TÍTULO: PERFIL DE RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA DE ISOLADOS BACTERIANOS DE INFECÇÕES CLÍNICAS DO HOSPITAL VETERINÁRIO ANHEMBI MORUMBI CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE SUBÁREA: MEDICINA VETERINÁRIA INSTITUIÇÃO: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI AUTOR(ES): RAQUEL REZENDE DE CARVALHO ORIENTADOR(ES): MÁRCIO ANTÔNIO BATISTELA MOREIRA COLABORADOR(ES): JULIANA POSSATTO TAKAHASHI, LIVIA MENDES MIRANDA, NATASHA DASCENCZE BALESTERO RESUMO O uso inadequado dos antimicrobianos no tratamento de infecções bacterianas é bastante discutido, pois pode colaborar para o desenvolvimento de resistência bacteriana em animais e no homem. Os exames para identificação bacteriana e antibiogramas são pouco utilizados pelo Clínico Veterinário para direcionamento dos tratamentos das infecções bacterianas, sendo assim, o uso de antibióticos de amplo espectro é cada vez mais realizado e, na maioria das vezes, sem necessidade. Este trabalho ressalta a importância da identificação bacteriana e a realização de antibiogramas para a escolha do agente antimicrobiano apropriado no tratamento das principais afecções atendidas na área de Medicina Veterinária. Obtivemos 203 casos de animais que mostraram crescimento bacteriano (85 de infecções do trato urinário, 77 otológicas e 41 de feridas de pele), tendo com maior frequência as bactérias Staphylococcus spp., Escherichia coli, Proteus spp. e Pseudomonas spp. Palavras-chave: resistência bacteriana, antibióticos, cepas multirresistentes. INTRODUÇÃO Os agentes antimicrobianos são utilizados para o tratamento de doenças infecciosas. As infecções por bactérias ou outros patógenos ocorrem quando esses organismos penetram em locais anatômicos que normalmente são estéreis, conseguem escapar de serem destruídos por respostas do sistema imunológico local não-específico e, ainda, podem se replicar. As infecções também podem ocorrer em locais não estéreis, resultado da multiplicação elevada de microrganismos que normalmente colonizam locais patogênicos (BLONDEAU, 2009). As doenças infecciosas dos animais de companhia (cães e gatos) representam um problema clínico e econômico bastante importante para os médicos veterinários e seus tutores (BLONDEAU, 2009). Dentre as preocupações, está a resistência bacteriana, pois envolve várias espécies de microrganismos e seus mecanismos de resistência (GUARDABASSI et al. 2004, MENDES et al. 2005). Conforme descrito na literatura existe um risco potencial de resistência entre determinadas drogas tanto em humanos como em animais devido à falta de conscientização e o uso indiscriminado dos antimicrobianos, levando a aumentar as taxas de resistência (SEGUIN et al., 1999; COELHO et al., 2007; SOARES et al., 2008; UMBER e BENDER, 2009; WANNAMACHER, 2004). A grande maioria dos pacientes é tratada com antibióticos de amplo espectro sem real necessidade uma vez que a identificação das bactérias e dos antimicrobianos é primordial para o sucesso do tratamento, evitando assim a emergência de cepas multirresistentes (GUARDABASSI et al. 2004, GUARDABASSI et al. 2008, CLARKE, 2006). Segundo BLONDEAU (2009), devemos ter como objetivo a prevenção da resistência bacteriana para que em longo prazo os antimicrobianos tenham viabilidade nos tratamentos desenvolvidos, pois nós, atualmente, temos cada vez menos agentes antimicrobianos em desenvolvimento clínico. O aumento no número de infecções por estafilococos coagulase-negativos (ECN) e sua frequente resistência à meticilina vem se tornando uma grande dificuldade no controle das afecções por este agente (PALAZZO & DARINI, 2006; RATTI, 2009). O uso inadequado de antibióticos em determinado paciente pode diminuir a eficácia em outros pacientes devido à seleção de cepas resistentes (COHEN, 1992). Portanto, para compreender a resistência bacteriana é necessário entender as novas abordagens de Concentração de Prevenção de Mutação (Mutant Prevention Concentration – MPC) e Concentração Inibitória Mínima (Minimum Inhibitory Concentration – MIC) descritas por BLONDEAU (2009). OBJETIVOS Avaliar retrospectivamente os isolados bacterianos provenientes de diversos processos infecciosos, quanto à sua suscetibilidade e resistência, dos pacientes atendidos na rotina do Hospital Veterinário Anhembi Morumbi, através da consulta aos prontuários clínicos e livros de registro do Laboratório de Patologia Clínica. METODOLOGIA Foi realizada a consulta aos prontuários clínicos e livros de registro do Laboratório de Patologia Clínica do Hospital Veterinário Anhembi Morumbi para avaliar retrospectivamente os casos de infecções bacterianas e antibiogramas dos animais atendidos no Hospital Veterinário. Foram avaliados 203 casos provenientes de pacientes caninos e felinos, machos e fêmeas, sendo 85 de infecções do trato urinário, 77 infecções otológicas e 41 de feridas de pele. As amostras foram analisadas no Laboratório de Patologia Clínica. As amostras de urina foram obtidas através da cistocentese. Nos casos de feridas de pele, as amostras foram coletadas por swab ou biópsia. E nos casos otológicos, também foram utilizados o swab. Para isolar os agentes microbianos foram utilizados primeiramente os meios de cultura Ágar Sangue, Ágar MacConkey, Ágar Sal Manitol e Meio de Rugai e Araújo Modificado por Pessoa e Silva®. A identificação dos microrganismos foi realizada segundo as características culturais, morfológicas e bioquímicas (Carter, 1988). Para os testes de sensibilidade aos antimicrobianos foi utilizado o Ágar Mueller-Hinton, sendo utilizadas de três a cinco colônias para a semeadura. A concentração bacteriana utilizada foi a turbidez da escala 0,5 de McFarland e a espessura da camada de ágar na placa de cinco milímetros (5mm). Antes do uso, a placa e os frascos contendo os discos de antibióticos foram mantidos em temperatura ambiente por até 20 minutos, sendo a colocação dos discos de antibióticos nas placas realizadas logo em seguida. Foram utilizados de seis a 12 discos por placa na temperatura de incubação de 37ºC. A leitura da placa foi realizada após 24 horas de incubação. As amostras foram testadas quanto à suscetibilidade a antibióticos por difusão em disco de ágar in vitro (Bauer et al. 1966) utilizando-se discos de antibióticos segundo indicações terapêuticas para cada local específico de infecção, ou de acordo com o tratamento adotado na rotina, principalmente nos casos de infecções recorrentes, isso justifica a escolha dos antibióticos em diferentes frequências. Os antibióticos testados para casos de infecções do trato urinário foram: ampicilina 10mcg, amicacina 30mcg, amoxacilina 30mcg, amoxacilina associada ao ácido clavulânico 10mcg, azitromicina 15mcg, cefalexina 30mcg, ceftiofur 30mcg, cloranfenicol 30mcg, ciprofloxacina 5mcg, clindamicina 2mcg, enrofloxacina 5mcg, doxiciclina 30mcg, gentamicina 10mcg, nitrofurantoína 300mcg, norfloxacina 5mcg, sulfametoxazol associada ao trimetoprim 25mcg e, por fim, tetraciclina 30mcg. Nos casos de infecções otológicas: cloranfenicol 30mcg, ciprofloxacina 5mcg, enrofloxacina 5mcg, gentamicina 10mcg, neomicina 30mcg, norfloxacina 5mcg, polimixina B 300mcg e tobramicina 10mcg. E nos casos de feridas de pele: amicacina 30mcg, amoxacilina 30mcg, amoxacilina associada ao ácido clavulânico 10mcg, bacitracina 0,04U; cefalexina 30mcg, ceftiofur 30mcg, cloranfenicol 30mcg, ciprofloxacina 5mcg, clindamicina 2mcg, doxiciclina 30mcg, enrofloxacina 5mcg, gentamicina 10mcg, neomicina 30mcg, norfloxacina 5mcg, rifampicina 30mcg, sulfametoxazol associada ao trimetoprim 25mcg e tobramicina 10mcg. Nos casos de Staphylococcus spp. foram testadas a oxacilina 1mcg e a vancomicina 30mcg. As zonas de inibição dos antibióticos foram interpretadas de acordo com o Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI 2013). DESENVOLVIMENTO O presente trabalho encontra-se no estágio de conclusão de dados coletados em prontuários e laudos laboratoriais do Hospital Veterinário Anhembi Morumbi. RESULTADOS Dos 203 casos estudados 42% (85/203) foram isolados de infecções do trato urinário, 38% (77/203) de casos otológicos e 20% (41/203) de feridas de pele. Os agentes bacterianos encontrados com maior frequência em todas as infecções foram Staphylococcus spp., Escherichia coli, Proteus spp. Nos casos otológicos também obteve-se infecções causadas por Pseudomonas spp. Nas infecções do trato urinário a maior frequencia identificada foram os casos de Escherichia coli 39% (33/85), seguida de Staphylococcus spp 32% (27/85), e Proteus spp 9% (8/85). Em relação aos agentes antimicrobianos testados encontramos os seguintes resultados em relação a resistência. O destaque para os antimicrobianos que apresentaram maior resistência ao agente E. coli foram a Clindamicina 2 mcg 100% (21/21), a Amoxicilina 10 mcg 64% (7/11), a Ampicilina 10 mcg 61% (11/18) e a amoxacilina associada ao ácido clavulânico 10mcg 55% (11/20). Nos casos do agente Staphylococcus spp os antimicrobianos encontrados que ofereceram maior resistência foram a Tetraciclina 30 mcg 100% (10/10 casos), a Azitromicina 15 mcg 82% (14/17 casos), Ciprofloxacina 5 mcg 75% (15/20 casos), Oxacilina 1 mcg 75% (6/8 casos), Sulfametoxazol/Trimetoprim 25 mcg 75% (12/16 casos) e Clindamicina 2 mcg 71% (12/17 casos). Nos casos do agente Proteus spp. os antimicrobianos com maior incidência de resistência igualmente com 100% foram a Ampicilina 10 mcg (4/4), Amoxicilina 10 mcg (4/4), Azitromicina 15 mcg (7/7) e a Clindamicina 2 mcg (7/7). A Tetraciclina 30 mcg 67% (4/6) e a amoxacilina associada ao ácido clavulânico 10mcg 57% (4/7). Nas infecções otológicas o agente com a maior ocorrência foi o Staphylococcus spp.53% (41/77), seguido pelo Proteus spp. 19% (15/77) e a Pseudomonas spp. 16% (12/77). O antimicrobiano que ofereceu maior resistência ao Staphylococcus spp. foi a Ciprofloxacina 5 mcg 65% (15/23) seguida pela Norfloxacina 5 mcg 60% (14/23) e da Tobramicina 10mcg 56% (18/32). Nos casos do agente Proteus spp. a maior resistência bacteriana identificada foi a Polimixina B 300 mcg 88% (8/9), em segundo a Neomicina 30 mcg 69% (9/13) e o Cloranfenicol 30 mcg 54% (6/11). Em relação a Pseudomonas spp o antibiotico identificado com a maior resistência nos casos analisados foi o Cloranfenicol 30 mcg 100% (4/4), em seguida a Neomicina 30 mcg 87% (7/8), e a Enrofloxacina 5 mcg 60% (6/10). Nas infecções de pele o agente com maior ocorrência foi o Staphylococcus spp. 59% (24/41), em segundo o Proteus spp. 20% (8/41) e a E. coli 10% (4/41). Os antibióticos com maior resistência em relação as infecções causadas pelo Staphylococcus spp. foram a Clindamicina 2 mcg e o Sulfametoxazol/Trimetoprim 25 mcg 86% (19/22). A Norfloxacina 5 mcg 85% (18/21) e a Ciprofloxacina 5 mcg 82% (19/23). A bactéria Proteus spp. se mostrou resistente a Bacitracina 0.04 U e a Neomicina 30 mcg 100% (3/3 e 2/2). A Amoxicilina 10 mcg 75% (3/4) e a Cefalexina 30 mcg 67% (4/6). A E. coli ofereceu resistência de 100% aos seguintes antibióticos: Amoxicilina 10 mcg (3/3), amoxacilina associada ao ácido clavulânico 10mcg (4/4), Cefalexina 30 mcg (4/4), Clindamicina 2 mcg (3/3), Sulfametoxazol/Trimetoprim 25 mcg (4/4) e, a Doxiciclina 30mcg (3/3). Em seguida temos a Enrofloxacina 5 mcg 75% (3/4) e, depois com 66% (2/3) temos a Bacitracina 0.04 U, a Norfloxacina 5 mcg e a Rifampicina 30 mcg. CONSIDERAÇÕES FINAIS Identificamos nas infecções TUIs uma prevalência de resistência bacteriana in vitro para os principais antimicrobianos normalmente prescritos (amoxicilina, amoxicilina / ácido clavulânico) Nos casos de infecções otológicas as bacterias identificadas Staphylococcus spp. e Pseudomonas spp. estão entre as mais frequentes isoladas em otites e o Proteus spp.. O Cloranfenicol mostrou-se resistente às cepas gram negativas podendo indicar o inicio de um mecanismo de resistência. Nos casos de infecções de pele as bactérias gram negativas identificadas foram resistentes à bacitracina, neomicina, amoxicilina e amoxacilina / ácido clavulânico que comumente são medicamentos utilizados na clínica. Os resultados obtidos nos mostram a importância do antibiograma e da identificação dos agentes etiológicos para um tratamento mais direcionado. O presente estudo pode nos direcionar para uma melhor investigação de infecções mistas, pois existe a necessidade de controlarmos a difusão da resistência antimicrobiana. FONTES CONSULTADAS BAUER A.W., KIRBY, W.M.M., SHERRIS J.C. & TURCK, M. 1966. Antibiotic susceptibility testing by a standardized single disk method. Am. J. Clin.Pathol. 45:493-496. BLONDEAU, J.M. STAT: Steps to antimicrobial therapy – Strategies to optimize therapy and minimize resistance when treating bacterial infections. 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