A POSSIBILIDADE DO ENSINO DE FILOSOFIA: UMA VISÃO A

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A POSSIBILIDADE DO ENSINO DE FILOSOFIA: UMA VISÃO A
PARTIR DE KANT E HEGEL
BALDAN, André Santiago1 - UNOESTE
SANTOS, Genivaldo de Souza2 - UNOESTE / SEE-SP
Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar duas concepções possíveis quanto à questão o que é
o ensino de Filosofia? São apresentadas neste trabalho duas respostas para esta querela,
partindo de obras e comentários sobre dois autores de grande importância para a tradição
filosófica: Immanuel Kant e Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Afinal, devemos nos preocupar
em ensinar a filosofar, como é proposto por Kant? Ou devemos partir do pressuposto que
ensinar Filosofia seria sistematiza-la historicamente, ensinando assim A Filosofia, como é
proposto por Hegel? Filosofar seria o bom uso da razão ou aprendemos a filosofar quando
somos inseridos em uma tradição história com conteúdos específicos de filosofia? Veremos
que a visão dos filósofos se distingue nessa questão: o primeiro nos mostra que filosofamos
utilizando bem a razão; e o segundo nos mostra que quando estudamos um conteúdo de
Filosofia estamos filosofando, pois estamos conhecendo a Filosofia. Essas são duas
concepções possíveis que podem nos auxiliar a visualizar objetivos para a disciplina de
Filosofia nas salas de aula de ensino médio brasileiras. Tal preocupação com o tema do ensino
de filosofia é relevante visto que tivemos, na história da educação brasileira, a retirada da
disciplina de filosofia das escolas na década de 70 e, com a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96,
tivemos o retorno da disciplina de Filosofia para os jovens do ensino médio. Este trabalho
visa então trazer à luz duas concepções de importância filosófica para este assunto que é tão
vivo na educação brasileira: o que é isso, o ensino de filosofia?
Palavras chave: Ensino de filosofia. Kant. Hegel.
1
Mestrando no Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE),
graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
2
Doutor e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho - Campus Marília, graduado em Filosofia pela mesma instituição. Atualmente, integra o corpo
docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE). É titular
de cargo da disciplina de Filosofia no ensino médio da Secretaria de Educação do estado de São Paulo,
concomitantemente, atua como Professor Supervisor do PIBID - Projeto Institucional de Incentivo a Docência,
desenvolvido junto a UNESP - Marília, em parceria com a escola pública, financiado pela CAPES (2009-atual).
15189
Introdução
O interesse da Filosofia pela educação já é evidenciado desde os gregos antigos com a
Ética a Nicômaco de Aristóteles ou mesmo com a A República de Platão. Em nosso país, de
pouca tradição filosófica, tivemos, como aponta Tomazetti (2012), três períodos de destaque
no que se refere ao ensino de filosofia.
Um primeiro período, que seria o ensino de filosofia no século XX onde se ensinava A
Filosofia que era “constituída por conteúdos como Lógica, Metafísica, História da Filosofia”
(TOMAZETTI, 2012. p. 231); porém sofremos com a retirada dessa disciplina das salas de
aula de ensino médio na década de 70.
Um segundo período seria dos anos 80 até a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96
que se caracteriza pela luta do retorno do ensino de filosofia às salas de aula, apontando como
objetivo da Filosofia “[...] ensinar o aluno a ser crítico de seu tempo” (TOMAZETTI, 2012. p.
231); com a LDB 9394/96 a conquista vem de forma tímida onde se apontam importâncias
para alguns conhecimentos transversais.
Agora com a LDB temos um terceiro período, caracterizado pela luta da
obrigatoriedade da disciplina de Filosofia nas salas de aula do ensino médio brasileiro. Essa
luta foi marcada pelos discursos de que ensinar filosofia é ensinar a filosofar, porém estes
mesmos discursos nos levaram a um problema: o que ensinar e como ensinar Filosofia no
contexto escolar? Este problema ocorre porque não há concepção consensual do que é a
Filosofia.
Partindo desta questão buscamos apresentar duas concepções sobre o que é o ensino
de filosofia. Para os objetivos do ensino médio devemos ensinar a filosofar, por meio do uso
crítico da razão, como proposto por Kant? Ou devemos nos preocupar em transmitir
conteúdos filosóficos constituintes da História da Filosofia, como propõe Hegel? Apesar de
estarmos cientes de existirem outras propostas do que seria ensinar filosofia (FÁVERO,
CEPPAS, GONTIJO et al. 2004 ; GELAMO, 2008; SILVEIRA, 2011) e do que é Filosofia,
optamos por Kant e Hegel pelo reconhecimento de que se trata de autores que a partir da
modernidade filosófica se preocuparam com o ensino da Filosofia, trazendo contribuições
importantes para essa discussão que é tão viva hoje em nosso país.
15190
Esta análise acerca das concepções sobre o ensino de filosofia em Kant e Hegel será
realizada por meio de leituras de obras específicas dos autores em questão, com o auxilio de
comentários para aprofundar e elucidar o problema tratado neste trabalho.
Concepção Kantiana
Como já é conhecido de muitos estudantes de Filosofia, e que praticamente se
caracteriza como um mantra para alguns professores da disciplina no ensino médio ressoa a
famosa frase não se ensina filosofia, se ensina a filosofar! que de certa forma descreve o que
seria o ensino de filosofia no âmbito escolar conforme a concepção kantiana. Trata-se,
também, de uma expressão assumida como base dos discursos realizados por acadêmicos
brasileiros na luta pelo retorno da disciplina de filosofia às salas de aula do ensino médio em
nosso país.
Porém o sentido da concepção kantiana acerca do ensino de filosofia, ou mesmo sobre
o ensino de um modo geral, não pode ser tão pobremente resumida em uma única frase. Os
escritos deste célebre autor acerca da arte de ensinar3 são relevantes quando refletimos à
forma de se ensinar filosofia.
Ramos (2007) indica que Kant possui três aspectos essenciais e que direcionam a
visão kantiana acerca da pedagogia, incluindo o que se refere ao ensino de filosofia, esses
aspectos seriam:
[...] a) o ideal de perfectibilidade do gênero humano; b) o preceito da Aufklarung do
pensar por si mesmo e o exercício crítico da razão, e c) a necessidade da coação
como instrumento para a realização dos fins racionais do caráter normativo da
conduta humana [...] (RAMOS, 2007. p. 199).
O ideal de perfectibilidade do gênero humano significa que o objetivo final da
educação é aperfeiçoar a natureza de cada indivíduo através da orientação de um educador, e
este deve ser guiado por um ideal de humanidade, utilizando-se da disciplina com a “[...]
função de transformar aquilo que é ‘animal’ ou selvagem no homem em humanidade”
(GELAMO, 2009, p. 42), potencializando o que há de natural nos homens, a aprendizagem e
3
Ramos (2007) aponta que Kant colocava a arte de ensinar como uma das duas invenções humanas com
merecimento de maior destaque devido sua dificuldade. Junto à arte de ensinar, nessa posição de destaque,
estaria a arte de governar. Tal dificuldade se dá pois existem problemas quando um espírito livre tem de se
posicionar pensando nas coações que o mundo impõe. Porém não nos delonguemos nesse detalhe pois este não é
o foco de nossa pesquisa.
15191
o pensamento. Ou seja, a busca por ser uma pessoa melhor, a busca por preencher lacunas em
seu ser torna a educação essencial; sendo esta a responsável pelo aperfeiçoamento dos
homens:
É dever do homem educar-se, tornar-se melhor, desenvolver todas as suas
disposições e potencialidades, sobretudo, aquelas que dizem respeito à moralidade.
Ao agir na formação do indivíduo, a educação porfia em desenvolver o ideal de
humanidade que se conquista geração após geração. (RAMOS, 2007. p. 200).
O aspecto do pensar por si mesmo é o segundo aspecto de relevância para a filosofia
kantiana visto que se caracteriza pelo exercício crítico da razão, estando esse preceito
formulado nas três máximas do juízo de gosto: “A primeira máxima é a do pensamento livre
do preconceito, a segunda máxima é aquela do pensamento alargado, a terceira máxima é a do
pensamento consequente [...]” (RAMOS, 2007. p. 200).
A primeira máxima remete ao homem ser capaz de pensar autonomamente, a
capacidade e habilidade humana de poder pensar com uma razão crítica, livre de coerção,
porém guiada por uma mente esclarecida. A segunda máxima refere-se à capacidade do
homem de pensar por meio do espírito aberto, fazendo com que a capacidade de pensamento
livre se regule e corrija-se.
Já a terceira máxima, vem de modo a suprir um paradoxo deixado pelas duas
capacidades iniciais: um pensamento livre não é coagido, esse pensamento visa rejeitar toda
coação possível; já o pensamento alargado mostra-se um pensamento coagido visto que ele
visa se autorregular, posicionando-se sempre com a visão do outro. O pensamento
consequente vem por tentar solucionar essa querela utilizando do imperativo do dever e do
imperativo do direito, onde tais imperativos possibilitam que o homem, sendo coagido de
modo externo ou interno, chegue à maioridade onde poderá então fazer o bom uso da razão.
Já o terceiro aspecto, que se refere à “[...] necessidade da coação como instrumento
para a realização dos fins racionais do caráter normativo da conduta humana [...]” (RAMOS,
2007, p. 199), esta mais intimamente ligado com a essência da educação, onde a educação
ocorre por meio da coação. Utilizando-se de educadores que já passaram pelo processo de
educação pela coação e que estão preparados para instruir os jovens e forma-los para a vida. O
educador deve preocupar-se em criar o jovem para seguir as regras e leis da sociedade em que
este individuo se encontra e para que consiga utilizar-se do pensamento livremente, visando a
crescimento pessoal e até mesmo o crescimento da humanidade, visto que para Kant o
pensamento filosófico não está dado, mas esta em constante construção (GELAMO, 2009).
15192
O objetivo da educação
Como nos indica Ramos (2007), para Kant o objetivo principal da educação é tirar o
homem de seu estado de menoridade, ou como coloca Kant (1985) o homem deve buscar o
esclarecimento, pois essa “é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é
culpado” (KANT, 1985, p. 100); o homem deve chegar ao esclarecimento através da conexão
de sua autonomia moral, sua cultura e sua autonomia cognitiva:
A educação deve ter por finalidade formar no educando o desejo de andar com as
próprias pernas, e fazer com que ele tenha a coragem de fazer uso do seu próprio
entendimento. (RAMOS, 2007, p. 201).
Com este objetivo em foco verificamos que o ensino de filosofia deve ocorrer de modo
a ensinar o sujeito a filosofar, e não ensinar Filosofia. Filosofia deve ter um papel
significativo na vida do jovem, deve ser próxima a ele, deve auxiliar com que este educando
possa alcançar a maioridade, capaz de utilizar-se de um pensamento livre do toda coação
possível; ou, como nos aponta Gelamo (2009) Kant entende que a filosofia deve ser entendida
como ciência da representação, do pensamento e da ação do homem; a filosofia tem de
auxiliar no desenvolvimento do uso público da razão, preparar o cidadão para torar-se um
critico do pensamento, que consiga fazer o bom uso da razão. E diferente do que é desejado,
quando ensinamos ao indivíduo conteúdos de Filosofia, desestimulamos este sujeito a
executar seus próprios pensamentos, afinal se você tem a possiblidade que outro pense por
você não há a necessidade de pensar por si mesmo. Kant indica que o professor deve guiar seu
aluno no exercício de pensar por meio de perguntas que remetam aquilo que o mestre deseja
ensinar.
A mera erudição do individuo pode transforma-lo em uma pessoa culta, porém
limitada no concernente ao uso de seu conhecimento. Sem contar que ao recorrermos ao
ensino conteudista corremos o risco de termos mentes “servis, dependentes e tuteladas”. O
ensino como treinamento prepara os homens para o uso privado da razão, fazendo com que os
homens não problematizem as normas a que estão submetidos; esta forma de ensino acaba
sendo a desejada pelos governantes pois contribuem para um controle social e a “[...] inibir o
homem de fazer uma problematização dos pressupostos doutrinários [...]” (GELAMO, 2009,
p. 47) .
O mestre aparece cumprindo um papel parecido com o de Sócrates, numa concepção
platônica, tentando trazer à luz o conhecimento ao estudante através de um exercício
15193
“erotético” em que o professor, de modo dialógico ou catequético, faz com que o estudante
chegue às conclusões desejadas.
A educação assume então o papel de possibilitar a autonomia do homem, fazendo com
que ele consiga se livrar das coerções, paradoxalmente através do uso da coerção. O homem,
para que possa alcançar um estágio de autonomia, primeiro terá de se submeter à educação
coercitiva. Com isso vemos então que o “princípio supremo da educação é a ‘cultura da
liberdade pela coerção’” (RAMOS, 2007, p. 207) auxiliando o individuo a atingir a autonomia
mesmo estando sob uma força coercitiva legítima4.
Filosofia: um conjunto sistemático de ideias
Como demonstra Novelli (2005), Hegel esteve fortemente envolvimento com a
educação de seu tempo, apesar de nunca ter escrito nenhum tratado especificamente sobre este
assunto, quando o filósofo esteve à frente do colégio de Nurnberg como diretor e professor de
filosofia (1806-1816) o filósofo escreve três textos relacionados à estrutura educacional de
sua época.
O primeiro texto, que trata essencialmente do que significa para os jovens ginasiais
terem a possibilidade de estudar filosofia, “é um parecer elaborado para o real conselheiro
superior da Baviera, Immanuel Niethammer” (NOVELLI, 2005. p. 130). O segundo texto,
cujo teor se refere aos conflitos existentes entre forma e conteúdo, é também uma carta ao real
conselheiro superior Niethammer. Por fim, o terceiro texto, que se refere ao ensino de
filosofia nas instituições superiores, é uma carta enviada a Friedrich v. Raumer, professor e
real conselheiro do governo prussiano.
Vale ressaltar que o filósofo não possui certo apreço pelas tendências pedagógicas que
lhe eram contemporâneas, pois elas se preocupam “com situações periféricas em relação à
educação que se traduziam na concentração sobre os métodos e as técnicas” (NOVELLI,
2005, p. 132). As preocupações com o homem no momento pontual não são de importância
para Hegel, tais preocupações deveriam voltar-se para um homem focado em tudo o que
ocorre: “O homem se caracteriza por se construir e ao fazê-lo ele acaba por construir seu
próprio mundo” (NOVELLI, 2005, p. 132).
4
Essa força coercitiva pode ser interna ou externa, sendo esta ultima podendo ser dividida entre uma função
legislativa ou uma função executiva, porém esse tema nos exigiria longo esforço e tempo, nos desviando do
nosso objetivo específico com este trabalho.
15194
Novelli (2005) nos indica ainda que o filósofo Hegel não acredita que o ato de utilizar
a razão seria o suficiente para “emitir um juízo caracterizado pela atividade filosófica”
(NOVELLI, 2005, p. 136). Para o filósofo, a Filosofia seria fruto de reflexão e analise, onde a
Filosofia não deve ser rebaixada ao povo, mas sim “o povo deveria ser elevado ao nível da
filosofia” (NOVELLI, 2005, p. 136).
Gelamo (2008) nos mostra que, mesmo Hegel tendo dúvidas acerca da “permanência
do ensino de filosofia no ginásio” (GELAMO, 2008. p. 155) o autor dá grande atenção ao
assunto, que chegou a ser sua ocupação quando veio a se tornar “Diretor e professor de
ciências filosóficas preparatórias no Ginásio de Nuremberg” (GELAMO, 2008, p. 154).
O filósofo procura mostrar que o ensino da filosofia não é um mero refletir sobre algo,
pois para Hegel o exercício filosófico se dá através da exposição do educando a “modos mais
elevados de pensamento” (GELAMO, 2008, p. 156); trazendo conteúdos específicos ao
estudo de Filosofia.
Gelamo (2008) nos indica que Hegel se preocupa em formular um mapa de conteúdos
a serem abordados de forma que partam de algo existente até chegarem ao pensamento
conceitual. Com isso Hegel mostra-se parcialmente de acordo com o regimento do ensino de
sua época, concordando que o ensino de filosofia, na primeira etapa formativa
(correspondente ao primeiro ano do ginásio) deveria se dar através do ensino de direito,
passando para ensinamentos morais até chegar na temática da religião.
Na segunda etapa (correspondente a dois anos de estudos), onde o estudo seria voltado
às temáticas da lógica, metafísica e da psicologia, o filósofo concorda quanto às temáticas
propostas pela Normativa de sua época, porém discorda que a o estudo da lógica deva ocorrer
prioritariamente com a lógica kantiana, Hegel é a favor que Kant seja conhecido a fundo,
porém acredita que os estudos sobre a lógica devam ocorrer com ênfase em “sua lógica
objetiva (que consiste na superação da lógica formal e da lógica kantiana)” (GELAMO,
2008,. p. 157); ao que concerne a temática metafísica Hegel posiciona-se a favor de estudos
relacionados às obras kantianas.
Passando pela lógica e pela metafísica, Hegel coloca como conteúdo posterior a
psicologia, que é a mais abstrata das três temáticas e por isso deve vir por último; esse tema
deve ser abordado cuidadosamente visto que para o filósofo o estudo de psicologia nessa fase
pode ser danoso à formação do individuo. Os estudos sobre psicologia deveriam ser divididos
em duas partes: a primeira, a do espírito que se manifesta, onde deveriam estudar temas como
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“a consciência, a autoconsciência e a razão” (GELAMO, 2008, p. 158); e, a segunda parte, a
do espírito em-si e para-si, onde se tem como “objetivo explicitar a relação do espírito
consigo mesmo” (GELAMO, 2008, p. 158).
Chegando ao que seria a terceira, e última, fase dos estudos (correspondente ao último
ano do ginásio) sobre filosofia, Hegel estabelece que é de extrema importância abordar apenas
conteúdos estritamente filosóficos, reservando-se, assim, aos estudos enciclopédicos; que o
filósofo restringe “a lógica, a filosofia da natureza e a filosofia do espírito” (GELAMO, 2008,
p. 158). Ao final desse último ano de estudos, Hegel indica um estudo mais agradável ao
aluno com estudos relacionados à estética. Gelamo (2008) nos indica que “Hegel procura
evidenciar que o ensino da filosofia precisa se dar como um ensino enciclopédico em seu
verdadeiro sentido: enkyklios + paidéia, ou seja, uma educação universal” (p. 159).
Hegel procura elaborar conteúdos de filosofia de forma que eles tenham relação e que
através do estudo desses temas os alunos tenham contato com o exercício de pensamento
realizado por grandes mentes da história da humanidade. Essa aproximação do educando com
os conteúdos de filosofia faria com que os alunos aprendessem como ocorre o exercício de
pensar, e aprendendo esse exercício, os alunos estriam aprendendo conteúdos de filosofia.
Ainda no que se refere aos conteúdos de filosofia, o filósofo aponta grande
importância para o estudo dos clássicos, a filosofia grega, visto que estes trabalham com
grande destreza assuntos relacionados à formação do homem:
O homem derivado do mundo grego é aquele que se direciona para a eticidade, pela
razão e pelo espírito despojado de suas contingências. Saber e conhecer o que os
gregos sabiam e conheciam significa garantir a formação de homens guiados pela
razão e pelo espírito. (NOVELLI, 2005. p. 134).
Considerações finais
No que se refere aos dois filósofos em questão (Kant e Hegel) assumimos o caráter
plural das concepções de Filosofia, pois esta pode ser tratada como um exercício crítico da
razão ou, no pior dos casos, como um compilado de ideias conceitualmente rigorosas. Essa
diversidade acaba por ser um dos motivos de se estudar formas e concepções de como ensinar
Filosofia.
Pelo que vimos, Kant nos mostra que o ensino de filosofia não ocorre por meio de
conteúdos, pois não temos a possibilidade de estudar A Filosofia. A arte de ensinar acaba se
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caracterizando pela arte de possibilitar ao sujeito que alcance a maioridade, que chegue ao
estado de espírito livre e que saiba superar determinadas coerções. Esta arte pode ser
sintetizada como a arte de libertar pela coerção, e devido este paradoxo o ensinar se mostra
tão problemático e complexo.
Para que não se crie um espírito limitado, porém repleto de erudição, Kant propõe que
o ensino de filosofia se dê de modo a fazer das aulas de filosofia uma oficina do uso crítico da
razão, exercitando o criticismo de seus estudantes. Com isso, justificando sua famosa frase:
Não se ensina filosofia, se ensina a filosofar.
O professor assume nesta concepção uma postura de um mestre ignorante, como
proposto por Jacques Rancière (2002) onde o professor reconhece sua ignorância junto de
seus alunos e os convida para a paciência do pensamento baseado no problemas filosóficos,
transformando a sala de aula em uma oficina de pensamento; ou então o professor acaba
assumindo uma postura parecida com a de Sócrates e tenta transformar a sala de aula em um
diálogo, que por meio de perguntas faz com que os alunos pensem e cheguem ao
conhecimento esperado pelo mestre. Para Kant, nossos queridos educandos não vão aprender
a pensar simplesmente por serem expostos a uma estrutura de pensamento; os estudantes só
terão a capacidade de filosofar se exercitarem a capacidade de pensar; para nosso filósofo só
aprendemos a pensar pensando.
Porém quando nos remetemos a Hegel vemos que ele discorda do primeiro em
acreditar que o ensino de filosofia é um exercício do uso critico da razão, advogando que isso
acaba por diminuir a filosofia, tornando-a um uso da razão sem embasamento, não
conhecendo as grandes estruturas de pensamento.
Para Hegel, o ensino de filosofia deve ser um saber que siga um conteúdo especifico
pois através do estudo desses conteúdos os jovens estudantes tenham a possibilidade de ter
contato com a filosofia e por meio desse contato aprendam a estrutura do pensamento. Com
este contato com pensamentos de grau avançado de abstração os alunos exercitariam seu
pensamento.
Dessa forma o mestre assume a forma de um professor que tem o papel de alavancar o
estudante para um grau de pensamento, conhecimento, de alta abstração; fazendo, assim, com
que seu aluno consiga exercitar e possivelmente estruturar seu pensamento embasado na
tradição filosófica. Tendo então como preocupação não rebaixar a Filosofia ao nível do
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estudante, mas sim de trazer o estudante para a Filosofia; aproximando o pensamento do
aluno com o nível do pensamento filosófico.
Contudo, se assumirmos o pensamento de Hegel de forma irresponsável, onde os
alunos teriam de decorar esquemas e pensamentos filosóficos, onde teriam de provar seu
conhecimento ao final de cada bimestre/semestre, corremos o risco de cair em uma educação
onde seria praticado um desprezo pela filosofia, pois adotaríamos um encino meramente
“enciclopédico”, esquema esse criticado Friedrich Nietzsche em Schopenhauer como
educador (1874) e citado em Gallo (2012); conforme Nietzsche quando adotamos um ensino
enciclopédico caímos em um desprezo pela filosofia pois os jovens decoram os esquemas
filosóficos para o exame onde demonstram o conhecimento necessário e depois esquecem
todo o conteúdo. Nesse estilo de ensinar Filosofia ensinamos “[...] uma filosofia
completamente afastada da vida dos jovens estudantes.” (GALLO, 2012, p. 120).
Visto o posicionamento desses dois filósofos acerca do que é o ensino de filosofia, e
numa tentativa de aproximar essa discussão para as nossas salas de aula, podemos perceber
que as Orientações Curriculares Nacionais – Conhecimentos De Filosofia tentam estabelecer
uma relação entre as concepções kantianas e hegelianas acerca do ensino de filosofia quando
propõe que as aulas de filosofia deveriam estimular o filosofar e o pensar (Kant), através do
estimulo a um estudo histórico da Filosofia (Hegel).
A título de exemplo, as OCNs citam a concepção de Silvio Gallo, em que este aponta a
filosofia como um “[...] processo e produto ao mesmo tempo; só se pode filosofar pela
História da Filosofia, e só se se faz história filosófica da Filosofia, que não é mera
reprodução” (BRASIL, 2006, p. 32).
As OCNs objetivam que o ensino de filosofia seja ensinar a filosofar e pensar, ao
mesmo tempo o documento procura esclarecer que o ensino de filosofia “[...] não poderia ser
apenas a expressão das opiniões dos estudantes, mas deveria estar sustentado na tradição”
(TOMAZETTI, 2012, p. 234), vinculando o ato do filosofar à História da Filosofia. Deixando
a entender que as aulas de filosofia seriam espaços onde se realizariam atividades e
exercícios, estimulando os estudantes a pensarem filosoficamente embasados pela tradição
filosófica.
Desta forma o aluno tomaria consciência de seu papel na sociedade, onde ele é agente
nos mais diversos níveis sociais, culturais e políticos de sua micro ou macro sociedade. Seria
então papel da Filosofia transformar o aluno auxiliando-o nesse processo de ganho de
15198
consciência, tornando o aluno capaz de transformar a realidade questionando seu contexto
sócio-histórico5.
REFERÊNCIAS
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1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf. Acessado em 6 Abr. 2013, às 13
horas e 18 minutos.
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ciências humanas e suas
tecnologias. Brasília, DF, 2006. (Orientações Curriculares para o Ensino Médio; v.3).
FAVERO, A. A. CEPPAS, F. GONTIJO, P. E. et al. O ensino de Filosofia no Brasil: um
mapa das condições atuais. Caderno Cedes, Campinas, vol. 24, n. 64, p. 257-284, set./dez.
2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v24n64/22830.pdf. Acessado em 7
Abr. 2013, às 14 horas e 23 minutos.
GALLO, S. Metodologia do ensino de filosofia: Uma didática para o ensino médio.
Campinas – SP: Papirus, 2012.
GELAMO, R. P. O Ensino da filosofia e o papel do professor-filósofo em Hegel.
Trans/Form/Ação, São Paulo. v. 31. n. 2., p. 153-166, 2008. Disponível em:
http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/transformacao/article/viewFile/987/890.
Acessado no dia 6 Mar. 2013, às 16 horas e 58 minutos.
GELAMO, R. P. O ensino da filosofia no limiar da contemporaneidade : o que faz o
filósofo quando seu ofício é ser professor de filosofia. Tese (Doutorado em Educação) –
Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista: Marília, 2009. Disponível
em:
http://www.marilia.unesp.br/Home/PosGraduacao/Educacao/Dissertacoes/gelamo_rp_dr_mar.pdf. Acessado no dia 13 Mai. 2013, às
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NOVELLI, P. G. A. O ensino da filosofia segundo Hegel: contribuições para a atualidade.
Trans/Form/Ação, São Paulo. v. 28. n. 2., p. 129-148, 2005. Disponível em:
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RAMOS, C. A. Aprender a filosofar ou aprender a filosofia: Kant ou Hegel?
Trans/Form/Ação, São Paulo. v. 30. n. 2., p. 197-217, 2007. Disponível em:
5
Porém não nos delonguemos na discussão dos documentos oficiais, mais especificamente as Orientações
Curriculares Nacionais – Conteúdos de Filosofia, quanto à concepção de filosofia e o papel da filosofia no
âmbito escolar, mais especificamente nas capacidades que esta poderia despertar no estudante de ensino médio,
pois isto exigiria um outro trabalho que foge aos objetivos deste trabalho acerca das concepções kantianas e
hegelianas quanto ao ensino de filosofia.
15199
http://www.scielo.br/pdf/trans/v30n2/a13v30n2.pdf. Acessado no dia 4 Abr. 2013, às 14 horas
e 39 minutos.
RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução
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SILVEIRA, R. J. T. Ensino de Filosofia de uma perspectiva histórico-problematizadora.
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TOMAZETTI, E. M. Formação e Arte de viver: o que se ensina quando se ensina Filosofia?.
In. BUENO, S. F. PAGNI, P. A. GELAMO, R. P. (org.). Biopolítica, arte de viver e
educação. Marília: Oficina Universitária, São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. p. 229-247.
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