433 Internacional Journal of Cardiovascular Sciences. 2015;28(5):433-436 RELATO DE CASO Angioplastia no Tronco calcificado com Suporte Biorreabsorvível por Limitação para Antiagregação Bioresorbable Device Implantation in Left Main in Patients with Limitation For Long-Term Using of Dual Antiplatelet Therapy Esmeralci Ferreira1,2,3,4, Alcides Ferreira Júnior3,4, Cyro Vargues Rodirgues3,4, Camillo de Lellis Carneiro Junqueira1,2,4, Guilherme Nossar Matheus da Rocha2,4, Leandro de Souza Duarte2,4 Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Hospital Universitário Pedro Ernesto – Disciplina de Cardiologia – Setor de Hemodinâmica – Rio de Janeiro, RJ – Brasil 2 Universidade do Grande Rio – Cardiologia – Duque de Caxias, RJ – Brasil 3 Hospital São Lucas – Setor de Hemodinâmica – Rio de Janeiro, RJ – Brasil 4 Hospital de Clínicas Mario Lioni – Setor de Hemodinâmica – Rio de Janeiro, RJ – Brasil 1 Resumo Homem com angina instável e lesão grave, calcificada no tronco de coronária esquerda (TCE). Antecedentes: revascularização e anemia. A intenção de tratamento era angioplastia com stent farmacológico (SF) no TCE. Apresentou hemorragia digestiva e piora da anemia, que foram tratadas. Angina refratária à terapêutica clínica. Devido à limitação para antiagregação foi implantado o dispositivo biorreabsorvível (BVS) no TCE. Este relato discute o uso do BVS em lesão complexa, proporcionando absorção do dispositivo, possibilitando melhor manuseio da antiagregação e o seguimento futuro da obstrução tratada, através de métodos de imagem não invasivos. Palavras-chave: Angioplastia; Doença da artéria coronariana; Revascularização miocárdica Abstract (Full texts in English - www.onlineijcs.org) Male patient with unstable angina and critical calcified lesion in the left main coronary artery (LMCA). Background: coronary artery bypass grafting and anemia. The intention to treat was angioplasty with drug-eluting stents (DES) in the LMCA. The patient presented gastrointestinal bleeding and worsening of anemia, which were treated. Angina was refractory to medical therapy. Because of antiplatelet therapy limitation, bioresorbable vascular support (BVS) was implanted in the LMCA. This case report discusses the use of BVS in complex lesion, enabling absorption of the device and better management of antiplatelet therapy and future follow-up of the obstruction treated using by non-invasive imaging methods. Keywords: Angioplasty; Coronary artery disease; Myocardial revascularization Introdução Depois da eficácia alcançada pelos stents farmacológicos (SF), o dispositivo biorreabsorvível (BVS) trouxe benefícios possíveis reduzindo a reação inflamatória, o tempo de dupla-antiagregação plaquetária (DAP) e revascularização de vaso-alvo. O relato mostra o uso não convencional do dispositivo. Correspondência: Esmeralci Ferreira Av. 28 de Setembro, 77 – Setor de Hemodinâmica – Vila Isabel – 20551-030 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil E-mail: [email protected] DOI: 10.5935/2359-4802.20150063 Artigo recebido em 17/05/2015, aceito em 02/10/2015, revisado em 12/10/2015. 434 Ferreira et al. Angioplastia com Suporte Biorreabsorvível em Tronco de Coronária Relato do Caso ABREVIATURAS E ACRÔNIMOS •BVS – suporte biorreabsorvível •DA – descendente anterior •DAP – dupla-antiagregação plaquetária •ICP – intervenção coronariana percutânea •ME – marginal esquerda Homem de 65 anos, hipertenso, dislipidêmico, obeso, com doença gástrica crônica e revascularizado previamente foi hospitalizado com angina instável, e tratado com aspirina, clopidogrel, betabloqueador, nitratos, estatina e anticoagulantes. Hemograma com hemoglobina sérica de 10 g/dL. Bioquímica e marcadores •TCE – tronco de coronária esquerda de necrose miocárdica normais. Coronariografia demonstrou lesão •USIC – ultrassom intracoronariano calcificada grave distal do tronco de coronária esquerda (TCE) envolvendo o óstio da grande marginal esquerda (ME). Descendente anterior (DA) ocluída no terço médio. Circunflexa hipoplásica com oclusão proximal (Figuras 1A e B). A porção distal da DA era revascularizada pela artéria mamária. Coronária direita sem lesões. Função do •SF – stent farmacológico Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(5):433-436 Relato de Caso ventrículo esquerdo (VE) normal. As lesões do TCE e óstio de ME foram consideradas culpadas pelo evento. Indicada intervenção coronariana percutânea (ICP) com SF desde o TCE, cobrindo o óstio e o segmento proximal da ME, com uso de ultrassom intracoronariano (USIC). A proteção ao tronco conferida pela mamária possibilitou maior segurança para ICP. O paciente apresentou hemorragia digestiva por gastrite erosiva aguda com indicação para tratamento medicamentoso. Houve piora da anemia. O procedimento de ICP foi suspenso. O tratamento para angina foi mantido, exceto pela suspensão da DAP e anticoagulação. Em dez dias de internação e repouso não ocorreu angina. Após correção da anemia, o paciente recebeu alta. Embora em uso de antianginosos, após 15 dias apresentou precordialgia, sendo novamente hospitalizado. A nova endoscopia revelou cicatrização das lesões gástricas. Prescrito ticagrelor 90 mg ao dia e aspirina 100 mg ao dia, por sete dias. Sem hemorragia ou sintomas gástricos, optou-se pela ICP com uso de BVS. Figura 1 Coronariografia pré-intervenção Em A: setas assinalando as lesões-alvo da intervenção (OAD caudal) Em B: setas assinalando as lesões-alvo da intervenção (OAE caudal) TCE – tronco de coronária esquerda; DA – descendente anterior; CX – circunflexa; ME – marginal esquerda Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(5):433-436 Relato de Caso Ferreira et al. Angioplastia com Suporte Biorreabsorvível em Tronco de Coronária Figura 2 Coronariografia após o implante dos dispositivos biorreabsorvíveis Em A: setas indicam a região dos implantes (OAD caudal) Em B: setas indicam a região dos implantes (OAE caudal) TCE – tronco de coronária esquerda; DA – descendente anterior; CX – circunflexa; ME – marginal esquerda Procedimento de ICP Angiografia: lesão calcificação em TCE; comprimento de 21,9 mm. O diâmetro do TCE e ME (3,5 mm e 2,6 mm). Escore SYNTAX = 28,5. USIC: lesão de 72,8%; área de 4,3 mm2. Sucessivas pré-dilatações com cateteres-balão, reduzindo lesões residuais. Implantou-se o BVS ABSORB, 3,0 mm x 28 mm desde o terço médio do TCE até a lesão da ME. Foram realizadas pós-dilatações com balões mais rígidos para impactar o BVS na parede do vaso, sem lesões residuais (Figuras 2A e B). O USIC mostrou uma área pós-implante de 7,2 mm2, confirmando o sucesso. Em seguimento clínico de dois meses, o paciente permanece assintomático. A conduta de exames compreende: angiotomografia aos seis meses, coronariografia aos 12 meses e 24 meses. A DAP será mantida por 12 meses. A manutenção de aspirina por longo prazo é motivo de discussão e dependerá da evolução do quadro gástrico. Os fármacos ranitidina e pantoprazol serão mantidos pelo menos até o término do uso da DAP. Discussão A incidência das lesões de TCE em pacientes com angina estável submetidos a coronariografia varia de 5,0-7,0%. Devido a grande área de miocárdio irrigado e a mortalidade de 50,0% em três anos com tratamento clínico, a cirurgia tornou-se soberana1,. Os stents não farmacológicos (SNF) no TCE não se consolidaram devido a altas taxas de reestenose e relatos de morte súbita3. Entretanto, com a segurança do SF nas ICP, o SYNTAX escore passou a avaliar se o tratamento nas lesões de TCE seria factível22,3. Os candidatos a SF em TCE são: anatomias favoráveis, localizadas em óstio ou porção média de tronco não calcificado, com escore SYNTAX baixo (<22) ou intermediário (entre 23 e 32). Os SF para as lesões de TCE em bifurcações, trifurcações, ou escore >32 não se mostraram favoráveis 3 . Ainda controverso, o USIC na ICP em TCE parece melhorar resultados quando comparado ao grupo sem USIC4. A DAP com aspirina e tienopiridínico do tipo clopidogrel é obrigatória nas ICP do TCE. O tempo da DAP ainda suscita discussão. Seu uso por seis meses a um ano parece aceito pela maioria dos autores. A ICP de TCE com SF 435 436 Ferreira et al. Angioplastia com Suporte Biorreabsorvível em Tronco de Coronária não confere por si só maior risco de trombose de stent. Os antiagregantes plaquetários mais potentes (prasugrel ou ticagrelor) parecem adequados, principalmente nos quadros agudos, embora não haja evidência de seu uso nesse grupo específico de ICP em TCE5,6. Os BVS possibilitam, nos primeiros meses, a permanência de um arcabouço semelhante aos stents6. O fármaco everolimus confere a mesma ação antiproliferativa dos SF. Em dois a três anos há absorção por hidrólise e se dissipa em dióxido de carbono e água. Há recuperação da capacidade vasomotora e melhora da função endotelial6. A DAP não difere da indicação estabelecida para os SF, com uso de seis meses a um ano. A maioria dos autores preconiza o uso de ticagrelor ou prasugrel para associação com aspirina6. As taxas de trombose dos BVS são baixas (0,5%) e comparáveis aos SF de última geração. A permanência das hastes constitui desvantagem dos SF, não somente para trombose muito tardia, como também pela dificuldade no acompanhamento através de métodos de imagem não invasivos. Além disso, na reestenose, a necessidade de nova revascularização confere ao BVS a possibilidade de uma anastomose no local sem metal ou, se for o caso, o implante de um novo stent ou BVS, sem superposição de estruturas7. Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(5):433-436 Relato de Caso Os BVS têm sido utilizados em lesões “de novo”, proximais, longas e sem cálcio. O uso em lesões calcificadas, tortuosidade, bifurcação, enxertos de safena, infarto e tronco ainda é excepcional. Há poucos relatos de BVS em lesões complexas, mas em moderada complexidade os resultados são promissores e similares aos SF6,7. A escolha do BVS objetivou a não utilização tardia de DAP, com suspensão definitiva de pelo menos um dos antiagregantes após a reabsorção. A suspensão de ambos os antiagregantes não foi cogitada, pois os antecedentes de doença arterial coronariana determinam o uso de pelo menos um desses medicamentos. Entretanto em caso de hemorragia grave a suspensão temporária de ambos pode ser analisada, sendo este um dos motivos da decisão para o uso do BVS. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de pós-graduação. Referências 1. DeMots H, Rösch J, McAnulty JH, Rahimtoola SH. Left main coronary artery disease. Cardiovasc Clin. 1977;8(2):201-11. 2. SYNTAX Score [Internet]. SYNTAX score calculator. [cited 2015 Apr 23]. Available from: <http://www.syntaxscore.com> 3. Morice MC, Serruys PW, Kappetein AP, Feldman TE, Ståhle E, Colombo A, et al. Five-year outcomes in patients with left main disease treated with either percutaneous coronary intervention or coronary artery bypass grafting in the synergy between percutaneous coronary intervention with taxus and cardiac surgery trial. Circulation. 2014;129(23):2388-94. 4. Park SJ, Kim YH, Park DW, Lee SW, Kim WJ, Suh J, et al; MAINCOMPARE Investigators. Impact of intravascular ultrasound guidance on long-term mortality in stenting for unprotected left main coronary artery stenosis. Circ Cardiovasc Interv. 2009;2(3):167-77. 5. L orga Filho AM, Azmus AD, Soeiro AM, Quadros AS, Avezum Jr A, Marques AC, et al. Diretrizes brasileiras de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes em cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2013;101(3 supl. 3):1-116. 6. Abizaid A, Ribamar Costa J Jr, Bartorelli AL, Whitbourn R, Whitbourn R, van Geuns RJ, Chevalier B, et al; ABSORB EXTEND Investigators. The ABSORB EXTEND study: preliminary report of the twelve-month clinical outcomes in the first 512 patients enrolled. EuroIntervention. 2015;10(12):1396-401. 7. Capodanno D, Gori T, Nef H, Latib A, Mehilli J, Lesiak M, et al. 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