A mononucleose infecciosa é causada pelo vírus de Esptein Barr, um vírus herpes DNA, que afecta com maior frequência adolescentes e adultos jovens activos, estando presente num grande número de indivíduos, de forma quase assintomática, devido à variabilidade da resposta imunitária à infecção. Os seus sintomas são geralmente cefaleias, fadiga, anorexia, náuseas, sensação de malestar geral, odinofagia e raramente mialgias. A transmissão do vírus ocorre através de secreções corporais, primariamente orofaríngeas, tendo ficado conhecida como “ doença do beijinho”. Outros modos de transmissão são o espirro, a partilha de copos ou comida, a via sexual em alguns casos e, muito rara- Mononucleose em Atletas » Rev Medic Desp in forma, 1 (5), pp.15-17, 2010 Dr. Luís Sousa e Silva | Licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa , prática em Medicina Interna e Medicina Desportiva, Santarém abstract A mononucleose é uma doença infecciosa causada pelo vírus Epstein Barr, que afecta com grande frequência adolescentes e jovens adultos activos, nomeadamente os que estão sujeitos a um treino excessivo e violento. Uma das complicações que exige maior preocupação é a ruptura esplénica, sendo uma das razões pelas quais os atletas estão afastados da actividade física por um período de pelo menos quatro semanas, avaliando-se posteriormente caso a caso o seu regresso. 2 e qual a sua Fisiopatologia? tema O que é a Mononucleose Infecciosa Mononucleosis is an infectious disease caused by the Epstein Barr Virus that frequently affects active adolescents and young adults, particularly those who are subject to excessive and strenuous exercise. One of the complications that require great concern is spleen rupture. This is the reason why athletes are recommended to refrain from physical activity for a period of at least four weeks, followed by evaluation for return to activity on a case-by-case basis. palavras-chave keywords Mononucleose; Esplenomegália; Recuperação (Mononucleosis; Splenomegaly; Recovery) mente, através de transfusão sanguínea. A infecção vai espalhar-se por todo o sistema reticular endotelial. Como diagnosticar a doença? Pode ainda verificar-se, embora de forma mais rara, hepatomegália, icterícia, edema periorbitário, adenopatias generalizadas e eritema rubeliforme. O coração, os pulmões, o sistema gastrointestinal baixo e as articulações raramente estão envolvidos. A MI implica um diagnóstico baseado na Parâmetros Clínicos combinação meticulosa da história clínica do paciente, na realização de exames físicos Epstein-Barr CMV Toxoplasmose Hepatite Viral Fadiga +++ + +/- + Mal Estar Geral ++ + - + Dores de Garganta + + +/- +/- Rash maculopapular precoce ± - - +/- Adenopatia Unilateral precoce - - + - complicado detectá-la nesta fase. Após este Adenopatia Cervical Bilateral Posterior + + - +/- período desenvolve-se uma resposta inten- Hepatomegália Suave +/- +/- - + sa, mediada pelas células T, coincidindo com Esplenomegália + +/- +/- - o aparecimento de sintomas. Numa fase ini- Leucócitos N*/- N/- N ¯ cial os doentes queixam-se de cefaleias, mal- Transaminases Elevadas ++ + +/- +++ e de testes laboratoriais serológicos correctamente seleccionados. O período de incubação da doença é bastante longo, cerca de Sintomas 30 a 50 dias, fazendo com que seja bastante estar, mialgia e anorexia, seguido por fadiga Linfocitose Atípica ( 10%) + + - - Trombocitopénia +/- +/- - +/- las, febre, cefaleias e linfoadenopatia cervical Ac IgM CMV - + - - posterior. Em cerca de 80% dos pacientes Ac IgM EBV VCA + - - - acentuada, aumento do volume das amígda- Alterações Laboratoriais desenvolve-se faringite, em 50% esplenomegália e em 25% petéquias do palato mole. Aproximadamente 50% dos pacientes com sintomas sugestivos de MI e um teste positivo a anticorpos heterófilos devem ser sujeitos a exames laboratoriais adicionais para confirmação correcta e precisa do diagnóstico. Esta avaliação geralmente revela leucocitose durante a primeira semana, em cerca de 59 % dos pacientes existe ligeira trombocitopénia e em mais de 80% as transaminases hepáticas estão aumentadas na segunda ou terceira semana da doença. Um senão deste tipo de exames é a questão dos anticorpos heterófilos apenas se detectarem em 60 % dos doentes com MI, e estarem presentes em mais algumas doenças, tais como linfomas, hepatites e doenças auto-imunes, pelo que poderá haver resultados falsos Fig.1 -Exemplo de linfoadenopatia sub-maxilar positivos. Pode também dar-se o caso de haver falsos negativos, que são mais frequentes na Revista de Medicina Desportiva in forma * Setembro 2010 15 primeira semana da doença. Em qualquer um dos casos, é sempre indicada a repetição dos testes laboratoriais. Estão indicados testes com maior especificidade para EBV tais como VCA (viral capsid antigen), anticorpos EBV IgG e VCA- IgM. Complicações tema 2 De entre as complicações mais sérias da MI está a ruptura esplénica, a anemia aplástica, a síndrome de Guillian Barré, as meningites Fig. 3. Diferença entre a eficácia do sistema imunitário no exercício e encefalites, o linfoma, a síndrome da ureia hemolítica e a dissemi- f ísico moderado e intenso nação da coagulação intravascular. Duas das complicações mais co- (Pedersen B. K, Friman G, Wesslén L., O Exercício e as doenças in- muns com que são confrontados os clínicos de medicina desportiva fecciosas pág. 366 – Compêndio de medicina desportiva) são as faringites severas com aumento tonsilar e a esplenomegália complicada, que pode evoluir para ruptura. É de relembrar que os factores mais importantes no combate aos vírus são precisamente as células NK, os linfócitos B e T, os interferões, os macrófagos, os polimorfonucleares e o sistema do complemento, sendo todos os elementos biológicos afectados durante o exercício físico intenso. Em contrapartida, a actividade física moderada melhora as funções imunitárias e diminui o risco de infecções do tracto respiratório superior. O aumento das imunoglobulinas séricas, da actividade das células NK, sem o efeito potencialmente supressor Fig. 2 - Baço normal vs Esplonomegália | http://medlineplus.gov do cortisol e epinefrina, serão os factores protectores em causa. Os desportistas têm maior propensão para contrair infecções, não Haverá uma maior incidência de MI em atletas? só pelos factores que foram referidos anteriormente, mas também Actualmente não há dados suficientes que permitam estabelecer pelas próprias condições vivenciais da prática desportiva, tais como uma relação de estreita proximidade entre atletas e a MI, no entanto a convivência em comunidade, o estreito contacto físico que a é de esperar que exista uma maior ocorrência em atletas com treino maioria dos desportos implica, o maior número de lesões muco- excessivo. Bateman et al. realizaram um estudo prospectivo da in- cutâneas, a partilha de roupas e objectos pessoais, a frequência de cidência dos sintomas das infecções do tracto respiratório superior locais húmidos e quentes, viagens frequentes, maior facilidade de em 150 corredores seleccionados de forma aleatória, que tomaram relações sexuais ocasionais, e a passagem por momentos de stress o parte numa corrida de 56 km. As incidências foram comparadas que leva a uma imunodepressão, entre outros. com controlos equivalentes que não corriam. Os sintomas das infecções ocorrerem em 33% dos corredores em comparação com Influência na actividade física 15% dos controlos e eram mais comuns naqueles que obtiveram os As infecções virais podem afectar a massa muscular do atleta. Al- melhores tempos de corrida. guns estudos mostraram diminuição do rendimento, da força mus- Habitualmente a prática de exercício físico regular e moderado cular e da capacidade cardíaca durante a infecção viral aguda. Con- está associada a uma melhoria na saúde em vários aspectos, tais tinuar a treinar durante a infecção poderá levar a maior redução da como melhor controlo dos valores de pressão arterial, diminuição capacidade, da precisão motora, a complicações e a outras lesões. dos níveis de colesterol, maior tolerância à glicose, diminuição de 16 peso, entre outros. No entanto sabe-se que o exercício físico inten- Recuperação da Mononucleose em atletas so e regular pode levar à imunossupressão e ao aumento da suscepti- A maioria dos pacientes que contrai MI recupera na totalidade bilidade a infecções. Facto este que se explica pela movimentação dos sem complicações acrescidas, mas poderão ocorrer numa pequena leucócitos, durante a actividade física, para o sangue e, imediatamen- percentagem. Alguns atletas levam cerca de três meses até recupe- te após este exercício intenso (> 75% do VO2 máx) de longa duração rarem totalmente. É importante que o médico afaste o atleta total- ( >1hora ), o sistema imunitário fica debilitado durante horas ou por mente da sua prática desportiva, que esteja atento ao aparecimen- vezes dias; assim, neste período, a concentração de linfócitos diminui to de possíveis complicações e que elabore um plano consistente e, por consequência, a capacidade de estes se deslocarem para o local de regresso à vida desportiva. A complicação mais preocupante e de infecção fica reduzida. Para além disto, os níveis de IgA e as célu- potencialmente fatal para os atletas com MI e especialmente para las NK (Natural Killer) diminuem durante o exercício físico intenso e aqueles que praticam desportos de contacto é a ruptura do baço. existe aumento do cortisol plasmático e hipoglutaminémia Caracteriza-se por dor abdominal, localizada no quadrante supe- Setembro 2010 * www.revdesportiva.pt seguida foi pedida a sorologia para VEB e piração profunda, com irradiação até ao do por Goodman et al., os praticantes de para outras doenças infecciosas. Apenas ombro, e ser seguida por choque e hipovo- desporto devem ser relembrados que atra- se apresenta este caso porque, no controle lémia. É esta fragilidade do órgão que dita vés da sua participação durante a doença evolutivo, ao 3º e 5º dias houve progres- o afastamento absoluto dos atletas durante outros atletas poderão estar em risco de a siva melhoria das plaquetas, mas com pelo menos três semanas quando a doença contrair. Um outro factor importante a ter acentuação habitual da inversão da fór- evolui normalmente, mas existem relatos em conta no momento da decisão do retor- mula leucocitária, com leucocitose, maior em a ruptura do baço aconteceu após sete no é se a síndrome viral que o atleta sofreu neutropénia e linfocitose, e aumento das semanas. A incidência da ruptura do baço se resolveu de modo suficiente de modo a transaminases, apresentando ao 5º dia os é entre 1 a 2 doentes em cada 1000 casos prevenir a recaída. O vírus EBV pode tor- seguintes valores: leucócitos 11.900 c/ 22% e, habitualmente, acontece entre os dias 4 e nar-se latente no corpo humano, mas não de neutrófilos e 52% de linfócitos, bilirru- 21 da fase de doença aguda. se pode afirmar que exista infecção crónica bina total igual a 4,1 mg/dl, com a directa Os doentes devem ser impedidos de reali- pelo EBV. O que pode acontecer é que o igual 2,68 mg/dl e TGO igual a 628 UI/L zarem qualquer desporto violento até que o retorno demasiado precoce origine a reca- e TGP igual a 957 UI/L. A 15/02/2010 baço volte às dimensões normais e deixe de ída dos sintomas, tais como fadiga incapa- pelo exposto e pela intensidade do envol- ser palpável, sendo que por vezes o exame citante, linfoadenopatia e esplenomegália. vimento hepático e pela esplenomegália objectivo não é suficiente, recorrendo-se Pode haver produção inadequada de IgG já dolorosa espontaneamente, foi sujeito então à ecografia, que é um método efi- e a existência de doença posterior, esforços a internamento hospitalar. Efectuou Eco ciente e preciso, o qual permite determinar físicos exacerbados, nutrição inadequada abdominal, que apresentou esplenomegá- as dimensões do baço. Se ocorrer ruptura ou privação de sono podem levar ao rea- lia de 160 mm e teve Monotest positivo. com hemorragia deve ser imediatamente parecimento dos sintomas mediados pelo Durante o Internamento houve evolução realizada uma TAC abdominal. EBV. Embora não haja métodos infalíveis favorável e teve alta 1 semana depois. A para prevenir recaídas é importante cum- 1/3/2010 repetiu Eco abdominal que reve- Quando autorizar o regresso à prir escrupulosamente o período de afasta- lou ainda esplenomegália (162 mm). Refe- actividade física? mento e o aconselhamento médico para o ria ainda fadiga e cansaço fácil, apesar do O momento adequado para reiniciar a ac- tratamento apropriado. bom estado geral. Neste contexto, previu- 2 o tipo de contacto existente. Como referi- tema rior esquerdo, que aumenta com a ins- se mais demorada recuperação até à reto- tividade é estabelecido caso a caso, indo desde um até seis meses, após o início da Caso Clínico ma da actividade desportiva, e ainda mais doença. No caso de exercício físico ligeiro JCS, 21 anos, sexo masculino, jogador demorado retorno à competição. os doentes podem retomar a actividade de rugby universitário é observado por após três semanas e na ausência de esple- nós, a 9/2/2010 por quadro sub-febril nomegália. No caso de exercício intenso e (até 37,7ºC), com 1 semana de evolução, de desportos de contacto, os atletas podem acompanhado por cefaleias retro-oculares, retomar a actividade um mês após o apa- mialgias, arrepios e tumefacção submaxi- recimento da doença e, voltando a referir, lar direita volumosa e indolor. O exame se não houver esplenomegália, queixas objectivo revelou óptimo estado geral, subjectivas, fadiga, e se os exames laborato- apirexia (estava com antipiréticos) e, de riais tiverem valores normais e a melhoria positivo, adenopatia volumosa submaxilar da força muscular tiver ocorrido. Dados direita e indolor à palpação e esplenome- recentes concluíram que, apesar de todos gália acentuada e dolorosa ao toque. os cuidados, aproximadamente 80% das Foi posta como hipótese diagnostica mais lesões esplénicas traumáticas ainda ocor- provável a M.I., tendo-se pedido avaliação rem em homens jovens que participam em laboratorial que foi efectuada a 10/2/2010 desportos de contacto. Esta difícil decisão e de que salientava: leucócitos 5350 x 109/ do regresso à actividade física é também L c/ 33,4% de neutrófilos e 55,6% de lin- influenciada pela possibilidade de trans- fócitos; plaquetas igual 101.000 x 103/uL; missão do vírus a terceiros, pelo que se bilirrubina total igual a 2,0 mg/dl e a di- deve ter também em conta o período do recta igual a 0,66 mg/dl; TGO igual a 233 potencial contágio, a via de transmissão e UI/L e a TGP UI/L igual a 259 UI/L. De Bibliografia 1.http://emedicine.medscape.com/article/222040overview 2. Bryan W. Smith, Sports Sciences Feature: Infectious Mononucleosis M.D., Ph.D.Medical Consultant . Atlantic Coast Conference, Feb 2005 3. Burroughs, K. E., Athletes Resuming Activity After Infectious Mononucleosis, Fam Med, Vol 9, Nov/ Dec 2000, pág 1122 e 1123 4. Greenslade, RA, Suspeita de Mononucleose Infecciosa num Jogador Universitário de Basquetebol, The Physician and SportsMedicine, Vol 3 Nº5, Setembro/ Outubro 2001, pág 46 a 50 5. 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