A POSSIBILIDADE DO ENSINO DE FILOSOFIA: UMA VISÃO A PARTIR DE KANT E HEGEL BALDAN, André Santiago1 - UNOESTE SANTOS, Genivaldo de Souza2 - UNOESTE / SEE-SP Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este artigo tem como objetivo apresentar duas concepções possíveis quanto à questão o que é o ensino de Filosofia? São apresentadas neste trabalho duas respostas para esta querela, partindo de obras e comentários sobre dois autores de grande importância para a tradição filosófica: Immanuel Kant e Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Afinal, devemos nos preocupar em ensinar a filosofar, como é proposto por Kant? Ou devemos partir do pressuposto que ensinar Filosofia seria sistematiza-la historicamente, ensinando assim A Filosofia, como é proposto por Hegel? Filosofar seria o bom uso da razão ou aprendemos a filosofar quando somos inseridos em uma tradição história com conteúdos específicos de filosofia? Veremos que a visão dos filósofos se distingue nessa questão: o primeiro nos mostra que filosofamos utilizando bem a razão; e o segundo nos mostra que quando estudamos um conteúdo de Filosofia estamos filosofando, pois estamos conhecendo a Filosofia. Essas são duas concepções possíveis que podem nos auxiliar a visualizar objetivos para a disciplina de Filosofia nas salas de aula de ensino médio brasileiras. Tal preocupação com o tema do ensino de filosofia é relevante visto que tivemos, na história da educação brasileira, a retirada da disciplina de filosofia das escolas na década de 70 e, com a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96, tivemos o retorno da disciplina de Filosofia para os jovens do ensino médio. Este trabalho visa então trazer à luz duas concepções de importância filosófica para este assunto que é tão vivo na educação brasileira: o que é isso, o ensino de filosofia? Palavras chave: Ensino de filosofia. Kant. Hegel. 1 Mestrando no Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE), graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). 2 Doutor e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Campus Marília, graduado em Filosofia pela mesma instituição. Atualmente, integra o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE). É titular de cargo da disciplina de Filosofia no ensino médio da Secretaria de Educação do estado de São Paulo, concomitantemente, atua como Professor Supervisor do PIBID - Projeto Institucional de Incentivo a Docência, desenvolvido junto a UNESP - Marília, em parceria com a escola pública, financiado pela CAPES (2009-atual). 15189 Introdução O interesse da Filosofia pela educação já é evidenciado desde os gregos antigos com a Ética a Nicômaco de Aristóteles ou mesmo com a A República de Platão. Em nosso país, de pouca tradição filosófica, tivemos, como aponta Tomazetti (2012), três períodos de destaque no que se refere ao ensino de filosofia. Um primeiro período, que seria o ensino de filosofia no século XX onde se ensinava A Filosofia que era “constituída por conteúdos como Lógica, Metafísica, História da Filosofia” (TOMAZETTI, 2012. p. 231); porém sofremos com a retirada dessa disciplina das salas de aula de ensino médio na década de 70. Um segundo período seria dos anos 80 até a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96 que se caracteriza pela luta do retorno do ensino de filosofia às salas de aula, apontando como objetivo da Filosofia “[...] ensinar o aluno a ser crítico de seu tempo” (TOMAZETTI, 2012. p. 231); com a LDB 9394/96 a conquista vem de forma tímida onde se apontam importâncias para alguns conhecimentos transversais. Agora com a LDB temos um terceiro período, caracterizado pela luta da obrigatoriedade da disciplina de Filosofia nas salas de aula do ensino médio brasileiro. Essa luta foi marcada pelos discursos de que ensinar filosofia é ensinar a filosofar, porém estes mesmos discursos nos levaram a um problema: o que ensinar e como ensinar Filosofia no contexto escolar? Este problema ocorre porque não há concepção consensual do que é a Filosofia. Partindo desta questão buscamos apresentar duas concepções sobre o que é o ensino de filosofia. Para os objetivos do ensino médio devemos ensinar a filosofar, por meio do uso crítico da razão, como proposto por Kant? Ou devemos nos preocupar em transmitir conteúdos filosóficos constituintes da História da Filosofia, como propõe Hegel? Apesar de estarmos cientes de existirem outras propostas do que seria ensinar filosofia (FÁVERO, CEPPAS, GONTIJO et al. 2004 ; GELAMO, 2008; SILVEIRA, 2011) e do que é Filosofia, optamos por Kant e Hegel pelo reconhecimento de que se trata de autores que a partir da modernidade filosófica se preocuparam com o ensino da Filosofia, trazendo contribuições importantes para essa discussão que é tão viva hoje em nosso país. 15190 Esta análise acerca das concepções sobre o ensino de filosofia em Kant e Hegel será realizada por meio de leituras de obras específicas dos autores em questão, com o auxilio de comentários para aprofundar e elucidar o problema tratado neste trabalho. Concepção Kantiana Como já é conhecido de muitos estudantes de Filosofia, e que praticamente se caracteriza como um mantra para alguns professores da disciplina no ensino médio ressoa a famosa frase não se ensina filosofia, se ensina a filosofar! que de certa forma descreve o que seria o ensino de filosofia no âmbito escolar conforme a concepção kantiana. Trata-se, também, de uma expressão assumida como base dos discursos realizados por acadêmicos brasileiros na luta pelo retorno da disciplina de filosofia às salas de aula do ensino médio em nosso país. Porém o sentido da concepção kantiana acerca do ensino de filosofia, ou mesmo sobre o ensino de um modo geral, não pode ser tão pobremente resumida em uma única frase. Os escritos deste célebre autor acerca da arte de ensinar3 são relevantes quando refletimos à forma de se ensinar filosofia. Ramos (2007) indica que Kant possui três aspectos essenciais e que direcionam a visão kantiana acerca da pedagogia, incluindo o que se refere ao ensino de filosofia, esses aspectos seriam: [...] a) o ideal de perfectibilidade do gênero humano; b) o preceito da Aufklarung do pensar por si mesmo e o exercício crítico da razão, e c) a necessidade da coação como instrumento para a realização dos fins racionais do caráter normativo da conduta humana [...] (RAMOS, 2007. p. 199). O ideal de perfectibilidade do gênero humano significa que o objetivo final da educação é aperfeiçoar a natureza de cada indivíduo através da orientação de um educador, e este deve ser guiado por um ideal de humanidade, utilizando-se da disciplina com a “[...] função de transformar aquilo que é ‘animal’ ou selvagem no homem em humanidade” (GELAMO, 2009, p. 42), potencializando o que há de natural nos homens, a aprendizagem e 3 Ramos (2007) aponta que Kant colocava a arte de ensinar como uma das duas invenções humanas com merecimento de maior destaque devido sua dificuldade. Junto à arte de ensinar, nessa posição de destaque, estaria a arte de governar. Tal dificuldade se dá pois existem problemas quando um espírito livre tem de se posicionar pensando nas coações que o mundo impõe. Porém não nos delonguemos nesse detalhe pois este não é o foco de nossa pesquisa. 15191 o pensamento. Ou seja, a busca por ser uma pessoa melhor, a busca por preencher lacunas em seu ser torna a educação essencial; sendo esta a responsável pelo aperfeiçoamento dos homens: É dever do homem educar-se, tornar-se melhor, desenvolver todas as suas disposições e potencialidades, sobretudo, aquelas que dizem respeito à moralidade. Ao agir na formação do indivíduo, a educação porfia em desenvolver o ideal de humanidade que se conquista geração após geração. (RAMOS, 2007. p. 200). O aspecto do pensar por si mesmo é o segundo aspecto de relevância para a filosofia kantiana visto que se caracteriza pelo exercício crítico da razão, estando esse preceito formulado nas três máximas do juízo de gosto: “A primeira máxima é a do pensamento livre do preconceito, a segunda máxima é aquela do pensamento alargado, a terceira máxima é a do pensamento consequente [...]” (RAMOS, 2007. p. 200). A primeira máxima remete ao homem ser capaz de pensar autonomamente, a capacidade e habilidade humana de poder pensar com uma razão crítica, livre de coerção, porém guiada por uma mente esclarecida. A segunda máxima refere-se à capacidade do homem de pensar por meio do espírito aberto, fazendo com que a capacidade de pensamento livre se regule e corrija-se. Já a terceira máxima, vem de modo a suprir um paradoxo deixado pelas duas capacidades iniciais: um pensamento livre não é coagido, esse pensamento visa rejeitar toda coação possível; já o pensamento alargado mostra-se um pensamento coagido visto que ele visa se autorregular, posicionando-se sempre com a visão do outro. O pensamento consequente vem por tentar solucionar essa querela utilizando do imperativo do dever e do imperativo do direito, onde tais imperativos possibilitam que o homem, sendo coagido de modo externo ou interno, chegue à maioridade onde poderá então fazer o bom uso da razão. Já o terceiro aspecto, que se refere à “[...] necessidade da coação como instrumento para a realização dos fins racionais do caráter normativo da conduta humana [...]” (RAMOS, 2007, p. 199), esta mais intimamente ligado com a essência da educação, onde a educação ocorre por meio da coação. Utilizando-se de educadores que já passaram pelo processo de educação pela coação e que estão preparados para instruir os jovens e forma-los para a vida. O educador deve preocupar-se em criar o jovem para seguir as regras e leis da sociedade em que este individuo se encontra e para que consiga utilizar-se do pensamento livremente, visando a crescimento pessoal e até mesmo o crescimento da humanidade, visto que para Kant o pensamento filosófico não está dado, mas esta em constante construção (GELAMO, 2009). 15192 O objetivo da educação Como nos indica Ramos (2007), para Kant o objetivo principal da educação é tirar o homem de seu estado de menoridade, ou como coloca Kant (1985) o homem deve buscar o esclarecimento, pois essa “é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado” (KANT, 1985, p. 100); o homem deve chegar ao esclarecimento através da conexão de sua autonomia moral, sua cultura e sua autonomia cognitiva: A educação deve ter por finalidade formar no educando o desejo de andar com as próprias pernas, e fazer com que ele tenha a coragem de fazer uso do seu próprio entendimento. (RAMOS, 2007, p. 201). Com este objetivo em foco verificamos que o ensino de filosofia deve ocorrer de modo a ensinar o sujeito a filosofar, e não ensinar Filosofia. Filosofia deve ter um papel significativo na vida do jovem, deve ser próxima a ele, deve auxiliar com que este educando possa alcançar a maioridade, capaz de utilizar-se de um pensamento livre do toda coação possível; ou, como nos aponta Gelamo (2009) Kant entende que a filosofia deve ser entendida como ciência da representação, do pensamento e da ação do homem; a filosofia tem de auxiliar no desenvolvimento do uso público da razão, preparar o cidadão para torar-se um critico do pensamento, que consiga fazer o bom uso da razão. E diferente do que é desejado, quando ensinamos ao indivíduo conteúdos de Filosofia, desestimulamos este sujeito a executar seus próprios pensamentos, afinal se você tem a possiblidade que outro pense por você não há a necessidade de pensar por si mesmo. Kant indica que o professor deve guiar seu aluno no exercício de pensar por meio de perguntas que remetam aquilo que o mestre deseja ensinar. A mera erudição do individuo pode transforma-lo em uma pessoa culta, porém limitada no concernente ao uso de seu conhecimento. Sem contar que ao recorrermos ao ensino conteudista corremos o risco de termos mentes “servis, dependentes e tuteladas”. O ensino como treinamento prepara os homens para o uso privado da razão, fazendo com que os homens não problematizem as normas a que estão submetidos; esta forma de ensino acaba sendo a desejada pelos governantes pois contribuem para um controle social e a “[...] inibir o homem de fazer uma problematização dos pressupostos doutrinários [...]” (GELAMO, 2009, p. 47) . O mestre aparece cumprindo um papel parecido com o de Sócrates, numa concepção platônica, tentando trazer à luz o conhecimento ao estudante através de um exercício 15193 “erotético” em que o professor, de modo dialógico ou catequético, faz com que o estudante chegue às conclusões desejadas. A educação assume então o papel de possibilitar a autonomia do homem, fazendo com que ele consiga se livrar das coerções, paradoxalmente através do uso da coerção. O homem, para que possa alcançar um estágio de autonomia, primeiro terá de se submeter à educação coercitiva. Com isso vemos então que o “princípio supremo da educação é a ‘cultura da liberdade pela coerção’” (RAMOS, 2007, p. 207) auxiliando o individuo a atingir a autonomia mesmo estando sob uma força coercitiva legítima4. Filosofia: um conjunto sistemático de ideias Como demonstra Novelli (2005), Hegel esteve fortemente envolvimento com a educação de seu tempo, apesar de nunca ter escrito nenhum tratado especificamente sobre este assunto, quando o filósofo esteve à frente do colégio de Nurnberg como diretor e professor de filosofia (1806-1816) o filósofo escreve três textos relacionados à estrutura educacional de sua época. O primeiro texto, que trata essencialmente do que significa para os jovens ginasiais terem a possibilidade de estudar filosofia, “é um parecer elaborado para o real conselheiro superior da Baviera, Immanuel Niethammer” (NOVELLI, 2005. p. 130). O segundo texto, cujo teor se refere aos conflitos existentes entre forma e conteúdo, é também uma carta ao real conselheiro superior Niethammer. Por fim, o terceiro texto, que se refere ao ensino de filosofia nas instituições superiores, é uma carta enviada a Friedrich v. Raumer, professor e real conselheiro do governo prussiano. Vale ressaltar que o filósofo não possui certo apreço pelas tendências pedagógicas que lhe eram contemporâneas, pois elas se preocupam “com situações periféricas em relação à educação que se traduziam na concentração sobre os métodos e as técnicas” (NOVELLI, 2005, p. 132). As preocupações com o homem no momento pontual não são de importância para Hegel, tais preocupações deveriam voltar-se para um homem focado em tudo o que ocorre: “O homem se caracteriza por se construir e ao fazê-lo ele acaba por construir seu próprio mundo” (NOVELLI, 2005, p. 132). 4 Essa força coercitiva pode ser interna ou externa, sendo esta ultima podendo ser dividida entre uma função legislativa ou uma função executiva, porém esse tema nos exigiria longo esforço e tempo, nos desviando do nosso objetivo específico com este trabalho. 15194 Novelli (2005) nos indica ainda que o filósofo Hegel não acredita que o ato de utilizar a razão seria o suficiente para “emitir um juízo caracterizado pela atividade filosófica” (NOVELLI, 2005, p. 136). Para o filósofo, a Filosofia seria fruto de reflexão e analise, onde a Filosofia não deve ser rebaixada ao povo, mas sim “o povo deveria ser elevado ao nível da filosofia” (NOVELLI, 2005, p. 136). Gelamo (2008) nos mostra que, mesmo Hegel tendo dúvidas acerca da “permanência do ensino de filosofia no ginásio” (GELAMO, 2008. p. 155) o autor dá grande atenção ao assunto, que chegou a ser sua ocupação quando veio a se tornar “Diretor e professor de ciências filosóficas preparatórias no Ginásio de Nuremberg” (GELAMO, 2008, p. 154). O filósofo procura mostrar que o ensino da filosofia não é um mero refletir sobre algo, pois para Hegel o exercício filosófico se dá através da exposição do educando a “modos mais elevados de pensamento” (GELAMO, 2008, p. 156); trazendo conteúdos específicos ao estudo de Filosofia. Gelamo (2008) nos indica que Hegel se preocupa em formular um mapa de conteúdos a serem abordados de forma que partam de algo existente até chegarem ao pensamento conceitual. Com isso Hegel mostra-se parcialmente de acordo com o regimento do ensino de sua época, concordando que o ensino de filosofia, na primeira etapa formativa (correspondente ao primeiro ano do ginásio) deveria se dar através do ensino de direito, passando para ensinamentos morais até chegar na temática da religião. Na segunda etapa (correspondente a dois anos de estudos), onde o estudo seria voltado às temáticas da lógica, metafísica e da psicologia, o filósofo concorda quanto às temáticas propostas pela Normativa de sua época, porém discorda que a o estudo da lógica deva ocorrer prioritariamente com a lógica kantiana, Hegel é a favor que Kant seja conhecido a fundo, porém acredita que os estudos sobre a lógica devam ocorrer com ênfase em “sua lógica objetiva (que consiste na superação da lógica formal e da lógica kantiana)” (GELAMO, 2008,. p. 157); ao que concerne a temática metafísica Hegel posiciona-se a favor de estudos relacionados às obras kantianas. Passando pela lógica e pela metafísica, Hegel coloca como conteúdo posterior a psicologia, que é a mais abstrata das três temáticas e por isso deve vir por último; esse tema deve ser abordado cuidadosamente visto que para o filósofo o estudo de psicologia nessa fase pode ser danoso à formação do individuo. Os estudos sobre psicologia deveriam ser divididos em duas partes: a primeira, a do espírito que se manifesta, onde deveriam estudar temas como 15195 “a consciência, a autoconsciência e a razão” (GELAMO, 2008, p. 158); e, a segunda parte, a do espírito em-si e para-si, onde se tem como “objetivo explicitar a relação do espírito consigo mesmo” (GELAMO, 2008, p. 158). Chegando ao que seria a terceira, e última, fase dos estudos (correspondente ao último ano do ginásio) sobre filosofia, Hegel estabelece que é de extrema importância abordar apenas conteúdos estritamente filosóficos, reservando-se, assim, aos estudos enciclopédicos; que o filósofo restringe “a lógica, a filosofia da natureza e a filosofia do espírito” (GELAMO, 2008, p. 158). Ao final desse último ano de estudos, Hegel indica um estudo mais agradável ao aluno com estudos relacionados à estética. Gelamo (2008) nos indica que “Hegel procura evidenciar que o ensino da filosofia precisa se dar como um ensino enciclopédico em seu verdadeiro sentido: enkyklios + paidéia, ou seja, uma educação universal” (p. 159). Hegel procura elaborar conteúdos de filosofia de forma que eles tenham relação e que através do estudo desses temas os alunos tenham contato com o exercício de pensamento realizado por grandes mentes da história da humanidade. Essa aproximação do educando com os conteúdos de filosofia faria com que os alunos aprendessem como ocorre o exercício de pensar, e aprendendo esse exercício, os alunos estriam aprendendo conteúdos de filosofia. Ainda no que se refere aos conteúdos de filosofia, o filósofo aponta grande importância para o estudo dos clássicos, a filosofia grega, visto que estes trabalham com grande destreza assuntos relacionados à formação do homem: O homem derivado do mundo grego é aquele que se direciona para a eticidade, pela razão e pelo espírito despojado de suas contingências. Saber e conhecer o que os gregos sabiam e conheciam significa garantir a formação de homens guiados pela razão e pelo espírito. (NOVELLI, 2005. p. 134). Considerações finais No que se refere aos dois filósofos em questão (Kant e Hegel) assumimos o caráter plural das concepções de Filosofia, pois esta pode ser tratada como um exercício crítico da razão ou, no pior dos casos, como um compilado de ideias conceitualmente rigorosas. Essa diversidade acaba por ser um dos motivos de se estudar formas e concepções de como ensinar Filosofia. Pelo que vimos, Kant nos mostra que o ensino de filosofia não ocorre por meio de conteúdos, pois não temos a possibilidade de estudar A Filosofia. A arte de ensinar acaba se 15196 caracterizando pela arte de possibilitar ao sujeito que alcance a maioridade, que chegue ao estado de espírito livre e que saiba superar determinadas coerções. Esta arte pode ser sintetizada como a arte de libertar pela coerção, e devido este paradoxo o ensinar se mostra tão problemático e complexo. Para que não se crie um espírito limitado, porém repleto de erudição, Kant propõe que o ensino de filosofia se dê de modo a fazer das aulas de filosofia uma oficina do uso crítico da razão, exercitando o criticismo de seus estudantes. Com isso, justificando sua famosa frase: Não se ensina filosofia, se ensina a filosofar. O professor assume nesta concepção uma postura de um mestre ignorante, como proposto por Jacques Rancière (2002) onde o professor reconhece sua ignorância junto de seus alunos e os convida para a paciência do pensamento baseado no problemas filosóficos, transformando a sala de aula em uma oficina de pensamento; ou então o professor acaba assumindo uma postura parecida com a de Sócrates e tenta transformar a sala de aula em um diálogo, que por meio de perguntas faz com que os alunos pensem e cheguem ao conhecimento esperado pelo mestre. Para Kant, nossos queridos educandos não vão aprender a pensar simplesmente por serem expostos a uma estrutura de pensamento; os estudantes só terão a capacidade de filosofar se exercitarem a capacidade de pensar; para nosso filósofo só aprendemos a pensar pensando. Porém quando nos remetemos a Hegel vemos que ele discorda do primeiro em acreditar que o ensino de filosofia é um exercício do uso critico da razão, advogando que isso acaba por diminuir a filosofia, tornando-a um uso da razão sem embasamento, não conhecendo as grandes estruturas de pensamento. Para Hegel, o ensino de filosofia deve ser um saber que siga um conteúdo especifico pois através do estudo desses conteúdos os jovens estudantes tenham a possibilidade de ter contato com a filosofia e por meio desse contato aprendam a estrutura do pensamento. Com este contato com pensamentos de grau avançado de abstração os alunos exercitariam seu pensamento. Dessa forma o mestre assume a forma de um professor que tem o papel de alavancar o estudante para um grau de pensamento, conhecimento, de alta abstração; fazendo, assim, com que seu aluno consiga exercitar e possivelmente estruturar seu pensamento embasado na tradição filosófica. Tendo então como preocupação não rebaixar a Filosofia ao nível do 15197 estudante, mas sim de trazer o estudante para a Filosofia; aproximando o pensamento do aluno com o nível do pensamento filosófico. Contudo, se assumirmos o pensamento de Hegel de forma irresponsável, onde os alunos teriam de decorar esquemas e pensamentos filosóficos, onde teriam de provar seu conhecimento ao final de cada bimestre/semestre, corremos o risco de cair em uma educação onde seria praticado um desprezo pela filosofia, pois adotaríamos um encino meramente “enciclopédico”, esquema esse criticado Friedrich Nietzsche em Schopenhauer como educador (1874) e citado em Gallo (2012); conforme Nietzsche quando adotamos um ensino enciclopédico caímos em um desprezo pela filosofia pois os jovens decoram os esquemas filosóficos para o exame onde demonstram o conhecimento necessário e depois esquecem todo o conteúdo. Nesse estilo de ensinar Filosofia ensinamos “[...] uma filosofia completamente afastada da vida dos jovens estudantes.” (GALLO, 2012, p. 120). Visto o posicionamento desses dois filósofos acerca do que é o ensino de filosofia, e numa tentativa de aproximar essa discussão para as nossas salas de aula, podemos perceber que as Orientações Curriculares Nacionais – Conhecimentos De Filosofia tentam estabelecer uma relação entre as concepções kantianas e hegelianas acerca do ensino de filosofia quando propõe que as aulas de filosofia deveriam estimular o filosofar e o pensar (Kant), através do estimulo a um estudo histórico da Filosofia (Hegel). A título de exemplo, as OCNs citam a concepção de Silvio Gallo, em que este aponta a filosofia como um “[...] processo e produto ao mesmo tempo; só se pode filosofar pela História da Filosofia, e só se se faz história filosófica da Filosofia, que não é mera reprodução” (BRASIL, 2006, p. 32). As OCNs objetivam que o ensino de filosofia seja ensinar a filosofar e pensar, ao mesmo tempo o documento procura esclarecer que o ensino de filosofia “[...] não poderia ser apenas a expressão das opiniões dos estudantes, mas deveria estar sustentado na tradição” (TOMAZETTI, 2012, p. 234), vinculando o ato do filosofar à História da Filosofia. Deixando a entender que as aulas de filosofia seriam espaços onde se realizariam atividades e exercícios, estimulando os estudantes a pensarem filosoficamente embasados pela tradição filosófica. Desta forma o aluno tomaria consciência de seu papel na sociedade, onde ele é agente nos mais diversos níveis sociais, culturais e políticos de sua micro ou macro sociedade. Seria então papel da Filosofia transformar o aluno auxiliando-o nesse processo de ganho de 15198 consciência, tornando o aluno capaz de transformar a realidade questionando seu contexto sócio-histórico5. REFERÊNCIAS BRASIL, Ministério de Educação e Cultura. 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