ser minimizadas visando os estudos para o seu fator de acometimento, das suas complicações e do controle epidemiológico. 15 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Compreender a problemática das Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) com sua contínua emergência de microrganismos resistentes nas instituições hospitalares. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Descrever a resistência bacteriana desmistificando-a para a IRAS, seus mecanismos de ocorrência e estratégias de prevenção e controle; Apresentar os microrganismos mais evidentes nesses casos; Evidenciar o grande desafio que mobiliza órgãos nacionais e internacionais de vigilância e controle epidemiológicos através de buscas e pesquisas para a possível minimização de casos. 16 3 METODOLOGIA DA PESQUISA Este trabalho foi constituído em uma pesquisa qualitativa, realizada através de uma revisão bibliográfica literária sistemática. Abordada pela população de estudos que foram compostas por publicações nacionais e internacionais em revistas cientificas, artigos, notas técnicas e resoluções, que abordam o tema proposto. Para obtenção desses, foi utilizado o levantamento bibliográfico realizado nas bases de dados MEDLINE, LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SCIENCEDIRECT, SCIELO (Scientific Electronic Library Online), CDC (Centers for Disease Control and Prevention). As referências eletrônicas foram consultadas através da Internet e estão listadas nas referências bibliográficas. 17 4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA As IRAS são os sintomas mais evidentes da inadequação do sistema de saúde, colocando o peso de sua responsabilidade entre os profissionais e a instituição prestadora de assistência (ANVISA, 2000). São definidas, pela Portaria do Ministério da Saúde n° 2616/98, como infecções adquiridas após a admissão do paciente e que se manifesta durante a internação ou após a alta, quando relacionadas à internação ou procedimentos hospitalares. Entretanto, a ampliação do foco não restrito exclusivamente ao ambiente hospitalar se refere ao fato de que as IRAS podem ocorrer em todos os níveis de atenção à saúde, a exemplo dos ambulatórios, clínicas especializadas e assistência domiciliar. Devido a esse aspecto, o CDC, no guideline para precauções de isolamento, substitui o termo infecção hospitalar por infecções relacionadas à assistência à saúde (SIEGEL et al., 2007). Avaliar-se que mais de cinco milhões de dólares sejam gastos anualmente nos Estados Unidos, pois ocorrem mais de dois milhões de casos de infecções relacionadas à saúde, com cerca de 90 mil óbitos registrados. Nesta razão justifica o grande destaque no assunto, seja pela relevância do impacto social ou econômico (RUTALLA et al., 2006). Em 2005 no Brasil, 36% dos estabelecimentos de saúde com leitos para internação no país não fazem controle de infecção hospitalar, segundo a Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Apesar de não haver sistematização de informação sobre a incidência das IRAS, o Ministério da Saúde (MS) aponta que estas ocorram em uma taxa global de 9%, sendo que os óbitos decorrentes atingem em média 14% (IBGE, 2006; SANTOS et al., 2005). No entanto, não se trata de um fato recente. Desde a Idade Média há relatos da disseminação de infecções nas instituições que abrigavam, indiscriminadamente, sem condições sanitárias adequadas, doentes, pobres e inválidos (FONTANA, 2006). 18 As condições sanitárias dos hospitais foram melhoradas apenas no século XIX, a partir das intervenções de Florence Nightingale, que destacou a necessidade de ambientes limpos e arejados, e maior separação entre os pacientes para a recuperação da saúde. Na mesma época, por volta de 1847, foi também preconizada à higienização das mãos, por Ignaz Semmelweis, que defendia a antissepsia e pregava a lavagem das mãos antes do parto, constatando a gravidade da transmissão cruzada, antecedente à descoberta dos microrganismos. Essas intervenções constituíram as primeiras medidas de prevenção da disseminação de infecções no ambiente hospitalar (FONTANA, 2006). O próprio tratamento das doenças com técnicas cada vez mais invasivas, a exemplo das cirurgias, sem assepsia eram fontes para infecções. Ou seja, não havia garantia da ausência de microrganismos nos instrumentais. Ressalta-se que o conhecimento microbiológico foi efetivamente associado à prática hospitalar no século XX, impulsionado pelo avanço científico e tecnológico (FERNANDES, 2000). O uso clínico dos antibióticos, a partir da década de 1940, com as penicilinas, trouxe a ideia de que o problema das infecções havia sido solucionado. Entretanto, em um curto período de tempo, em 1946, já se registravam isolados bacterianos não sensíveis às penicilinas. A partir de então, com a ampla utilização dos agentes antimicrobianos, observa-se crescente emergência de resistência bacteriana para as mais diversas espécies causadoras das IRAS (FERNANDES, 2000; ROSSI; ANDREAZZI, 2005). A partir de então foram se destacando políticas e os programas para o controle das infecções relacionadas aos cuidados em saúde devido ao seu impacto nos pacientes e instituições. Na década de 1970, nos Estados Unidos, foi lançado o sistema de vigilância das infecções (National Nososcomial Infections Surveillance – NNIS), no qual informações de rotina de vigilância das IRAS eram repassadas a uma base de dados nacional, de forma voluntária entre setenta hospitais. Tais dados propiciaram a formulação de medidas de controle das infecções conforme as características locais. Desde então, vêm sofrendo modificações até os dias atuais, seja em seus critérios diagnósticos das IRAS ou medidas de prevenção em relação à emergência de pandemias mundiais (DHQP, 2004). 19 O modelo brasileiro de prevenção e controle das infecções relacionadas à atenção à saúde nasceu com a publicação da Portaria MS nº 196/83 de 24 de junho de 1983, estabelecendo a obrigatoriedade da manutenção de Comissões de Controle de Infecções Hospitalares (CCIH) para todos os hospitais do país independente da natureza jurídica. Com o falecimento do então Presidente Tancredo Neves em 1985 por infecção hospitalar, o tema adquiriu maior visibilidade, que posteriormente foi revogada e substituída pela Portaria MS nº 930/92 (ANVISA, 2005). A CCIH é um órgão de assessoria às equipes multidisciplinares de saúde, sendo atualmente normatizado e regulamentado pela Portaria nº 2.616 de 1998 do Ministério da Saúde. Esta considera as determinações da Lei nº 9.431, de 06 de janeiro de 1997, que dispõe sobre a obrigatoriedade da manutenção pelos hospitais do país, de programa de controle de infecções hospitalares, e da outras providências (BRASIL, 1998). Em setembro de 2009, foi lançada a padronização de critérios que quantificam as taxas de infecções no país. Desde setembro de 2010, por meio de um sistema informatizado, os indicadores de IPCS em pacientes em uso de cateter venoso central (CVC) em unidades de terapia intensiva (UTI) são de notificação obrigatória no âmbito nacional para alguns estabelecimentos de saúde de todo território nacional, públicos e/ou privados a ANVISA recebe as notificações provenientes dos centros de vigilância sanitárias estaduais (ANVISA, 2010). Apesar dos programas e dos esforços empregados para o controle das infecções, um grande desafio em nível mundial tem sido evidenciado pela progressão da resistência bacteriana. Há mais de duas décadas, observa-se crescente frequência de infecções por cepas bacterianas resistentes aos antimicrobianos (MEYER et al., 2006). A Organização Mundial de Saúde (OMS): o World Alliance for Patient Safety (WHO) retoma com um desafio o princípio de segurança do paciente, em relação aos desafios para o controle das IRAS e à resistência bacteriana. Considera a necessidade de um cuidado livre de contaminações, para a segurança do paciente. Este desafio é fruto da magnitude alcançada pelas infecções, associada ao cuidado em saúde em nível global, constituindo a principal ameaça à segurança do paciente 20 nesses estabelecimentos, pelas complicações, mortalidade e custos (PITTET; DONALDSON, 2005). Entre os microrganismos causadores das IRAS, as bactérias cooperam com aproximadamente 95% das infecções, com um percentual considerável de resistência aos antimicrobianos. Tais isolados bacterianos são classificados como resistentes, quando apresentam resistência a uma ou mais classes de agentes antimicrobianos. Os isolados bacterianos na forma resistente crescem mesmo em concentrações de antimicrobianos consideradas suficientes para inibir aqueles sensíveis, ou seja, crescem em doses já consideradas tóxicas. (HICPAC, 2006; WRIGHT, 2007). Essa relação é a maior preocupação recente em relação às IRAS. A transferência de microrganismos resistentes entre pacientes, possivelmente, ocorre via mãos dos profissionais de saúde, que podem se contaminar em ocasião de contato com o paciente e superfícies ambientais (SEHULSTER et al., 2004). As bactérias presentes nas mãos dividem-se em dois grupos: residentes e transitórias. As residentes se encontram abaixo das células superficiais da epiderme, a partir do nascimento, e em condições de equilíbrio não causam doenças, constituindo a microbiota normal (TORTORA, 2005; OMS, 2009). Na camada mais superficial da pele está a microbiota transitória que são facilmente removidas durante a lavagem das mãos. Geralmente não se multiplicam na pele, mas podem sobreviver, aumentando a facilidade de transferência de pessoa a pessoa, ou superfícies do ambiente (TORTORA, 2005; OMS, 2006). As UTIs são consideradas epicentros de resistência bacteriana, sendo a principal fonte de surtos de bactérias multirresistentes. O uso dos antimicrobianos pode selecionar cepas naturalmente resistentes ou aquelas previamente sensíveis, que adquiriram mecanismos de resistência. Isso ocorre através da pressão seletiva exercida pela utilização indiscriminada deste tipo de medicamento (figura 1). Além disso, o uso rotineiro de técnicas invasivas, a alta densidade de pacientes e a susceptibilidade dessa população, geralmente portadora de doenças graves, aumentam ainda mais o risco de infecção por microrganismos multirresistentes (VERMELHO; BASTOS; SÁ, 2007). 21 Figura 1. Pressão seletiva após um tratamento com a dosagem, o tempo ou concentração inadequada do antibiótico. (A) Bactérias sensíveis e resistentes a um antibiótico, (B) Bactérias resistentes, (C) Proliferação de bactérias resistentes. Fonte: ROBLES-CONTRERAS et al., 2013. A presença de bactérias resistentes, a exemplo de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), na microbiota transitória das mãos e em superfícies inanimadas do ambiente hospitalar sugere a contaminação cruzada. De modo semelhante, pode ser observada a permanência de Enterococcus spp. resistente à vancomicina (VRE) nessas superfícies por até quatro meses. A contaminação ambiental por VRE pode ser verificada em ambiente ocupado por pacientes colonizados e/ou infectados pelos microrganismos (SEHULSTER, 2004; OMS, 2006; DREES, 2008). MECANISMOS DE DEFESA BACTERIANA E RESISTÊNCIA A ANTIBIÓTICOS O uso extensivo de penicilina após a Segunda Guerra Mundial desencadeou o surgimento das primeiras cepas de bactérias Gram positivas não susceptíveis a antibióticos penicilínicos, conhecidos como PRSP (penicilina resistente a Streptococcus pneumoniae). Desde seu aparecimento, a resistência bacteriana apresenta prevalência crescente nos estabelecimentos de saúde (HICPAC, 2006; SILVEIRA, 2006). Da mesma forma, os antibióticos lançados no mercado nos anos seguintes, como os análogos penicilínicos, meticilina e cefalosporina, além de tetraciclinas e eritromicinas, aos poucos foram se tornando limitados, devido ao desenvolvimento 22 de resistência múltipla em cepas de enterococos e estafilococos infecciosos (SILVEIRA, 2006). A apresentação de mecanismos de resistência pelas bactérias foi provavelmente favorecida pelo uso inadequado dos antimicrobianos. Por volta das décadas de 60 e 70, o uso indiscriminado das penicilinas semissintéticas e das penicilinas de espectro ampliado e cefalosporinas favoreceu a emergência de MRSA. Sendo seu primeiro registro ocorrido nos EUA, em 1968. Em 1999, o NNIS registrou que mais de 50% dos isolados de S. aureus de pacientes em UTI constituíam MRSA. A crescente prevalência também se destaca com VRE, que entre 1990 e 1997 aumentou de menos de 1% para 15%. Em 2003, o NNIS registrou 28,5%. Para Pseudomonas aeruginosa, entre 1999 e 2003 houve um aumento de 23% para 29,5% de resistência as fluorquinolonas em UTI (FERNANDES, 2000; ROSSI; ANDREAZZI, 2005; HICPAC, 2006). Em 2006, nos EUA 55% das infecções causadas por S. aureus estão relacionadas à MRSA. Na França, o isolamento de bactérias resistentes varia de 30% a 40%, podendo atingir uma porcentagem de até 78% nas unidades de cuidados intensivos (GALLOISY-GUIBAL, 2006). Em 1956, a última linha de defesa contra a ameaça do S. aureus surgiu a partir da descoberta da vancomicina (Figura 2), um antibiótico glicopeptídico isolado do fungo Amycolatopsis orientalis. Com o nome originado da expressão inglesa “to vanquish” (aniquilar, destruir), vancomicina tornou-se quase uma lenda devido a seu excelente desempenho frente a cepas de MRSA. O antibiótico glicopeptídico é ativo primariamente contra cocos Gram positivos, sendo eficaz contra S. aureus, S. epidermidis, Clostridium difficile e Corynebacterium sp., mas não possui atividade contra bactérias Gram negativas e micobactérias (SILVEIRA, 2006). 23 Figura 2. Representação estrutural do antibiótico glicopeptídico vancomicina, destacando os sete aminoácidos AA-1,...,AA-7 e os cinco anéis aromáticos A, B, C, D, E presentes. Fonte: SILVEIRA, 2006. Sua disponibilidade para uso clínico ocorreu em 1958, após aprovação pela agência norte-americana reguladora de fármacos e alimentos (Food and Drug Administration - FDA). Nesta mesma época, outros agentes contra estafilococos como cefalosporinas, meticilina, tetraciclina e eritromicina A também passaram a ser utilizados, recebendo uma aceitação clínica maior que a vancomicina, sobretudo devido aos aparentes efeitos de toxicidade desta última. Avanços em processos de fermentação microbiológica e técnicas de separação permitiram a produção de vancomicina com alta pureza, resultando na eliminação de muitos dos seus efeitos colaterais. Com a incidência crescente de resistência bacteriana frente aos outros agentes quimioterápicos (Figura 3), o emprego clínico da vancomicina foi difundido e sua obtenção tornou-se objeto de grande interesse (SILVEIRA, 2006). 24 Figura 3. Representação estrutural dos antibióticos clássicos Fonte: SILVEIRA, 2006. Entretanto, esta supremacia começou a sofrer abalos com o aparecimento das primeiras cepas de VRE. Apesar da natureza não patogênica dos enterococos com relação a pessoas sadias, o surgimento em 1988 dos primeiros casos de resistência destas bactérias causou enorme alarme, pois os enterococos são capazes de infectar pacientes imunodeficientes. A ocorrência de colonização intestinal de VRE em pacientes com longos períodos de internação em hospitais pode não resultar em sintomas infecciosos, mas servirá de reservatório para transmissão a outros pacientes. A bactéria pode espalhar-se pelo contato direto ou indireto dentro de uma clínica de saúde ou hospital, bem como através de profissionais de saúde que trabalham em mais de uma instituição, e ainda por pacientes que são transferidos e que já haviam sido infectados. Em uma situação mais preocupante, os genes causadores de resistência à vancomicina presentes nos VRE foram transmitidos para estafilococos do tipo MRSA, sendo conhecidos como VRSA (S. aureus resistentes à vancomicina) (PATEL; KAUFFMAN, 2003). 25 O termo bactéria multiresistente é usado para determinar os organismos resistentes a um número expressivo de antimicrobianos. As expressões de resistências em bactérias podem ser originadas de diversas formas, como por exemplo, o uso inadequado de antimicrobianos (DIENSTMANN, 2010). A resistência a antimicrobianos está intrinsecamente associada à expressão fenotípica pelos organismos procariontes, que pode ser: resistência intrínseca, adquirida ou susceptibilidade. Convencionalmente, o aparecimento de bactérias resistentes a antibióticos pode ser considerado como uma manifestação natural regida pelo princípio evolutivo da adaptação genética de organismos a mudanças no seu meio ambiente. Como o tempo de duplicação das bactérias pode ser de apenas 20 minutos, existe a possibilidade de serem produzidas muitas gerações em apenas algumas horas, havendo, portanto, inúmeras oportunidades para uma adaptação evolutiva (SILVEIRA, 2006). A resistência intrínseca faz parte das características fenotípicas do microrganismo, ou seja, faz parte de sua herança genética sendo transmitida verticalmente sem a perda da característica. O principal determinante deste tipo de resistência é a presença ou ausência do alvo para a ação da droga. Um exemplo são os organismos do gênero Enterobacter, naturalmente resistentes a cefoxitina, sendo tal fenótipo oriundo da produção de uma β-lactamase. Vale ressaltar, que por ser previsível, a resistência intrínseca não apresenta qualquer risco ao tratamento terapêutico, basta conhecer o agente etiológico da infecção e os mecanismos de ação do fármaco (DEL FILHO; CAVALLO, 2008). A resistência adquirida aos antibióticos, por sua vez, ocorre quando há o aparecimento de resistência em uma espécie bacteriana anteriormente sensível a droga, resultante da mutação de genes reguladores ou estruturais, aquisição de genes de resistência veiculados por elementos genéticos móveis ou da combinação entre eles (GOLD, 1996). Os genes de resistência quase sempre fazem parte do DNA de plasmídeos extracromossômicos, que podem ser transferidos entre microrganismos. Alguns genes de resistência fazem parte de unidades de DNA denominadas transposons que se movem entre cromossomos e plasmídeos transmissíveis (ANVISA, 2010). 26 A frequência de mutações espontâneas para determinado gene em populações bacterianas é extremamente baixa, sendo de aproximadamente uma por 106-108 células por divisão. Desta forma, a probabilidade é de que uma célula em cada 10 milhões irá, ao dividir-se, produzir uma célula-filha contendo uma mutação em determinado gene. Todavia, como é possível haver um número de células maior que este em uma infecção, a probabilidade de uma mutação produzir reversão sensibilidade e resistência a determinados fármacos pode ser muito alta em algumas espécies de bactérias (WALSH, 2000). Apesar da presença de poucos microrganismos geneticamente modificados não ser suficiente para produzir resistência, se uma população bacteriana infecciosa contendo alguns mutantes resistentes a determinado antibiótico for exposta a este fármaco, os genotipicamente alterados terão maior vantagem seletiva. Na maioria dos casos, a drástica redução da população bacteriana obtida pelo agente quimioterápico permite que as defesas naturais do hospedeiro possam lidar efetivamente com os patógenos invasores. Entretanto, isso não ocorrerá se a infecção for causada por uma população de bactérias inteiramente resistentes ao fármaco ou se as defesas humanas estiverem momentaneamente deficientes (WALSH, 2000). Populações sensíveis podem adquirir resistência pela transferência de material genético de outras bactérias resistentes, por meio da transformação, conjugação ou transdução com transposons. Este processo facilita a incorporação de genes, codificadores de resistência aos diversos antimicrobianos, para o genoma de uma bactéria sensível ou seu plasmídeo, tornando-a multirresistente (TENOVER, 2006). Transformação é o mecanismo de captação do material genético que está disperso no meio devido a uma lise celular, e é inserido ao genoma de uma célula bacteriana receptora, seja no cromossoma ou no plasmídeo (Figura 4). Para que o processo ocorra, é necessário que a célula encontre-se competente, ou seja, que apresente sítios de superfície para a ligação do DNA da célula doadora, e forneça uma membrana em uma condição que permita a passagem do plasmídeo (VERMELHO; BASTOS; SÁ, 2007). 27 Figura 4. Mecanismo de transformação genética em bactérias Fonte: VERMELHO; BASTOS; SÁ, 2007, p. 473. Na conjugação (Figura 5 e 6), geralmente ocorre à transferência do DNA do plasmídeo, designado fator F, de uma célula bacteriana para outra. Pode ocorrer entre diferentes espécies e gêneros. Nas bactérias Gram negativas, o plasmídeo transporta genes que codificam a síntese de pili sexuais, isto é, projeções da célula doadora que entram em contato com a receptora. No ambiente hospitalar, entre bactérias de importância epidemiológica essa transferência de material genético possivelmente favorece a aquisição de múltiplos genes de resistência (VERMELHO; BASTOS; SÁ, 2007). 28 FIGURA 5. Mecanismo de conjugação em bactérias Fonte: VERMELHO; BASTOS; SÁ, 2007, p. 485. FIGURA 6. Microfotografia eletrônica de duas Escherichia coli em processo de conjugação Fonte: <http://migre.me/fRSXp> Na transdução (Figura 7), há transferência de material genético entre bactérias por meio de um bacteriófago; vírus que se replica em bactérias, 29 constituindo vetor para transferência de genes entre elas (VERMELHO; BASTOS, SÁ, 2007). FIGURA 7. Mecanismo de transdução Fonte: VERMELHO; BASTOS; SÁ, 2007, p. 496. A colonização e/ou infecção de pacientes por mais de um tipo de microrganismo resistente, como observado no cotidiano das unidades de isolamento em UTI podem constituir um meio adequado para transferência de genes codificadores para resistência entre patógenos, favorecendo a multirresistência (SILVEIRA, 2006). A resistência aos antibióticos β-lactâmicos podem ser resultado de existência de bombas de efluxo, modificações do alvo do antibiótico, impermeabilidade da 30 membrana citoplasmática ou por inativação enzimática do antibiótico (NIKAIDO, 2009). As bombas de efluxo constituem-se no mecanismo mediador caracterizado pelo bombeamento ativo de antimicrobianos do meio intracelular para o extracelular, fazendo com que a retirada do antibiótico para o meio extracelular seja mais rápida que a sua difusão pela membrana bacteriana, mantendo uma concentração insuficiente para atuar como bloqueador de funções celulares. Como é o caso da resistência às tetraciclinas codificada por plasmídeos em Escherichia coli, devido à presença de proteínas integrantes da membrana plasmática bacteriana, e Pseudomonas aeruginosa, que apresentam mais de uma família de proteína de bomba de efluxo (PIDDOCK, 2006). O aumento da síntese de proteínas é o principal responsável pela resistência antimicrobiana devido às várias mutações que ocorrem em seus repressores transcricionais. Tais mutações podem levar também a um aumento da eficiência do transporte dos antibióticos para o exterior da célula (HARBOTTLE, 2006). Na modificação do alvo, as bactérias tornam-se resistentes através de substituições de aminoácidos nas proteínas ligadoras de penicilina (penicillin-binding protein - PBP) tornando-as menos susceptíveis a ligação com o agente antimicrobiano. A modificação dos aminoácidos pode ocorrer por aquisição de novas PBP; presença de proteínas provenientes da recombinação entre genes codificadores de PBP associadas a expressão de susceptibilidade ou devido a hiperprodução da proteína, gerando aumento do nível de resistência aos antibióticos β-lactâmicos. A modificação do alvo é um mecanismo de resistência frequente em bactérias Gram positivas, apesar de relatos envolvendo também bactérias Gram negativas (GEORGOPAPADAKPU; LIU, 1980). Há também outros tipos de alteração do alvo, como mutação da DNA girase, que confere resistência aos quinolônicos, mutação dos ribossomos e constituintes da parede celular, são estruturalmente modificados a partir de genes que os expressam, afetando o reconhecimento do fármaco pelo alvo e diminuindo sua potência. Pode ser associada à diminuição da permeabilidade que ocorre na membrana externa das bactérias Gram negativas. O fluxo de moléculas para o interior da célula ocorre por características peculiares como carga, estrutura e 31 dimensão e através de proteínas de membrana, as quais formam canais. Os antibióticos utilizam este percurso para atingir o interior da célula bacteriana ou o espaço periplasmático como é o caso dos antibióticos β-lactâmicos. Desta forma, a perda de função destas proteínas, pode efetivamente causar a diminuição da susceptibilidade a vários antibióticos (KAYABAS, 2008). A inativação enzimática do antibiótico é o mecanismo mais importante de resistência contra agentes betalactâmicos. É produzido pelas bactérias que constituem genes codificadores de enzimas que causam a destruição do antibiótico, como a betalactamase. Esta enzima possui atividade hidrolítica e inativam uma variedade de antibióticos β-lactâmicos como, por exemplo, as cefalosporinas e penicilinas, tornando a bactéria produtora da enzima resistente a antimicrobianos potentes (JARVIS, 2004). Utilizando um destes mecanismos, ou uma combinação deles, cepas de bactérias vêm debelando até os antibióticos mais promissores, independente da classe química as quais pertençam (SILVEIRA, 2006). RESISTÊNCIAS AOS BETALÂCTAMICOS Os betalactâmicos - penicilinas, cefalosporinas, monobactâmicos e carbapenêmicos - ainda hoje são muito utilizados, em razão da sua efetividade, baixo custo e efeitos adversos mínimos. Constituem uma grande família de diferentes grupos de compostos contendo um anel betalactâmico em sua estrutura. Atuam na formação da parede celular bacteriana, conferindo ligações mais fracas no peptídeoglicano, resultando em lise celular (WILK; LOVERING; STRYNADKA, 2005). As β-lactamases se constituem numa família relativamente complexa de enzimas as quais apresentam diversidade considerável conforme antibiótico. São de origem genética (cromossômica ou plasmidial), bem como, sua sensibilidade a compostos inibidores destas enzimas, ácido clavulânico (AC) e EDTA (HICPAC, 2006). 32 A classificação das β-lactamases mais utilizada atualmente é a de Bush, Jacoby e Medeiros que distingue as enzimas conforme suas preferências pelos substratos e de acordo com seu perfil de inibição (AC e EDTA). Assim, as βlactamases podem ser divididas em 4 grandes grupos, sendo que alguns tipos específicos são mais comuns em Enterobactérias. Entre as mais comuns destacamse as β-lactamases do Grupo 1 (AmpC) que são enzimas induzíveis, não inibidas por EDTA e AC. E o Grupo 2be que são os produtores de betalactamases de amplo espectro (Extended-spectrum beta-lactamase - ESBL), não induzíveis e inibidas por AC (OLIVEIRA, 2008). Para o controle dos microrganismos resistentes nos estabelecimentos de saúde, atenção especial deve ser conferida ao controle de MRSA e VRE, e de certos BGN, inclusive os ESBL, e A. baumannii, devido à frequência de resistência destes aos principais antimicrobianos disponíveis (HICPAC, 2006). As ESBLs são enzimas transmitidas ou codificadas por plasmídeos, como as famílias: Temoniera (TEM), Sulfidril variável (SHV) e Oxacilina (OXA), variantes mais isoladas atualmente, apesar do surgimento de outros tipos. Como resultados mais de 370 variantes naturais de ESBLs diferentes são conhecidas atualmente (STÜRENBURG, 2005). A K. pneumoniae é a espécie entre as Enterobacteriaceae que apresenta a maior diversidade de fenótipos de resistência associados a produção de ESBL, e onde estas enzimas são mais comumente encontradas (STÜRENBURG, 2005). Os carbapenêmicos (imipenem, meropenem) não apresenta hidrólise por betalactamases devido à sua diferente configuração estereoquímica no anel lactâmico. Neste caso tornam-se uma escolha para tratamento de infecções por espécies produtoras de ESBL. No entanto, o imipenem pode ser hidrolisado por todos os tipos de metalo-β-lactamases (MBL) produzidas por algumas bactérias Gram negativas, a exemplo de A. baumannii e P. aeruginosa (BORGMANN et al., 2004; KATZUNG, 2005). As enzimas carbapenemases são usualmente capazes de hidrolisar não só carbapenêmicos, mas também os demais betalactâmicos. Três grandes classes de carbapenemases são encontradas atualmente em enterobactérias no mundo inteiro: as MBL, sendo os tipos IMP (imipenem resistente), VIM e NDM (New Delhi Metallo33 β-lactamase) as mais frequente detectadas em enterobactérias; as OXAcarbapenemases; e as carbapenemases do tipo KPC. Indiscutivelmente, do ponto de vista epidemiológico são de extrema relevância as carbapenemases do tipo KPC e as do tipo NDM, pois ambas apresentaram rápida e ampla disseminação mundial (ANVISA, 2013). Existem dois tipos de enzimas que hidrolisam os carbapenêmicos, são: enzimas serinas, que possuem uma fração serina no seu sítio ativo (classes A, C e D), de acordo com Ambler (1980), e por um mecanismo de hidrólise, inativa a droga por romper o anel β-lactâmico; e MBLs (classe B), que requerem cátions divalentes, geralmente o zinco, como cofator metálico para a atividade enzimática. Observa-se que elas podem ser inibidas pelo ácido etilenodiamino tetraacético (EDTA), assim, como outros agentes quelantes de íons divalentes (WALSH et al., 2005). NDM-1 foi identificada pela primeira vez em 2008 na Suécia, em um paciente com uma ascendente hospitalização na Índia. O paciente foi colonizado com K. pneumoniae e uma E. coli transportando o gene bla NDM-1 em plasmídeos transmissíveis (YONG et al., 2009). A rápida disseminação da NDM-1 é destacada pela fluidez e rapidez de transferência de genes entre espécies bacterianas. O bla NDM-1 foi inicialmente mapeado dos plasmídeos isolados a partir de E. coli e K. pneumoniae carbapenêmicos resistentes, os relatos de expressão tanto cromossômica do plasmídeo e bla NDM-1 foram observados em outras espécies de enterobactérias, bem como Acinetobacter spp. e P. aeruginosa (PATEL; BONOMO, 2013). Atualmente, existem sete variantes (NDM-1 a NDM-7), sendo a NDM-1 continua sendo a mais comumente isolada. Uma avaliação recente da construção genética associada com bla NDM-1 levou à descoberta de uma nova proteína de resistência a bleomicina, a BRPMBL. Avaliação dos 23 isolados de NDM-1 em Enterobacteriaceae e A. baumannii observou que a esmagadora maioria deles possuía um novo gene de resistência a bleomicina (PATEL; BONOMO, 2013). A falta de medicamentos eficazes contra NDM-1 exige um esforço contínuo de investigação para resolver este problema. Uma maneira eficiente é descobrir inibidores NDM-1, que podem proteger os antibióticos β-lactâmicos a partir do efeito da hidrólise da enzima, recuperando assim há potência antibacteriana. Com base 34 na determinação da atividade biológica e simulação molecular sobre mecanismo inibitório, derivados do ácido tiofeno-carboxílico foram descobertos como sendo inibidores de NDM-1, e a atividade inibidora foi demonstrada pelo in vitro de inibição enzimática. Efeito sinérgico destes inibidores em combinação com meropenem contra E. coli que expressam NDM-1 foi também comprovada pela determinação dos valores de concentração inibitória mínima (SHEN et al.,2013). As β-lactamases tipo AmpC são enzimas produzidas por genes de localização cromossômica ou plasmidial e conferem resistência às cefalosporinas de terceira geração, como cefotaxima, ceftazidima e ceftriaxona e aos inibidores das βlactamases. Esses tipos de enzimas são descritos hoje em nove tipos enzimáticos diferentes (NORDAMNN; MAMMERI, 2007; TOLENTINO, 2009) Os genes AmpC plasmidiais (pAmpC) são derivados dos genes cromossômicos de várias espécies da família Enterobactericeae. Estão normalmente localizados em integrons de classe I, em plasmídeos onde também são encontrados os genes que determinam a resistência para outras drogas como quinolonas e sulfas, além de genes para a produção ESBL de diferentes tipos. Cepas produtoras de pAmpC são normalmente multirresistentes e encontram-se disseminadas dentro e fora do ambiente hospitalar através de transmissão horizontal (HANSON, 2008; ALVAREZ, 2004). Nas enterobactérias a produção de enzimas é induzida pelo próprio antimicrobiano β-lactâmico podendo ocasionar a falência terapêutica, mesmo que a bactéria tenha sido originalmente considerada sensível ao antibiótico no teste de sensibilidade in vitro (OLIVEIRA, 2008). As principais moléculas inibidoras de β-lactamases, clavulanato, sulbactam e tazobactam geralmente não conseguem inibir as enzimas AmpC de maneira adequada para que o β-lactâmico consiga agir. Além disso, o AC é um forte indutor dessas enzimas (OLIVEIRA, 2008). Independentemente do mecanismo de produção de AmpC (induzível ou mutação), os isolados produtores permanecem sensíveis aos carbapenêmicos, que não sofrem a ação direta dessas enzimas. Porém pode ocorrer resistência decorrente da perda de porinas (OLIVEIRA, 2008). 35 A dificuldade de detecção fenotípica das cepas produtoras de pAmpC impede a estimativa da prevalência destas enzimas, sendo uma barreira para o controle da sua disseminação. Assim, a investigação molecular da produção de AmpC plasmidial é um importante instrumento para se conhecer a diversidade dos mecanismos de resistência apresentados por cepas de importância clínica (DIAS, 2008). ENZIMA KPC A Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) possui a capacidade de inativar inúmeros agentes antimicrobianos e atualmente é apontada como causadora principal de certas infecções devido à resistência que confere aos medicamentos. Segundo dados da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), entre 2009 e 2010 foram relatados diversos casos em hospitais do Espírito Santo; Goiás; Minas Gerais; Santa Catarina; Distrito Federal e São Paulo. Devido sua localização em plasmídio, o grupo KPC possui alto potencial de disseminação, sendo mais frequente em bactéria K. pneumoniae que apresenta grande capacidade de acumular e transferir genes de resistência o que dificulta o controle de epidemias e proporciona elevação nas taxas de mortalidade (ANVISA,2010). Klebsiella pneumoniae é um bacilo Gram negativo, membro da família Enterobacteriaceae, encontrado em locais como água, solo, plantas e esgoto. Sua colonização em seres humanos provavelmente ocorre por contato com as diversas fontes ambientais e pode ser encontrada colonizando a orofaringe e fezes de pessoas sadias, já no organismo de pessoas imunocomprometidas esta bactéria encontra um ambiente propício para seu crescimento, levando aos quadros de infecção (DESIMONI, 2004). A K. pneumoniae KPC é uma bactéria que expressa resistência até 95% dos antimicrobianos existentes no mercado farmacêutico, sendo uma das principais causas de falha terapêutica (BRADFORD, 2001). Os infectologistas afirmam que maioria das infecções associadas à enterobactéria produtora da enzima KPC ocorre em pacientes imunodeprimidos 36 hospitalizados e/ou com dispositivos invasivos como cateter, sonda, pulsão venosa periférica ou em outra situação que possa favorecer a infecção bacteriana (MARCHAIM, 2008). A bactéria KPC tem um gene chamado SHV-1 que a torna resistente a quase todos os tipos de antimicrobianos, inclusive os carbapenêmicos, específicos para emergências e tratamento de infecções por BMR. A bactéria pode já ter no seu código genético a informação necessária para o desenvolvimento da resistência, mas este mecanismo não se expressa a não ser que a bactéria entre em contato com o antibacteriano, desencadeando todo o processo, nos casos de resistência induzida, comuns em KPC (DEL PELOSO, 2010). Outro mecanismo de resistência surge, ocasionalmente, da combinação de impermeabilidade da membrana com β-lactamase cromossômicas (AmpC) ou de amplo espectro (ESBL) (ANVISA, 2013). VANCOMICINA: MODO DE AÇÃO E RESISTÊNCIA BACTERIANA Apesar das recentes incidências de resistência de enterococos e estafilococos a antibióticos glicopeptídicos, a vancomicina (Figura 2) e o antibiótico relacionado teicoplanina, isolado de Actinoplanes teichomyceticus, ainda são considerados como os recursos mais adequados para tratamento de infecções causadas por bactérias Gram positivas. Da mesma maneira que os antibióticos penicilínicos, a vancomicina afeta o metabolismo de construção da parede celular das bactérias. Para tanto, ela liga-se na porção terminal D-Ala-D-Ala de um pentapeptídeo encontrado em precursores de peptidoglicano, interferindo na etapa de transpeptidação (BOGER et al.; CHIOSIS; EGGERT, 2001). A resistência bacteriana à vancomicina ocorre através da modificação genética em microrganismos, que como resultado passam a sintetizar o depsipeptídeo D-Ala-D-Lac ao invés do dipeptídeo D-Ala-D-Ala. A modificação do aminoácido terminal D-alanina por D-lactato introduz uma interação eletrostática repulsiva no lugar da ligação de hidrogênio (Figura 8). Em consequência, a afinidade 37 da vancomicina com a camada de peptidoglicano diminui em um fator superior a 1000 vezes (MCCOMAS, 2003). Figura 8. (a) Ligações entre a vancomicina e a porção D-Ala-D-Ala terminal no precursor de peptidoglicano. (b) Interação eletrostática repulsiva entre a vancomicina e a porção modificada D-AlaD-Lac do peptidoglicano. Fonte: SILVEIRA, 2006. Embora a origem da sensibilidade de enterococos frente à teicoplanina envolva mecanismos diferentes daquele da vancomicina, essas características de sensibilidade e resistência frente aos dois glicopeptídeos servem como base para uma classificação clínica. Cepas que são resistentes à vancomicina e teicoplanina são classificadas como VanA, já aquelas que são resistentes à vancomicina, mas sensíveis à teicoplanina, são classificadas como VanB. Existe ainda uma terceira categoria de cepas de enterococos classificados como VanC, apresentando resistência modesta frente a vancomicina a partir de efeitos ainda pouco elucidados. Diferente das cepas VanA e VanB, onde o mecanismo de resistência à vancomicina ocorre pela formação de uma unidade terminal D-Ala-D-Lac, as do tipo VanC possuem a porção terminal do peptidoglicano modificada para D-Ala-D-Ser, causando diminuição da afinidade da vancomicina pela parede celular ainda em formação (MCCOMAS, 2003; SÜSSMUTH, 2002). 38 As estratégias que buscam superar a resistência bacteriana frente a vancomicina e a outros antibióticos glicopeptídicos foram inicialmente concentradas na obtenção de novas substâncias possuindo alta afinidade pela porção terminal DAla-D-Ala e modificada D-Ala-D-Lac presentes, respectivamente, em bactérias susceptíveis e resistentes à vancomicina, a fim de impedir a biossíntese do peptidoglicano e bloquear a construção da parede celular (SILVEIRA, 2006). Portanto, o descobrimento de novos agentes antibacterianos ativos contra cepas de VRE e VRSA vem sendo realizado principalmente a partir de modificações químicas sobre a estrutura da vancomicina ou teicoplanina, bem como pela preparação de análogos de glicopeptídeos mais simples. Basicamente, as principais transformações químicas direcionadas para a obtenção de novos antibacterianos podem ser classificadas em quatro categorias: compostos estruturalmente relacionados à vancomicina e glicopeptídeos; análogos de glicopeptídeos estruturalmente mais simples; pequenas moléculas atuando em sinergia com vancomicina; e heterociclos estruturalmente diversos de origem natural ou sintética (SILVEIRA, 2006). Poucos agentes estão em estágios avançados de desenvolvimento, com comprovada in vitro atividade carbapenemase. Estes incluem contra inibidores organismos de β-lactamase, produtores de aminoglicósidos, derivados de derivados de polimixina, bem como novas monobactamas e monobactamas-β-lactamase combinações de inibidor (PATEL; BONOMO, 2013). MICRORGANISMOS E SUA IMPORTÂNCIA CLÍNICA NAS IRAS Indivíduos sadios são colonizados intermitentemente por S. aureus desde a amamentação, e podem albergar o microrganismo na nasofaringe, ocasionalmente na pele e raramente na vagina. A partir desses sítios, o S. aureus pode contaminar a pele e membranas mucosas do paciente, objetos inanimados ou outros pacientes por contato direto ou por aerossol, ocasionando infecções letais por conta dos fatores de virulência ou através de resistência aos antimicrobianos atualmente utilizados (ANVISA, 2013). 39 Recentemente tem sido relatada a emergência de S. aureus associado a infecções na comunidade com resistência a oxacilina (ORSA-AC), porém sensível à maioria das classes de antibióticos, exceto a betalactâmicos, representados por penicilinas e cefalosporinas, contrapondo ao ORSA hospitalar que é multirresistente. Tal emergência vem preocupando, pois essas linhagens são conhecidas por apresentarem fatores de virulência como a citotoxina, denominada leucocidina de Panton Valentine, associados principalmente a lesões de pele e mucosas e às pneumonias necrotizantes graves (ANVISA, 2013). Os Enterococos mais comumente isolados são: Enterococcus faecalis (90% dos casos) e Enterococcus faecium, com grande capacidade de colonização de pacientes e de contaminarem superfícies ou equipamentos utilizados em hospitais. Possuem sensibilidade ou resistência variável aos antibióticos glicopeptídicos (ANVISA, 2013). A família Enterobacteriaceae é constituída por um grande grupo de bacilos Gram negativos, classificados atualmente em 44 gêneros, 176 espécies e quatro grupos entéricos ainda não nomeados. As enterobactérias estão amplamente distribuídas na natureza e são encontradas no solo, água, frutas, vegetais e produtos de origem animal. São associados a doenças diarreicas, infecções em feridas e queimaduras, infecção no trato urinário e respiratório, septicemia e meningite, sendo responsáveis por cerca de 70% das infecções urinárias e 50% das septicemias (ANVISA, 2013). Nas infecções relacionadas à assistência à saúde, os gêneros e espécies predominantemente isolados, representando 99% das enterobactérias de importância clínica, são: E. coli, Salmonella spp., Klebsiella spp., Enterobacter spp., Serratia marcescens, Proteus spp., Morganella morgannii, Citrobacter spp., e Providencia spp (ANVISA, 2013). Os bacilos Gram negativos classificados como não fermentadores (BNFs) são microrganismos aeróbios, não esporulados, que se caracterizam por serem de grande importância nos casos de IRAS. P. aeruginosa e A. baumannii na atualidade estão entre as bactérias mais isoladas em hemoculturas e amostras do trato respiratório. No entanto, os demais BNFs representam um percentual pequeno de isolamentos, quando comparados com outros agentes etiológicos, mas alguns deles 40 apresentam resistência elevada a vários antibióticos (complexo Burkholderia cepacia e Stenotrophomonas maltophilia) e são capazes de causar infecções graves. (ANVISA, 2013). Hoje se sabe que as infecções por Clostridium são menos frequentes que as infecções provocadas por outros gêneros de bactérias anaeróbias. Como as bactérias anaeróbias facultativas e aeróbias estritas favorecem a multiplicação dos anaeróbios, por consumirem o oxigênio existente no local e por produzirem alguns fatores de crescimento como substâncias secundárias do seu metabolismo (por exemplo, Staphylococcus sp. produz vitamina K), a maior parte das infecções por bactérias anaeróbias estritas são infecções mistas. Assim, são frequentes as infecções conjuntas com Enterobactérias, Streptococcus sp. e S. aureus (ANVISA, 2013). Recentemente muitos casos de infecções causadas por micobactérias não causadoras de tuberculose – MNT, em pacientes submetidos a procedimentos invasivos têm sido descritos. Geralmente estão envolvidas as espécies de crescimento rápido como Mycobacterium fortuitum, M. abscessus e M. chelonaee os procedimentos variam desde cirurgias estéticas, oftalmológicas e cardíacas, acupuntura, práticas de pedicuro, até o uso de medicamentos injetáveis (ANVISA, 2013). DISSEMINAÇÃO DE BACTÉRIAS MULTIRESISTENTES Os microrganismos podem sobreviver em condições ambientais diversas. Em ambientes com pacientes imunocomprometidos, como na UTI, a contaminação das superfícies ambientais tem sido frequentemente associada ao maior risco de aquisição de MRSA e VRE em situações endêmicas, enquanto nos surtos destacam-se por BNFs resistentes aos carbapenêmicos. Nos surtos e nas situações endêmicas, já foram observados casos de similaridade dos isolados bacterianos presentes em pacientes e superfícies ambientais, reforçando a alegação de disseminação de microrganismos entre paciente e ambiente (KAYABAS, 2008). 41 A P. aeruginosa é comum em locais úmidos, podendo sobreviver em sabões e desinfetantes. Raramente causa infecções em pessoas saudáveis. Entretanto, é uma das principais causas de infecções, inclusive pneumonias, pois estas colonizam e causam infecções oportunistas, especialmente em pacientes graves oriundos de UTI e submetidos a procedimentos invasivos (ADACHI, 2009). O A. baumannii pode ser encontrado em diversos ambientes: solo, água, animais e humanos. No entanto, no ambiente hospitalar verifica-se a presença deste microrganismo em ferimentos traumáticos, corrente sanguínea e pneumonia associada à ventilação mecânica, principalmente em UTI (GIAMARELLOU, 2008). Desde a descrição inicial de KPC no Brasil, várias publicações têm demonstrado a sua disseminação em todo o país, e sua presença em diversos gêneros e espécies. A disseminação de enterobactérias produtoras de KPC é um grave problema clínico e epidemiológico em diversas instituições de saúde brasileiras (MONTEIRO, 2009). Casos esporádicos de K. pneumoniae produtoras da metalo-betalactamase IMP-1 também foram reportados. Até o primeiro trimestre de 2013, não houve relatos da detecção de enzimas do tipo OXA-48 no Brasil. A NDM desde a sua identificação em 2008 tem sido amplamente descrita em enterobactérias. Recentemente foram detectados casos de microrganismos produtores de NDM-1 no estado do Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre (ANVISA, 2013). A detecção desses casos aponta uma oportunidade para controle da disseminação desse tipo de mecanismo de resistência no Brasil. Esse controle só poderá ser alcançado com um grande esforço multidisciplinar, que inclui, além de outras medidas, detecção precoce de pacientes colonizados, a implementação de precauções de contato e de tratamento adequado (ANVISA, 2013). Em análise da disseminação de VRE, por meio da cultura de pacientes, superfícies e mãos e/ou luvas de profissionais antes e após procedimentos, verificou-se que a taxa de transferência do microrganismo foi de 10,6% entre superfícies e pacientes. Além das culturas de pacientes, a sequência dos locais tocados pelos profissionais foi monitorada por cultivo de amostras dessas superfícies e das mãos deles. Observou-se a transferência de VRE de superfícies contaminadas para aquelas limpas por mãos de profissionais (DUCKRO, 2005). 42 De modo semelhante, foram observados isolados idênticos de A. baumannii em secreções, ambiente e nas mãos de profissionais com resistência às cefalosporinas e carbapenêmicos (EL SHAFIE; ALISHAQ; GARCIA, 2004). Nesse aspecto, a recuperação dos microrganismos de superfícies inanimadas do ambiente hospitalar constitui uma grande preocupação, pois advém daí a possibilidade de sobrevivência de microrganismos, a exemplo do MRSA, VRE e Clostridium difficile, em áreas clínicas por períodos variados, podendo permanecer viáveis por dias, semanas ou meses (SEXTON et al., 2006; BOYCE, 2007). MEDIDAS DE PREVENÇÃO E CONTROLE DAS IRAS POR MICRORGANISMOS MULTIRRESISTENTES De acordo com a Nota Técnica da ANVISA Nº. 01/2013: Medidas de prevenção e controle de infecções por enterobactérias multirresistentes, a terapêutica para infecções por enterobactérias multirresistentes se baseia na utilização de Polimixina B ou Polimixina E (Colistina) em associação com um ou mais dos antimicrobianos: - Aminoglicosídeos (gentamicina ou amicacina) - Carbapenêmicos (meropenem ou doripenem) - Tigeciclina Sempre usando associações de dois ou três antimicrobianos, sendo um deles a Polimixina B ou a colistina. Evitando a utilização de monoterapias pelo risco de rápido desenvolvimento de resistência. A escolha do(s) fármaco(s) de associação devem se basear, preferencialmente, no perfil de susceptibilidade esperado aos referidos medicamentos das enterobactérias resistentes aos carbapenêmicos detectados. Considerando igualmente o local de infecção e a penetração esperada do antimicrobiano na escolha da droga a ser utilizada na combinação (ANVISA, 2013). A estratégia Global da OMS para a contenção da resistência microbiana oferece uma série de recomendações que auxiliam os países a definir e implementar 43 políticas nacionais projetadas para manter a eficácia antimicrobiana. Mais do que uma ação isolada de profissionais, o combate à resistência microbiana é um processo que envolve vários agentes que devem atuar de forma compassada. Médicos, enfermeiros, farmacêuticos, microbiologistas e outros profissionais de saúde devem mobilizar suas habilidades para encontrar soluções criativas e eficazes na tentativa de minimizar o problema da resistência microbiana (WHO, 2000). A estratégia que favorece o combate à resistência e promove o uso racional de medicamentos foi estabelecido pela RDC Nº. 20/2011, que dispõe sobre o controle de medicamentos à base de substâncias classificadas como antimicrobianos de uso sob prescrição, isolados ou em associações (CRF-SP; OPAS, 2011). A RDC N°. 50, de 21 de fevereiro de 2002, da ANVISA/MS, dispõe sobre Normas e Projetos Físicos de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde, definindo, dentre outras, a necessidade de lavatórios/pias para a higienização das mãos. Esses instrumentos normativos reforçam o ato da higienização das mãos como ação mais importante na prevenção e controle das IRAS (ANVISA, 2010). Vários antissépticos e sabonetes associados a estes podem ser utilizados na higienização das mãos durante o cuidado de pacientes colonizados e/ou infectados com microrganismos multirresistentes, como clorexidina, Polivinilpirrolidona iodo – PVPI, triclosan e álcool (MARTRO, 2003). Vários estudos in vitro, utilizando diferentes cepas de bactérias Gram positivas (MRSA, VRE) e Gram negativas (Acinetobacter spp., P. aeruginosa), mostraram que apesar de resistentes aos antibióticos essas bactérias permanecem sensíveis aos antissépticos utilizados na higienização das mãos. Afirmando que não existe uma correlação direta entre resistência bacteriana a antimicrobianos e resistência a antissépticos (MARTRO, 2003; KÕLJALG et al.,2002). Uma vez detectado um microrganismo multirresistente através da participação do laboratório, a comunicação deverá ser realizada imediatamente aos responsáveis pela tomada de decisão no âmbito do serviço de saúde, em geral ao profissional assistente e à CCIH que deverá adotar as medidas de prevenção e controle e às Coordenações de Controle de Infecção Hospitalar do Estado (CECIH), Município (CMCIH), Distrito Federal e à ANVISA. Para a notificação desse agravo deve-se 44 utilizar a ferramenta eletrônica, disponível no portal eletrônico do DATASUS. O acesso às informações da notificação está permitido somente às CECIH, que efetivaram o Cadastramento Nacional junto à ANVISA (ANVISA, 2013). As cepas envolvidas no caso ou agregado de casos ou surto, em que haja suspeita de produção de carbapenemases, deverão ser enviadas ao Laboratório Central de Saúde Pública do estado para confirmação e análise molecular (ANVISA, 2013). Os gestores do serviço de saúde e do laboratório possuem papéis determinantes sobre as medidas técnicas e administrativas de prevenção e controle das infecções no ambiente hospitalar, devendo direcionar os esforços, juntamente aos demais trabalhadores de saúde, para garantir a identificação precoce, a correta precaução padrão e a limpeza do ambiente (ANVISA, 2013). 45 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo sobre os mecanismos de resistência bacteriana é de extrema importância e bastante relevante, pois possibilita a elucidação das direções estratégicas que irão ajudar na redução e erradicação das IRAS. É fundamental a participação dos laboratórios na identificação das cepas causadoras dos surtos, uma vez que os microrganismos sejam esclarecidos, há uma melhor possibilidade ao tratamento proposto diminuindo o uso inadequado dos antibióticos. Atualmente há o interesse de isolamento destas bactérias e explanação dos mecanismos de resistência pelas indústrias que buscam incessantemente novos antibióticos potentes para esses microrganismos mais resistentes. A via mais comum de disseminação das IRAS ocorre através da contaminação de patógenos entre as mãos de profissionais de saúde e pacientes. No entanto, o ambiente hospitalar pode contribuir para a disseminação destes. Geralmente, o ambiente ocupado por pacientes colonizados e/ou infectados pode tornar-se contaminado, e as superfícies inanimadas tanto quanto os equipamentos são possíveis fontes de bactérias, principalmente as resistentes. Os mais adequados recursos para a terapêutica que haviam sido utilizados para diversas bactérias já possuem certa resistência de alguns microrganismos que sofreram adaptações ao longo do seu uso, a exemplo do surgimento da vancomicina para as infecções de bactérias Gram positivas e o nascimento das VRE e VRSA. A ampla versatilidade da resistência bacteriana mostra a necessidade de restringir ao máximo o uso de antibióticos, bem como a realização de ações que visam prevenir as infecções. A prevenção é a arma principal no combate das infecções associada à assistência à saúde, já que o tratamento é complexo. Desta forma, profissionais de saúde devem tomar certos cuidados quanto à higienização das mãos, assim como os visitantes. O isolamento de pacientes com suspeita de contaminação e a preocupação com a limpeza dos locais são as providencias a serem tomadas para evitar a disseminação das BMRs, principalmente com expressão do fenótipo KPC e NDM-1, na UTI devido aos pacientes imunocomprometidos ou nos locais de atendimento ambulatorial. 46 O controle de infecções nos serviços de saúde, além de atender às exigências legais e éticas, concorre também para melhoria da qualidade no atendimento e assistência ao paciente. As vantagens destas práticas são inquestionáveis, desde a redução da morbidade e mortalidade dos pacientes até a redução de custos associados ao tratamento dos quadros infecciosos. 47 REFERÊNCIAS ADACHI, J. A. et al. The role of interventional molecular epidemiology in controlling clusters of multidrug resistant Pseudomonas aeruginosa in critically ill cancer patients. American Journal of Infection Control, St. Louis, v.37, p.442-446, 2009. ALVAREZ, M. et al. Epidemiology of conjugative plasmidmediated AmpC betalactamases in the United States. Antimicrob Agents Chemother. v.48, n.2, p.533537, 2004. ANVISA. Curso Básico de Controle de Infecção Hospitalar. Brasília, DF, 2000. Caderno A. Epidemiologia para o Controle de Infecção Hospitalar. ______. GGTES/UIPEA. Indicadores Nacionais de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde. Brasília, DF, set. 2010. ______. Microbiologia Clínica Para o Controle de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde. Brasília, DF, 2013. 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