ADRIANA BRAGA ALVES PORTUGUÊS E ESPANHOL, LÍNGUAS IRMÃS SEPARADAS NO NASCIMENTO Canoas, 2009. ADRIANA BRAGA ALVES PORTUGUÊS E ESPANHOL, LÍNGUAS IRMÃS SEPARADAS NO NASCIMENTO Trabalho de conclusão do Curso de Letras do Centro Universitário La Salle, como exigência parcial para obtenção do grau de licenciado em Letras, sob orientação da Profª. Ms. Hilaine.Gregis. Canoas, 2009. TERMO DE APROVAÇÃO ADRIANA BRAGA ALVES PORTUGUÊS E ESPANHOL, LÍNGUAS IRMÃS SEPARADAS NO NASCIMENTO Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de licenciatura do Curso de Letras do Centro Universitário La Salle, pelo avaliador: Profª. Ms. Hilaine Gregis Canoas, 3 de julho de 2009. Dedico este trabalho a minha filha Camila, a razão da minha vida. AGRADECIMENTOS Durante o caminho percorrido para chegar até esta monografia, muitos foram os que me ajudaram e apoiaram, por isso agradecer pode não ser uma tarefa justa por deixar de fora pessoas que mereçam ser agradecidas. Dessa maneira agradeço a todos que direta ou indiretamente colaboraram para a realização desse sonho. Agradeço particularmente as pessoas abaixo. Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por ter me dado a oportunidade de realizar meu sonho e forças para continuar quando tudo parecia muito difícil. Ao Marcelo, à minha filha Camila, aos meus pais e irmãos que, com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. Aos meus sogros, pelo carinho e cuidados dedicados à Camila durante minha ausência. Aos meus queridos amigos e colegas do curso Letras e de trabalho pelo incentivo e apoio. À professora Hilaine, pela paciência na orientação e incentivo na construção e conclusão desta monografia. A todos os professores do Unilasalle, em especial, ao professor Cícero Galeno Lopes que foi muito importante na minha formação acadêmica. RESUMO A língua latina se difundiu juntamente com as conquistas do Império Romano e foi imposta como língua oficial aos povos vencidos. No início, era um único idioma; no entanto, à medida que se espalhava pelo mundo, começou a apresentar alterações até haver uma distinção entre a língua literária, denominada de clássica, e a língua falada, chamada de vulgar. Recebendo influências de substratos, de superestratos e de adstratos, com o declínio do Império Romano, foi o latim vulgar que se modificou até formar as línguas românicas. Na Península Ibérica, foi o movimento de Reconquista Cristã, que tinha por interesse expulsar os povos árabes das terras ibéricas, o responsável pela formação das línguas irmãs: o português e o espanhol. Esses idiomas têm origem e história muito semelhantes, mas apresentam várias distinções em todos os níveis: fonético, lexical, morfológico e sintático. Essas diferenças podem ser explicadas por questões político-sociais e geográficas. Palavras-chaves: Língua. Língua latina. Línguas românicas. Língua portuguesa. Língua espanhola. RESUMEN La lengua latina se difundió juntamente con las conquistas del Imperio Romano y fue impuesta como lengua oficial a los pueblos vencidos. En el inicio, era un solo idioma; pero, en la medida que se difundía por el mundo, empezó a mostrar alteraciones hasta haber una distinción entre la lengua literaria, denominada clásica, y la lengua hablada, llamada vulgar. Recibiendo influencias de los substratos, de superestratos e adstratos, con la declinación del Imperio Romano, fue el latín vulgar que se modificó hasta formar las lenguas románicas. En Península Ibérica, fue el movimiento de Reconquista Cristiana, que tenía el interés de expulsar los pueblos árabes de las tierras ibéricas, el responsable por la formación de las lenguas hermanas: el portugués y el español. Esos idiomas tienen origen e historia muy semejantes, pero presentan muchas distinciones en todos los niveles: fonético, lexical, morfológico y sintáctico. Esas diferencias pueden ser explicadas por cuestiones político-sociales y geográficas. Palabras llaves: Lengua. Lengua latina. Lenguas románicas. Lengua portuguesa. Lengua española. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7 2 LINGUAGEM, LÍNGUA E DIALETO ........................................................................ 8 3 A LÍNGUA LATINA ................................................................................................ 12 3.1 Origem da língua latina ..................................................................................... 12 3.2 Evolução do latim .............................................................................................. 14 3.3 Latim culto “versus” Latim vulgar ................................................................... 16 3.4 A formação das línguas românicas ................................................................. 20 4 AS LÍNGUAS IRMÃS PORTUGUÊS E ESPANHOL ............................................. 25 4.1 História da Língua Portuguesa ........................................................................ 25 4.2 História da Língua Espanhola .......................................................................... 29 4.3 Análise comparativa das Línguas Portuguesa e Espanhola ......................... 31 4.4 A separação das línguas irmãs portuguesa e espanhola .............................. 38 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 43 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 44 Anexo 1 – Fotografia do diagrama As grandes famílias linguísticas ................. 46 Anexo 2 – As línguas portuguesa e espanhola .................................................... 47 1 INTRODUÇÃO A partir das últimas décadas, os estudos diacrônicos voltaram a ser enfocados por numerosas estudiosos da área de Linguística – mais especificamente de Linguística Histórica. Tendo em vista a grande parte de pessoas que consideram o latim uma “língua morta”, trazemos um estudo comparativo entre as línguas portuguesa e espanhola, mostrando como foi o processo de dialetação do latim que deu origem as línguas românicas, entre elas, a portuguesa e espanhola. O objetivo do presente estudo é conhecer com maior profundidade os idiomas português e espanhol a partir da evolução do latim até os dias atuais e mostrar quais foram os fatores linguísticos e extralinguísticos que influenciaram os diferentes rumos tomados por essas línguas, além de apontar as principais diferenças e semelhanças que são mantidas por esses idiomas de povos distintos. É possível que os dados acerca da procedência das línguas portuguesa e espanhola possam ser importantes para entendermos como permanecem muitas semelhanças até nossos dias entre tais línguas e como ocorreram e ocorrem as mudanças linguísticas. O desenvolvimento desse estudo foi estruturado a partir de leituras e fichamentos de obras e textos que envolvem o tema. Entre os principais autores citados estão: Rodolfo Ilari, Sílvio Elia, Celia Siqueira Marrone, Ismael da Lima Coutinho, Mattoso Câmara Júnior, Carlos Alberto Faraco, Zélia de Almeida Cardoso e Francisco da Silveira Bueno. 2 LINGUAGEM, LÍNGUA E DIALETO O ser humano tem a necessidade de comunicar-se com o mundo exterior e para isso cria formas, ou seja, códigos. É tão importante a comunicação para o homem que, por exemplo, se isolássemos um grupo de pessoas que falam línguas distintas em um ambiente, eles, certamente, criariam formas de se comunicarem, seja por gestos, mímicas ou palavras. Depois de um tempo, se analisarmos essas pessoas, chegaremos à conclusão de que elas construíram um código comum, no qual se expressam de maneira que se entendam. Para ilustrar, podemos mencionar aqui as pessoas surdas, que por não ouvirem, hipoteticamente, não poderiam se comunicar com as demais pessoas, mas não é isso que ocorre, elas construíram sua próprio língua. Hoje, diversos países têm oficialmente uma língua de sinais para surdos. No Brasil, temos a LIBRAS, Língua Brasileira de Sinais, que é reconhecida pelo Estado desde 2002. Por ser a linguagem algo tão importante e interessante para o ser humano, desde a Antiguidade, muitos estudiosos e pesquisadores têm tentado responder questões sobre a origem dessa capacidade humana, porém, até nossos dias, não chegaram a um consenso. Essa preocupação deve-se ao fato da linguagem ter um papel fundamental na vida social, pois é por meio dela que o indivíduo pode comunicar seus pensamentos, desejos, sentimentos, etc. É importante para nosso estudo, primeiramente, verificarmos os conceitos dos vocábulos língua, linguagem e dialeto, que, muitas vezes, são confundidos, causando uma má interpretação do sentido dessas palavras. Sabemos que tais termos estão relacionados com a comunicação, mas possuem significados distintos. Linguagem é o conjunto de sinais utilizado pelo homem para comunicar-se com o mundo exterior; língua é a linguagem de uma comunidade e dialeto é variação de uma língua, que pode ser originário de diversos fatores, como classe social, região, 9 escolaridade, etc. Não devemos estigmatizar nenhuma variante de uma língua, pois todo novo idioma é originário de um dialeto. Existem inúmeras definições, semelhantes em muitos pontos e divergentes em alguns aspectos relevantes considerados por cada autor, para língua, linguagem e dialeto, pois com o avanço dos estudos linguísticos muitos estudiosos preocuparam-se em conceituá-los. Vejamos abaixo algumas dessas definições, que servirão para termos noções essenciais e ajudar no desenvolvimento desse estudo. De acordo com Petter (2006, p.11), o deslumbre que a linguagem exerce sobre o homem vem do poder que permite nomear, criar e transformar o universo real e também a possibilidade de trocar experiências, falar do passado, do futuro e imaginar. A linguagem verbal é o objeto do pensamento e o meio de comunicação social. Assim como não é possível existir uma sociedade sem linguagem, também não há sociedade sem comunicação. Saussure (2006, p.17) explica que a língua não se confunde com a linguagem, é uma parte dela, é um produto social, é um conjunto de convenções. A linguagem é multiforme e heteróclita, pertence ao domínio individual e social. Segundo Joaquim Mattoso Câmara Jr. (1990, p. 9), a linguagem é algo comum no cotidiano das sociedades, é um ato tão natural quanto caminhar, embora, a linguagem não seja um fenômeno biológico como caminhar, mas uma invenção da sociedade, baseada nas capacidades biológicas. Coutinho (2005, p. 21; 22) diz que linguagem é o conjunto de sinais utilizados, intencionalmente, pelos homens para transmitir ideias e pensamentos. Para o pesquisador (2005, p. 29), a língua é uma linguagem peculiar de um povo e dialeto é uma variação regional de uma língua. Ele segue dizendo que o dialeto não deve ser considerado uma corrupção de uma língua, mas uma transformação que é devida a diversos fatores que podem ser: sociais, étnicos, geográficos, etc. Lembra que toda língua, originalmente, é um dialeto, por isso língua e dialeto são termos relativos. Por exemplo, as línguas espanhola e portuguesa em relação ao Latim não passam de simples dialetos. Para os autores Dolores Carvalho e Manoel Nascimento (1974, p. 9), linguagem em seu sentido lato é todo sistema de sinais que podem ser utilizados pelas pessoas para se comunicarem. Dessa forma, podemos falar em linguagem dos animais ou em diversos sistemas de linguagem humana, como a gesticulada, a mímica, a simbólica (bandeiras, sinais de trânsito, brasões) e a que se faz por meio 10 dos sentidos (olfato, tato). No entanto, no sentido escrito a linguagem é aquela que fundamenta o objeto da linguística e restringe-se à linguagem humana articulada. A linguagem é uma característica própria do ser humano e serve de instrumento para a intercomunicação social, não podendo haver sociedade sem linguagem. Sendo língua, a linguagem particularmente usada por um povo. Sílvio Elia (1998, p.10 -15) explica que dialeto é uma palavra de origem grega diálektos, que significava “conversação, maneira de falar”, “maneira de falar própria de determinada região”. Hoje, no ponto de vista popular, o termo dialeto é usado para definir uma forma corrompida da língua culta. Porém, acrescenta o autor, o dialeto tem uma equivalência em relação à língua, isto é, não apresenta qualquer tipo de inferioridade estrutural. A língua é o falar de um povo, reconhecido oficialmente pelo Estado, por esse motivo é que possui um maior prestígio social do que o dialeto, que não é reconhecido com língua oficial pelo Estado e é utilizado, normalmente, em sua forma oral. Serafim da Silva Neto (1977, p. 26) diz que “a língua é realidade viva, espontânea, nunca rijo catálogo de formas”. A partir disso, podemos afirmar que a língua, como algo vivo, se modifica, se transforma, evolui, acompanha a realidade de seus falantes e consecutivamente cria-se novos falares, isto é, novos dialetos. Partindo do fato que as línguas se modificam com o passar do tempo, criando novos dialetos que, posteriormente, serão considerados novas línguas, é necessário sabermos como ocorre esse fenômeno linguístico. As línguas variam, e para entendermos isso é interessante observamos que dentro do nosso país há diferenças no português falado por nós do Rio Grande Sul e pelo português falado em outros estados, como São Paulo, Bahia e Mato Grosso, mas mesmo com algumas diferenças, sejam elas lexicais, sintáticas ou fonéticas, conseguimos nos comunicar em qualquer estado brasileiro. Podemos citar como exemplo de variante lexical a palavra mexerica, usada em São Paulo, que corresponde a bergamota, palavra mais comum para nós no Rio Grande do Sul. As línguas apresentam variações de acordo com a região, como no exemplo acima, e também de acordo com a situação em que se fala, com o nível de escolaridade, com a classe social, etc. Segundo Faraco (1998, p. 9), os falantes de uma língua, geralmente, não se atêm ao fato de que sua língua está em constante processo de mudança. Esse processo esse que acontece de maneira contínua e lenta e que atinge sempre 11 partes de uma língua, ou seja, a evolução das línguas ocorre alternando, em espaços de tempo, a mudança e a permanência, o que explica o fato dos falantes acreditarem que a língua é estática e não dinâmica. Em controvérsia, Faraco afirma (1998, p. 10) que há determinadas situações em que os falantes percebem a existência de algumas alterações, por exemplo, quando os falantes têm contato com textos arcaicos de sua língua; quando convivem com pessoas de faixa etária, classe social e escolaridade diferente da sua; quando têm dificuldades de escrever em língua padrão. É nessas situações que fica evidente a diferença que existe entre a ideia que se tem de língua e o que realmente ocorre, isto é, a língua está sempre em processo de mudança. Para compreender melhor porque as línguas mudam, vejamos na citação abaixo os esclarecimentos do autor Paulo Chagas. Dentro de uma perspectiva variacionista se tem como certo que toda mudança pressupõe variação, ou seja, para que a mudança ocorra a língua tem necessariamente de passar por um período em que há variação, em que coexistem duas ou mais variantes. Tomando como exemplo, para simplificar a exposição, o caso em que há apenas duas variantes, uma mais antiga e outra mais nova, poderemos constatar que gradativamente a distribuição das variantes passa de um predomínio da variante mais antiga para um predomínio da variante mais nova, até que haja a substituição completa. Retomando o exemplo das formas você e tu, tínhamos inicialmente apenas a forma tu, depois as duas em concorrência. Em muitas regiões do Brasil, já se completou a mudança, resultando em uma substituição completa do pronome sujeito tu por você. Em outras temos ainda a variação entre as duas. É importante perceber que não passamos de uma fase em que só se usava a forma tu para outra em que só se usava a forma você, sem uma fase intermediária de variação (2006, p.152). A partir das explicações acima, podemos concluir que todas as línguas passam por modificações e através do tempo transformam-se em dialetos que podem formar novas línguas. Veremos nos próximos capítulos, que desde o indoeuropeu, houve uma série de alterações na língua indo-européia, provocadas por diversos fatores que mais tarde deram origem a diversas línguas, até chegar às línguas do presente estudo: portuguesa e espanhola. 3 A LÍNGUA LATINA Se queremos conhecer com profundidade algo existente no presente, devemos olhar para suas raízes no passado, por isso é importante conhecermos a Língua Latina e sua origem, pois a partir dessa análise e estudo poderemos conhecer melhor nossa própria língua e sua estrutura e, muitas vezes, encontrarmos respostas para questões linguísticas e etimológicas das palavras utilizadas por nós nos dias atuais. 3.1 Origem da língua latina A língua latina pertence à família das línguas indo-européias e era, inicialmente, o idioma dos povos que viviam na região central da Itália, chamada de Lácio, hoje, a cidade de Roma. O indo-europeu, que deu origem ao latim, é um conjunto hipotético de línguas, cerca de 60 línguas distintas, que eram apenas faladas por seus usuários, pois não havia uma escrita. Como não existia registro da língua indo-européia, os linguistas chegaram a ela comparando e estudando suas línguas-filhas, entre elas o latim, que foi introduzido pelo povo romano, durante o processo de conquista, na Península Ibérica no século III antes de Cristo. De acordo com os autores Dolores Carvalho e Manoel Nascimento (1974, p.12 -13), devido às afinidades percebidas entre as línguas da Ásia e da Europa, e suas derivadas, conclui-se que existiu um idioma comum que deu origem a essas línguas, a qual foi chamada de indo-europeu. A essa família linguística pertenceu o ramo itálico, que teve como línguas o osco, o úmbrio e o latim. O início do idioma latino alude ao século VIII a.C. e seu período final chega ao século V d.C. 13 Historicamente, a permanência da língua latina como língua falada vai da fundação de Roma até a queda do Império Romano. Segundo Frederick Bodmer (1960, p.171; 175), devido a várias afinidades fonéticas, morfológicas e vocabulares, os franceses chamaram de indo-européia a família de línguas formadas pelos grupos românico, céltico, eslavo, teutônico, juntamente com as línguas indo-iranianas faladas pelos habitantes da Pérsia e da Índia e ainda o lituano, o grego, o albanês e o armênio são membros isolados dessa família. As evidentes semelhanças que há entre essas línguas nos levam a crer que são todas descendentes de uma única língua primitiva utilizada por alguma comunidade em algum lugar e num determinado tempo da pré-história. A língua falada pelo grande Império Romano teve início como rústico dialeto da província do Lácio. Frederick Bodmer (1960, p. 283) afirma que o latim foi o idioma vernáculo de uma simples cidade-estado sobre o Tibre, na Itália Central. Foi a conquista militar que o impôs ao Lácio e ao restante da Itália. Os romanos por meio de suas conquistas disseminaram o latim através do norte da África à Península Ibérica, atravessando a Gália de sul a norte, ao Reno e a leste do Danúbio. Segundo Serafim da Silva Neto (1977, p.16), os primeiros escritos em latim apareceram no século VII antes de Cristo. O latim, nessa época, era uma língua pobre e simples, falada por pastores e agricultores, totalmente desprovido das belezas literárias. Porém, vagarosamente, com o crescimento da sociedade romana, a língua foi aperfeiçoando-se. No ano 272 antes de Cristo, a Língua Latina não era mais somente o idioma da pequena região do Lácio, mas a língua de toda Península. Conforme Silvio Elia (1998, p. 11), existia no Lácio muitos idiomas: o latim, o falisco, o prenestino. Porém foi o latim, a língua de Roma, que se transformou na língua oficial de todo império. Além da sua língua, o povo romano reconhecia como língua apenas o grego. As outras línguas eram consideradas por eles como línguas bárbaras, palavra derivada do grego, na qual a repetição de sílabas significava gaguejar. O termo também se aproximava do latim balbus, que significava gago. Mas o que mais incomodava os ouvidos romanos eram as diferenças socioletais. Consideravam como boa linguagem a língua utilizada pelas pessoas cultas de Roma, denominada urbanitas. A urbanitas opunha-se ao falar do povo menos 14 favorecido, a rusticitas. Evitavam também os falares estrangeiros, denominada peregritas, pois temiam que denegrissem a pureza do sermo latinus. A escritora Zelia de Almeida Cardoso (1999, p. 9; 10) fala da importância do latim, dizendo que ele teve seu valor no passado durante o prestígio de Roma. Durante o Império Romano, o latim era a língua de comunicação, que foi implantado sem grandes dificuldades nos locais culturalmente menos desenvolvidos, espalhado pelos soldados e ensinado nas escolas. Mesmo não sendo a língua oficial do Império, foi a língua que a Igreja tratou de impor. Durante a Idade Média e o início da Modernidade, o latim foi considerado o idioma universal da política, da religião, da cultura e da ciência. Hoje, existem dois aspectos relevantes em relação a Língua Latina que devem ser considerados. Um deles é a rica literatura deixada pelos romanos, que nos dá acesso a belas obras de arte, como também contribui para diversas áreas do conhecimento: história, filosofia, antropologia, literatura, ciência e teatro. Outro aspecto é o interesse linguístico, pois é uma das línguas mais antigas indo-européias. Por meio dela podemos ter respostas para numerosas indagações que se referem ao conhecimento das línguas, sendo a língua-mãe dos idiomas neolatinos, nos fornece esclarecimentos em torno de fenômenos de nossa Língua Portuguesa, bem como das línguas irmãs. 3.2 Evolução do latim Para começarmos a estudar a evolução do latim, é pertinente observarmos as explicações abaixo da autora Zélia Cardoso em sua obra Iniciação ao latim: Supõe-se que o indo-europeu foi falado por um povo que se dispersou, por razões até hoje desconhecidas, alguns milênios antes de Cristo, espalhando-se pela Europa e pela Ásia. A dispersão do povo acarretou profundas modificações linguísticas no idioma, inicialmente uno. O indo-europeu dividiu-se em numerosas línguas, cada uma das quais gerou posteriormente outros tantos idiomas. Essas línguas foram agrupadas, pela proximidade linguística, em diversos ramos: itálico, helênico, céltico, germânico, báltico, eslavo, indo-irânico e outros. Muitas dessas línguas acham-se hoje extintas ou mortas. As remanescentes são faladas em grande parte do mundo ocidental e em algumas regiões do Oriente. (1999, p.6). É possível percebemos no trecho acima que desde os tempos mais remotos as línguas passam por profundas modificações por diversas razões, que podem ser ligadas a fatos, como já foi dito anteriormente, geográficos, culturais, sociais, etc. 15 Essas alterações levam ao surgimento de novos idiomas, que com o passar do tempo também vão originar novos dialetos, que se transformarão em novas línguas. Com a Língua Latina não foi diferente, ela passou por diversas transformações, que originaram muitos dialetos, os quais deram origem a várias novas línguas. A autora Zelia de Almeida Cardoso (1999, p.7) diz que se costuma caracterizar o latim conforme a época e as situações em que foi utilizado, dividindo a evolução do idioma em várias etapas: latim pré-histórico, apenas falado pelo povo primitivo da terra do Lácio, sem registro de escrita; latim proto-histórico, quando surgem os primeiros documentos escritos; latim arcaico, aquele que aparece em textos literários remotos, com vocabulário precário que é enriquecido por influências da língua grega; latim clássico era a língua culta escrita, caracterizada por um vocabulário fino, sem erros gramaticais, por um alinhado estilo e era usada pelos grandes escritores da época, foi conservado graças a várias obras literárias, das quais foi possível depreender os fenômenos gramaticais do idioma; latim vulgar era a comunicação oral utilizada pela camada pobre da sociedade romana e possuía uma grande diferença do latim clássico; latim pós-clássico foi o último idioma considerado latino, com modificações profundas, já não havia uma distância tão grande entre a língua escrita e a falada e se pressagia a grande dialetação da qual se originaram as diversas línguas românicas. Mesmo após a dialetação, durante muito tempo, as classes cultas tentaram manter o uso do latim. Os tabeliões o utilizavam até o século XII em seus documentos; a Igreja tornou o latim sua língua oficial e obrigatória em seus documentos e nas celebrações religiosas até o ano de 1961; por fim, a ciência utilizou o latim, até o início do século XX, como uma espécie de língua universal. Conforme H. Bradley (1992, p. 389; 398), o latim falado pela Europa, no seu último período de desenvolvimento, não era língua mais inicial dos romanos, mas o idioma dos alemães, dos celtas, dos ibéricos romanizados e de comunidades de outras raças cujos antepassados haviam aprendido o latim vulgar, por meio da comunicação oral com seus vizinhos, transmitindo-o com muitos elementos de sua língua latina aos seus descendentes. E assim, sucessivamente, o latim foi exposto a influências linguísticas de invasores estrangeiros e da população do território romano que não havia sido totalmente romanizado. O latim popular, o qual deu origem a várias línguas românicas, diferenciou-se muito do clássico, não só na 16 gramática e na fonética, mas também em seu vocabulário muito distinto. Se um falante da língua clássica fosse apresentado a um documento completo com as palavras e suas denotações do latim vulgar, certamente não conheceria e se surpreenderia com muitas dessas palavras. Ele perceberia que muitos termos indispensáveis e utilizados pela língua antiga sumiram do vocabulário e que os vocábulos, que permaneceram, sofreram muitas alterações; constaria também que apareceram muitas palavras novas, algumas de derivação latina e outras completamente estranhas. 3.3 Latim culto “versus” Latim vulgar A partir de várias leituras sobre o latim, podemos afirmar que durante o Império Romano duas línguas conviveram, uma chamada de latim vulgar, e outra, de latim clássico. Designamos o termo de latim culto à modalidade escrita do latim documentado na literatura latina; foi a língua usada por Cícero, Horácio, Sêneca e outros. Consequentemente, ficou conhecida pela elegância de seu estilo, por um acurado vocabulário e uma severidade gramatical. Com a queda do Império Romano, foi esse o latim que continuou sendo utilizado pela Igreja, pela filosofia e pela ciência. O latim culto, que recebeu a denominação de sermo urbanus pelos romanos, é definido por Coutinho (2005, p. 29) como uma língua artificial, rígida, imota e que não refletia a vida trepidante e mudável do povo. O latim vulgar, que foi chamado pelos romanos de sermo vulgaris, era uma língua essencialmente oral, utilizada pelas camadas mais simples da população romana, e foi esse, o latim, que deu origem às diversas línguas românicas. Coutinho (2005, p. 30) definiu o latim vulgar como o idioma das classes inferiores, que representava a soma de todos os falares dos povos mais humildes. A fim de exemplificar as diferenças entre o latim clássico e o latim vulgar, podemos verificar uma lista de palavras de um documento chamado Appendix Probi do gramático Probus, que tinha por intenção mostrar a forma correta que deveriam ser escritas e pronunciadas as palavras. Vejamos abaixo uma parte do documento: Documento: As primeiras 50 glosas do Appendix Probi. porphireticum marmor non purpureticum marmor tolonium non toloneum 17 speculum non speclum masculus nom masclus vetulus non veclus vitulus non viclus vernaculus non vernaclus articulus non articlus baculus non vaclus angulus non anglus iugulis non iuglus calcostegis non calcosteis septizonium non septizodium vacua non vaqua vacui non vaqui cultellum non cuntellum Marsias non Marsuas + cannlam non canianus Hercules non Herculens columna non colomna pectin non pectinis aquaeductus non aquiductus cithara non crystal formica non furmica musivum nom nus(e)um exequiae nom execiae gyrus non girus avus non aus miles nom milex sobrius non suber figulus non figel musculus non mascel lanius non laneo iuvencus non iuvenclus barbarus non barbar equs non ecus 18 coqus non cocus coquens non cocens coqui non coci acre non acrum pauper mulier non paupera mulier carcer non car<car> bravium non brabium pancarpus nom parcarpus Theophilus non Izophilus homofagium non monofagium Byzacenus non Bizacinus Capse(n)sis non Capsessis Catulus non Catellus Fonte: Ilari, 1997, p. 71. Nos vocábulos acima, é possível observar algumas mudanças pelas quais a língua clássica já estava passando, entre elas alterações vocálicas e perdas consonantais. A partir de pesquisas em diversas gramáticas históricas podemos apontar, de forma resumida, algumas das principais características do latim vulgar em relação ao latim clássico. A pronúncia do latim vulgar afastava-se em muitos aspectos da pronúncia do latim clássico. Há no latim popular uma tendência a evitar vocábulos proparoxítonos, transformando-os em paroxítonos: álacrem – alacre. Na pronúncia das consoantes, a letra h perdeu sua aspiração e passou a não ter som, permanecendo até hoje na escrita das línguas românicas por questões diacríticas. O b, entre vogais, soava como v. As palavras iniciadas pela letra s, seguida de uma consoante, receberam, antes dela, a vogal i, que passou a e (scribere – iscribere). O som n antes de s desaparece (mensa – mesa). O m final, exceto nos monossílabos, é suprimido (mecum – mecu). A pronúncia das vogais, no latim clássico, era feita de maneira mais longa e aberta. Os ditongos e hiatos foram reduzidos a uma única vogal (praeda – preda, aurum – orum, mortuus - mortus). No que diz respeito ao léxico do latim vulgar, podemos dizer que surgiram uma enorme quantidade de novas palavras, outras caíram em desuso e as restantes 19 sofreram alterações significativas. Houve uma preferência por palavras populares e no diminutivo: o termo auris (orelha) foi substituído por aurícula. Na morfologia, ocorreu uma redução dos casos do latim clássico. Conforme Dolores Carvalho e Manoel Nascimento (p.77; 78), o latim era um idioma sintético, que exprimia as funções sintáticas dos vocábulos por meio de flexões; no entanto, o latim vulgar e as línguas românicas são analíticas, pois exprimem as funções sintáticas dos vocábulos por artigos e preposições (latim clássico – liber Petri; latim vulgar – libru de Petru; português – livro de Pedro). Por isso no latim clássico havia muitas flexões ou desinências. As diversas funções dessas desinências receberam o nome de casos. Abaixo podemos verificar os casos existentes no latim literário: Nominativo – caso do sujeito (discipulus); Genitivo – caso do complemento restritivo (discipuli); Dativo – caso do objetivo indireto (discipulo); Acusativo – caso do objetivo direto (discipulum); Vocativo – caso do vocativo (disciule); Ablativo – caso dos adjuntos adverbiais (discipulo); Aos poucos, o sistema de casos foi diminuindo, ao passo que o uso das preposições e artigos aumentava. O latim literário não contava com artigos e preposições, necessidade que foi suprida pelo latim popular. O escritor Antenor Nascentes também faz suas explicações em relação à redução de casos e declinações do latim. Os casos foram desaparecendo, substituindo-se por perífrases por meio de preposições. O nominativo e o acusativo, casos muito empregados, mantiveram-se. O genitivo foi substituído pela preposição de, o dativo sofria a concorrência da preposição ad. O ablativo confundiu-se com o acusativo. O vocativo igualou-se completamente com o nominativo. As declinações reduziram-se a três. A quarta se confundiu com a segunda, havendo já no latim clássico aproximações como senatus, senati, domus, domi. A quinta, cm a primeira, havendo já no latim clássico dualidades como materiesmateria, luxuries-luxuria, passando algumas palavras para a terceira (fácies, species, fides). Desapareceu o gênero neutro. Os neutros em –u confundiram-se com os masculinos da segunda declinações; os plurais e – a, com os femrininos da primeira. Os –u, -a, para masculino e feminino, e epara ambos os gêneros: bonu, bona, forte. O comparativo e o superlativo passaram ser geralmente expressos por formações analíticas (plus, magis, multum), já usadas no latim clássico. (1954, p. 27). Para Frederick Bodmer (1960, p. 291), a grande distinção entre o latim clássico e o latim vulgar está na extensão em que as preposições eram utilizadas. Enquanto o latim popular fazia amplo uso delas, o latim literário fazia um uso muito 20 discreto das preposições. Com o passar do tempo, o emprego das preposições eliminou as características dos casos latinos. Apesar dos esforços de alguns eruditos para que não ocorresse a evolução da língua, foi o latim vulgar, falado pelos soldados e pelos camponeses, que gradualmente se transformou no tempo e no espaço e deu origem a novas línguas, e são elas a fonte mais próxima que temos acerca do latim vulgar, que não morreu, mas modificou-se. Foi dessa estrutura linguística que as línguas românicas nasceram, sendo elas fruto do desenvolvimento do latim vulgar em contato com elementos pré-românicos e de influências de outros povos que chegaram mais tarde. 3.4 A formação das línguas românicas Por que línguas românicas? Para responder a essa pergunta vamos recorrer às explicações de Rodolfo Ilari: România deriva de romanus, e este foi o termo a que naturalmente recorreram os povos latinizados, para distinguir-se das culturas barbáricas circunstantes: assim, os habitantes da Dácia, isolados entre povos eslavos, autodenominaram-se romîni e os réticos se autodenominaram Romauntsch, para distinguir-se dos povos germânicos que os haviam empurrado contra a vertente norte dos Alpes suíços. Sobre romanus formou-se o advébio romanice, “à maneira romana” (2004, p. 50). A partir da leitura do trecho acima, podemos afirmar que a palavra românica tem origem no termo romance, que é derivado do vocábulo romance, usado para identificar as línguas vulgares, que, atualmente, chamamos de línguas românicas ou neolatinas. Hoje, usamos o termo România para identificar o lugar ocupado por essas línguas, pois România era o nome do conjunto de terras que pertenceram ao Império Romano. Para o professor Silveira Bueno (1963, p. 23), qualquer pessoa leiga no assunto pode suspeitar que as línguas denominadas românicas têm uma origem comum por apresentarem muitas semelhanças. A origem comum a que o professor refere-se é a língua latina, que se expandiu pelo mundo, levada pelo Império Romano. O autor Bradley (1999, p. 387) afirma que não é necessário erudição para perceber que, no domínio da língua, a herança deixada pelo povo romano é ampla, pois se Roma, nas primeiras batalhas por conquistas territoriais, tivesse fraquejado, 21 as línguas conhecidas por nós, como o italiano, o português, o espanhol, o provençal, o francês e outras línguas similares não teriam existido. Sabemos que a pequena cidade-estado, por meio de suas conquistas, tornou-se poderosa mundialmente e que na maior parte da Europa Ocidental os povos vencidos aprenderam a falar a língua dos vencedores e acabaram esquecendo suas línguas maternas, de forma que, hoje, o que um dia foi apenas um dialeto do pequeno distrito de Lácio é falado, com algumas mudanças, como idioma materno por metade dos países civilizados. Desde o século IV a.C., Roma iniciou o processo de expansão territorial, primeiro, por toda Península Itálica e, depois, no ano de 218 a. C., na Península Ibérica. A absorção das terras ibéricas pelo Império Roma foi lenta, por isso a romanização não aconteceu com a mesma intensidade em todas as regiões. Os povos vencidos foram abandonando aos poucos suas culturas e línguas maternas e adotando a cultura e a língua latina. De acordo com Silveira Bueno (1963, p. 27), o idioma latino pôde se impor sobre as demais línguas locais por ter uma estrutura perfeita e, principalmente, por ser a língua dos vencedores imposta a burocracia administrativa e tribunal, mas foi com o culto e as pregações cristãs realizadas em latim que o idioma latino se sobrepôs as línguas maternas regionais. Apesar disso, as línguas próprias de cada lugar continuaram a coexistir com o latim. Por volta do século III, o Império Romano passava por uma enorme crise econômica, política e moral. A corrupção dentro do governo, os altos gastos, a falta de investimentos no exército romano, a diminuição de conquistas territoriais, o número reduzido de escravos geraram um enfraquecimento do grande império. Nesse contexto, iniciaram as invasões no Império Romano que se encontrava com o exército fraco e com as fronteiras desprotegidas. Em 476, diversos povos estrangeiros, entre eles visigodos, vândalos, suevos e saxões, penetram as fronteiras do Império Romano e encontram um exército enfraquecido e com as fronteiras desprotegidas. Esses povos invadiram a Península Ibérica, porém não impuseram uma nova língua e continuaram falando o idioma dos derrotados. Foi, então, que começaram a ocorrer influências dos substratos e dos superestratos para a modificação do latim falado, que já se encontrava com sua unidade lexical bastante comprometida. Inicialmente, o latim falado, durante o processo de expansão territorial, era homogêneo, no entanto, à medida que foi se expandindo juntamente com as 22 conquistas romanas, passou a apresentar alterações que foram gerando variedade dialetal. Com a decadência do Império Romano, somada a essas alterações dialetais, às invasões e à construção de escolas nacionais, surgem os romances, dialetos locais que foram tomando força e transformando-se aos poucos em línguas. Silveira Bueno (1963, p. 29) relata que no momento em que os dialetos locais começaram a ser ininteligíveis de uma província a outra, o latim vulgar desapareceu e começou a romanização. O escritor afirma que não há como precisar o período em que esse fato ocorreu, mas cita a opinião de Grandgent, que diz que tal fato aconteceu entre o sexto e o sétimo século da era cristã e que o latim vulgar existiu durante o período do II século a.C. até o VI d.C, ou seja, oitocentos anos. São consideradas línguas originárias do latim aquelas que mantêm vestígios dessa língua no seu vocabulário e na sua estrutura. As línguas portuguesa e espanhola, entre outras, são línguas românicas, também chamadas de neolatinas, que têm sua origem no Latim, língua da cidade de Roma. Além dessas, podemos citar outras línguas românicas: o francês, na França; o romeno, da Romênia; o italiano, da Itália, o catalão, da Catalunha, na Espanha; o galego, da Galícia, na Espanha. Silvio Elia (1988, p. 136; 137) explica que as línguas românicas podem ser agrupadas em duas grandes divisões: línguas da România Ocidental (Portugal, Espanha, França e Norte da Itália) e línguas da România Oriental (Itália Peninsular, Romênia e a o antigo dalmático). O autor acrescenta que além dessa bipartição, há como reunir as línguas românicas em alguns grupos, citando a distribuição, a seguir, de A. Monteverdi: Daco-România: 1 – romeno, 2 – dalmático; Ítalo-România: 3 – ladino, 4 – alto-italiano, 5- italiano, 6 – sardo; Galo-România: 7 – francês, 8 – franco-provençal, 9 – provençal; Ibero-România: 10 – catalão, 11 – espanhol, 12 – português. Várias são as causas para a diferenciação das línguas romanas: o substrato encontrado pelo latim (distintas línguas encontradas pelo domínio do Império Romano), pois com a variação do substrato, o latim também variou; a recepção do latim em épocas distintas, pois as regiões mais isoladas não foram totalmente romanizadas, mantendo sua língua original e, posteriormente, afetando as novas línguas; a proveniência dos romanos de lugares distintos (sul, centro, norte); as relações comerciais, políticas e religiosas e o superestrato. 23 Para ilustrar, podemos ver a seguir um quadro retirado da obra Linguística Românica, de Rodolfo Ilari, que apresenta algumas palavras no latim clássico e como elas são hoje nos idiomas português, espanhol, francês e italiano. Quadro 1 – Comparação das línguas românicas latim português espanhol francês Italiano novu novo nuevo neuf nuovo movet move mueve meut muove mordit morde muerde mord morde porta porta puerta porte porta populu povo pueblo peuple popolo flore flor flor fleur fiore hora hora hora heure hora solu só solo seul solo famosu famoso famoso fameux famoso cohorte corte corte cour corte prorsa prosa prosa prose prosa gula gola gola gueule gola juvene jovem joven jeune giovane ulmu olmo olmo orme olmo unda onda onda onde onda bucca boca boca bouche bocca furnu forno horno four forno musca mosca mosca mouche mosca luna lua luna lune luna virtude virtude virtud vertu virtú mutare mudar mudar muer mutare Fonte: Ilari, 1997, p. 23. O quadro de Ilari nos permite compararmos as línguas românicas entre elas e em relação ao latim. Como podemos perceber, o italiano é a língua mais próxima do latim em relação às outras línguas. Já o francês é o mais distantes de suas línguas irmãs. Mantêm grandes semelhanças o português, o espanhol e o italiano, porém as afinidades são maiores nas línguas portuguesa e espanhola. Serão essas duas línguas o objeto principal de nosso estudo. 24 Hoje as línguas românicas estão espalhadas por todo o mundo, visto que foram levadas de seus países de origem, por meio das explorações marítimas. No mapa abaixo, podemos observar os atuais locais onde são falados os idiomas português, espanhol, francês e italiano. Figura 1 – Mapa das línguas românicas no mundo Fonte: Ilari, 2004, p. 53. 4 AS LÍNGUAS IRMÃS PORTUGUÊS E ESPANHOL Como vimos nos capítulos anteriores, o latim, como todas as outras línguas, passou por um processo evolutivo. No início era uma língua única, mas, com o passar do tempo, havia duas formas: o latim clássico e o latim vulgar. Enquanto o latim clássico, língua dos eruditos e da literatura clássica, permanecia estático, o latim vulgar, língua oral usada pelas classes populares, evoluía até formar as línguas românicas, entre as quais estão as línguas portuguesa e espanhola. Por isso, essas línguas possuem muitas afinidades que vão além da proximidade geográfica e da origem. 4.1 História da Língua Portuguesa A língua portuguesa tem origem no idioma latino, mais precisamente, no latim vulgar, introduzido na Península Ibérica, no século III a.C. pelo povo Romano durante o processo de expansão do Império Romano. Depois do processo de romanização, com a queda do Império Romano, no século V, a Península Ibérica sofreu invasões de diversos povos estrangeiros: vândalos, suevos, visigodos, cada um com o seu dialeto que deixou influências na língua romana, mas que não foram impostos como idioma aos povos subjugados. No século VIII, o povo árabe invade a Península pela região sul, dominando-a e impondo sua cultura e língua, porém grande parte do povo dominado não adotou a língua mulçumana e continuou a falar o latim, que já estava bastante modificado, mas uma outra parte dos habitantes locais, que foram chamados de moçárabes, é seduzida pelos costumes e pela língua árabe. 26 O grupo de habitantes peninsular, que estava disposto a manter a integridade cultural e linguística da Península, refugia-se ao norte, nas montanhas Astúrias e, com a finalidade de libertar o território ibérico do poder árabe, começa movimento de Reconquista cristã, guerra militar e santa, na qual várias batalhas foram travadas para a expulsão dos mulçumanos e recuperação dos territórios perdidos. A partir de então, formaram-se os reinos de Leão, Aragão, Navara e Castela. Foi longo o período de guerras de reconquista que durou cerca de oito séculos e teve fim no reinado dos reis católicos Fernando e Isabel em 1492. Por seus méritos durante as batalhas de reconquista, o fidalgo D. Henrique, conde de Borgonha, recebeu do rei de Leão e Castela, D. Afonso, o Condado Portucalense, território desmembrado de Galiza, e a mão de D. Tareja, filha de D. Afonso. Com a morte de D. Henrique, seu filho Afonso Henrique proclama-se rei de Portugal em 1143, criando uma nacionalidade portuguesa, que falava o romanço galego-português. Foi com a expansão do reino português que apareceram as diferenças linguísticas entre os povos galegos e portugueses até que o galegoportuguês transformou-se em duas línguas: o português e o galego. De acordo com Silveira Bueno (1963, p. 52), ao passo que Portugal consolidava seus direitos de território independente e se transformava numa importante nação, o seu dialeto foi afastando-se do galego até ser reconhecido como língua nacional e continuar sua evolução até se tornar tronco de outros dialetos e estender-se pelo mundo. Foi no ano de 1279 que o rei D. Diniz tornou obrigatório o uso da língua portuguesa, tornando-a língua oficial e, em 1290, fundou, em Lisboa, a primeira universidade, com a finalidade de estudar a língua, defendê-la e disseminá-la. Os autores Dolores Carvalho e Manoel Nascimento (1974, p. 25) citam as três fases da evolução da Língua Portuguesa, divididas pelo estudioso Leite de Vasconcelos: pré-histórica, proto-histórica e histórica. A fase pré-histórica inicia com as origens da língua e termina no século IX, surgem os primeiros documentos latinoportugueses. A fase proto-histórica começa no século IX e vai até o século XII, nessa fase, aparecem, nos documentos escritos em latim bárbaro palavras portuguesas. A fase histórica, que inicia no século XII e vai até os dias atuais, está dividida em dois períodos: período do português arcaico (do século XII até XVI) e período do português moderno (do século XVI até nossos dias). É no período do Português Arcaico que aparece o primeiro texto literário escrito em português: a cantiga A Ribeirinha, escrita em 1198, por Paio Soares, 27 inspirado em Maria Paes Ribeiro. Abaixo o poema e a tradução retirados da obra A aventura das línguas, de Hans Joachin Storig (2006, p. 115). No mundo nom me sei parelha, mentre me for’como me vai ca já moiro por vos – e ai! mia senhor branca e vermelha, queredes que vos retraia, quando eu vos vi em saia! Mau dia me levantei, que vos enton não vi feia! E, mia Senhor, dês aquel’dia, ai! me foi a mim mui mal: e vós, filha de Dom Paay Moniz, e bem vos semelha d’haver eu por vós guarvaia, pois eu, mia Senhor, d’alfaia nunca de vós houve, nem hei valia d’ua correia... Tradução em português contemporâneo No mundo, ninguém me assemelha, enquanto eu for com sou, pois morro por (ter) vosso amor – mas ai! minha Senhora (vestida) de branco e de rubor, queirais que vos reveja Como vos vi (envolta) em vosso manto! Mau foi aquele dia em que me exaltei ao vos ver em formosura! Pois, Senhora minha, desde aquele dia – ai! tudo me correu muito mal; pois a vós, filha de dom Paio Muniz, parece justo 28 que eu, posto ao vosso serviço, receba valiosa veste de cortesão, se de vós, Senhora minha, nunca recebi nem receberei qualquer coisa ainda que sem valor... Analisando o poema, o autor Hernani Donato faz a seguinte análise sobre o português da época: Certo é que a qualidade emocional da cantiga e o jeitoso amoldar da língua ao louvor poético revelam intimidade cultivada entre o instrumento e o artista. O que faz lícito admitir que pela segunda metade do séc. XVII o português estava estruturado, fluente e literariamente manejável (2006, p.116). No período do português moderno, surgem as primeiras gramáticas da língua portuguesa. Em 1536, Pe. Fernão de Oliveira escreve a primeira, seguido de João de Barros que escreve a segunda em 1540. No ano de 1572, aparece a obra grandiosa de Camões, Os Lusíadas, uma epopéia nacional portuguesa. A partir do século XV, os portugueses, por meio de suas expedições marítimas, descobriram e colonizaram novas terras espalhadas pelo mundo, levando a língua portuguesa aos países conquistados. Atualmente, o português é falado por habitantes de quatro continentes: em Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, GuinéBissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor Leste. Figura 2 – Mapa da Língua Portuguesa no mundo Fonte: Centro Virtual Camões, 2009. 29 Para finalizar este capítulo, é interessante a leitura da citação abaixo do autor Hernani Donato. Causa pasmo constatar quão longe foram e por quanto tempo ficaram os portugueses. Do seu pequeno, estreito país “à beira-mar plantado”, com escassa população, que mal chegou a 1 milhão no auge da epopéia descobridora, eles aportaram às Américas, rodearam a África, superaram a China, atingiram o Japão, situaram-se na Índia e, mesmo, teriam mapeado a Austrália e tateado o pólo Sul. A todos esses pontos levaram o seu falar, e o enriqueceram com expressividades locais. Do árabe índico, recolheram, exemplificando, “monção”, “almadia”; do dravídico, “pagode”; do malaio, “jangada”, “zumbaia”; do chinês, “junco”. Deixaram, ao redor da Terra, um pouco de seu modo de ser e, ainda onde acabou o seu domínio, rastos do seu idioma (2006, p.116). 4.2 História da Língua Espanhola A história da língua espanhola é muito parecida com a história da língua portuguesa vista no capítulo anterior. Ela inicia com a romanização da Península Ibérica e tem influências, assim como o português, das invasões bárbaras. O latim foi introduzido na Península Ibérica no século III a.C. pelos romanos. Antes do latim, havia na Península vários idiomas pré-românicos, que desapareceram, deixando suas influências, quando os romanos impuseram sua cultura e o idioma latino como língua oficial. A única língua que se manteve em sua região foi o idioma basco, incorporando vários termos latinos. Como já sabemos, havia, no idioma romano, duas variantes: o latim clássico e o latim vulgar. Foi do latim vulgar, língua falada pelos soldados, camponeses e funcionários do império, que a língua espanhola se originou. Com o declínio do Império Romano, no século V, a Península Ibérica é invadida por distintos povos bárbaros, entre eles, vândalos, suevos e visigodos. Esses povos não impuseram sua língua ao povo vencido, porém deixaram muitas palavras que foram acrescentadas no idioma latino. Todas essas invasões provocaram uma desmembração do Império que aos poucos foi entrando em uma decadência cultural e perdendo sua unidade linguística. Dessa forma, o latim entra em um processo de evolução, que mais tarde dará origem aos idiomas românicos. No ano 711, é a vez do povo árabe penetrar as fronteiras da Península Ibérica, com exceção das zonas montanhosas do norte. A população derrotada permanece falando o latim, já bastante modificado, e passa a incluir no idioma muitos vocábulos mulçumanos. Com a intenção de expulsar os mouros do território 30 peninsular, inicia-se o processo de Reconquista, período que dura quase oito séculos e é marcado por diversos enfrentamentos entre cristãos e mulçumanos que chega ao fim com a conquista de Granada pelos reis católicos Fernando e Isabel em 1492. Em Castela se forma um novo dialeto, o Castelhano, que se propagou por toda a Espanha até se tornar o idioma nacional. Segundo Ilari (2004, p. 218), o movimento de reconquista levou o castelhano para o sul, territórios retomados dos árabes, e para o leste e oeste, territórios leonês e aragonês. O matrimônio de Isabel de Castela e Fernando de Aragão tornou Aragão e Castela um único estado. Foi essa unificação que permitiu a criação de um único reino que, posteriormente, recebeu o nome de Espanha e propagou o idioma castelhano. A primeira obra escrita em castelhano foi o poema El cantar de Mio Cid, que aparece no ano de 1140. Essa obra narra as andanças do cavaleiro Rodrigo Diaz de Vivar, que foi expulso de Castila pelo rei Afonso VI, acusado de traição. Para provar sua lealdade ao rei, o cavaleiro luta contra os mouros e conquista grandes territórios. Abaixo podemos ver um fragmento da obra. Figura 3 – Fragmento do poema El cantar de Mío Cid Fonte: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2009. 31 No final do século XV, em 1492, surge a Gramática Castelhana, de Elio Antônio Nebrija. Atualmente, o espanhol é a língua oficial da Espanha, juntamente com o galego, o catalão e o basco. Além da Espanha, o espanhol está espalhado por quatro continentes do mundo, nos seguintes países: México, Guatemala, El salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Cuba, Porto Rico, República Dominicana, Venezuela, Colômbia, Ecuador, Peru, Chile, Bolívia, Paraguaia, Argentina e Uruguai. Figura 4 – Mapa da Língua Espanhola no mundo Fonte: LYCÉE JACQUES DE VAUCANSON, 2009. 4.3 Análise comparativa das Línguas Portuguesa e Espanhola Nesse capítulo, faremos uma comparação fonética, morfológica, sintática e lexical em alguns aspectos relevantes entre as línguas portuguesa e espanhola. A representação gráfica do sistema vocálico em português e espanhol é igual, porém no nível fonético há algumas divergências. Segundo a escritora Nair Andrade, em seu artigo Aprender español es fácil porque hablo português, o sistema vocálico português é mais complexo que o espanhol. A língua espanhola possui cinco vogais, todas orais, contrastando com o português, que possui doze fonemas vocálicos, sendo sete orais e cinco nasais. Na língua portuguesa, há vogais abertas e fechadas, bem como orais e nasais. No 32 português do Brasil temos sete vogais orais e cinco nasais, somando doze fonemas vocálicos. O sistema vocálico espanhol é bem mais simples, pois conta com apenas cinco fonemas. Não há na língua espanhola distinção fonológica de vogais abertas e nasalização das vogais. Segundo Marrone (1990, p.17), em latim havia três ditongos: au – ae – oe. Após a formação das línguas românicas ocorreu a formação de novos ditongos. O ditongo mais importante do latim au transformou-se em ou, oi e o em português. As causas de formação de ditongo no português foram resultados de certos processos: como perda de fonema medial (malu – mau); troca da primeira consoante por uma vogal em um grupo consonantal (conceptu – conceito); transposição de fonemas (primariu – primeiro). Em espanhol não ocorreu a formação de ditongos nesses casos (malo, concepto, primero). No entanto, as vogais latinas e e o breves, abertas transformaram-se em ditongos ie e eu (pede – pie, novu – nuevo), processo que não ocorreu em português (pé, novo). O ditongo ão não existe na língua espanhola e é característico da língua portuguesa, essa formação aconteceu em virtude das alterações feitas nas formas latinas –anu, -ane, -one, -ine, -unt, -on, -ant (veranu – verão, pane – pão, multitudine – multidão, sunt – são, non – não, stant – estão). Quanto ao som dos fonemas do sistema consonantal, podemos afirmar que há muitas semelhanças entre as duas línguas, pois elas possuem fonemas comuns, porém a língua portuguesa é mais complexa. A seguir podemos verificar algumas diferenças fonológicas significativas do sistema consonantal. Em português há diferença entre os sons das letras v e b, enquanto no espanhol não existe o fonema [V] do português, pois tanto b como v tem o mesmo fonema [b], permanecendo a grafia das letras por critérios etimológicos. Conforme Marrone (1990, p.31; 32), essa confusão entre b e v já existia no latim clássico e talvez devido a influência erudita tenha ocasionado no espanhol a anulação de um som como fonema, havendo uma tendência articulatória que suprime traços distintos entre os dois fonemas, isto é, ocorreu no espanhol a perda do fonema [V] como fonema distinto do [b], transformando-se em articulação bilabial. Os caracteres d e t sempre terão sons dentais oclusivos na língua espanhola, entretanto, na língua portuguesa, em algumas regiões, essas letras apresentam sons palatais. Em espanhol, as letras j em qualquer posição e o g antes das vogais e e i têm o fonema [x], já em português, são pronunciadas como palatais, sonoras, fricativas. A letra l tem o mesmo fonema [l] do início das sílabas do português em 33 espanhol, porém nunca soará como u como ocorre em português no final das palavras. Na língua espanhola, a letra s tem som alveolar fricativo surdo, que se assemelha ao som do dígrafo ss y do ç do português. No idioma castelhano, a letra z tem pronúncia interdental fricativa surda; porém, no idioma lusitano, tem pronúncia fricativa alveolar sonora, som inexistente no idioma espanhol. Além dessas diferenças fonéticas, sabemos que as línguas portuguesa e espanhola possuem entre elas e nelas mesmas uma gama de variação fonética, provocadas, principalmente, por questões geográficas. O léxico do português e do espanhol é bastante parecido. Um falante de português poderá reconhecer vocábulos em espanhol apenas olhando para eles, no entanto, há palavras que não apresentam uma exata correspondência entre as línguas, é o caso das palavras heterotônicas, heterogenéricas e heterossemânticas. Essas palavras apresentam semelhanças, porém afastam-se por distinções gráficas, fonológicas e semânticas. A autora do artigo Aprender español es fácil porque hablo português, Nair Andrade, adverte para as supostas semelhanças lexicais entre as línguas. Ela diz que essa expressiva semelhança entre as duas línguas é uma arma de dois fios. Por um lado, faz que os luso-falantes tenham maior facilidade e rapidez para aprender o espanhol. No entanto, as falsas semelhanças lexicais podem provocar desde insignificantes interferências na comunicação até uma mudança total de significado entre o que se disse e o que se quer dizer. As palavras heterotônicas apresentam em ambas as línguas a mesma forma gráfica, fonológica e semântica, porém apresentam acento tônico em sílabas distintas. Abaixo segue, para exemplo, uma lista de palavras heterotônicas, a sílaba tônica está destacada. Quadro 2 – Palavras heterotônicas Português Espanhol alergia alergia anemia anemia bigamia bigamia demagogia demagogia ímpar impar hemorragia hemorragia nostalgia nostalgia 34 oceano océano rubrica rúbrica telefone teléfono Fonte: autoria própria, 2009. Os nomes das letras em português são masculinos e femininos em espanhol (o a – la a, o bê – la be, o cê – la ce). Os dias da semana em espanhol, com exceção do sábado e domingo, têm nomes distintos do português e são masculinos. Quadro 3 – Dias da semana Português Espanhol a segunda-feira el lunes a terça-feira el martes a quarta-feira el miércoles a quinta-feira el jueves a sexta-feira el viernes o sábado el sábado o domingo el domingo Fonte: autoria própria, 2009. Há palavras que são idênticas ou semelhantes graficamente e semanticamente, porém não correspondem ao mesmo gênero nas línguas portuguesa e espanhola. Esses vocábulos são chamamos de heterogenéricos. Quadro 4 – Palavras heterogenéricas Português Espanhol a árvore el árbol a dor el dolor o leite la leche o mel la miel o nariz la nariz a origem el origem a ponte el puente o sal la sal o sangue la sangre o sorriso la sonrisa Fonte: autoria própria, 2009. 35 As palavras heterossemânticas, também chamadas de falsos amigos ou falsos cognatos, são muitas e podem provocar uma divergência muito grande de sentido, pois são termos idênticos ou semelhantes na forma gráfica e fônica, mas têm sentidos parciais ou totalmente diferentes. Quadro 5 – Palavras heterossemânticas Português Espanhol agrião berro berro grito coelho conejo pescoço cuello escritório oficina oficina taller molho salsa salsa perejil momento rato rato ratón Fonte: autoria própria, 2009. Ao compararmos morfossintaticamente as línguas portuguesa e espanhola, encontramos muitas semelhanças, principalmente, na linguagem escrita. Começaremos analisando os artigos de ambas as línguas. Assim como o português, a língua espanhola apresenta artigos determinados e indeterminados. Quadro 6 – Artigos Artigos determinados Artigos indeterminados Feminino singular Feminino plural Feminino singular Feminino plural a – la a - las uma - una umas - unas Masculino singular Masculino plural Masculino singular Masculino plural o – el os - los um - un uns - unos Fonte: autoria própria, 2009. Vejamos o diz o autor Bradley sobre os artigos determinados e indeterminados: Ademais, o latim antigo, como as fases mais antiga de qualquer língua, tanto quanto saibamos (como o russo atual), não tinha artigos. O latim popular tardio supriu a necessidade de um artigo definido (como o grego fizera antes e as línguas germânicas depois) ao utilizar o demonstrativo ‘aquele’ nesta função. Daí, em todas as línguas neolatinas o artigo definido descende do latim ille (illa, etc.). Isto é óbvio em todas as línguas, exceto 36 em português, onde a inicial l caiu, de forma que o artigo é o (feminino a; plural os, as). [...] A necessidade de um artigo indefinido foi suprida no latim vulgar (como posteriormente nas línguas germânicas e no grego moderno) pelo numeral ‘um’ (unus), pronunciado com menor ênfase do que quando usado em seu sentido original. (1999, p. 391). Podemos verificar no trecho acima que o espanhol, apesar de outras alterações, manteve o l inicial em seus artigos determinados, enquanto o português eliminou-o, afastando-se um pouco mais do que o espanhol, nesse aspecto, da língua de origem. Em relação aos artigos, a principal diferença entre as línguas portuguesa e espanhola é a existência de um artigo neutro (lo) específico do espanhol. É um artigo invariável, usado para substantivar ou intensificar adjetivos, advérbios e oração com o pronome relativo que. O artigo neutro tem uma equivalência no português com a expressão aquilo que. Espanhol: Lo más difícil es el portugués. Português: O mais difícil é o português. Quanto ao emprego dos artigos, em espanhol, é obrigatório o uso do artigo determinado para indicar as horas, porém, em português não se costuma empregar o artigo. Espanhol: Son las quatro horas. Português: São quatro horas. O uso do artigo antes de pronomes possessivos, em português, é facultativo, mas, em espanhol, nunca há artigo antes de possessivos. Português: a minha casa é amarela. Espanhol: mi casa es amarilla. A fim de evitar a cacofonia, en espanhol, troca-se os artigos femininos singulares pelos artigos masculinos, quando a palavra seguinte começar por a ou ha tônicas: Un alma buena tenia el hombre; el agua hace bien a la salud. En espanhol, não se emprega artigo diante de nome próprio, ao contrário do português. Espanhol: no conozco España. Português: não conheço a Espanha. Na língua castelhana existem apenas duas contrações obrigatórias (al = a + el; del = de + el), no entanto, em português existem várias contrações, porém o uso das contrações não é obrigatório. Nos adjetivos, ocorre em espanhol o uso muito comum da apócope, o que não acontece em português. Antes do substantivo masculino singular, os adjetivos bueno, malo, grande e santo se apocopam em buen, mal, gran y san. Cícero es un buen profesor. 37 Nos pronomes pessoais, existe uma diferença quanto à forma, pois, em espanhol, há flexão de gênero para os pronomes de primeira e segunda pessoa do plural: vosotros, vosotras (vós) e nosotros, nosotras (nós). Em português, no discurso, os pronomes de tratamento são o senhor e a senhora. Você é familiar, corresponde ao tú do espanhol e não é cerimonioso como usted, embora possuam a mesma origem no pronome de tratamento arcaico vossa mercê. Nas duas línguas estudadas, as conjugações verbais são as mesmas (ar, er, ir), ambas têm verbos de conjugação regular e irregular, verbos auxiliares, defectivos e impessoais. Tanto em português como em espanhol, existem três modos verbais (indicativo, subjuntivo e imperativo). Há algumas divergências quanto à nomenclatura de alguns tempos verbais entre o português e espanhol, que podemos ver no quadro abaixo. Quadro 7 – Tempos e modos ESPANHOL PORTUGUÊS Pretérito indefinido de indicativo Pretérito perfeito simples do indicativo canté cantei Pretérito perfecto de indicativo Pretérito perfeito composto do indicativo he cantado tenho cantado Pretérito mais que perfeito comp. do ind. Pretérito pluscuamperfecto de indicativo tinha cantado había cantado Pretérito mais que perfeito do indicativo cantara Pretérito imperfecto de subjuntivo Pretérito imperfeito do subjuntivo cantase ou cantara cantasse Condicional imperfecto de indicativo Futuro do pretérito do indicativo cantaría cantaria Condicional perfecto de indicativo Futuro do pretérito composto do ind. habría cantado teria cantado Futuro imperfecto de subjuntivo Futuro do subjuntivo cantare, cantares... cantar, cantares... Futuro pluscuamperfecto comp. de subj. Pret. mais-que-perfeito comp. do subj. hubiese ou hubiera cantado tivesse cantado 38 Futuro perfecto composto de subjuntivo Futuro composto do subjuntivo hubiere cantado tiver cantado Fonte: Freire, 1999, p.83. Quanto ao nível gráfico e ortográfico, podemos fazer as seguintes considerações: a representação gráfica ç e os dígrafos nh, lh, ss do português não existem na língua espanhola. Em espanhol há apenas um acento gráfico (´) e não existe a crase do português. Em espanhol: voy a la playa. Em português: vou à praia. Na divisão silábica, as letras rr e ll ficam na mesma sílaba no idioma espanhol. Esse capítulo está longe de apresentar todas as diferenças e semelhanças existentes entre os idiomas estudados, porém traz um apanhado geral dos aspectos mais relevantes, que, ao serem analisados, nos permitem constatar que embora o português e espanhol tenham uma origem comum, o latim vulgar, e apesar das semelhanças serem grandes, nos deparamos com diferenças em todos os níveis observados. 4.4 A separação das línguas irmãs portuguesa e espanhola Vimos nos capítulos anteriores que as línguas espanhola e portuguesa são línguas românicas, isto é, derivadas do latim, e apresentam uma proximidade muito grande devido a fatores geográficos e históricos. Com a finalidade de apresentar o caminho percorrido pelas línguas irmãs portuguesa e espanhola até a efetiva separação, segue abaixo, para observação, um diagrama baseado em uma fotografia do diagrama As grandes famílias linguísticas do mundo, feita durante uma visita ao Museu da Língua Portuguesa, realizada em fevereiro de 2009 (ver anexo 1). 39 Indoeuropeu Grupo itálico Oscoumbro Latim Latim arcaico Latim culto Latim vulgar Romance Romance oriental Romance ocidental Sardo Francês Catalão Provençal Castelhano Romeno Italiano Português Figura 5 – Evolução das línguas portuguesa e espanhola Fonte: adaptação do diagrama As grandes famílias linguísticas do Museu da Língua Portuguesa. Ao analisarmos o diagrama, podemos verificar que o português e o espanhol têm a mesma genealogia. Primeiro era o indo-europeu que se ramificou em diversos grupos linguísticos, mas a ramificação que aqui nos interessa é o grupo itálico que 40 deu origem ao latim. O latim, idioma falado em uma pequena região da Itália Central, o Lácio. Depois, a língua latina arcaica dividiu-se em duas: o latim clássico e o latim vulgar. Sob as influências do substrato, influências deixadas pela língua do povo vencido na língua do povo vendedor, superestrato, influências da língua desaparecida do povo invasor, e do adstrato, influência entre duas línguas que convivem em territórios vizinhos, a língua romana deu origem a vários dialetos chamados de romances. Os romances também se modificaram e dividiram-se em romance ocidental e oriental. O romance ocidental, na Península Ibérica, após o processo de reconquista das terras tomadas pelos árabes, deu origem às línguas ibéricas, entre elas o português e o castelhano. Explicar as reais causas de separação do português e do espanhol não é uma tarefa muito fácil, há muitas hipóteses para justificar tal acontecimento. Para Rodolfo Ilari (2004, p.135), a dialetação do latim vulgar pode ser explicada, de maneira geral, dizendo-se que a variação no tempo e no espaço é uma característica própria das línguas. Então, sabemos que as línguas variam com o tempo, porém queremos saber quais foram os fatores externos que provocaram o afastamento do português e do espanhol. Dois acontecimentos tiveram grande importância para a formação e separação desses idiomas: o processo de conquista da Península Ibérica pelos romanos e as invasões dos povos germanos e dos árabes. Quando o povo romano chegou à Península Ibérica, encontrou povos que tinham suas próprias línguas. Apesar dos povos vencidos terem abandonado suas línguas maternas e terem adotado o latim como idioma, com exceção do povo basco, o latim recebeu muitos elementos dessas línguas desaparecidas, os substratos. Vejamos o que diz Ilari sobre essas influências. Tem portanto plausibilidade a tese de que as línguas dos povos romanizados não desapareceram por completo com a implantação do latim, mas se mantiveram determinando tendências à dialetação: é plausível admitir que tais tendências foram contidas enquanto tais regiões se mantiveram em contato entre si e com a metrópole, e ganharam força com a divisão política do Império, quando as invasões barbáricas bloquearam os contatos entre várias regiões da România. (2004, p.140). Para o professor Silveira Bueno (1963, p.41), de todos os substratos, foi o celta o de maior relevância, porque era o que mais se aproximava da língua romana, pois tinham origem no mesmo ramo indo-europeu. Foi Portugal que recebeu as maiores influências celtas, fato que pode explicar a diferenciação entre o português e o espanhol. 41 Vários foram os fatores político-sociais para a dialetação das línguas ibéricas, como já foi dito anteriormente, um dos fatos de maior relevância foram as invasões bárbaras. As invasões ocorrem em tempos e regiões distintas da Península, levando para cada região invadida um latim heterogêneo. Depois, as expedições de reconquista das regiões tomadas pelos mouros partiram de regiões distintas em diferentes épocas. Todos esses acontecimentos permitiram as variações dialetais da Península Ibérica. No entanto, foi a fragmentação do Império em novos estados e nacionalidades a causa externa da dialetação. Silveira Bueno (1963, p.43 - 47) cita várias causas para a separação do castelhano e do português: a penetração de Roma na Espanha ocorreu muito tempo antes do contato com os lusitanos; um povo nunca aprende uma outra língua de forma perfeita, apresentando inclusive impossibilidades fonéticas; situações geográficas, limitações naturais provocadas pelas montanhas e pelos rios; destruição da unidade política do império; a fundação da monarquia portuguesa pelo fidalgo Henrique Borgonha fará com que o dialeto local se transforme em língua nacional; assim como a independência política de Castela que torna o dialeto castelhano em língua oficial da Espanha. Para Celia Marrone (1990, p.13), durante o período em que o latim estava modificando-se, talvez a evolução fonética tenha sido a responsável pelas primeiras diferenças lexicais entre o português e o espanhol, pois a língua estava submissa à influência da região onde ela se alastrava. Além disso, houve as influências do espaço físico. Algumas divergências vêm do fato de as regiões terem sido conquistadas em épocas distantes, recebendo o latim em estados linguísticos distintos. Por essa razão, o latim teve que incorporar os costumes antigos de pronúncia dos povos que o adotaram, sendo que esses costumes eram diferentes entre as diversas regiões conquistadas. As diferenças fonéticas ocorriam porque o aparelho fonador apresentava dificuldades em reproduzir sons estranhos, o ouvido recebia mal certos fonemas desconhecidos e o sujeito os transformava no momento da fala. A autora ainda faz as considerações abaixo, que são de grande importância. Além de originadas da diversidade do meio, da extensão territorial e da topografia irregular dos diversos domínios romanos, essas mutações podem ter sido provocadas por razões etnológicas e históricas. Alguns lingüistas explicam as divergências entre o português e o espanhol como conseqüência de diferenças etnológicas, embora sejam entre as línguas românicas, as que têm maior afinidade. Por outro lado, o fator histórico poderá explicar a diferenciação do latim, difícil seria, no entanto explicar a diferenciação das línguas românicas entre si (MARRONE, 1990, p.13). 42 Todos os fatos aqui apresentados devem ser considerados para a explicação da separação linguística das línguas ibéricas. Uns terão tido maior influência, outros nem tanto, mas, no conjunto, todos eles foram os reais motivos para a separação das línguas irmãs estudadas nesse trabalho. 5 CONCLUSÃO Ao término do presente estudo, podemos concluir que a grande família das línguas românicas, na qual estão as línguas portuguesa e espanhola, é o resultado das várias alterações da evolução da língua do vasto Império Romano. Como foi possível verificar o português e o espanhol têm uma origem comum e uma história muito parecida. Porém alguns fatos político-sociais e geográficos fizeram com que essas línguas irmãs, após o movimento de Reconquista das terras ibéricas, seguissem caminhos diferentes, ocasionando a separação desses idiomas que se tornaram línguas de nacionalidades distintas. Também verificamos que embora o português e o espanhol tenham um tronco comum e muitas semelhanças, esses idiomas apresentam diferenças fonéticas, lexicais, morfológicas e sintáticas, devidas a dialetação do latim até tornarem-se línguas distintas. Não há como apontar um único fato como a causa principal de tal dialetação, pois esse processo ocorreu em virtude de muitos acontecimentos que foram apresentados no presente trabalho. Finalmente, concluímos que a análise sobre como ocorreu a formação e o afastamento das línguas portuguesa e espanhola são de fundamental importância para que possamos compreender porque tais línguas conservam até nossos dias muitas semelhanças, bem como várias divergências. Ainda com base nesse estudo, podemos observar como acontecem as variações linguísticas. REFERÊNCIAS ANDRADE NETA, Nair Floresta. Aprender español es fácil porque hablo português: Ventajas y desventajas de los brasileños para aprender español. In: Cuardernos Cervantes. Disponível em: <http://www.cuadernoscervantes.com/ lc_portugues.html>. Acesso em 7 jan. 2008. BIBLIOTECA VIRTUAL MIGUEL DE CERVANTES. El cantar de Mío Cid. Disponível em: <http://www.Cervantesvirtualcom/servlet/SirveObras/cid/802838528 78795052754491/ index.htm>. Acesso em: 2 jun. 2009. BRADLEY, H. Língua. In: BAILEY, Cyril. O legado de Roma. Rio de Janeiro: Imago, 1992. BUENO, Francisco da Silveira. Estudos de filologia portuguesa. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1963. BODMER, Frederick. O homem e as línguas: guia para o estudioso de idiomas. Porto Alegre: Globo, 1960. CÂMARA JÚNIOR, J. Mattoso. História e estrutura da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1979. CÂMARA JÚNIOR, J. Mattoso. 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