A última arma contra a resistência bacteriana Descoberta em 1949, a colistina é um dos mais poderosos antibióticos no combate às infecções por micro-organismos da família Enterobacteriaceae, assim como dos gêneros Pseudomonas sp e Acinetobacter sp. Mas, por sua elevada toxicidade – que pode causar danos renais e ototóxicos – seu uso médico foi abandonado entre os anos 70 e 2000, com o emprego da droga ficando restrito à veterinária. Desde 2010, entretanto, a colistina voltou a ser usada em tratamentos médicos como última alternativa terapêutica contra bactérias Gram negativas multirresistentes em infecções hospitalares. Desde então, tem sido verificando que, em doses adequadas, a colistina é menos tóxica do que se acreditava. O problema é que em países como Espanha, Itália e África do Sul começam a surgir os primeiros registros de resistência à colistina – o que representa um grande risco de epidemias de infecções hospitalares nesses países. É sobre esse assunto que o Dr. Laurent Poirel, pesquisador da Universidade de Friburgo (Suíça), internacionalmente reconhecido por seu trabalho nas áreas de biologia molecular e resistência a antimicrobianos, falará durante a palestra 'The new emerging problem of colistin resistance’, a ser proferida durante o XXVIII Congresso Brasileiro de Microbiologia, entre 18 e 22 de outubro, em Florianópolis. Em entrevista à Micro in foco, ele adiantou alguns dos tópicos que pautarão sua fala durante o evento. Quais são os primeiros indícios de resistência à colistina? Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que, até o momento, as pesquisas indicam que o desenvolvimento de resistência bacteriana à colistina é um processo difícil. Por isso, não acreditamos em uma explosão repentina da resistência a esse antibiótico, o que é uma ótima notícia. A segunda boa notícia é que, quando essa resistência acontece, a bactéria costuma se enfraquecer e perder boa parte de seu potencial patogênico. Ainda assim, como o tema da resistência tem sido muito pesquisado, começaram a surgir relatos em países como Itália, Espanha e África do Sul – um quadro bastante preocupante, pelo risco de que as infecções hospitalares se transformem em epidemias de difícil controle, pela inexistência de novas alternativas de antibióticos. Quais são os obstáculos para o desenvolvimento de uma nova classe de antibióticos mais potente contra essas bactérias? Atualmente, as novas moléculas que têm surgido são apenas evolução de moléculas já estudadas – o que representa um incremento limitado na eficácia contra bactérias já resistentes aos antibióticos disponíveis. Para desenvolver um novo antibiótico, é preciso identificar novos alvos – diferentes de alvos clássicos como a ação contra a membrana citoplasmática ou a inibição da síntese proteica. O problema é que há cerca de 15 anos a indústria farmacêutica não vem investindo em pesquisas nessa área, considerada pouco rentável. Atualmente, com a crescente resistência bacteriana aos antibióticos, nos damos conta das consequências dessa decisão. Esse quadro tem começado a mudar, mas até que as novas pesquisas na área rendam medicamentos de uso seguro para os pacientes, serão necessários muitos anos. O que é possível fazer para manter as infecções sob controle enquanto esses novos antibióticos não são criados? Há duas coisas a fazer. A primeira é que os laboratórios de microbiologia dos hospitais disponham de métodos de diagnóstico rápidos e precisos para identificar as infecções hospitalares o mais cedo possível. Isso é essencial para o segundo passo, que é garantir que as equipes de saúde possam isolar os pacientes infectados com bactérias multirresistentes para evitar a disseminação da infecção e o surgimento de uma epidemia. O seguimento rigoroso das medidas de higiene já conhecidas pelas equipes médicas é crucial para evitar esse quadro enquanto há tempo, pois há países em que esse tempo já passou. É o caso de locais como Índia e Grécia, onde o problema de resistência bacteriana a antibióticos já não é considerado epidêmico, mas endêmico.