o racionalismo crítico de karl popper conjecturas e teorias

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O RACIONALISMO CRÍTICO DE KARL POPPER: CONJECTURAS E
TEORIAS
THE RATIONALISM CRITICAL OF KARL POPPER: CONJECTURES AND
THEORIES
Marcos Antônio Martins Lima1
Marcos Antônio Seixas de Melo2
RESUMO
Este artigo foi elaborado numa perspectiva exploratória, de natureza teórica, a partir da
reflexão crítica de Karl Popper em que a trajetória científica permeia a chamada
"reconstrução racional" em que as verdades são duvidadas quando a epistemologia
valida a linha tênue entre veracidade e falseabilidade desde que a ciência demanda
percepções, observações a partir da revelação de um problema. Nesse caso procurou-se
enfatizar que uma teoria pode ser falseada a fim de hipotetizar a dúvida no sentido de
detectar falhas nos enunciados e reformular argumentos que são difundidos e
transversalmente propõe um axioma que descreve e relaciona posicionamento de
hipóteses e teorias. Destaca que o conhecimento é adquirido e seu avanço pode ser
sucumbidos adaptando-se a novas realidades que superarão novos fatos que expliquem
uma teoria
Palavras-chave: veracidade, falseabilidade, reflexão crítica.
ABSTRACT
This article was prepared in an exploratory perspective, theoretical in nature, from the
critical reflection of Karl Popper on the scientific trajectory permeates the so-called
"rational reconstruction" in which truths are doubted when epistemology validates the
fine line between truth and falsification since that science demands perceptions,
observations from the revelation of a problem. In this case it sought to emphasize that a
theory can be falsified in order to hypothesize doubt in order to detect flaws in the
statements and reframe arguments that are widespread and across proposes an axiom
that describes and relates positioning hypotheses and theories. Highlights that
knowledge is acquired and their progress can be succumbed adapting to new realities
that will surpass new facts to explain a theory
Keywords: truth, falsification, critical reflection.
1
Economista pela UFC (1993), Doutorado em Educação pela UFC (2004), Mestre em Administração
pela UECE (2000), Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará.
2
Administrador pela UNIFOR (1990) (UNIVERSIDADE DE FORTALEZA), Mestre em Administração
e Controladoria pela UFC (2014) - Auxiliar Técnico da Escola de Gestão Pública do Estado do Ceará EGPCE.
Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.3, n.1, jul/dez, 2015
1 Introdução
A inquietude em períodos de transição remete-se à reflexão do mundo sob o
ponto de vista de sua transformação fermentada pelo enfrentamento dos grandes
problemas à luz da ciência, que é possível elaborar indagações pelas mudanças
correntes, sendo elas naturais ou proporcionadas pela condição humana.
E assim, pela busca da verdade evidente, impacta o rompimento entre a
dicotomia episteme (ciência) ou a doxa (opinião) como linha de pensamento ocidental,
pois na concepção clássica grega, conhecimento racional (episteme) e doxa (opinião)
são ordens diferentes de discurso, sendo que o primeiro, diz respeito às verdades
demonstradas e o segundo sobre a opinião, que se aproxima ao “senso comum”, cuja
opinião poderá ser falsa, dito inconsciente, falseado pela verdade, sob o ponto de vista
parcial, cuja subjetividade precisa ser reconhecida pelo conhecimento da intuição e pelo
discurso encadeado por ideias, juízos e raciocínios que levam a conclusões. Segundo
Marias (1981, p.22) Aristóteles separa o que é científico do que é sensação, ou seja, “se
se refere ao ponto de vista da verdade (ciência) ou simplesmente da doxa (opinião)”.
Poderia colocar a epistêmê como algo palpável sobre o que o intelecto
produzido pode vislumbrar e tornar visível as coisas, pois ilumina de forma consistente
a estrada do conhecimento, seriam aquela produção do intelecto que garantiria um lugar
privilegiado para se ver as coisas cognoscível e incognoscível; algo como aquilo que
PUTNAM chamou de “o ponto de vista do Olho de Deus” (1981:77).
Poderia destacar que sob esse ponto de vista, pra tudo tem uma causa e tornar
ciente, é dar causa ao conhecimento científico, sobretudo quando seguimos rastros pela
atenção àquilo que se quer descobrir, pois HEIDEGGER escreve sobre a palavra: O que
diz epistêmê? O verbo que lhe corresponde é epistasthai, colocar-se diante de alguma
coisa, ali permanecer e deparar-se, a fim de que ela se mostre em sua visão. Epistasis
significa também permanecer diante de algo, dar atenção a alguma coisa. Esse estar
diante de algo numa permanência atenta, epistêmê, propicia e encerra em si o fato de
nos tornarmos e sermos cientes daquilo diante do que assim nos colocamos. Sendo
cientes podemos, portanto, tender para (vorstehen) a coisa em causa, diante da qual e na
qual permanecemos na atenção. Poder tender para a coisa significa entender-se com ela.
Traduzimos epistêmê, por “entender-se com-alguma-coisa”. (1994:204)
Nessa configuração, a epistemologia é o ramo da filosofia que estuda a origem,
a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento (daí também se designar por
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filosofia do conhecimento), e trata dos problemas relacionados à crença e ao
conhecimento, ou seja, estuda a origem, a estrutura, os métodos e a veracidade do
conhecimento, que está atrelada com a lógica e o empirismo, é indispensável no estudo
da ciência, cujos preceitos estão implícitos na investigação relacionada à metafísica, a
lógica e a psicologia.
E dentro dos principais ramos da filosofia, talvez mesmo aquele que mais se
destaca, e os seus problemas compreendem a questão da possibilidade do conhecimento,
na discussão de como acontece na essência à questão do saber pela prioridade da relação
sujeito/objeto que nos coloca a dúvida se o ser humano conseguirá algum dia atingir
realmente o conhecimento total e genuíno, fazendo-nos oscilar entre uma resposta
dogmática ou empirista.
Nessa perspectiva, tratar da condição humana é essencial para entender o
conhecimento não como dogma, mas como uma disputa dialógica pela argumentação,
cuja verdade deverá ser confrontada e desvanecida até que caminhos sejam definidos
para o compartilhamento de ideias, razões e lógicas.
Na construção dos elementos que constituem o conhecimento, o processo de
construção da verdade está implícito entre conceitos e juízos que, tirados das
experiências, da sensibilidade constituem precisamente o objeto próprio do nosso
conhecimento sensível, que é o nosso primeiro conhecimento.
Aristóteles estabelece uma continuidade entre o conhecimento sensitivo e o
inteligível, acreditando que o conhecimento se dá na natureza, no mundo sensível
(SOUZA; LEAL, 2008). Assim, Henri POINCARÉ (1854-1912), atesta que “a ciência,
portanto, nada pode nos ensinar sobre a verdade, só pode nos servir como regra de
ação”.
E como ação, o juízo serve como elemento constitutivo da ciência por
evidências de fenômenos vinculados às leis universais como essência do intelecto
humano, a priori analítico, induz à necessidade objetiva da transformação dos costumes
humanos.
O processo de aquisição do conhecimento tomou forma a partir da introdução
de novas maneiras de pensar, estudar e usufruir da natureza. Assim com a revolução
científica do século XVII, Galileu Galilei, René Descartes e Isaac Newton, contribuíram
para romper radicalmente com a tradição científica aristotélica, a moderna ciência se
impõe graças a um poder e controle dos fenômenos naturais.
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Nesse percurso, o domínio da natureza torna-se imprescindível para a
construção de um mundo racional ou empirista, posto em consideração que só a razão
pode conhecer verdadeiramente as coisas, e do contrário, os empiristas, consideram que
todos os nossos conceitos derivam dos sentidos, portanto a experiência é a única fonte
do conhecimento.
E a máxima de Francis Bacon (1561-1626) “Conhecimento é poder”, serviu de
dilema para as transformações que viriam para a humanidade, se transformar em
instrumento de um progresso geral da civilização, ao servir de base para um conjunto de
mudanças tecnológicas profundas com forte impacto na organização da vida social.
Assim, estabeleceu o desenvolvimento da visão empírica do mundo, defendia
que o conhecimento científico seria provado a partir da observação pelo método
indutivo, que tem intervenções do particular para o geral, dos fatos às teorias. Desta
forma, todo fenômeno observado na sua sistematização buscava similitudes e
experiências recorrentes que daria a tônica do método científico tradicional por três
séculos.
Segundo BORGES (1996, p.23), o empirismo e a indução teriam contribuído
para constituir as bases para o positivismo no início do século XX. O conhecimento
científico sob uma perspectiva positivista se apresentaria com as seguintes
características: objetivo, confiável, metódico, preciso, perfectível, progressivo,
cumulativo, desinteressado, impessoal, útil, necessário, racional, empírico, hipotético,
explicativo e prospectivo, uma vez que possui a capacidade de antecipar ou prever fatos.
Tal perspectiva teria elaborado uma visão idealizada do conhecimento
científico, através do estabelecimento dos “passos do método experimental”: observação
dos fatos, formulação de hipóteses, experimentação e estabelecimento de leis.
E para entender toda essa trajetória do método científico é preciso compreender
dentro do contexto em que DESCARTES estava inserido, estabelecia a evolução do
paradigma moderno como avanço do pensamento filosófico nos séculos XVI e XVII,
pois trazia a reflexão sobre a superação do escolasticismo pelo o cientificismo.
Por Escolástica ou escolasticismo, em sentido restrito, entende-se a
especulação filosófico-teológica que se desenvolveu nas escolas da Idade Média
propriamente dita, i. é, de Carlos Magno até a Renascença, tal como essa especulação se
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apresenta, antes de tudo, na literatura de Summae e de Quaestiones3. Essas escolas
foram a princípio as catedrais e as monacais e, mais tarde, as Universidades.
Num sentido mais largo, designa a escolástica também o pensamento dessa
época que, embora sem empregar um método rigorosamente escolar, racionalconceptual, repousa, porém nas mesmas bases metafísicas e religiosas, como p. e., a
mística. E também se pode incluir nessa denominação a filosofia arábico-judaica, na
medida em que, durante esse período, entra em contato com a escolástica propriamente
dita. (http://www.consciencia.org/filosofia_medieval8_escolastica.shtml).
Os filósofos que defendiam a tese do pensamento escolástico refletem em seus
postulados como uma ciência do comentário, e, por mais magistrais e criativas que
sejam as elaborações produzidas por seus mestres, existirá sempre uma série de textos
canônicos dos quais os mestres escolásticos deverão extrair toda a exposição de seus
pensamentos. No entanto, Descartes destaca-se pelas considerações individualistas com
implicações políticas gerada por sujeitos racionais e reflexivos capazes de produzir
conhecimentos válidos. Ou seja, “refletir sobre si mesmo enquanto indivíduo para tentar
descobrir o que é conhecimento ou não” (DESCARTES, 2005, p.35).
O método científico desenvolvido na modernidade superou a barreira temporal
e ainda reforça a importância da metodologia na construção de conhecimentos
científicos ditos válidos. Marcado pelo desempenho um sujeito que se coloca com
neutralidade sobre seu objeto de estudo, a metodologia científica da modernidade atuou
como um paradigma que organizou e ao mesmo tempo limitou o pensamento ocidental.
A ciência moderna se caracteriza por ser excludente em relação a quaisquer outras
formas de construção do conhecimento científico que, por vezes, apelam uma relação
mais intersubjetiva com seu objeto de análise (PLASTINO, 2001, p.22).
Na obra Discurso do Método, Descartes expressa aquilo que talvez possa ser
considerado o prefácio da modernidade. O filósofo inicia a obra com a seguinte frase:
3
A Summa era o seu típico gênero literário, um texto cuidadosamente elaborado, subdividido e
monumental por excelência. Novo gênero que se mostra como uma das principais realizações do estilo
escolástico em seu período de apogeu.
Quaestiones – Da disputatio nasceu a literatura das quaestioncs, que compreendiam duas espécies — as
Quaestiones disputatae e as Quaestiones quo delibetales. As primeiras contêm a matéria da disputatio
ordinária, que tem lugar regularmente todos os 14 dias; durante um mais largo espaço de tempo
desenvolve-se um único tema (p. ex.,de veritate, de potentia, de maio). As ultimas são o resultado de
disputas mais solenes, realizadas duas vezes por ano, pela Natividade e pela Páscoa, sobre variadas
questões (quaestiones
de
quo-Ubet).Disponível
em:<http://www.consciencia.org/filosofia_medieval8_escolastica.shtml>.
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“o bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada” (DESCARTES, 1973, p. 37), e
nessa partilha destaca-se o sentido cartesiano de democratizar o saber fundamentado na
razão humana e remete-se à vida terrena como fluxo para melhorar as condições da
humanidade como principal função da faculdade intelectual dada por Deus ao homem.
Segundo Descartes, é necessário suspender tudo o que se tomava como saber,
para, então buscar um conhecimento evidente, claro e distinto. O objetivo cartesiano é
analisar a totalidade do saber em busca de alguma certeza, nem que seja um saber com
certeza que não existe nada de certo.
Nesse cenário, o conhecimento deixa de ser privilégio de alguns e passa a ser
capacidade de todos; a moralidade deixa de ser privilégio da religião e os direitos
passam a ser inerentes a todos, daí o princípio de igualdade entre os seres humanos
(DESCARTES, 2005, p.38).
Dentre as Meditações Metafísicas, já na primeira meditação, Descartes afirma:
“há já algum tempo que eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera
muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em
princípios
tal
mal
assegurado
não
podia
ser
senão
mui
duvidoso
e
incerto”(DESCARTES, 1973, p. 93). O trecho expressa, claramente que, todo saber é
dinâmico, pois são nas evidências que se traça a verdade e toda a incerteza do saber
tradicional (escolástico e antigo), quando cotejado com axiomas que pretendem ser
claros e evidentes.
O termo “Metafísico” para Kant significa um conhecimento não empírico ou
racional. Combinando com o conceito de costumes, que designa todo o conjunto de leis
ou regras de conduta que normatizam a ação humana, Kant chega ao conceito de
Metafísica dos Costumes, que é o estudo de leis que regulam a conduta humana sob um
ponto de vista essencialmente racional e não contaminado pela empiria.
Desta forma, seguindo fielmente o princípio da dúvida metódica, Descartes
acredita ser necessário “desfazer-se de todas as opiniões a que até então dera crédito e
começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e
de constante nas ciências” (DESCARTES, 1973, p. 93).
Kant no seu pensamento evolutivo supera a reflexão empirista até então
hegemônica, representado pela obra de David Hume, e inaugurou uma nova concepção
filosófica, baseada na razão. Nessa ideia, “o empirismo filosófico de David Hume é uma
atitude epistemológica que se vincula a uma determinada concepção política. Tanto
entre os gregos, quanto entre os modernos, o empirismo esteve ligado à recusa do
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racionalismo e refutação das compreensões teleológicas acerca da realidade” (KIRALY,
2010, p.22)
E para a compreensão dessa realidade em movimento, concentra-se pelo viés
filosófico dos costumes, é tanto que para Hume o que mais rege o conhecimento é o
costume é o hábito. Para Hume, o hábito é o princípio com base no qual, da simples
constatação da contiguidade e sucessão entre dois fenômenos, se infere também a
necessidade da conexão entre os dois fenômenos, considerando-os um como “causa” e
um “efeito” (REALE, 2007, p. 137).
O pensamento de David Hume se filia a uma compreensão de moral que parte
de uma teoria do conhecimento, não dogmática e atomística, para fundamentar uma
teoria política que não faz predições sobre o fenômeno institucional, mas o analisa do
ponto de vista das crenças estruturantes. As instituições não são racionais em si, mas
são observáveis sob o ponto de vista de seus valores e funcionalidade. As instituições
podem ser investigadas segundo as regras que apresentam, e parte para o conhecimento
objetivo como direcionamento da relação do passado e o futuro na construção do
presente, e da experiência que transporta argumentos na transformação da realidade
fundamentadas pressupostos indutivos, assim Hume destaca que
... todas as inferências a partir da experiência supõe, como seu fundamento,
que o futuro irá assemelhar-se ao passado, e que poderes semelhantes estarão
associados a qualidades sensíveis semelhantes. Se houver qualquer suspeita
de que o curso da natureza possa vir a modifica-se, e que o passado possa não
ser uma regra para o futuro, toda experiência se tornará inútil e incapaz de dar
origem a qualquer inferência ou conclusão. É, portanto, impossível que
algum argumento a partir da experiência possa provar essa semelhança do
passado com o futuro, dado que todos esses argumentos estão fundados na
pressuposição dessa mesma semelhança. Por mais regular que se admita ter
sido até agora o curso das coisas, isso, isoladamente algum novo argumento
ou inferência, não prova que, no futuro, ele continuará a sê-lo (HUME, 1999,
p.58).
Dentro da perspectiva Kantiana, a construção do conhecimento científico está
sustentada a partir do conceito de existência sob o prisma do predicado real na
perspectiva dos diferenciais entre a possibilidade lógica e a possibilidade real. E
considerava a razão como princípio fundamental para a compreensão de todos os
fenômenos.
Conforme Kant (1986, p. 91) “não existe anteriormente no sujeito nenhum
sentimento que se incline para a moralidade”. PEREIRA e PEREIRA (2012) esclarecem
que a razão estabelece a conduta do homem, mas ele só age moralmente porque é livre.
A liberdade é o que há de essencial para a fundação de sua moralidade, para o
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desenvolvimento de sua racionalidade. Para Kant, é a liberdade que harmoniza o
homem, pois apesar de todas as determinações impostas do meio exterior, ainda é capaz
de recusá-las em prol da moralidade. A razão o faz senhor de si.
A revolução industrial, fruto do desenvolvimento científico iniciada na
Inglaterra no século XVIII e rapidamente estendida a outros países no século XIX,
desencadeou uma série de novas tecnologias que transformaram de forma rápida a vida
do homem. O sucesso extraordinário nesses três séculos, principalmente da física,
perceptível ao cidadão comum através de seus produtos tecnológicos, favoreceu no
século XIX a disseminação da crença positivista, conhecida como cientificismo, que faz
da ciência a chave não somente dos progressos materiais da sociedade, mas também dos
progressos espirituais e morais da humanidade.
No entanto, o ideal cientificista não tardou a sofrer fortes abalos, pela
imposição de ideias critérios e finalidades que, quando impedidos de se concretizarem,
forçam rupturas e mudanças teóricas profundas, fazendo desaparecer campos e
disciplinas científicos ou levando ao surgimento de objetos, métodos, disciplinas e
campos de investigação novos.
O alvorecer do século XX testemunhou marcadamente o desencanto. Após dois
séculos de predominância newtoniana e o forte posicionamento positivista deram
significado tanto para o progresso, como também, para a destruição. De fato, a busca
pela sofisticação tecnológica trouxe inquietude acompanhada da suspeição. O poder
sobre a natureza, característica essencial da ciência moderna, corre o risco do homem se
revelar inimigo mortal do seu próprio conhecimento e crer tanto que a ciência é em si
mesma má, quanto ingenuamente acreditar que ela é intrinsecamente boa. Nenhum
cidadão pode se eximir da reflexão ética, política e epistemológica sobre o sentido da
atividade científica.
Rousseau (1978), em seus escritos: O Discurso sobre as Ciências e as Artes
propõe uma pergunta a respeito das mudanças que as ciências podem aperfeiçoar ao
longo dos processos de transformação: o progresso das ciências e das artes contribuiu
para aprimorar ou para corromper os costumes?
Eis o que é preciso examinar Rousseau (1978, p. 341), assim como a busca
pelo conhecimento como eixo de ruptura para minimizar os abismos entre a teoria e
prática no contexto científico. Concorda-se em Santos (1997) quando afirma que
compartilham a ideia de que se está numa fase de transição, também denominada de
“transição paradigmática”.
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E nesse percurso de transição que geram mudanças, a inércia é um componente
que não se enquadra nesse processo de intervenção, pois quaisquer objetos de estudo
dinamizam o ambiente e se move em cadeia inserida nas particularidades humanas e de
valores. Esta relação sujeito/objeto estabelece parâmetro de transformações complexas
que implicam em superação do que estar aparente. Apresenta importantes implicações,
demonstrando a interferência estrutural do sujeito no objeto observado.
Neste sentido, Boaventura Santos (2000) sugere uma ruptura epistemológica,
onde o conhecimento científico possa vir a se transformar num novo senso comum:
ético, participativo, político e solidário. Muito mais vislumbrando a humanidade
implícita nos perfis sociais. “O paradigma de um conhecimento prudente para uma vida
decente”, propõe a emancipação humana sob o prisma do conhecimento emancipatório,
mais significativo e consistente, voltado para a autonomia, pela superação de atitudes
isoladas e ações esporádicas e a união de causa e efeito, através da racionalidade
estético-expressiva. O que até então a racionalidade científica moderna separou e
apresentam-se inacabadas.
Por conseguinte, fomenta a mudança de paradigma pós-cartesiano-newtoniano,
sobretudo, quando se questiona os pressupostos epistemológicos e consequências para a
sociedade, permitindo o desenvolvimento científico-tecnológico atuante no mundo
hodierno que imprime a magnitude da ciência e tecnologia, cujos questionamentos
sobre o antigo e a modernidade confirmam a transição das crescentes mudanças trazidas
pelo método analítico moderno, fruto do racionalismo científico, e interpretado como
sendo a explicação mais completa, a única abordagem válida do conhecimento, ao
focalizar as partes, e conhecer a fragmentação do todo.
Assim para (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p. 55) tudo que é humano deve ser
compreendido a partir de um jogo complexo, pois para conhecer melhor as partes devese conhecer o todo e vice-versa, como em um movimento circular ininterrupto que
transcorre em etapas pelos avanços a partir da magnitude das consequências
inseparáveis de seu contexto histórico e social. Nesta visão, é necessário compreender
os avanços da ciência, sem deixar de perceber que as cegueiras para os problemas
sociais estão deslocando a realidade da ilusão científica, técnica e especializada, assim é
compreensível quando Morin referenda que,
[…] é preciso compreender que “tanto no ser humano, quanto nos outros
seres vivos, existe a presença do todo no interior das partes: cada célula
contém a totalidade do patrimônio genético de um organismo poli celular; a
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sociedade, como um todo, está presente em cada indivíduo, na sua
linguagem, em seu saber, e suas obrigações e em suas normas. Dessa forma,
assim como cada ponto singular de um holograma contém a totalidade da
informação do que representa, cada célula singular, cada indivíduo singular
contém de maneira ‘hologrâmica’ o todo do qual faz parte e que ao mesmo
tempo faz parte dele.” (MORIN, 2003, p. 37/38)
Desde então, ela se associou progressivamente à técnica, tornando-se a tecnociência, e progressivamente se introduziu no coração das universidades, das sociedades,
das empresas, dos Estados, transformando-os e se deixando transformar, por sua vez, no
que ela transformava. A ciência não é científica. Sua realidade é multidimensional. Os
efeitos da ciência não são simples nem para o melhor, nem para o pior. Eles são
profundamente ambivalentes. [...] A ciência é, intrínseca, histórica, sociológica e
eticamente, complexa. A ciência tem necessidade não apenas de um pensamento para
considerar a complexidade do real, mas desse mesmo pensamento para considerar sua
própria complexidade e a complexidade das questões que ela levanta para a
humanidade. (MORIN, p. 09; 2007).
E nessa fundamentação Popper (2006, p. 94) esclarece que como acontecem
com todas as ciências, as ciências sociais também são bem-sucedidas ou fracassadas,
interessantes ou ocas, frutíferas ou estéreis, na exata proporção com o significado ou o
interesse dos problemas de que tratam; e naturalmente também na exata proporção com
o significado ou o interesse dos problemas de que tratam; e naturalmente também na
exata proporção com a honestidade, retidão e simplicidade com que esses problemas são
atacados. Não se trata aqui, de modo algum, apenas de problemas teóricos. Problemas
práticos graves, como o problema da pobreza, do analfabetismo, da repressão política e
da incerteza jurídica, constituíram pontos de partida importantes da pesquisa das
ciências sociais.
Gerando assim, prejuízos críticos proliferados pela ordem social e global
presentes na humanidade baseado na concepção de vida em sociedade com a crença no
progresso material ilimitado a ser alcançado através do crescimento econômico e
tecnológico, extensivo à sociedade sobre a supervalorização do que é quantificável e a
pouca preocupação com o caráter social dos dados e os impactos que podem interferir
na vida das pessoas. Assim, para SANTOS (1987), os privilégios epistemológico e
sociológico convergem num mesmo conhecimento, e os questionamentos críticos sobre
determinado conhecimento tendem a estar ligados à justificação ou contestação de seu
impacto social.
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E o conhecimento gera uma amplitude favorável a entender os diversos
posicionamentos que estabelece um parâmetro entre as ciências naturais e sociais
vinculada a um pensamento mecanicista pela busca da superação da dicotomia ciências
naturais e sociais, e ao abordar a superação das ciências naturais e sociais, um
importante texto de (BOAVENTURA SANTOS, 2003, p. 72) afirma: “A concepção
humanística das ciências sociais enquanto agente catalisador da progressiva fusão das
ciências naturais e sociais coloca a pessoa, enquanto autor e sujeito do mundo, no centro
do conhecimento, mas ao contrário às humanidades tradicionais, coloca o que hoje
designamos por natureza no centro da pessoa. Não há natureza humana porque toda a
natureza é humana...”
E nessa linha, o conhecimento é amplo, e desperto sob a condição humana a
disputa no ato de filosofar sobre as prisões ideológicas dos elementos contraditórios
sustentados pelo debate, pela argumentação pela busca da verdade através da validação
das ciências.
Pode-se dizer dessa forma que a Epistemologia configura dentro da validade
das ciências como condição de fixar uma ponte com a filosofia para indagar sobre a
essência do conhecimento. Nesse contexto, todo ato de conhecer é a relação que se
estabelece entre a consciência de quem conhece e o objeto a ser conhecido (ARANHA e
MARTINS, 2003).
Assim, é fundamental relatar, segundo Popper (2007) considerar como tarefa
da Epistemologia a de proporcionar o que se tem chamado “reconstrução racional” das
fases que conduziram o cientista à descoberta – ao encontro de alguma verdade nova.
A questão é, porém, a seguinte: o que precisamente, desejamos reconstruir? Se
forem os processos envolvidos na estimulação e produção de uma inspiração, devo
recusar-me a considerá-los como tarefa da lógica do conhecimento. Desta feita, é
possível criar a falseabilidade como critério de demarcação de proporcionar a validade
como concepção epistemológica da assimetria entre verificabilidade e falseabilidade.
Portanto, é pauta lógica conferir como Popper se baliza dentro da perspectiva
da falsidade de teorias e dos enunciados universais, assim postula que sua posição está
alicerçada numa assimetria entre verificabilidade e falseabilidade, assimetria que
decorre de forma lógica dos enunciados universais. Dessa forma, é importante salientar
como estão expostos os fatos indutivos na construção das asserções de observações,
assim, o mesmo autor acrescenta que estes enunciados nunca são deriváveis de
enunciados singulares, mas podem ser contraditados pelos enunciados singulares. Sendo
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essa transformação dedutiva em consequência da falsidade dos enunciados criando um
paradoxo de terminações que definirá uma teoria, consequentemente, é possível, através
de recurso a inferências puramente dedutivas, (com o auxílio do modus tollens,
dialógica tradicional), concluir acerca da falsidade de enunciados universais a partir da
verdade de enunciados singulares. E sob essa ótica destaca o que é verdadeiro e se é
possível demonstrar a lógica ou fases empíricas acerca da conclusão da falsidade dos
enunciados universais como a única espécie de inferência estritamente dedutiva que
atua, por assim dizer, em “direção indutiva”, ou seja, de enunciados singulares para
enunciados universais”.
Desta forma, todo conhecimento coloca o problema da verdade quando se
verifica se o que está sendo enunciado corresponde, ou não, à realidade. Os conceitos de
“verdade” e “realidade” são distintos; quando nos referimos a um objeto dizemos que
ele é “real” e não que ele é “verdadeiro” ou “falso”, pois estas denominações não estão
no objeto e sim no juízo, ou no valor de verdade da afirmação. “Algo é verdadeiro,
quando é o que parece ser” (ARANHA e MARTINS, 2003).
2 Epistemologia de Karl Popper
Karl Raimund Popper (1902-1994), filósofo, nasceu em Viena na Áustria,
naturalizado britânico. De família judaica, estudou na Universidade de Viena,
concluindo o doutorado em filosofia. Fugiu do nazismo, viajou para a Nova Zelândia
para se refugiar da Segunda Guerra. Após o fim da guerra, conseguiu trabalhar como
assistente de ensino na London School of The Economics, se tornaria professor da
instituição em 1949. Colaborou com as teorias do liberalismo e da democracia no
âmbito da filosofia social. Escreve livros como os títulos “A sociedade aberta e seus
inimigos” e a “Lógica da Pesquisa Científica”.
É reconhecido como um dos principais filósofos do século XX, época em que
acompanhou o auge e as crises do capitalismo, o avanço das invenções iniciadas a partir
da Revolução Industrial iniciada no século XVIII, e as possibilidades por meio do
avanço das ciências. O filósofo verificou a rápida evolução material da humanidade, até
então, alcançada em dois séculos de uma maneira mais veloz do que 4.000 anos
anteriores.
Popper ajudou a elaborar definições a respeito da teoria científica, analisando o
cientificismo (conjunto de ideias que outorgavam à ciência a solução e o sentido de
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todas as questões), na época considerada como um pensamento acima das demais linhas
de pensamento. Popper (2007, p.35) reforça entre os velhos positivistas só desejavam
admitir como científicos ou legítimos os conceitos (ou noções, ou ideias) que, como
diziam, “derivassem da experiência”, ou seja, os conceitos que acreditavam ser
logicamente reduzíveis a elementos da experiência sensorial, tais como sensações (ou
dados sensoriais), impressões, percepções, lembranças visuais ou auditivas, e assim por
diante.
Segundo Popper, a teoria científica era regida pelo modelo matemático, que
visa descrever e interpretar as observações realizadas, com a capacidade de descrever
uma imensa série de fenômenos a partir de postulados simples e de realizar previsões a
serem testadas. Popper visava retirar as mistificações que existiam ao redor das ciências.
Nesse caminho, Popper (2007. p.61) advoga que as teorias científicas são
enunciados universais. Como todas as representações linguísticas, são sistemas de
signos ou símbolos, como também são redes, lançadas para capturar aquilo que
denominamos “o mundo”: para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo.
Acrescenta o próprio Popper que são enunciados universais. Como todas as
representações linguísticas, são sistemas de signos ou símbolos. Além de ser
caracterizado em muitos fenômenos ser de caráter temporário, pois Popper (2007, p.74)
defende que as teorias científicas estão em perpétua mutação. Não se deve isso ao mero
acaso, mas isso seria de esperar, tendo em conta nossa caracterização da Ciência
empírica.
E para compreender essa conjuntura, está implícito que toda ciência demanda
percepções, observações a partir de um problema, pois Popper (2006, p. 94) esclarece
que na medida em que se pode dizer em absoluto que a ciência ou o conhecimento
começa em algum ponto, então é válido o seguinte: o conhecimento não se inicia com
percepções ou observações ou com a coleta de dados ou fatos, mas com problemas.
Não existe conhecimento sem problemas – mas tampouco problema sem
conhecimento. Pois todo problema nasce pela descoberta de que algo não está em ordem
em nosso pretenso conhecimento; ou visto logicamente, pela descoberta de uma
contradição interna em nosso pretenso saber e os fatos; ou, numa expressão ainda mais
certeira, pela descoberta de uma aparente contradição entre nosso pretenso saber e os
pretensos fatos.
Segundo Popper a ciência progride graças ao ensaio do erro, e as refutações. A
ciência se inicia com enunciados, enunciados estes que estão associados à explicação de
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alguns aspectos do mundo praticados sob decisões metodológicas cujas teorias se
tornariam acolhidas ou não, assim Popper (2007, p.82) assevera sobre as objeções
contra sua proposta de adotar a falseabilidade como critério para decidir se um sistema
teorético pertence ou não ao campo da Ciência empírica. Desta forma essas objeções
estão impostas sob a égide daqueles que são influenciados pela escola do pensamento
“convencionalismo”4.
Nesse cenário abstrato, os critérios de falseabilidade, segundo Popper (2007)
não conduz a uma classificação isenta de ambiguidade. E acrescenta que é impossível
decidir, por análise de sua forma lógica, se um sistema de enunciados é um sistema
convencional de definições implícitas irrefutáveis ou se é um sistema empírico, no
sentido que se empresta a essa palavra, ou seja, um sistema refutável.
E para compreender o sentido da teoria falseada dentro da disposição de
enunciados que se contradizem como condição de imputar as ocorrências necessárias,
propõe hipóteses falsificáveis para resolver o problema, estas são criticadas, testadas, e
justificadas, ou seja, revela aqui segundo Popper (2007, p.91) que somente se aceita o
falseamento se uma hipótese empírica de baixo nível, que descreva esse efeito, for
proposta e corroborada. Para isso, nessa prospectiva de testar uma hipótese pela sua
submissão é preciso confrontar os enunciados como relação lógica em busca dos
enunciados empíricos através de uma ocorrência que possivelmente postule a
contradição.
Portanto, Popper (2007) defende que a cada enunciado corresponderá a um
evento, tal que os vários enunciados básicos pertencentes a esse evento comprovarão
cada qual o enunciado puramente existencial. E acrescenta que, o fato de
reciprocamente, um enunciado puramente existencial poder ser deduzido a partir de
cada enunciado básico, não serve de ponto de apoio para emprestar caráter empírico aos
enunciados existenciais.
4
A fonte da filosofia convencionalista parece residir no espanto diante da simplicidade austeramente bela
do mundo, tal como se revela nas leis da Física. Os convencionalistas parecem achar que esta
simplicidade seria incompreensível e, em verdade, miraculosa, se nos inclinássemos a crer, com os
realistas, que as leis da natureza nos revelam uma simplicidade interior estrutural do mundo, sob sua
aparência exterior de exuberante multiplicidade. Segundo esse modo de ver convencionalista, as leis da
natureza não são falseáveis por observação; com efeito, são elas que se tornam necessárias para
determinar o que sejam a observação e, mais especialmente, a mensuração científica. A teoria do
convencionalismo é digna de grande crédito, pela maneira como ajudou a esclarecer as relações existentes
entre teoria e experimento. (POPPER, 2007, p. 83 e 84)
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Quando se falsifica uma hipótese, surge um problema que é a invenção de
novas hipóteses seguidas de novas provas e testes indefinidamente, por isso não se pode
afirmar que uma teoria é verdadeira, para tal recomenda-se enunciados menos dispersos
e sim questões mais minuciosas. Popper (2007, p. 113) revela que enunciados básicos
são aceitos como resultado de uma decisão ou concordância; nessa medida, são
convenções.
As decisões são tomadas de acordo com um processo disciplinado por normas.
Dentre elas, é de particular importância a que nos recomenda não aceitar enunciados
básicos dispersos – isto é, logicamente desconexos – mas tão somente enunciados
básicos que surjam no decorrer do processo de testes de teorias.
E por mais provas que tenha superado ela somente estará mais próxima da
verdade se o teórico de forma experimental consegue aperfeiçoar seus experimentos
baseado em enunciados e coincidências induzidos por percepções que se conectam com
posições desde a formulação da pergunta até os caminhos de desvendar o fenômeno
estudado, pois para Popper (2007, p.114) salienta que uma Ciência requer pontos de
vista e problemas teóricos, no entanto, o próprio autor refuta que a concordância quanto
a aceitação ou a rejeição de enunciados básicos é alcançada, geralmente, na ocasião de
aplicar uma teoria; a concordância, em verdade, é parte de uma aplicação que expõe a
teoria a prova. Chegar à concordância acerca de enunciados básicos é, como outras
formas de aplicação, realizar uma ação intencional, orientada por diversas considerações
teóricas.
Nesse cenário de falseabilidade, inclui nessa condição a observação e a
teorização, no sentido de desmistificar a verdade como transformadora e indagar que
nem sempre a verdade sobrepõe à dúvida, pois bastasse aparecer um cisne negro em
algum local ou situação para derrubar a ideia monopolista da existência única de cisnes
brancos em qualquer lago do mundo. Uma observação poderia derrubar a outra para a
afirmação de algo. Assim, uma conclusão científica não pode ser considerada absoluta,
sendo a mesma questionada ou derrubada a partir de uma nova observação capaz de
detectar algo não observado antes.
Popper (2007, p.95) reforça pelo propósito de uma teoria, mostrada como
falseável, que ela refeita ou proíbe não apenas uma ocorrência, mas sempre pelo menos
um evento. Conceitualmente havia também a ideia de “falseabilidade” como uma teoria
científica que poderia ser referida como científica caso pudesse ser duvidada ou
considerada falsa por um tempo ou por um processo de análise.
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As principais ideias estão centradas na linha dos falsificacionistas - entre os
quais Popper salienta sobre o valor do conhecimento científico a despeito do fator que
as teorias não vêm da observação de experiências, mas da possibilidade de a teoria ser
contrariada, ou melhor, falseada. Com a ideia de que a teoria precede a experiência, os
falsificacionistas admitem que toda explicação científica torna-se hipotética.
Assim, para Popper (2007, p.95) referenda que a classe dos enunciados básicos
proibidos, isto é, dos potenciais falseadores da teoria, conterá sempre, se não for vazia,
um número ilimitado de enunciados básicos, pois uma teoria não se refere a indivíduos
como tais.
Acrescenta ainda Popper (2007, p.97) pela importância da condição de
compatibilidade que se tornará patente se der conta de que um sistema autocontraditório
é não informativo. Assim, nenhum enunciado é particularmente como incompatível ou
como derivável, pois todos são deriváveis. Um sistema compatível, por outro lado,
divide em dois, o conjunto de todos enunciados possíveis: os que ele contradiz e aqueles
com os quais é compatível.
E quanto mais uma teoria puder ser falseada, melhor seria ela. Por exemplo,
ignorando a pressão atmosférica e outros fatores, se dissermos que "a água ferve a 100
graus Celsius", qual a contradição possível, ou melhor, o que tornaria falsa essa
afirmação? A resposta seria: ao chegar a 100 graus Celsius a água não ferveria ou
ferveria antes. No momento em que uma teoria é falseada, o cientista tentará melhorá-la
ou a abandonará. O fundamental é que tenhamos em mente o seu limite.
Ou seja, quanto mais hipotetiza, mais o falseamento é evidente, e cada vez
mais precisa ser repetida, pois é na compatibilidade que se detecta a fragilidade dos
enunciados e define que evento precisa ser relacionado, dentro da condição de evento
como sistema empírico ou não empírico, pois Popper (2007, p.98) adiciona que os
enunciados que não satisfazem a condição de compatibilidade não podem permitir o
estabelecimento de diferença entre dois enunciados quaisquer, dentro da totalidade dos
enunciados possíveis, e reforça que os enunciados não satisfazem a condição de
falseabilidade não podem permitir o estabelecimento de diferença entre dois enunciados
quaisquer, dentro da totalidade dos possíveis enunciados básicos empíricos.
Assim, fica explícito como o conhecimento é gerado a partir da revelação de
um problema, através da observação que instiga outros problemas, e dá qualidade a um
problema sob o efeito transformador, e na tentativa de experimentar tentativas de
solução para seus problemas que conduzem à tentativa de experimentos elevando a
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crítica sobre os experimentos em busca da verdade entre tentativas e erros, visto que os
experimentos são matérias de fato representadas por suas causas e efeitos, e quando a
relação de causa é firmada os fatos se distanciam, os experimentos precisam estar
autenticados pela repetição, desta feita a inferência indutiva necessita da imaginação
para estabelecer a ligação entre o particular e o universal.
De qualquer modo, o conhecimento é adquirido e se apropria do que é
produzido por outrem em que os argumentos são difundidos e transversalmente propõe
um axioma que descreve e relaciona posicionamento de hipóteses e teorias que impulsa
o avanço do conhecimento pela crítica racional, portanto as teorias podem ser
sucumbidas por outras se adaptando às novas realidades que podem ser contrapostas as
razões e criticadas em diversos pontos de vistas, e reconduzir e adaptar-se aos fatores
psicológicos de crenças e costumes que ressuscitarão novos fatos que expliquem uma
nova teoria, por isso que “Nenhuma teoria em particular, pode, jamais, ser considerada
absolutamente certa: cada teoria pode se tornar problemática (...). Nenhuma teoria
científica é sacrossanta ou fora de crítica” (Popper, 1975, p. 330).
A contestação de qualquer juízo sintético por Popper recarrega sobre a
capacidade inventiva da criação de teorias para sobreviver e a necessidade de
conjecturar na seleção de respostas entre tentativas e erros na dinâmica das mudanças
correntes. O limite dos enunciados das leis não estão estáticas em fins de resultados,
mas provocar novas conjecturas que reconstrue e reformule novas formas ou
proposições universais através da indução a fim de explicar as ocorrências na mediação
dos fatos entre a observação de um acontecimento e a afirmação da dúvida no futuro.
3 Considerações Finais
No decorrer desse artigo, procurou-se explicar o papel da teoria como
decorrência da demarcação entre teorias científicas e não científicas. Na contramão dos
positivistas, Karl Popper assegura que as teorias podem ser superadas e se adaptar às
novas realidades em sintonia com o verificacionismo em contra ponto do critério
falsificacionista na proposta demarcatória implicado na possibilidade de falsificar
teorias afirmativas e precisas quando a manifestação das verdades são predisposta ao
falsificacionismo quando no máximo são processados os erros.
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Nessa perspectiva Popper explica que o critério de demarcação que expõe os
enunciados científicos ou não define-se a teoria científica poderá ser falseável desde que
haja mudança de critério.
Sabendo que todo conhecimento está atrelado de teorias e vive uma dinâmica
da realidade que muda com as reformulações, reconstruções em que todo conhecimento
é modificado com o auxílio do conhecimento anterior procurou-se explicitar aqui a
construção do conhecimento a partir do ponto de vista de Karl Popper sob a
argumentação que se segue dentro do eixo da discussão da transferência da
racionalidade do sujeito para o método como sentido de elucidar os enunciados como
critérios que subsidiam a formulação de conjecturas que validam o método como
verdade através dos fatos, no entanto, Popper, propôs a falseabilidade de teorias e
hipóteses como critérios de demarcação e sugerem como método científico de
racionalidade crítica o método hipotético dedutivo de teste.
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