Estudo do papel da via maternal de Sog/Dpp sobre o gradiente

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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Ciências Biomédicas
Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas
Katia Carneiro de Paula
Estudo do papel da via maternal de Sog/Dpp sobre o
gradiente morfogenético de Dorsal durante o
desenvolvimento de Drosophila melanogaster
Rio de Janeiro
2007
14
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Ciências Biomédicas
Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas
Katia Carneiro de Paula
Estudo do papel da via maternal de Sog/Dpp sobre o
gradiente morfogenético de Dorsal durante o
desenvolvimento de Drosophila melanogaster
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Morfológicas, Instituto
de Ciências Biomédicas, Universidade Federal do
Rio de Janeiro como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em Ciências
Morfológicas
Orientadora:
Dra. Helena Maria Marcolla Araujo
Rio de Janeiro
2007
15
À memória de minha mãe
16
Agradecimentos
Gostaria de agradecer não somente às pessoas com quem compartilhei estes anos, mas também
aos momentos vividos. Quero agradecer de início à nossa orientadora, Helena Araujo por nunca
se restringir ao seu papel de orientadora. Na verdade, Helena é uma mentora, pois todo o tempo
estimula nossa autonomia científica, seja através da ajuda por palavras ou ações e até mesmo no
seu silêncio. Talvez este último seja o principal para darmos os passos mais largos e
significativos em nossas carreiras.
Agradeço aos amigos e compaheiros do lab, por compartilharmos os momentos bons: os
congressos, as festas das crianças, os almoços juntos....e também os momentos turbulentos desta
jornada: fechamento de artigos, experimentos, moscas que morrem.......: Erika, Adriana, Marcio,
Rodrigo e Eriquinha. Aos alunos de iniciação científica, que sempre me auxiliam nas tarefas em
que preciso dispor de 3 pares de mãos, 3 cérebros etc (simultaneamente): Cinthia, Viviane. E
claro, à Dulci, por cuidar da comida das nossas moscas e à Juliana por sempre ajudar.
Agradeço ao PCM pelo incentivo, marcante neste período tão fundamental. À CAPES e à
FAPERJ pela concessão das bolsas.
Agradeço a minha família: meus três meninos. Primeiro ao menor e primeiro de todos:
Marcus meu companheiro de sempre e pra sempre, ao segundo: Pedro, meu companheiro nos
momentos mais difíceis que já havia vivido, ao terceiro: João Vitor por ter me dado a
oportunidade de experimentar a verdadeira sensação de ser mãe, sem me preocupar com mais
nada.
Ao meu pai e a minha mãe: nunca poderia resumir em palavras nossa jornada. Mamãe: há muito
tempo não tenho chamado por esta palavra, sinto saudades. Apesar de ser mais uma etapa de
minha caminhada profissional, é a primeira sem a sua presença em minha vida.....
A Deus, por nunca estar longe................................
17
Resumo
Carneiro de Paula. Estudo do papel da via maternal de Sog/Dpp sobre o gradiente morfogenético
de Dorsal durante o desenvolvimento de Drosophila melanogaster. Rio de Janeiro, 2007.
Dissertação (Doutorado em Ciências Morfológicas) – Instituto de Ciências Biomédicas,
Universidade Federaldo Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Durante diferentes momentos do desenvolvimento animal a restrição do potencial celular é
orientada pelo surgimento de campos morfogenéticos. Esta restrição pode ser traduzida como
uma expressão gênica diferencial que resulta de distintos limiares de expressão gênica que estão
diretamente relacionados ao perfil da inclinação do gradiente do campo morfogenético. O
estabelecimento dos territórios de expressão gênica em Drosophila é controlado pela translocação
nuclear do homólogo do fator de transcrição Rel-like, Dorsal (Dl). Após a fertilização, as vias
maternais de Toll e Dpp (decapentaplegic)/BMP4 convergem citoplasmaticamente sobre o
homólogo de IkB, Cactus, e controlam sua degradação. Este evento é responsável por gerar um
gradiente nuclear do morfógeno Dl no embrião, que ativa a expressão de genes responsivos a
diferentes limiares de Dl. No presente trabalho demonstramos que a via maternal de Sog (Short
gastrulation)/Dpp é capaz de padronizar o eixo dorso ventral do embrião de Drosophila pelo
mecanismo de “delayed induction”. Durante a oogênese de Drosophila Sog e Dpp são
sintetizados pelas células foliculares e transferidos ao espaço perivitelínico, onde permanecem até
estágios precoces da embriogênese. A restrição da expressão de tolloid à região ventral do
folículo ovariano potencialmente restringe a clivagem de Sog por Tolloid a esta região. Nós
propomos que diferentes fragmentos de Sog tenham propriedades de difusão distintas: enquanto
fragmentos N-terminais têm sua mobilidade reduzida e permanecem associados à região ventral,
fragmentos C-terminais difundiriam dorsalmente contribuindo para gerar uma assimetria DV na
atividade de Dpp. A atividade do Dpp maternal está presente em estágios precoces da
embriogênese e influencia diretamente a inclinação do gradiente nuclear de Dl por uma via
independente do sinal de Toll. Além desta análise, investigamos os mecanismos que poderiam
estar envolvidos no controle da mobilidade de Sog. Como tem sido demonstrada a importância de
proteoglicanos de heparan sulfato na regulação de outros morfógenos, investigamos o
envolvimento destas moléculas na atividade de Sog. Identificamos vários loci gênicos que
interagem com sog durante a oogênese e desenvolviemnto das asas e que codificam proteinas da
via de síntese de proteoglicanos. Estas interações sugerem papéis relevantes destas moléculas
sobre a atividade de Sog. Também obtivemos indicios de que a glicosilação de Sog possa
modular sua atividade.
Palavras-chave: short gastrulation (sog), decapentaplegic (dpp), oogênese, padronização DorsoVentral, Drosophila
18
Abstract
Carneiro de Paula. Estudo do papel da via maternal de Sog/Dpp sobre o gradiente morfogenético
de Dorsal durante o desenvolvimento de Drosophila melanogaster. Rio de Janeiro, 2007.
Dissertação (Doutorado em Ciências Morfológicas) – Instituto de Ciências Biomédicas,
Universidade Federaldo Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
During different moments throughout animal development, cell potential restriction is driven by
the emergence of morphogenetic fields. This restriction can be translated as differential gene
expression resulting from distintic thresholds for a morphogen and thus dependent on the shape
of a morphogenetic field. The establishment of proper gene expression territories in Drosophila
relies on regulating nuclear translocation of the NFkB/c-Re transcription factor, Dorsal (Dl).
After fertilization, the maternal pathways Toll (Tl) and Dpp (Decapentaplegic)/BMP4 converge
to control degradation of the cytoplasmatic IkB homologue protein Cactus. This event gives rise
to a nuclear gradient of morphogenetic Dl protein in the embryo that in turn activates genes that
are sensitive to different thresholds for Dl. In the present work, we have demonstrated that a
maternal Sog (Short gastrulation)/Dpp pathway is able to pattern the Drosophila dorsal-ventral
(DV) axis of the embryo by delayed induction. During Drosophila oogenesis Sog and Dpp are
synthesized by follicle cells and delivered to the periviteline space, where they remain until early
stages of embryogenesis. The restriction of tolloid expression to the ventral region of the egg
chamber potentially restricts Sog cleavage to this region. We propose that different Sog
fragments have distinct diffusion properties: while N-terminal fragments have reduced mobility
and remain associated to the ventral region, C-terminal fragments diffuse dorsally contributing to
generate a DV asymmetry in Dpp activity. Maternal Dpp activity is found in early stage embryos
and is able to directly influence the slope of the Dl nuclear gradient independent of Toll
signaling. In addition, we have investigated the mechanisms that would control Sog mobility. As
it has been demonstrated that several morphogens are regulated by heparan sulfate proteoglycans,
we have searched for interactions of the morphogen Sog with molecules involved in the synthesis
of proteoglicans. We have detected several loci that interact with Sog during oogenesis and pupal
wing development, suggesting they may be relevant to regulating Sog activity. Furthermore, in
similar assays we suggest a potential role for Sog glycosilation on its activity.
Keywords: short gastrulation (sog), decapentaplegic (dpp), oogenesis, DV patterning,
Drosophila
19
Lista de Figuras
Figura 1: Esquemas ilustrando a oogênese de Drosophila.............................................................15
Figura 2: Esquema ilustrando a ativação da via de Toll.................................................................18
Figura 3: Esquema da geração da informação posicional a apartir do sinal de Dl ao longo do eixo
DV do embrião...............................................................................................................................20
Esquema 1: Esquema da proteína Sog............................................................................................26
Figura 4: Esquema da geração das células que darão origem ao disco imaginal da asa de
Drosophila......................................................................................................................................28
Figura 5: Esquema das etapas de O-glicosilação e genes envolvidos identificados em Drosophila
melanogaster..................................................................................................................................33
Figura 6: O bloqueio do sinal maternal de Dpp não afeta e expressão do gene pipe.....................51
Esquema
2:
Esquema
ilustrando
o
sistema
UAS/Gal4
de
expressão
ectópica...........................................................................................................................................55
Figura 7: Oócito expressando a construção CY2>UAS-tld;UAS-dpp imunomarcadas com
8a....................................................................................................................................................59
Figura 8: Fenótipos de asa adulta observados no screening genético............................................66
Figura 9: Caracterização da presença de moléculas de PGHS durante o desenvolvimento da asa
de Drosophila.................................................................................................................................71
Figura 10: Distribuição de moléculas de heparan sulfato na asa de Drosophila............................72
Figura 11: Caracterização da presença de proteoglicanos de heparan sulfato e de Sog durante a
oogênese de Drosophila.................................................................................................................77
Figura 12: Sog é substrato de Fringe connection...........................................................................79
20
Lista de Tabelas
Tabela
1:
Tabela
com
os
genes
escolhidos
para
o
screening.........................................................................................................................................63
Tabela 2:
Penetrância do fenótipo de invasão no mesoderma associado a cada genótipo
maternal..........................................................................................................................................75
21
Lista de Abreviaturas
AP
Ântero-Posterior
BCIP
5-Bromo-4-Chloro-3-Indolyl Phosphate
BMP
Bone Morphogenetic Protein
BSA
Bovine Serum Albumin (Soro de Albumina Bovina)
CR
Domínio rico em cisteínas
cols
colaboradores
Cv
Crossveinless
DAB
3,3’-Diaminobenzidine
DIG
Digoxigenina
Dl
proteína Dorsal
DNA
Ácido Desoxinucleico
Dpp
Proteína Decapentaplegic
dpp
gene decapentaplegic
DV
Dorso-Ventral
ea
gene easter
EDTA
Ethylenediamine-tetra-acetic acid
EGF
Epidermal Growth Factor (Fator de desenvolvimento da epiderme)
EGFR
Receptor transmembrana de EGF
EGTA
Ethylene Glycol-bis (beta-aminoethyl ether) N’-Tetra-acetic Acid
fig.
figura
FLP
Flipase (Recombinase sítio específica), oriundo de elevedura
FRT
Flipase Recombination Target (alvo de recombinação da Flipase)
GAL4
Proteína regulatória (Fator de transcrição) oriundo de levedura
gd
gene gastrulation defective
GFP
Green Fluorescent Protein
GAG
Glicosaminoglicano
Grk
Proteína Gurken
HRP
Horseradish Peroxidase
HS
Heparan Sulfato
IκB
Inhibitory κB (família de inibidores de κB)
22
kD
Kilodalton(s)
LSM
Laser Scan Microscopy
M
Molar
NaN3
Azida sódica
NBT
Nitro Blue Tetrazolium
Ndl
Proteína Nudel
ndl
gene nudel
NDST
família de enzimas N-desacetilase/N-sulfotransferases
NF-κB
Nuclear Factor κB (Família de fatores nucleares κB)
NGS
Normal Goat Serum (Soro Normal de Cabra)
NP40
Dertegente (também chamado de Igepal)
PBS
Phosphate-Buffered Saline (Tampão fosfato salino)
PBT
Tampão PBS com Tween-20
PDT/BSA
Tampão PBS com deoxicolato de sódio, Triton-X100 e BSA
PGHS
Proteoglicanos de Heparan Sulfato
pipe
gene pipe
PMSF
PVDF
Phenylmethanesulfonyl
Polyvinylidene Fluoride
RNA
Ácido Ribonucleico
RNAm
RNA mensageiro
Rpm
Rotações por minuto
scw
gene screw
shw
gene shrew
sna
gene snail
snk
gene snake
Sog
Proteína Short Gastrulation
sog
gene short gastrulation
Spz
Proteína Spätzle
SSC
Saline Sodium Citrate (solução citrato de sódio salino)
TGF-α
Transforming Factor Growth alfa (Fator de desenvolvimento
transformante alfa)
23
TGF-β
Transforming Factor Growth beta (Fator de desenvolvimento
transformante beta)
TKV
Receptor Thick veins
tl
gene toll
tld
gene tolloid
Tld
Proteína Tolloid
Tris
Tris (hydroxymethyl) aminoethane
tsg
gene twisted gastrulation
Tsg
Proteína Twisted gastrulation
UAS
Upstream Activation Sequence, oriundo de levedura
wind
gene windbeutel
zen
gene zerknullt
24
Sumário
Introdução.......................................................................................................................................14
1. Oogênese de Drosophila............................................................................................................14
1.1.1 A via maternal de Toll e o estabelecimento do eixo dorso-ventral do embrião....................14
1.1.2 A via maternal de Dpp e o eixo DV do embrião...................................................................21
1.2. Modelo da ação antagônica entre Sog e Dpp durante o desenvolvimento embrionário de
Drosophila.....................................................................................................................................23
1.3. A ação de Sog e Dpp durante a morfogênese da asa de Drosophila.......................................27
1.4. Proteoglicanos como moduladores da atividade dos morfógenos...........................................31
2. Ojetivos.......................................................................................................................................35
3. Materiais e Métodos...................................................................................................................37
3.1 Nomenclatura Genética............................................................................................................37
3.2 Cromossomos de Drosophila melanogaser..............................................................................37
3.3 Cromossomos balanceadores....................................................................................................38
3.4 Preparação do Meio de Cultura de Drosophila........................................................................39
3.4.1 Meio de cultura......................................................................................................................39
3.4.2 Meio de Uva para oviposição................................................................................................40
3.5 Imunofluorescência de folículos ovarianos e asas de pupa......................................................40
3.6 Criopreservação de oócitos e imunofluorescência...................................................................41
3.7 Detecção de Dpp no espaço perivitelínico................................................................................42
3.8 Hibridização in situ...................................................................................................................42
3.8.1 Síntese de sondas RNA antisenso..........................................................................................42
3.8.2 Fixação de embriões..............................................................................................................43
3.8.3 Reação de hibridização in situ...............................................................................................44
3.9 Linhagens de Drosphila melanogaster.....................................................................................44
3.10 Coleta de fêmeas virgens e cruzamentos de moscas..............................................................46
3.11 Dissecção de asa de pupa.......................................................................................................46
3.12 Imunofluorecência em asas da pupa de Drosophila...............................................................47
25
3.13 Preparação de extratos proteícos para eletroforese de proteína desnaturante ........................48
3.14 Western blotting.............................................................................................................……49
4. Resultados...................................................................................................................…............50
4.1 Análise do mecanismo de ação de Sog e Dpp maternais sobre a padronização do eixo DV
embrionário.....................................................................................................................................50
4.1.1 A via maternal de Dpp não afeta o padrão de expressão de pipe..........................................50
4.1.2 Sog é sintetizado pelas células foliculares que recobrem o oócito e é transferido para o
espaço perivitelínico.......................................................................................................................52
4.1.3 O Dpp exógeno sintetizado pelas células foliculares é transferido para o espaço
perivitelínico...................................................................................................................................54
4.1.4 O sinal de Dpp maternal é transduzido pelo receptor Tkv e afeta regiões ventrais do
embrião...........................................................................................................................................55
4.1.5
Diferentes
fragmentos
de
Sog
apresentam
diferentes
propriedades
difusoras.........................................................................................................................................57
4.1.6 Tolloid é capaz de clivar Sog durante a oogênese.................................................................58
4.1.7 A expressão de ectópica de Dpp-GFP evidencia o gradiente de Sog....................................60
4.2 Avaliação da contribuição de moléculas de proteoglicanos e da glicosilação de Sog sobre sua
atividade durante a morfogênese da asa e durante a oogênese.......................................................61
4.2.1 sog interage geneticamente com loci gênicos responsáveis por gerar moléculas importantes
para
a
síntese
de
glicosaminoglicanos
e
glicoproteínas
no
modelo
da
asa
de
Drosophila.....................................................................................................................................64
4.2.2 Proteoglicanos de Heparan Sulfato estão presentes durante o desenvolvimento da asa de
Drosophila.....................................................................................................................................70
4.2.3 A via maternal de Sog/Dpp interage geneticamente com loci gênicos responsáveis por gerar
moléculas importantes para a síntese de glicosaminoglicanos e glicoproteínas no modelo da
oogênese de Drosophila.................................................................................................................73
4.2.4 Proteoglicanos de Heparan Sulfato estão presentes durante a oogênese
de Drosophila................................................................................................................................76
4.2.5 Sog é substrato de Fringe connection durante o desenvolvimento da asa de
Drosophila......................................................................................................................................78
5. Discussão....................................................................................................................................81
26
5.1 Sog e Dpp atuam pelo mecanismo de “delayed induction” para padronizar o eixo DV do
embrião de Drosophila...................................................................................................................81
5.2 Um novo nó para a rede de expressão gênica do eixo dorso-ventral de Drosophila...............83
5.3 Como gerar um gradiente morfogenético: o papel de proteoglicanos......................................85
5.4 A glicoproteína Sog..................................................................................................................89
5.5 A via maternal de Dpp como uma via digital...........................................................................92
6. Conclusões Finais.......................................................................................................................97
6. Referências Bibliográficas..........................................................................................................98
Anexo 1.........................................................................................................................................122
Anexo 2 ........................................................................................................................................123
27
1.Oogênese de Drosophila
1..1. 1 A via maternal de Toll e o estabelecimento do eixo dorso-ventral do embrião
A padronização do eixo dorso-ventral do embrião de Drosophila tem início em estágios
precoces do desenvolvimento, mesmo antes da fecundação, durante o processo de
amadurecimento dos folículos ovarianos maternos (fig. 1A). O oócito de Drosophila surge a
partir de um sincicio celular que é originado por quatro ciclos de divisões celulares incompletas a
partir de uma única célula germinativa (fig.1A, a), originando um cisto com 16 células irmãs que
compartilham o mesmo citoplasma (fig. 1A, b) e são recobertas por um epitélio de origem
somática derivado das células foliculares (fig. 1A, c) (Telter, 1975; Deng and Lin, 2001). Apenas
uma destas células se desenvolverá em oócito, enquanto que as outras 15 células darão origem às
células nutridoras que proverão o oócito com nutrientes e componentes citoplasmáticos
(Theurkaut, 1994).
Os eixos Ântero-Posterior (AP) e Dorso-Ventral (DV) do futuro embrião são
estabelecidos durante a oogênese em um evento que envolve dois passos consecutivos de
sinalização celular abrangendo o oócito e as células somáticas (González-Reyes e St. Johnston,
1994; González-Reyes e cols., 1995; Roth e cols., 1995). Ambos os passos são mediados pelo
produto do gene gurken (grk), uma molécula que pertence à família TGF-α e que é expressa pelo
oócito, e por seu ligante, o homólogo em Drosophila do receptor de EGF que é expresso pelas
células foliculares que circundam o oócito, mas é ativado nos níveis mais elevados somente nas
células foliculares adjacentes ao núcleo do oócito.
Primeiro, a ativação do receptor de EGF por Grk na região posterior induz o subgrupo de
células foliculares que receberam o sinal a adquirirem um destino posterior
28
Estágio 6
Germarium Estágio 3
A
Células Foliculares
P
células nutridoras
a
germarium
células
tronco
b
.
células nutridoras
oócito
apêndices
dorsais
C
A
.
a
células foliculares
oócito
c
P
.
oócito
dorsal
anteri
células nutridoras
oócito
membrana
plasmática
B
ventral
D
espaço
perivitelínico
posterior
c
ó
grânulos
polares
Figura 1: Esquemas ilustrando a oogênese de Drosophila. Em A e B pode ser observado o
ovaríolo, estrutura que compreende vários folículos ovarianos em diversos estágios de maturação.
Cada folículo surge a partir de uma estrutura especializada chamada germarium (A), localizado
na região anterior de um ovaríolo. O germarium é dividido em quatro regiões morfologicamente
distintas ao longo de seu eixo ântero-posterior (A: 1, 2A, 2B, 3). Cada célula tronco geminativa
(A,a) passa por divisões sucessivas produzindo um sincício celular originando um cisto com 16
células irmãs que compartilham o mesmo citoplasma (A,b). Apenas uma destas células (A, b em
amarelo) se desenvolverá em oócito, enquanto que as outras 15 células darão origem às células
nutridoras que proverão o oócito com nutrientes e componentes citoplasmáticos (A,c; B,a).
Durante o estágio 8 a migração do núcleo do oócito estabelece a região ântero-dorsal do folículo
(B, pontilhado vermelho), onde Gurken ativará os receptores EGF. Na região ventral (B,
pontilhado verde) a ausência de Gurken assegurará a expressão de pip e tld somente nesta região.
C- Esquema de um folículo no estágio 10 da oogênese. D- Esquema ilustrando um folículo tardio
(estágio 14) com suas estruturas ântero-dorsais (os apêndices dorsais) e o espaço perivitelínico,
delimitado pela membrana vitelínica e membrana plasmática do oócito. O folículo tardio é
morfologicamente idêntico ao futuro embrião.
29
(González-Reyes e cols., 1995; Roth e cols., 1995). Durante o estágio 8, o citoesqueleto do
oócito sofre modificações em sua polaridade, levando à migração do núcleo do oócito em direção
à futura região anterior dorsal (Clark e cols., 1994; Lane and Kalderon, 1994; Micklem e cols.,
1997). Assim, após a migração do núcleo do oócito, a presença do mRNA de grk caracterizará a
região dorsal do oócito, onde a ativação do receptor de EGF por Grk nas células foliculares será
reponsável por especificar o destino dorsal (González-Reyes e cols., 1995; Roth e cols., 1995).
Assim, o sinal disparado por Grk é capaz de especificar tanto o destino posterior quanto o
eixo dorso-ventral do epitélio folicular e, conseqüentemente, do embrião, a partir de um sinal
originado no oócito. Durante o estagio 10, o sinal dorsal do receptor de EGF restringe a
transcrição do gene pipe (pip) a uma zona que compreende 30-40% das células mais ventrais ao
longo da circunferência da camada de células foliculares que recobrem o oócito (Sen e cols.,
1998). O gene pip codifica uma enzima modificadora de glicosaminoglicanos residente do
complexo de Golgi das células foliculares (Sen e cols., 1998).
Pipe é crítica para localizar o sinal que especifica o destino ventral no embrião em
desenvolvimento. Sua homologia às enzimas sulfotransferase de glicosaminoglicano (GAG), em
vertebrados, sugere fortemente que estes polímeros desempenham um importante papel em
modificar a atividade de fatores secretáveis, que direcionam o destino ventral do embrião (Roth,
1998). Por outro lado, a geração de clones de células foliculares ventrais mutantes para os loci
sulfateless, sugarless e fringe connection (descritos como importantes para ageração de GAGs)
não afetou o eixo DV do embrião. Além disso, a geração de embriões mutantes para estes loci
mostrou que a atividade sulfotransferase de pipe é importante para a geração de estruturas do
embrião mas o seu alvo não seria um GAG de heparan sulfato (Zhu e cols., 2005).
Além da expressão ventralmente restrita de pip, outro importante evento envolvido na
padronização do eixo DV do embrião é a ativação de genes, tanto no oócito quanto nas células
30
foliculares, que irão agir somente após a fecundação por um mecanismo denominado de “delayed
induction”. Além de pip, os genes windbeutel (wind) e nudel (ndl) (fig. 2A) são expressos
transientemente pelas células foliculares durante os estágios intermediários da oogênese (Ray and
Schüpbach, 1996). Já os genes gastrulation defective (gd), snake (snk) e easter (ea) (fig. 2A) são
expressos pelas células germinativas e codificam proteínas estruturalmente relacionadas à
zimogêneos de proteases semelhantes à tripsina serina, que são ativadas por clivagem proteolítica
(DeLotto and Spierer, 1986; Chasan and Anderson, 1989; Konrad e cols, 1998). Todos estes
genes codificam proteases que parecem atuar seqüencialmente, possivelmente através de uma
cascata, como observado para a cascata de coagulação sangüínea de vertebrados (Chasan e cols.,
1992; Smith and DeLotto, 1994). Trabalhos utilizando modelagem tri-dimensional de complexos
enzima-substrato têm confirmado a hipótese da ativação seqüencial de Gd-Snk-Ea (fig. 2A),
descrita incialmente através de experimentos genéticos de epistasia (Rose e cols, 2003). Esta
cascata proteásica é regulada por fatores positivos intrínsecos e loops de feedback negativo,
assim como pelo inibidor de Ea chamado Serpina 27A (Hashimoto e cols., 2003; Ligoxygaxis e
cols., 2003).
O início desta cascata proteolítica é essencial para o processamento da proteína Spätzle
em um fragmento proteolítico C-terminal (Morisato and Anderson, 1994; Schneider e cols.,
1994), resultando em uma proteína ativa que se ligará a um receptor transmembrana distribuído
uniformemente ao longo da membrana do oócito, denominado
31
A
2
3
1
7
4
8
5
6
9
B
Sog
1
4
3
2
5
Figura 2: A- Esquema ilustrando a ativação da via de Toll. A região ventral do folículo
ovariano (cinza claro) é especificada pelo gene pip, que é expresso pela células foliculares
(1). Windbeutel é necessário para permitir a exportação de Pipe do retículo
endoplasmático para o Complexo de Golgi (2). Slalom é uma enzima necessária para o
transporte do doador de enxofre de alta energia PAPS para o Golgi (3), onde ele funciona
como substrato para a reação de sulfutransferase característica de Pipe. Nudel, uma
enzima autocatalítica (4), é responsável por ativar Gd (5). Gd ativa Snake (6), que então
ativa Easter (7) para processar Spätzle (8) e gerar o ligante ativo de Toll (9). B- Esquema
dos eventos que ocorrem “downstream” ao sinal de Toll. A ativação de Toll pelo
fragmento ativo de Spätzel (1), transduz um sinal citoplasmático que culmina na
fosforilação e degradação de Cactus (2), liberando Dorsal para translocar aos núcleos (3).
Dpp maternal sinaliza pelo receptor TKV (4) e transduz u sinal citoplasmático que
culmina no bloqueio da degradação de Cactus (5), retendo Dorsal no citoplasma celular.
Sog, ao se ligar a Dpp, impede sua sinalização pelos receptores TKV. As duas vias de
sinalização, Toll e Sog/Dpp maternal, convergem sobre Cactus, regulando de forma
antagônica a translocação nuclear de Dorsal e o eixo DV do embrião.
32
Toll (Hashimoto e cols., 1991). A ligação de Spätzle a Toll dispara um sinal citoplasmático que
culmina na degradação da proteína Cactus, que apresenta homólogia estrutural a IκBα de
mamíferos (fig. 2A) (Whalen and Steward, 1993). Cactus é uma proteína citoplasmática que se
liga a Dorsal (Dl), um fator de transcrição relacionado à família NFκB/c-rel, restringindo assim
sua localização ao citoplasma (fig. 2B) (Whalen e Steward, 1993). Após a degradação de Cactus
pelo sinal enviado por Toll, Dl é translocado para o núcleo celular onde se ligará a seqüencias
específicas em regiões promotoras de genes alvo de sua ação e dará início à expressão de genes
zigóticos (fig. 2B).
A resultante da via maternal de Toll é a geração de um padrão preciso da translocação
nuclear de Dl ao longo do eixo DV do embrião. Este perfil pode ser expresso graficamente (fig.
3B) e é responsável por gerar diferentes limiares de expressão gênica zigótica (fig. 3A,C). Estes
limiares são definidos pelo número e/ou afinidade de sítios responsivos nos genes alvo de Dorsal
e pelas quantidades de Dl nuclear presentes ao longo do eixo, promovendo a transcrição de genes
que caracterizarão cada tecido embrionário (fig. 3A). Como a região ventral possui a maior
relação de receptores Toll ligada a Spätzle, ela apresentará a maior concentração nuclear de Dl
(Steward e cols. 1988; Roth e cols. 1989; Rushlow e cols. 1989). Genes responsivos a altos
limiares da concentração nuclear de Dl serão expressos, enquanto que outros terão sua expressão
reprimida. A ativação da transcrição dos genes twist (twi) e snail (sna) por Dl dará início à
especificação do mesoderma a partir da região ventral (fig. 3A) (Simpson 1983; Thisse e cols.
1987).
Nas regiões laterais do embrião existe um número menor de receptores Toll ativados, e
como a translocação nuclear de Dl parece estar diretamente relacionada ao número absoluto de
receptores Toll ativados (Anderson e cols., 1985; Huang e cols., 1997),
33
A
[Dl]
B
Territórios
embrionários
C
Figura 3: Esquema da geração da informação posicional a partir do sinal de Dl ao longo do eixo
DV do embrião. Os núcleos mais ventrais (em verde escuro) possuem as maiores concentrações
de Dl, necessárias para ativar a transcrição de twist e especificar o mesoderma. Os núcleos
laterais (em amarelo) possuem quantidades menores de Dl nuclear, que são suficientes para a
ativar a transcrição de sog e rhomboid, por exemplo, e especificar neuroectoderma ou ectoderma
lateral. Os núcleos mais dorsais (em branco) possuem quantidades mínimas ou mesmo não
apresentam Dl nuclear, possibilitando a ativação de genes como dpp, necessários para a
especificação do ectoderma dorsal e aminoserosa. B- Gráfico mostrando a inclinação do
gradiente de Dl nuclear observadas ao longo do eixo DV de um embrião selvagem. As maiores
concentrações nucleares de Dl correspondem às células que darão origem ao mesoderma (verde),
concentrações intermediárias correspondem às células que darão origem ectoderma lateral (azul)
enquanto que baixas concentrações correspondem às células que darão origem ao ectoderma
dorsal (vermelho). C- Embrião selvagem processado para hibridização in situ para detecção da
expressão da RNA mensageiro de twist (azul), single minded (vermelho) e sog (verde). Imagens
obtidas de http://www.biology.ucsd.edu/~davek/images/tripz.html.
34
menores níveis de Dl serão encontrados nestes núcleos, acarretando uma disponibilidade menor
deste fator de transcrição. Assim, os genes que devem ser ligados por Dl para iniciar a
diferenciação do ectoderma neurogênico devem ser mais sensíveis a concentrações baixas de Dl,
diferente daqueles genes ativados na região ventral, onde a disponibilidade de Dl é maior (fig.
3A). A restrição lateral de genes neuroectodermais é subseqüentemente reprimida em regiões
ventrais por genes zigóticos alvos de Dl, como snail (Bier e cols., 1990; Ip e cols., 1992; Jiang e
Levine 1993).
De forma contrária, Dl também orienta a diferenciação dos tecidos dorsais do embrião.
Embora ele não esteja presente nos núcleos das células dorsais, Dl assegura a repressão de dpp
(zigótico) e zen nas regiões ventrais e laterais, restringindo assim sua expressão para as regiões
mais dorsais do embrião (fig. 3A), onde estes genes serão necessários para a especificação do
ectoderma dorsal e da aminoserosa (Wakimoto e cols., 1984; Irish e cols., 1987).
1.1.2 A via maternal de Dpp e o eixo DV do embrião
A geração deste perfil preciso da translocação nuclear de Dl é regulada conjuntamente
pelo sinal da via de Short Gastrulation (Sog) e Decapentaplegic (Dpp) maternal (Araujo e Bier,
2000). Sog é uma proteína secretável com alto de grau de homologia à Cordina de vertebrados,
que contém 4 domínios ricos em resíduos de cisteína denominados CR (esquema 1. François and
Bier, 1995). Sog e Cordina apresentam os domínios CR com extensão de 60 a 80 aminoácidos,
sendo o primeiro domínio, CR1, localizado na extremidade N-terminal e os CR2-4 localizados na
região C-teminal. A análise da seqüência do DNA do gene dpp mostrou que ele é um membro da
superfamília
35
TGFβ de fatores de crescimento (Padgett e cols., 1987). dpp é o membro da superfamília TGFβ
mais relacionado à BMP 2/4, com 75% de identidade com a região C-terminal do fator de
crescimento (Wozney, 1988; Gelbart, 1989).
A via maternal de Sog/Dpp é responsável por transduzir um sinal citoplasmático que
culmina no bloqueio da degradação de Cactus (fig. 2B), impedindo a translocação nuclear de Dl
por uma via independente do sinal de Toll (fig. 2B) (Araujo e Bier, 2000). Durante a oogênese,
sog é expresso por células foliculares que migram posteriormente sobre o oócito, tornando-se
restrita às células foliculares anteriores durante o estágio 10, enquanto dpp é expresso pelas
células foliculares anteriores que migram centripetamente (Araujo e Bier, 2000). Uma vez que o
efeito resultante da alteração da via maternal de Sog/Dpp se dá ao longo da borda entre o
mesoderma e neuroectoderma ao longo de todo o eixo ântero-posterior do embrião, o padrão de
distribuição das proteínas Sog e Dpp deve, necessariamente, ser mais amplo que o padrão
anterior detectado para sog e dpp (Araujo e Bier, 2000). Além disso, foi demonstrada a
importância da atividade de Dpp para o posicionamento e padronização corretos de estruturas
dorsais anteriores do córion, os apêndices dorsais e o opérculo (Araujo e Bier, 2000; Twombly e
cols., 1996). Estes dados sugerem a existência de um mecanismo celular/molecular ainda não
descrito responsável por modificar pós-transcricionalmente o padrão de expressão anterior de
dpp, atuando sobre a mobilidade ou atividade da proteína Dpp, direcionando um acúmulo dorsal
de seus efeitos.
Outro importante aspecto a ser ressaltado no estudo do efeito dos genes maternais é o
período temporal que envolve a programação da via de Toll (que ocorre durante a oogênese) e
seu efeito sobre a geração do gradiente de Dorsal (que ocorre durante etapas precoces da
embriogênese). É necessário que todos os mediadores da cascata proteolítica sintetizados durante
36
a oogênese permaneçam em uma forma estável no espaço perivitelínico, desde o final da
oogênese até o início da embriogênese, momento no qual espera-se que exerçam seus papéis.
Desta característica foi cunhado o termo “delayed induction”, como citado anteriormente. O
efeito maternal de Dpp sobre o embrião foi demonstrado através de experimentos de epistasia e
alteração nas doses maternais de sog e dpp, sendo somente sugerido que sua ação se dê através do
mecanismo de “delayed induction” (Araujo e Bier, 2000). Outra hipótese para explicar a ação da
via de Dpp maternal sobre o gradiente de Dorsal, seria sua regulação sobre a expressão de genes
“upstream” a Toll, como pipe por exemplo.
Portanto, existem ainda características intrínsecas à via maternal de Dpp importantes para
definir claramente sua contribuição exata para a geração do gradiente nuclear de Dorsal. Dentre
elas, testar se sua ação se dá através do mecanismo de “delayed induction” e caracterizar o
mecanismo celular/molecular que seria responsável por gerar um gradiente de atividade de Dpp
ao longo do eixo DV do folículo ovariano.
1.2 Modelo da ação antagônica entre Sog e Dpp durante o desenvolvimento embrionário de
Drosophila
Um dos mais bem estudados mecanismos de indução do destino celular em Drosophila é
o mecanismo de indução do ectoderma dorsal, onde Sog e Dpp zigóticos desempenham
importantes papéis.
Durante a embriogênese, dpp é expresso inicialmente em um padrão que engloba cerca de
40% das células localizadas dorsalmente no blastoderma celular embrionário, e sua expressão é
autônoma em relação aos outros genes expressos dorsalmente. Mutações em scw (screw), shw
(shrew), sog, tld (tolloid), tsg (twisted gastrulation) e zen não afetam o início nem a manutenção
37
da expressão de dpp. Em contraste, a expressão de zen e tld depende da atividade de dpp (Ray e
cols., 1991). Wharton e colaboradores (1993) mostraram que o produto de dpp é parte integral de
um gradiente de atividade zigótico que especifica diferentemente o destino celular dentro do
ectoderma dorsal. O requerimento de dpp é dependente da dosagem e existe um requerimento
gradual pelo produto de dpp ao longo do eixo DV (Wharton e cols.,1993). Células que darão
origem à aminoserosa, a região mais dorsal do embrião, são mais sensíveis a reduções nos níveis
da atividade de dpp do que as células que darão origem à epiderme dorsal, a região logo abaixo
da aminoserosa, e do que as células que darão origem à epiderme ventral (Wharton e cols., 1993).
Uma vez que a expressão de dpp é uniforme na região dorsal do embrião e que as células
que expressam dpp respondem diferentemente ao seu produto, o modelo de simples difusão
postulado para a ação de um morfógeno não é suficiente para explicar o estabelecimento nem a
manutenção do gradiente de atividade da proteína Dpp. Estudos vêm demonstrando que a
atividade de Dpp pode ser modulada através da formação de um complexo proteico envolvendo a
participação do produto dos genes sog, tld e tsg.
O produto do gene sog (François e cols., 1994) é um componente chave para a formação
deste complexo. A padronização da região dorsal do embrião também depende da função deste
gene, uma vez que embriões nulos para sog não desenvolvem aminoserosa (Zusman e cols.,
1988; Rushlow e cols., 1990; Ray e cols., 1991; Ferguson and Anderson, 1992). Na região lateral
Sog inibe a difusão e a autoativação de Dpp, garantindo a formação do neuroectoderma (Biehs e
cols., 1996; Bier, 1997; Yu e cols., 2000). Como Sog é produzido pelas células laterais que não
expressam dpp, sua difusão a partir desta região será responsável por gerar um gradiente de
concentração, de forma que as células da região mais dorsal entrarão em contato com as menores
concentrações de Sog (Srinivasan e cols., 2002). Assim, é possível inferir um modelo onde um
gradiente inverso seria gerado por Dpp, uma vez que sua difusão a partir da região dorsal
38
permitiria às células desta região entrar em contato com as maiores concentrações deste
morfógeno. Assim, à medida que Sog difunde em direção à região dorsal, ele carrearia e
estabeleceria um gradiente de atividade de Dpp, pois as regiões laterais teriam os menores níveis
de Dpp livre para atuar em seus receptores, enquanto que os menores níveis de Sog na região
dorsal permitiriam uma quantidade maior de Dpp livre, assegurando assim, a manutenção do pico
de atividade necessária para a formação da aminoserosa (Zusman e cols., 1988; Ray e cols., 1991;
Ferguson and Anderson, 1992; Fraçois e cols., 1994).
A atividade de Dpp pode ser modulada positivamente por Tld, uma vez que cópias extras
de dpp suprimem completamente mutações fracas de tld e aumentos na dosagem de tld não têm
efeitos sobre fenótipos causados por alelos de perda parcial de função em dpp (Ferguson and
Anderson, 1992). Esta modulação se dá através da formação de um complexo proteico entre Dpp
e Tld e requer a atividade proteásica de Tld para funcionar (Finelli e cols., 1994). Neste modelo,
Sog carrearia Dpp para a região dorsal, onde Sog seria clivado por Tld (Marqués e cols., 1997a;
Yu e cols., 2000; Serpe e cols., 2005) liberando Dpp para ligar seus recptores.
De fato, Tld é capaz de clivar Sog em sítios específicos gerando diferentes fragmentos
com diferentes atividades sobre Dpp (Yu e cols, 2000 e 2004). Em Sog existem quatro sítios
passíveis de clivagem por Tolloid (Marqués e cols., 1997b; Shimmi and O’Connor, 2003). Na
presença de Dpp, Tld é capaz de clivar Sog em um sítio próximo ao CR1 (sítio I), em um sítio
próximo ao CR2 (sítio III), em um outro sítio minoritário próximo ao CR2 (entre os sítios I e III)
e outro sítio entre o CR3 e o CR4 (esquema 1).
39
CR1
CR2
8a
CR3
CR4
8b
Esquema 1: Esquema da proteína Sog. Em vermelho estão os domínios CR e as setas azuis
indicam sítios de glicosilação. As cabeças de setas amarelas indicam os sítios de clivagem
utilizados por Tld. As barras verdes indicam os epítopos proteicos utilizados pelos anticorpos 8a
e 8b.
Evidências genéticas e bioquímicas têm sugerido a participação de outra molécula na
formação do complexo proteico envolvido na sinalização por Dpp. Além de Sog, Dpp e Tld, o
produto do gene tsg também está envolvido na formação deste complexo (Oelgeschlager e cols.,
2000; Chang e cols., 2001; Ross e cols., 2001; Scott e cols., 2001). Em Drosophila Tsg parece ser
necessário para uma potente ligação de Sog a Dpp, de modo que a formação do complexo
Sog/Tsg inibe significativamente mais a sinalização por Dpp do que Sog apenas (Ross e cols.,
2001). Estudos in vitro demonstraram que na presença de Tld, Tsg teria a função de aumentar a
taxa de clivagem de Sog por Tld na presença de Dpp, restringindo assim, a maior atividade de
Tld à região mais dorsal (Shimmi and O´Connor, 2003). Tsg teria também a função de alterar o
padrão de clivagem de Sog, estando envolvido na geração de um fragmento N-terminal de Sog
que abrange a região que contém o CR1 e uma porção da região espaçadora, denominado
Supersog (Yu e cols, 2000; Shimmi and O´Connor, 2003). Estudos utilizando o modelo de asa de
Drosophila demonstraram que a geração da molécula de Supersog é temporalmente controlada e
que ela tem uma ação inibitória mais ampla sobre BMPs do que a molécula de Sog completa (Yu
e cols, 2000). Estes resultados sugerem que na ausência de Tsg, Sog seja clivado por Tld gerando
uma molécula sem função biológica, ao passo que em sua presença, a clivagem de Sog geraria
uma molécula biologicamente ativa, Supersog.
40
Assim, o modelo proposto atualmente para a padronização da região dorsal do embrião
propõe que na ausência de Sog e Tsg, Dpp é impedido de difundir-se, pois ele se ligaria
imediatamente aos receptores disponíveis. Na presença de Sog e Tsg, no entanto, Dpp é impedido
de se ligar ao seu receptor podendo difundir-se livremente na região do domínio dorsal, até que
Tld atue processando Sog e liberando Dpp, permitindo que Dpp ou seja recapturado por outro
complexo Sog/Tsg ou que se ligue ao seu receptor em um sítio distante do seu sítio de síntese.
Assim, Sog ao se difundir auxiliaria na redistribuição de Dpp, mantendo sua concentração
elevada na região dorsal, e à medida que a concentração de Dpp é sempre maior na região mais
dorsal, a taxa de clivagem de Sog aumenta liberando mais Dpp ativo nesta região (Shimmi and
O´Connor, 2003).
1.3 A ação de Sog e Dpp durante a morfogênese da asa de Drosophila
Assim como ocorre no embrião, diversos estudos indicam que Sog e outras moléculas
extracelulares regulam a sinalização de BMP de forma particular durante o desenvolvimento da
asa de Drosophila. A asa de Drosophila começa a ser formada a partir da delaminação de grupos
de células originadas no neuroectoderma embrionário que dão origem a um grupo de células
chamado de disco imaginal da asa (fig. 4A). A estrutura da asa adulta é caracterizada pela
presença de cinco veias longitudinais, que correm paralelas
41
a
∗
b
c
∗
B
C
a
Posterior
Anterior
Dorsal
Margem
Ventral
b
superfície dorsal
superfície ventral
c
Modificado de Developmental
Biology 6a edição
Modificado de Bier 2000 Curr.Opi.Gene.Dev. 10:393–398
Figura 4: A- Esquema da geração das células que darão origem ao disco imaginal da asa de
Drosophila. A delaminação de grupos de células originadas no neuroectoderma embrionário (A,
a asterisco) darão origem a um grupo de células chamado de disco imaginal da asa (A, b círculo
vermelho; c asterisco). B e C- Esquema da formação das veias no disco imaginal da asa. Em B
(a) mostra a monocamada de células do disco imaginal da asa durante o terceiro estágio larval.
Formação das veias longitudinais (L1 a L5) e da região que originará as superfícies dorsal (azul)
e ventral (vermelho) da futura asa. Em B (b) mostra a evaginação do disco da asa durante o início
do período pré-pupal, levando à aposição das duas regiões (azul e vermelha) que originarão as
superfícies dorsal e ventral da asa. C- A evaginação gera uma asa constituída por um epitélio
bicamada formado pelas superfícies dorsal e ventral. B (c) mostra a asa adulta, que é formada
pelas superfícies dorsal e ventral, veias longitudinais (L1 a L5), veias cruzadas e interveia.
42
ao eixo próximo-distal da asa (fig.4B). Entre as veias L3 e L4 existe a veia transversal anterior
(VTA) e entre as veias longitudinais L4 e L5 existe a veia transversal posterior (VTP) (fig. 4B,
c).
As veias longitudinais surgem a partir de uma população específica de células do disco
imaginal da asa durante o período larvar, enquanto que as veias transversais surgem nos estágios
iniciais do período pupal (Conley e cols., 2000). A sinalização por BMP é importante em dois
momentos distintos do desenvolvimento das veias. Durante o período larvar, sua participação,
juntamente com moléculas da via de sinalização de EGFR e Notch (Sotillos e de Celis, 2005), é
importante para posicionar cada veia longitudinal ao longo do eixo ântero-posterior da asa e sua
expressão é restrita ao centro da margem deste eixo no disco imaginal, de onde difunde gerando
um gradiente de concentração, como citado anteriormente. Durante este período no entanto, não
há evidências da participação de Sog na modulação da atividade de Dpp (Shimmi e cols., 2005;
Yu e cols., 1996).
Após a entrada no período pupal, a expressão de dpp passa a ser restrita ao domínio das
veias longitudinais (de Celis, 1997;Yu e cols., 1996), onde atua localmente para assegurar o
destino de veia nestas células. Por isso, a perda da expressão de dpp na asa durante este período
apresenta o fenótipo “shortvein”, diminuição do tamanho das veias longitudinais ou truncamento
(de Celis, 1997; Posakony e cols., 1990; Ray and Wharton, 2001). Assim como ocorre no
embrião e no disco imaginal da asa, no período pupal Dpp atua como um morfógeno, sendo
capaz de difundir a partir do domínio das células das veias longitudinais para atuar na
especificação das células das veias cruzadas, sendo o primeiro sinal na formação destas veias
(Ralston and Blair, 2005). É importante ressaltar que durante a formação das veias, nos primeiros
estágios pupais, sog e dpp são expressos segundo um padrão complementar, onde dpp é expresso
43
nos primórdios das veias e sog nas células da interveia adjacentes (Yu e cols., 1996). Este padrão
permite a formação de veias retas e contínuas de tamanho e calibres definidos (Yu e cols., 1996).
Como ocorre no embrião, Sog é necessário para a sinalização de Dpp além do seu sítio de
provisão durante a formação das veias longitudinais e da veia transversal posterior. Durante a
formação das veias longitudinais, Sog bloquearia a autoativação de Dpp, limitando sua atividade
ao longo do eixo da veia (Yu e cols., 1996). Em relação à formação da veia cruzada posterior, foi
mostrado que a perda do Sog endógeno interfere no sinal para sua formação, causando o fenótipo
crossveinless, ou perda da veia transversal (Serpe e col., 2005; Shimmi e cols., 2005). Ao
contrário do que foi descrito inicialmente, onde altos níveis de superexpressão de Sog foram
associados à perda da veia transversal
posterior (Yu e cols., 1996), níveis baixos de
superexpressão de Sog (Shimmi e cols., 2005) bem como um fragmento de Sog contendo seu Nterminal (Yu e cols., 2004), foram capazes de estimular a sinalização de Dpp além do seu sítio de
provisão.
Assim como Dpp, Sog também é capaz de difundir a partir de seu sítio de provisão
durante o período pupal, sugerindo fortemente um papel durante o transporte de Dpp, assim como
ocorre no embrião (Shimmi e cols., 2005). O sinal para a formação da veia cruzada posterior
também depende de um membro da família das metaloprotease, Tolloid-related (ou Tolkin)
(Finelli e cols., 1994; Nguyen e cols., 1994; Serpe e cols.,2005) bem como de um membro da
mesma família de TSG, Crossveinless 2 (Cv 2) (Shimmi e cols., 2005; Vilmos e cols., 2005).
Tolloid-related é capaz de clivar Sog in vitro e sua perda está associada à perda da veia
transversal posterior (Serpe e cols., 2005), indicando que a clivagem de Sog é importante para a
sinalização de Dpp nesta região. Embora o excesso de Sog seja o responsável pelo transporte de
Dpp, ele também impede sua ligação ao seu receptor, uma vez que o receptor de Dpp, Thick
veins (Tkv), é expresso no domínio interveia (Ralston e Blair, 2005). Outro dado importante se
44
refere à cinética de clivagem de Sog por Tolloid-related. A presença do ligante, no caso Dpp,
estimula a clivagem de Sog no complexo Sog-Dpp-Cv (Shimmi, e cols., 2005). Assim, o modelo
atual para a padronização da veia transversal posterior consiste na formação do complexo SogDpp-Cv, que é importante para o transporte de Dpp a partir do domínio da veia para a região
onde a veia transversal posterior se formará. Neste momento, Tld-related cliva Sog e Dpp é
liberado do complexo para sinalizar na formação da veia transversal posterior.
É interessante notar que as veias cruzadas são posicionadas em locais específicos da
estrutura da asa, chamados de zonas competentes (Ralston e Blair, 2005). Nestas regiões existem
fatores determinantes ainda não completamente caracterizados que asseguram o posicionamento
correto das veias cruzadas. O papel de Sog neste modelo é importante somente para o início da
formação da veia, mas não está envolvido no seu posicionamento ao longo do eixo próximodistal da asa (Ralston e Blair, 2005).
1.4 Proteoglicanos como moduladores da atividade dos morfógenos
Tem sido demonstrado que o efeito dos morfógenos se dá em regiões distantes do seu
sítio de síntese (Capdevila e Guerrero, 1994; Neumann e Cohen, 1997; Zecca e cols., 1995; Chen,
and Struhl, 1996). Ao longo dos últimos anos, vários estudos sugeriram que proteoglicanos
desempenham um papel chave no transporte e sinalização de morfógenos como FGF (Olwin e
cols., 1992; Rapraeger e cols., 1991), Wingless (Wg)/Wints (Wnts) (Reichsman e cols., 1996),
TGF-β (Lopez-Castillas e cols, 1993) e Hedgehog (Bellaiche e cols, 1998). No entanto, nenhum
trabalho até o momento se propôs a estudar o envolvimento de proteoglicanos na regulação da
atividade e mobilidade do morfógeno Sog.
45
Proteoglicanos são glicoproteínas cuja característica principal é a adição de polímeros de
açúcar lineares modificados chamados glicosaminoglicanos (GAG). A glicosilação de proteínas
tem início no citoplasma celular, onde as unidades sacarídicas (Ácido Glucorônico, Ácido
Idurônico e N-Acetilglicosamina) são sintetizadas (fig.5). Estes açúcares são então transportados
para o interior do retículo endoplasmático por uma família de transportadores de açúcares,
(açúcar UDP transportador). A síntese de GAGs tem início a partir da adição inicial de uma ponte
tetrasacarídica ao aminoácido serina do centro protéico. O primeiro elemento desta ponte é um
resíduo de xilose, seguido por dois resíduos de galactose e o resíduo final de NAcetilglicosamina. Após a síntese desta ponte, unidades dissacarídicas formadas por NAcetilglicosamina e Ácido Glucorônico são adicionadas pela atividade de transferases
específicas, alongando a cadeia sacarídica. Após a etapa da polimerização da cadeia de GAG, os
resíduos de açúcar são modificados por N-desacetilação/N-sulfatação (remoção de grupos acetil
do átomo de N do GlcNAc seguido pela adição de sulfato no mesmo átomo), epimerização
(mudança na conformação do anel sacarídico) e O-sulfatação (adição de um grupo sulfato a um
dos grupos hidroxila do anel sacarídico). Diferenças na composição destas unidades dissacrídicas
definem os diferentes tipos de GAGs. O heparan sulfato (HS), abundante molécula presente na
superfície celular e na matriz extracelular, em particular, consiste de unidades dissacarídicas
compostas por ácido glucorônico (GlcA) e N-acetilglucosamina (GlcNAc) que sofrem Ndesacetilação/N-sulfatação e O-sulfatação. São exemplos de proteoglicanos de heparan sulfato
(PGHS) o sindecan e o glipican, proteoglicanos de superfície celular (Bernfield e cols, 1999).
A N-desacetilação/N-sulfatação do HS é catalizada por uma família de enzimas conhecida
como N-desacetilase/N-sulfotransferases (NDST). Diferentes isoenzimas NDST com diferentes
padrões de expressão foram isoladas de vertebrados (Fosberg e cols., 2001),
46
Ácido glucorônico (GlcA)
Ácido Idurônico (IdoA)
N-Acetilglicosamina (GlcNac)
Xilose (Xil)
Galactose (Gal)
Enxofre
Serina
2. Transportador
de unidades
sacarídicas
fringe connection
Centro Protéico
3. Xilose transferase
Retículo
Endoplasmático
4. Galactose transferase I
1.
5. Galactose transferase II
citoplasma
6. Ácido Glucorônico
transferase
8. N-desacetil/N-sulfotransferase- sulfatless
9. Epimerase
10. 2-O-Sulfotransferase - pipe
11. 6-O-sulfotransferase
12. 3-O-Sulfotransferase
7.Polimerase
EXT
tout velu
Figura 5: Esquema das etapas de O-glicosilação e genes envolvidos identificados em Drosophila
melanogaster (em itálico). A glicosilação de proteínas tem início no citoplasma, onde as unidades
sacarídicas são sintetizadas (1). Em seguida, esta unidades são transportadas para o retículo
endoplasmático (2) onde são transferidas para o centro protéico. A Xilose (3) é o primeiro
sacarídeo a ser ligado ao resíduo de serina (3,vemelho). Em seguida são adicionados dois
resíduos de galactose (4 e 5) e o resíduo final de ácido glucorônico (6). A etapa seguinte consiste
na elongação do polímero de açúcar pela adição de unidades dissacarídicas modificadas. Cada
unidade dissacarídica é passível de modificação por enzimas específicas, como ilustrado em
7,8,9,10,11 e 12.
47
enquanto que apenas uma isoenzima, codificada pelo gene sulfateless, foi descrita em Drosophila
até o momento (Lin e cols., 1999). NDST é uma enzima crítica na biosíntese de heparan sulfato
em vertebrados, trocando o acetil da N-acetilglicosamina por sulfato, tendo portanto, o potencial
de afetar dramaticamente o estado de sulfatação do heparan sulfato.
A sulfatação é a principal característica responsável pela grande diversidade estrutural
típica dos GAGs dos proteglicanos bem como pela especificidade da interação entre estas
moléculas e seus ligantes.
Portanto, dentro deste contexto e com base na importância dos morfógenos Sog e Dpp
durante várias etapas do desenvolvimento e, em particular, durante a oogênese nos propusemos
inicialmente a verificar a possível existência de um gradiente de atividade de Dpp ao longo do
eixo DV do folículo ovariano, que atuaria pelo mecanismo de “delayed induction” para regular a
translocação nuclear de Dorsal.
Propomos também estudar o envolvimento de proteoglicanos de heparan sulfato, além da
importância da glicosilação de Sog para a regulação de sua mobilidade, através do estudo de sua
atividade morfogenética em diferentes momentos do desenvolvimento de Drosophila
melanogaster.
48
2. Ojetivos:
1) Analisar o mecanismo de ação de Sog e Dpp maternais sobre a padronização do eixo DV
embrionário.
1.1 Analisar o padrão de distribuição da proteína Sog ao longo da maturação do folículo
ovariano;
1.2 Verificar se Sog pode ser transferido das células foliculares para o espaço
perivitelínico;
1.3 Analisar o padrão de distribuição de Sog e possíveis fragmentos no espaço
perivitelínico;
1.4 Verificar se o Dpp sintetizado pelas células foliculares pode ser transferido para o
espaço perivitelínico;
1.5 Analisar o padrão de distribuição do Dpp, sintetizado pelas células foliculares, no
espaço perivitelínico.
2) Analisar se o efeito da via maternal de Dpp na translocação nuclear de Dl é transduzido
pelo receptor Tkv.
2.1 Gerar, através de cruzamentos genéticos, embriões com a via de sinalização de Dpp
bloqueada;
2.2 Avaliar por hibridização in situ as alterações ao longo do eixo DV geradas pelo
bloqueio do sinal de Dpp durante a oogênese.
3) Avaliar a contribuição de moléculas de proteoglicanos e da glicosilação de Sog sobre sua
atividade durante a oogênese e a morfogênese da asa
3.1 Testar geneticamente a interação entre Sog e moléculas que participam de diferentes
etapas do processo de glicosilação no modelo de asa de Drosophila;
49
3.2 Testar geneticamente a interação entre a via maternal de Sog/Dpp e moléculas que
participam de diferentes etapas do processo de glicosilação no modelo da oogênese de
Drosophila;
3.3 Investigar a importância da glicosilação de Sog sobre sua atividade.
50
3. Materiais e Métodos
3.1 Nomenclatura Genética
+
indica alelo selvagem
/
separa cromossomos homólogos
;
separa cromossomos não homólogos
palavras em itálico
indicam um gene (short gasrulation: sog)
palavras com inicial maiúscula
indicam proteína (decapentaplegic: Dpp)
caracteres sobrescritos
indicam o alelo de um gene
X
cromossomo X
Y
cromossomo Y
F1
primeira geração resultante de um cruzamento
3.2 Cromossomos de Drosophila melanogaser
A Drosophila melanogaster tem quatro pares de cromossomos. O cromossomo X ou
cromossomo 1 está presente em duas doses nas fêmeas e uma dose nos machos. Os cromossomos
2 e 3 possuem dois braços denominados direito (R) e esquerdo (L) que são separados por um
centrômero. O cromossomo 4 e o X têm os braços esquerdos bem maiores que os direitos. Os
braços do cromossomo X, 2L, 2R, 3L e 3R têm tamanhos comparáveis entre si. No entanto, o
cromossomo 4 tem somente 1/5 do tamanho dos demais.
51
X
2L
2R
3L
3R
4
Y
3.3 Cromossomos balanceadores
Os cromossomos balanceadores são utilizados para manter os alelos mutantes dos
cromossomos homólogos intactos durante um cruzamento genético ou no estoque. Esta
importante função ocorre pela habilidade dos balanceadores em reduzir drasticamente a
recombinação com os cromossomos homólogos. Primeiramente, a supressão de recombinações
depende das múltiplas inversões que os balanceadores possuem em suas sequências. Além disto,
como a maioria dos balanceadores são letais em homozigose, os cromossomos homólogos que
também possuem alelos letais em homozigose permanecem balanceados em heterozigose
(cromossoma com alelo mutante/cromossoma balanceador).
Uma outra característica importante dos cromossomos balanceadores é que os
indivíduos portadores do genótipo heterozigoto podem ser visualizados ou reconhecidos através
de marcadores fenotípicos que são combinações de alelos mutantes dominantes ou recessivos.
Existe uma grande variedade de marcadores para os vários braços de cromossomos cujas
mutações afetam a cor ou a forma dos olhos, a forma das asas, a morfologia das veias das asas,
cor e forma dos pêlos ou pigmentação da cutícula.
As linhagens de moscas que carregam alelos mutantes em heterozigose com
balanceadores marcados são facilmente visualizadas pelas alterações fenotípicas que possuem em
várias partes do corpo. Desta forma é possível distinguir e selecionar as moscas com o genótipo
52
de interesse, seja pela presença ou ausência dos balanceadores. Outros detalhes sobre
balanceadores podem ser encontrados em Lindsley e Zimm, 1992 ou na página Flybase da
internet (Flybase stocks, http://flystocks.bio.indiana.edu/browse.htm).
3.4 Preparação do Meio de Cultura de Drosophila
3.4.1 Meio de cultura
Componentes
Volume
Água destilada
4200 mL
Melado
300 mL
Ágar
44 g
Fubá de milho
300 mL
Fermento biológico seco
124 g
p-hidroxibenzoato de metila 10% em Álcool etílico absoluto (Tegosept)
67 mL
Ácido Propiônico
24 mL
O melado foi dissolvido em água destilada, sob aquecimento, até obter uma mistura
homogênea. O fubá foi adicionado misturando até dissolver e depois a levedura. Quando o meio
estava prestes a ferver, adicionou-se o ágar sob agitação. O meio foi então fervido por 10
minutos. Após cozimento, o tegosept e o ácido propiônico foram adicionados. O meio foi
distribuído em frascos/garrafas e tampados com algodão. Os frascos/garrafas foram armazenados
a 4 ºC por uma semana. Adaptado de Ashburner, 1989.
53
3.4.2 Meio de Uva para oviposição
Componentes
Volume
Água destilada
135,25 mL
Suco de uva sem aditivos
88,75 mL
Ágar
6,25 g
Álcool etílico 95%
1,86 mL
Ácido acético glacial
1,78 mL
Água destilada para resfriar o meio
50 mL
O ágar foi dissolvido em água destilada e suco de uva sob aquecimento. Adicionou-se o
álcool etílico 95% e o ácido acético. O meio foi distribuido nas placas de coleta. O meio não
usado e as placas de coleta com meio foram armazenados a 4 oC até o uso. Adaptado de
Ashburner, 1989.
3.5 Imunofluorescência de folículos ovarianos e asas de pupa
Os ovários foram dissecados e em seguida fixados em paraformaldeído 4% em PBS e
heptano de 10 a 15 minutos. Foram lavados em PBS e foi utilizado NGS 5% para bloqueio de
reações inespecíficas por 1 hora à temperatura ambiente. Em seguida foram lavados em PBS e
incubados com o anticorpo primário durante a noite a 4°C. No dia seguinte, foram lavados em
PBS e incubados com o anticorpo secundário durante 2 horas à temperatura ambiente. Para a
detecção de Sog foram utilizados dois anticorpos: anti-Sog 8a, que detecta um epítopo protéico
próximo ao CR1, e o anticorpo anti-Sog 8b, que detecta um epítopo protéico próximo ao CR2,
54
ambos na diluição de 1:500. Para a detecção do sinal destes anticorpos foi utilizado o kit de
amplificação de sinal com tiramida (TSA Fluorescence Systems, PerkinElmer). Para visualização
dos núcleos dos oócitos foram utilizados os corantes TOPRO e DAPI. Para detecção de heparan
sulfato em ovários e na asa foi utilizado o anticorpo anti-heparan sulfato (Seikagaku Corporation,
mouse anti-heparan sulfato na diluição de 1:100). Os ovários e as asas foram montados sobre
lâminas em glicerol 70% em água e analisados em microscópio confocal LSM 510 Zeiss e
Apotome Zeiss.
3.6 Criopreservação de oócitos e imunofluorescência
Os ovários foram dissecados e fixados em paraformaldeído 4% e heptano por 10 minutos
e em seguida foram lavados em PBS/Triton, 0,3%/BSA 0,5% e incubados em PBT/Sacarose
0,5M por 30 minutos à temperatura ambiente. Em seguida foram imersos em resina OCT e
congelados em nitrogênio líquido. Os cortes de 8µm foram obtidos em criostato Leica CM 1850 e
colocados sobre lâminas previamente gelatinizadas. Para a reação de imunocitoquímica, os cortes
foram novamente fixados em paraformaldeído 4% em PBS por 5 minutos. Foram lavados em
PBS e o bloqueio das reações inespecíficas foi feito com PBT/NGS 5% por 15 minutos à
temperatura ambiente. Os anticorpos primários anti-Sog 8b (coelho, 1:500) e anti-actina
(camundongo, 1:100) foram diluídos na solução de bloqueio e incubados por 90 minutos à
temperatura ambiente. Em seguida os cortes foram lavados com PBT e incubados com os
anticorpos secundários: anti-coelho conjugado à peroxidase (1:1000) e anti-camundongo Alexa
488 (1:200), por 30 minutos. A revelação do anticorpo anti-Sog 8b foi amplificada com o kit de
55
amplificação de sinal com tiramida (TSA Fluorescence Systems, PerkinElmer). Os cortes foram
lavados, montados em glicerol e analisados no microscópio confocal LSM 510 Zeiss.
3.7 Detecção de Dpp no espaço perivitelínico
Devido à escassez de anticorpos eficientes para a detecção do Dpp endógeno, utilizamos a
técnica de expressão ectópica dirigida com a linhagem UAS-dpp-GFP (doada pelo Dr. GonzalezGaitan, Max Planck Institute of Molecular Cell Biology and Genetics, Alemanha). Através da
orientação do fator de transcrição GAL4 com o uso da linhagem CY2 obtivemos a expressão de
Dpp exógeno pelas células foliculares que recobrem o oócito, podendo assim analisar o
comportamento da molécula exógena para elaborar hipóteses para o comportamento da molécula
endógena. Para a visualização do espaço perivitelínico neste experimento foi utilizada
Phalloidina conjugada ao fluoróforo de 568nm (obtida da Molecular Probes) para evidenciar
filamentos de actina.
3.8 Hibridização in situ
3.8.1 Síntese de sondas RNA antisenso
Os vetores contendo a seqüência codante (cDNA) para os RNAm dos genes alvos foram
utilizados para transformar bactérias competentes. As culturas bacterianas foram amplificadas em
meio de cultura LB com 10 µg/mL de carbenicilina. Os plasmídeos foram então extraídos e
purificados, com o kit de purificação de plasmídeo da Quiagen. Para sintetizar as sondas, o DNA
56
foi linearizado e o vetor foi digerido entre o final da sequência codante e do outro promotor, o
qual não é utilizado para a síntese da sonda antisenso.
A síntese da sonda de RNA antisenso e a hibridização in situ são realizadas conforme
descrito em (O’Neill e Bier, 1994; Tautz e Pfeifle, 1989). A síntese das sondas de snail e vnd foi
realizada com a RNA polimerase T3 ou T7 (Roche), respectivamente, a partir do vetor pBS SK+.
A síntese foi realizada a 37oC por duas horas, utilizando na reação uma mistura de nucleotídeos
com UTP ligado a digoxigenina (Roche) ou ligado a biotina (Roche), para sintetizar sondas
marcadas com digoxigenina ou biotina, respectivamente. O RNA sintetizado foi hidrolizado em
solução alcalina de tampão carbonato (Na2CO3 120 mM, NaHCO3 80 mM) a 65 0C por 20
minutos. A hidrólise é necessária para que sejam produzidos fragmentos de RNA marcado que
penetrem com facilidade nos embriões fixados. A sonda de RNA foi precipitada e o pellet foi
dissolvido na Solução de Hibridização e armazenado a – 20 ºC.
3.8.2 Fixação de embriões
Os embriões foram decorionados em 50 % de água sanitária comercial por 3 minutos, e
a seguir lavados em TXN 1X (0,04% Triton X-100 e 0,7% NaCl). A Solução de Fixação (1,5 mL
de PBS 10 mM, 200 µL de EGTA 0,5 M, 250 µL de Formaldeído 37% e 2 mL de Heptano) foi
adicionada e os embriões incubados em agitação vigorosa por 25 minutos. A fase aquosa foi
removida e o álcool metílico absoluto adicionado, para remover o heptano. Os embriões em
álcool metílico foram agitados vigorosamente 10 vezes para retirar a membrana vitelínica do
embrião, lavados com álcool etílico absoluto e armazenados a –20 ºC até o uso.
57
3.8.3 Reação de hibridização in situ
Para a incubação com a sonda os embriões foram fixados em solução contendo xilol 90%
e etanol 10% durante 1 hora. Em seguida os embriões foram lavados com metanol e re-fixados
em paraformaldeído 5% em PBT por 25 minutos. Foram lavados em PBT e incubados com
proteinase K 10µg/ml durante 7 minutos. Foram lavados em PBT e fixados novamente em
paraformaldeído 5% em PBT por 25 minutos. Em seguida foram lavados em PBT e préhibridizados com solução de hibridização (50% de Formamida, SSC 5x, 0,1 mg/mL de DNA de
esperma de salmão, 0,05 mg/mL de heparina e 0,1% de Tween-20) durante 2 a 3 horas a 55°C. A
sonda conjugada à digoxigenina foi então adicionada aos embriões e hibridizada durante 20 a 24
horas. No dia seguinte os embriões foram lavados em solução de hibridização durante 1 hora e
em seguida lavados com PBT e re-fixados em paraformaldeído 5% em PBT , lavados e incubados
com anticorpo anti-digoxigenina conjugado à fosfatase alcalina na diluição de 1: 1.500 durante 1
hora. Em segida foram lavados em PBT e APB e reagidos ao substrato da fosfatase alcalina,
NBT/BCIP. A reação foi paralizada utilizando-se etanol e os embriões foram montados sobre
lâminas com glicerol 70% em água. A reação foi analisada em microscópio Nikon Elcipse E600.
3. 9 Linhagens de Drosphila melanogaster
Canton Special (CS): linhagem selvagem
UAS-tld;UAS-tsg/CyO: linhagem com inserções de UAS-tsg e UAS-tld (Dr. O’Connor,
Universidade de Minesota)
UAS-dppGFP/CyO: linhagem contendo inserção de UAS-dpp fusionado com GFP (obtida do Dr.
Gonzalez-Gaitan, Max Planck Institute of Molecular Cell Biology and Genetics, Alemanha)
58
GAL4-CY2: linhagem que expressa o fator de transcrição Gal4 nas células foliculares que
recobrem o oócito durante o estágio 10 da oogênese (obtida do Centro de estoques em
Bloomington, Indiana)
matαGal4-VP16: linhagem gal 4 utilizada para induzir a expressão ectópica de seqüências de
construções sob o comando do promotor UAS durante os estágios iniciais da embriogênese.
Tl[3]/TM3: linhagem que expressa um alelo ativado de Toll (obtida do estoque de Bloomington)
ttv[00681b] / CyO; ry[506]: alelo perda de função do locus tout-velu
notum[I6] / TM3, Sb[1]: alelo hipomórfico do lucus notum
fringe connection[00073] / TM3, SB[1] : alelo perda de função do locus fringe connection
slalom[EY02631] : linhagem gerada por inserção de elemento P
dally[06464]: alelo hipomórfico, amorfo, perda de função do locus dally
dally-like[00308]: linhagem gerada por inserção de elemento P
dally-like[PL00325]: linhagem gerada por inserção de elemento P
dally-like[PL00424]: linhagem gerada por inserção de elemento P
syndecan [10608]: alelo letal recessivo do locus syndecan
sulfateless[03844]: linhagem gerada por inserção de elemento P
sugarless[08310]: alelo de perda de função
Tld 68-62 FRT82B Sb / TM6 β: Linhagem que carrega o alelo mutante de tolloid recombinado com
a sequência FRT, localizada no braço direito do cromossomo 3.
Gal-e22c,UAS-FLP / CyO; FRT82B ubi-GFP.nls: Linhagem que expressa GAL4, FLP; FRTGFP nos precursores das células foliculares. A construção de GFP (Green Fluorescente Protein) é
59
expressa ubiquitariamente e possui um sinal de localização nuclear. A sequência FRT está
localizada no braço direito do cromossomo 3. Linhagem do laboratório.
3.10 Coleta de fêmeas virgens e cruzamentos de moscas
As fêmeas virgens foram coletadas em até 6 horas após a eclosão das pupas. As fêmeas
foram cruzadas com machos numa proporção de três fêmeas para um macho. Após 5 dias, as
moscas parentais foram transferidas para um novo frasco/garrafa, com o objetivo de obter uma
prole numerosa. Os cruzamentos foram realizados a 25oC, e os fenótipos adultos são analisados
após 9-12 dias. A coleta das pupas ocorre entre 24 a 30 horas após a formação do período pupário
(APF). As moscas foram adormecidas em placas com CO2.
3.11 Dissecção de asa de pupa
As pupas foram cuidadosamente retiradas das garrafas com uma espátula e colocadas em
cima de papel de filtro umedecido com PBS 10 mMol, dentro de uma placa de cultura. As pupas
com as idades desejadas foram selecionadas.
Um corte transversal foi feito na altura da cabeça e na região final do corpo das pupas,
cujos tóraxes foram então transferidos para uma placa de petri com PBS 10 mMol. Em seguida,
um pequeno fluxo de PBS foi injetado e ejetado com pipeta pasteur dentro das pupas, para retirar
toda a massa de tecidos, permanecendo apenas a cutícula envolvendo o tórax. Após este processo,
com o auxílio de uma pinça, o tórax foi retirado de dentro das cascas e colocado num eppendorf
com solução fixadora, por um período de 10 minutos.
60
Passado o tempo de fixação, segue a etapa de dissecção das asas em placa de Petri com
PBS 10 mM. Esta etapa consiste em retirar apenas a cutícula que envolve cada asa. Este processo
requer uma pinça extremamente fina e muito cuidado para manter as asas sem a cutícula, porém
ligadas ao tórax. A remoção da cutícula é fundamental para que anticorpos ou sondas tenham
acesso às células do tecido da asa.
3.12 Imunofluorecência em asas da pupa de Drosophila
O protocolo para a imunohistoquímica tem como referência Araujo e colaboradores,
2003.
No primeiro passo as pupas foram dissecadas em placa de Petri com PBS (NaCl 0,13 Mol,
Na2HPO4.7H2O 0,007 Mol e NaH2PO4 0,003 Mol) 10 mMol, retirando o tórax com as asas
envolvidas pela cutícula e colocando-os em meio de fixação (paraformaldeído 5 % - M/Vol - em
PBS 10 mMol, por 1h à temperatura ambiente - TA). No caso de imunofluorescência para antiSog 8a, fixa-se por 10 min à temperatura ambiente. Em seguida, seguem-se várias lavagens com
PBS e coloca-se o tórax com as asas numa placa de Petri com PBS, para retirar as cutículas que
envolvem as asas. Depois da dissecção, segue-se a etapa de bloqueio de inespecificidade
antigênica mergulhando-se as asas dissecadas em solução PBS acrescida de 5% (Vol/Vol) de soro
normal de cabra (NGS), por 1h à temperaura ambiente. Após o bloqueio, lava-se com PBS por
30min e incuba-se com anticorpo primário diluído em PBS, por uma noite a 4oC. No dia seguinte,
lava-se com PBS por 30min e incuba-se com anticorpo secundário diluído em PBS, por 2 h /
temperatura ambiente. Após algumas lavagens com PBS, as asas foram separadas do tórax e
montadas em solução de glicerol (70 % Vol/Vol).
61
Nas imunomarcações com anti-Sog, após a incubação com anticorpo secundário
conjugado a HRP (horseradish peroxidase), utilizamos o Kit 13 de amplificação de sinal com
Alexa fluor 546 tiramida (Molecular Probes), que é preparado da seguinte forma:
Em 200 µL do tampão de amplificação (componente E do fabricante) adicionou-se 1µl de
solução peróxido de hidrogênio 30% (H2O2) (componente F). Adicionou-se 1µL desta solução
em 100µL de tampão de amplificação (componente E), formando uma solução com 0,0015% de
peróxido de hidrogênio (solução de amplificação/H2O2). Colocou-se 1µL de tiramida (estoque)
em 100 µL de solução de amplificação/H2O2. Adicionou-se a solução de tiramida ao tórax com
asas e por 5 min à temperatura ambiente. Em seguida, lavou-se com PBS durante pelo menos
24h. As asas foram montadas em glicerol 70% em água e analisadas ao microscópio confocal
Multiphoton LSM 510 Meta.
3.13 Preparação de extratos proteícos para eletroforese de proteína desnaturante
As asas foram dissecadas como citado anteriormente e transferidas para tubo de 1,5 mL
contendo 200 µL tampão de lise gelado (20 mM Tris 8,1, 150 mM de NaCl, 1mM de MgCl2, 1
mM de CaCl2, 0,5% NP40 e 0,02% NaN3) com o coquetel de inibidor de proteases Complete
(Roche) e 100mM PMSF (inibidor de proteases). Aproximadamente 40 asas foram maceradas no
tampão no gelo, com auxílio de um pistão. Após a maceração foi adicionado o tampão de amostra
(SB 1x: 50 mM Tris pH 6,8, 2% SDS, 0,1% Bromophenol e 10% glicerol) e 100 mM DTT. As
amostras foram incubadas a 100 oC por 8 minutos e centrifugadas, para descartar os restos
celulares. O pellet foi descartado e o sobrenadante condicionado a –20 °C, até o uso.
62
3.14 Western blotting
As amostras previamente preparadas foram separadas por eletroforese em gel de
poliacrilamida-SDS 10% no tampão de corrida (25 mM Tris, 250mM glicina e 0,1% SDS) com
corrente constante de 30 mA. As amostras separadas no gel foram transferidas para membrana de
PVDF (Millipore) em voltagem constante de 80 V, com o tampão de transferência (25 mM Tris,
250mM glicina, 0,1% SDS e 20% de metanol). Após a transferência, a membrana foi lavada em
PBT 1x e depois incubada em BSA 1,5% para bloquear ligações inespecíficas. A membrana foi
incubada com anticorpo primário policlonal, feito em camundongo, anti-Sog8a (1:500 - cedidos
pelo Dr. Ethan Bier), por uma noite a 4 °C. Em seguida, a membrana foi incubada por 1 hora com
o anticorpo, feito em cabra, anti-camundongo conjugado a peroxidase (Vector). Os complexos
imunes foram visualizados utilizando um sistema de quimioluminescência da Pierce (SuperSignal
West Pico). A revelação foi realizada em um sistema de revelação da Kodak, utilizando filme
KODAK X-OMART AR para a detecção da quimioluminescência.
63
4. Resultados
4.1 Análise do mecanismo de ação de Sog e Dpp maternais sobre a padronização do eixo DV
embrionário
4.1.1 A via maternal de Dpp não afeta o padrão de expressão de pipe
Ao consideramos o efeito que a via maternal de Dpp tem sobre o eixo DV do embrião, é
importante eslarecer o relacionamento hierárquico entre esta via e a via de Toll. Dpp poderia
estar afetando o gradiente nuclear de Dl, indiretamente, através da alteração da expressão de
pipe? Este gene é responsável por restringir à região ventral do folículo ovariano a cascata
proteolítica que culmina na ativação do sinal de Toll e na translocação nuclear de Dorsal.
Para esclarecer esta questão foram gerados folículos ovarianos que apresentavam o sinal
de Dpp aumentado ou bloqueado, e analisado o padrão de expressão do gene pipe. Nestes casos
foram gerados os seguintes genótipos maternais: CY2-GAL4 / pipe-LacZ; tkv[DN]/+, para
bloquear o sinal maternal de Dpp, e CY2-GAL4 / pipe-LacZ;tkv[DA], para aumentar o sinal de
Dpp. Ao contrário da forma dominante negativa, onde o sinal endógeno é impedido de ser
transduzido, a forma dominante ativada do receptor Tkv simula a ativação da via de Dpp em
todas as células em que a GAL4 for expressa, neste caso, de forma mais abrangente que o sinal
endógeno. Quando o sinal maternal de Dpp foi bloqueado, não fomos capazes de detectar
nehuma alteração na expressão do gene pipe (fig. 6A). Este resultado é corroborado por
resultados recentes de Shravage e colaboradores
64
A
pipelacz;tkv[DN]
B
pipelacz;tkv[A]
C
pipelacz;tkv[A]
Figura 6: O bloqueio do sinal maternal de Dpp não afeta a expressão do gene pipe. AImunodetecção da construção repórter pipe-lacZ mostrando que o bloqueio do sinal de Dpp
durante a oogênese através da construção UAS-tkv[DN] não afeta a expressão de pipe, que
continua restrita à região ventral do folículo ovariano (setas). B- A superativação do sinal de
Dpp através da construção UAS-tkv[A] altera a expressão selvagem de pipe (setas brancas),
que passa a ser expresso nas regiões dorsais do folículo ovariano (seta preta). C- Plano focal
superficial da imagem B.
65
(2007), onde clones de células foliculares nulas para o transdutor da via de Dpp, Medea, também
não alteram a expressão de pipe. No entanto, ao induzirmos a expressão da forma ativada, fomos
capazes de observar a expressão de pipe tanto pelas células foliculares ventrais quanto dorsais
(fig.6B,C). Este resultado já havia sido descrito para a forma ativada de Tkv (Yakoby e cols,
2005). No entanto, ele não condiz com o bloqueio do receptor endógeno e, portanto pode ser
explicado como um efeito da ativação de elementos responsivos a Smads mas que não tem
significado fisiológico. Como a condição onde bloqueamos o sinal de Dpp se assemelha mais a
uma condição fisiológica, concluímos que a expresão maternal de dpp pelas células foliculares
não altera o eixo DV embrionário por um efeito indireto sobre a expressão de pipe.
4.1.2 Sog é sintetizado pelas células foliculares que recobrem o oócito e é transferido para o
espaço perivitelínico
Dpp maternal atua por uma via independente do sinal de Toll. Entretanto, assim como a
via de Toll, Sog e Dpp poderiam atuar pelo mecanismo de “delayed induction”? Como
demonstrado por Araujo e Bier (2000), o padrão de expressão do mRNA de sog maternal tem
início durante o estágio 8 da oogênese e é restrito às células foliculares anteriores, enquanto que
mRNA de dpp maternal é expresso a partir do estágio 10b pelas células foliculares anteriores que
migram centripetamente (Twombly e cols., 1996; Araujo e Bier, 2000). Como o efeito desta via
de sinalização se dá ao longo do eixo DV do embrião como um todo, é previsto que os padrões de
expressão de ambas as proteínas sejam mais amplos que os padrões detectados pela hibridização
in situ.
66
Assim, analisamos através de técnicas de imunofluorescência o padrão da distribuição
temporal do Sog endógeno nas células foliculares, e avaliamos se a proteína Sog gerada durante a
oogênese poderia atuar de forma retardada durante estágios precoces da embriogênese. Para isso
utilizamos dois tipos de anticorpos: o anti Sog 8a, que reconhece uma região imediatamente após
o domínio CR1 e parte da região espaçadora (Yu e cols., 2000), podendo portanto, reconhecer a
molécula de Sog inteira e fragmentos que contenham o CR1; e o anti 8b que reconhece o domínio
CR2 (Srinivasan, dados não publicados), identificando assim, tanto a molécula de Sog inteira
quanto fragmentos que contenham o CR2, mas não identifica fragmentos contendo apenas o CR1.
A detecção dos anticorpos 8a e 8b por imunofluorescência demonstrou que Sog é de fato
sintetizado pelas células foliculares que recobrem o oócito desde estágios precoces da oogênese
(Anexo 1, fig. 1A) e durante o estágio 10 (Anexo 1, fig.1B,C). Após a síntese, Sog é tranferido
para o espaço perivitelínico (Anexo 1, fig.1D,E,F), podendo ser encontrado neste compartimento
extracelular até estágios tardios da oogênese (Anexo 1, fig. 1G,H,I).
Demonstramos também que a distribuição de Sog no espaço perivitelínico é uniforme. No
entanto, no estágio 10B, quando sog passa a ser expresso em células foliculares ventro-anteriores
(Araujo e Bier, 2000), observamos a existência de assimetria em relação à distribuição dos
diferentes epítopos reconhecidos pelos anticorpos 8a e 8b dentro de espaço perivitelínico ou no
interior das células foliculares (Anexo 1, fig1B, C). O anticorpo 8a revelou a existência de uma
marcação mais intensa na região ventral anterior do oócito (Anexo 1, fig 1C,seta), que não foi
detectada com o anticorpo 8b (Anexo 1, fig. 1B).
67
4.1.3 O Dpp exógeno sintetizado pelas células foliculares é transferido para o espaço
perivitelínico
Assim como Sog, Dpp também poderia ser transferido para o espaço perivitelínico e aí
permanecer até estágios precoces da embriogênese para atuar pelo mecanismo de “delayed
induction”?
Devido à ausência de anticorpos eficazes para a detecção de Dpp, analisamos o padrão de
distribuição do Dpp exógeno expresso pelas células foliculares através da expressão da
construção UAS-dpp-GFP dirigida pela GAL4 CY2.
Através desta técnica de expressão ectópica, o Dpp exógeno pôde ser expresso em sítios
específicos do oócito pelas células foliculares (Anexo 1, fig. 3A) e detectado através da
fluorescência associada ao GFP. Assim como esperado para o Dpp endógeno, o Dpp exógeno foi
transferido para o espaço perivitelínico (Anexo 1, fig. 3G cabeça de seta, H, I), onde foi capaz de
difundir por um espaço limitado a partir do seu sítio de provisão (Anexo 1, fig. 3A, cabeça de
seta). É importante notar que a difusão do Dpp exógeno é limitada, uma vez que ele não é capaz
de antingir a região posterior do oócito quando sintetizado por células foliculares anteriores
(Anexo 1, fig. 3A seta) .
Assim como Sog, Dpp-GFP também permanece no espaço perivitelínico até estágios
tardios da oogênese (Anexo 1, fig. 3 D,E,F), sendo possível detectar sua presença nos estágios
iniciais da embriogênese (Anexo 1, fig. 3J).
Estes resultados em conjunto sustentam a hipótese da ação de Sog e Dpp pelo mecanismo
de “delayed induction”.
68
4.1.4 O sinal de Dpp maternal é transduzido pelo receptor Tkv e afeta regiões ventrais do
embrião
Como demonstrado, a via maternal de Dpp atua independentemente da via de Toll para
regular a translocação nuclear de Dorsal. No entanto, ela depende do sinal de Toll, indiretamente
modificando-o. Para demonstrar que Dpp transduz seu sinal através do receptor Tkv presente na
membrana do embrião, e que seu efeito é completamente distinto e independente do sinal de Dpp
zigótico, geramos linhagens de Drosophila contendo alelos mutantes que alteram a via de
sinalização de Toll. Sobre este background genético, bloqueamos o sinal de Dpp maternal no
embrião através da expressão ectópica da forma dominante negativa do receptor de Dpp, Tkv. A
expressão da construção tkv[DN] na linhagem germinativa foi obtida utilizando o sistema de
expressão dirigida UAS/GAL4 esquematizada abaixo, fazendo com que receptores maternais na
membrana plasmática do embrião fossem bloqueados (Brand e Perrimon, 1993).
Esquema 2: Esquema ilustrando o sistema UAS/Gal4 de expressão ectópica. Neste sistema, a
sequência UAS (Upstrean Activation Sequence) e Gal4 (fator de transcrição) são elementos de
regulação da expressão gênica característicos de levedura, inseridos no genoma de Drosophila
através de técnicas de transgênese animal. O fator de transcrição Gal4 se liga à sequência UAS e
ativa a expressão do gene alvo sob controle desta sequência. A expressão de Gal4 depende do
local de inserção no genoma de D. melanogaster. Por exemplo, se a inserção de GAL4 situar-se
próxima de um enhancer de expressão tecido-específica, a expressão desta Gal4 responderá a este
enhancer, ou seja, terá uma expressão tecido-específica. Deste modo, as construções são
expressas no mesmo padrão de expressão da inserção de Gal4.
69
O gradiente nuclear de Dl é responsável por gerar todos os limiares de expressão gênica
necessários para especificar cada território ao longo do eixo DV do embrião. Como citado na
introdução, cada território de expressão gênica é dependente de concentrções específicas de
Dorsal nuclear.
Quando a dose de dpp maternal foi acrescida, seu efeito pôde ser observado pela expansão
de territórios dorsais em detrimento de territórios ventrais, nas regiões ântero-ventrais do embrião
(Araujo e Bier, 2000), apresentando, portanto uma atividade dorsalizante. É necessário, porém,
verificar se este efeito é completamente distinto e independente do efeito dorsalizante do Dpp
zigótico, que atua especificamente sobre estruturas dorsais do embrião. Na presença do alelo
Tl[3] a expressão de dpp zigótico está ausente, restando apenas uma marcação nas regiões
terminais do embrião (Anexo 1, fig. 4G, setas). Nestes embriões, o domínio de vnd se encontra
expandido dorsalmente na forma de um anel anterior que circunda completamente o embrião
(Anexo 1, fig.4G, asterisco), sendo observada também uma redução no domínio mesodermal
(Anexo 1, fig. 4H). Quando a via maternal de Dpp foi bloqueada nestes embriões, foi possível
observar a expansão do domínio de vnd (Anexo 1, fig. 4I), ou a expansão ventral de vnd
acompanhada pela perda da expressão de sna no mesoderma (Anexo 1, fig. 4J). Uma vez que não
foi possível detectar a presença da expressão de dpp zigótico na região dorsal, os fenótipos
obtidos a partir de matαGal4>tkv[DN] podem ser atribuídos ao efeito maternal de dpp.
Estes resultados indicam que o sinal de Dpp maternal é transduzido pelo receptor Tkv e
gera uma alteração no gradiente nuclear de Dl, traduzida pela alteração no tamanho dos territórios
de expressão gência ao longo do eixo DV do embrião, afetando especificamente, a região ventral.
70
4.1.5 Diferentes fragmentos de Sog apresentam diferentes propriedades difusoras
A geração de um gradiente de atividade de Sog no espaço perivitelínico poderia estar
envolvida na regulação da ativação de Tkv pelo Dpp presente no espaço perivitelínico? Como
demonstrado in vitro e in vivo, a geração de fragmentos de Sog pela metaloprotease Tld é de
extrema importância para a modulação da atividade de BMPs (Shimmi e O’Connor, 2003; Araujo
e cols, 2003; Serpe e cols, 2005). A expressão de tld restrita à região ventral do folículo ovariano
indica que a geração de fragmentos de Sog esteja restrita à esta região (Carneiro e cols., 2006).
Além disto, a análise do córion de embriões, originados a partir de folículos com grupos de
células foliculares que não expressavam sog, mostrou que Sog apresenta diferentes atividades
sobre Dpp dependendo da localização destes grupos celulares sog- (Carneiro e cols., 2006). Estes
dados sugerem que diferentes fragmentos de Sog possam ter diferentes propriedades difusoras, o
que seria importante para a geração de um gradiente de Sog. Portanto, diferentes fragmentos de
Sog estariam presentes durante a oogênese?
Para investigar esta possibilidade, estudamos o padrão de distribuição dos epítopos
reconhecidos pelos anticorpos 8a e 8b nas vizinhanças de grupos de células foliculares que não
expressavam sog. Fomos capazes de detectar a presença da marcação associada ao 8b em mais de
8 células além da última célula que expressava sog, tanto em regiões ventrais (Anexo 1, fig. 6E,
seta) quanto dorsais (Anexo 1, fig. 6D, cabeça de seta) do folículo ovariano. Em contraste,
fragmentos de Sog reconhecidos pelo anticorpo 8a foram detectados no espaço perivitelínico
associado às células que não expressavam Sog, somente na região dorsal do folículo ovariano
(Anexo 1, fig. 6F).
71
Na região ventral, fragmentos reconhecidos pelo 8a permaneceram associados às células que
expressavam sog, não difundindo em direção à região de células que não expressavam sog
(Anexo 1, fig. 6G, seta). Estes dados indicam que fragmentos que contém o CR1 possuam uma
capacidade de difusão reduzida, permanecendo associados à região ventral do folículo ovariano,
enquanto que fragmentos contendo o CR2 difundiriam dorsalmente gerando um gradiente de Sog.
4.1.6 Tolloid é capaz de clivar Sog durante a oogênese
Com base no comportamento diferencial de epítopos reconhecidos pelos dois anticorpos,
nos perguntamos se fragmentos de Sog poderiam ser gerados a partir da ação de Tolloid durante a
oogênese. Para verificar esta possibilidade, primeiramente induzimos a expressão de ectópica da
forma ativada da metaloprotease relacionada à família BMP1, Tolloid, utilizando o sistema
GAL4/UAS ( CY2>UAS-tld).
Dado que a taxa de clivagem de Sog por Tolloid é dependente da concentração de Dpp,
expressamos simultaneamente tld e dpp. Assumindo que toda célula expressando dpp expressaria
também tld, nos é possível visualizar concomitantemente as células que expressaram UAS-tld e
UAS-dpp-GFP (fig.7A,C,D,F em verde) e células imunoreativas para o anti-Sog 8a (fig.7B,C,E,F
em vermelho). Em cortes ópticos superficiais obtidos por microscopia confocal, foi possível
observar que a região que contém a menor quantidade de células expressando UAS-tld/UAS-dpp
(fig.7A) apresenta a maior intensidade de marcação para o 8a (fig. 7B), indicando que a
degradação de Sog está sendo acelerada ou aumentada pela presença de Dpp e Tld exógenos.
Outro corte óptico mais medial do mesmo oócito
72
A
Dpp,Tld
C
E
F
Sog 8a
D
Dpp,Tld
B
Sog 8a
Figura 7: Oócito expressando as construções CY2>UAS-tld;UAS-dpp, imunomarcadas com
8a. As figuras A,B,C mostram um corte óptico em plano focal superior de oócito no estágio
10. A linha tracejada indica a região posterior do oócito que possui a menor quantidade de
células expressando UAS-tld e UAS-dpp (A) e a maior quantidade de células imunoreativas
para o 8a (B). As figuras D,E,F mostram o mesmo oócito em plano focal medial. O espaço
perivitelínico da região posterior (E,linha tracejada) apresenta marcação para o 8a e não
possui células expressando tld e dpp exógenos (D, linha tracejada). A imagem C é a
superposição das imagens A e B e a imagem F é a superposição das imagens D e E.
73
mostra que a distribuição de Sog no espaço perivitelínico também é alterada: apenas na região
que não apresenta células expressando UAS-tld/UAS-dpp (fig.7D) é possível detectar Sog no
espaço perivitelínico (fig.7E).
Para melhor estudar o efeito de Tolloid sobre a geração de um possivel gradiente de Sog,
analisamos a distribuição de Sog nas vizinhanças de grupos de células foliculares que não
expressam tld. Enquanto que a distribuiçao uniforme de Sog detectada pelo 8b não foi afetada
pela ausência de tld (Anexo 1, fig. 6H, seta), a distribuiçao detectada pelo 8a foi alterada nas
proximidades de grupos de células ventrais tld-, mostrando-se menos intensa (Anexo 1, fig. 6I,
seta; J, seta). Em contraste, nas proximidades de grupos celulares dorsais tld- não houve alteração
da marcação associada ao 8a (Anexo 1, fig. I, cabeça de seta). Estes dados corroboram a hipótese
de que a mobilidade de fragmentos que contém o CR1 seja diminuída na região ventral do
folículo.
4.1.7 A expressão de ectópica de Dpp-GFP evidencia o gradiente de Sog
Dada a capacidade de Sog ligar BMPs, a expressão ectópica de Dpp-GFP poderia alterar a
distribuição dos fragmentos de Sog? De fato, esta hipótese é corroborada pelo fato de que a
expressão ectópica de Dpp-GFP gerada pela GAL4 CY2 resulta no acúmulo de Dpp-GFP na
região dorsal (Anexo 1, fig. 6L), acompanhada do aumento da intensidade de fluorescência
associada ao 8b (Anexo 1, fig. 6K, seta). Este resultado sugere que fragmentos contendo o CR2
difundam dorsalmente carreando Dpp-GFP e contribuindo para a geração de um gradiente de
atividade (Anexo 1, fig. 6N, seta).
74
Interessantemente, quando o anticorpo 8a foi utilizado, a marcação mostrou-se mais
intensa na região ventral (Anexo 1, fig. 6N seta, O,P). Considerando-se que a expressão de
DppGFP foi induzida de maneira uniforme ao longo do eixo DV, estes resultados, em conjunto,
sugerem a existência de uma assimetria em relação à distribuição de diferentes fragmentos de
Sog, que seria apenas exacerbada pela expressão ectópica de Dpp. Baseados em análises clonais
descritas em Carneiro e colaboradores (2006), estes resultados foram interpretados como uma
evidência da diminuição da mobilidade de fragmentos que não têm o CR2. Este tipo de
fragmento permaneceria associado à região ventral do folículo enquanto que fragmentos
contendo o CR2 difundiriam dorsalmente se concentrando nesta região.
4.2 Avaliação da contribuição de moléculas de proteoglicanos e da glicosilação de Sog sobre
sua atividade durante a morfogênese da asa e durante a oogênese
Como descrito na introdução, moléculas de PGHS têm sido mostradas como moduladores
da atividade e difusão de morfógenos. Diante disso, nosso interesse se voltou para a investigação
do possível envolvimento de PGHS na regulação da atividade/mobilidade de Sog. Para testar a
hipótese da interação entre Sog e PGHS elaboramos como estratégia um screening genético
direcionado utilizando o modelo da asa de Drosophila. Este modelo é um importante sensor para
o estudo da via de sinalização de BMPs pois, além dos fenótipos de venação da asa adulta serem
de fácil visualização, a observação de uma estrutura adulta como a asa permite a rápida
identificação de genes que interagem.
O desenho do nosso screening consiste na utilização de uma linhagem de Drosophila com
um background genético de superexpressão do gene em estudo com outra linhagem que expressa
um alelo nulo ou hipomórfico do gene a ser testado (Yu e cols., 1996; Araujo e cols., 2003).
75
Neste caso, realizamos cruzamentos entre uma linhagem transgênica que superexpressa sog
(sogEP7 ) no domínio da veia e linhagens de mutantes que expressam prudutos não funcionais dos
loci gênicos tout-velou, division abnormally delayed (dally), notum, sugarless, sulfatless, fringe
connection, dally-like, syndecan e slalom. Estes genes foram selecionados por codificarem
moléculas importantes em etapas distintas da geração de GAGs ou glicoproteínas (fringe
connection), como detalhado na tabela 1 ( em Materiais e Métodos). A análise do screening é
baseada no grau de alteração do fenótipo da asa entre as moscas controle (sogEP/+) e as moscas
testadas (sogEP /+; alelo testado). A expressão ectópica de sog no domínio da veia da asa resulta
no truncamento (diminuição) das veias longitudinais e/ou transversais devido à inibição do sinal
de BMP durante os estágios pupais (Yu e cols., 1996). Moscas sogEP7 apresentam truncamento
das veias L4 e L5, veia L2 não linear e material ectópico perto da L2 (fig.8A). Portanto, ao
identificarmos um padrão de venação diferente do “background” sogEP7 teremos identificado um
possível gene de interação.
Decidimos também estudar as possíveis modificações que Fringe connection poderia
gerar no padrão de glicosilação de Sog, pois já foi anteriormente demonstrado que Sog é
glicosilado in vitro (Marqués e cols., 1997) e que há sítios potenciais de glicosilação ao longo da
molécula (ver discussão). Além disso, o locus fringe connection codifica um transportador de
açúcar UDP, responsável por transportar uma ampla gama de açúcares UDP que podem ser
potencialmente utilizados para a síntese de diversos glicanos, incluindo açúcares N-ligados,
GAGs e mucinas (Goto e cols., 2001; Selva e cols., 2001).
76
Locus
Função
gênico
tout
(ttv)
Homólogo
Série alélica
Interação com
sogEP7
Vertebrado
Perda
função
velour Heparan sulfato EXT 1
co-polimerase
EXT 2
+++
division
abnormallty
delayed (dally)
Proteoglicano
Glipicano
de
superfície
celular
sulfateless
(sfl)
Modificações em
moléculas
de
heparan sulfato
N-desacetil
Nsulfotransferase
--------------
Participação na
bissíntese
de
glicosaminoglican
os
UDP-glicose
desidrogenase
Perda
função
sugarless
(sgl)
notum
Regulação
de
morfógenos que
ligam
proteoglicanos de
heparan sulfato
Hipomórfico
N
N
α/β-hidrolase,
pectina
acetiltransferase
Hipomórfico
+++
Regulação
do
sinal
dos
morfógenos
Wingless e Notch
transportador
de UDP
slallom
Sulfatação
Transportador de
adenosina
3`fosfato
5`fosfosulfato
Elemento P
proteoglicano
de
heparan
sulfato
de
superfície celular
recessivo
letal
Glipicano
Elemento-P
dally like
Extensão
axonal
Extensão axonal,
regulação do sinal
de Dpp, Wg
de
N
fringe
connection
(frc)
syndecan
de
Perda
função
de
++
++++
N
N
Tabela 1: Esta tabela resume os genes utilizados no screening, os alelos escolhidos, a função
conhecida de cada produto gênico e o tipo de interação com sogEP7. ttv, notum, frc, e sll
interagiram com sog dimunindo o efeito de sua superexpressão, enquanto que sgl, sfl, dally,
dally-like e syndecan não alteraram o fenótipo do background sogEP7. +, ++ e +++ se referem à
expressividade crescente do fenótipo sogEP7 e N se refere a ausência de interação.
77
Inesperadamente, apesar de sua função ser primariamente associada à geração de diferentes tipos de
glicanos, estudos utilizando alelos de perda de função de frc revelaram que sua atividade é
seletivamente requerida para a glicosilação de Notch e não para a geração de GAGs (Goto e cols.,
2001; Selva e cols., 2001).
Moscas homozigotas frc00073/frc00073 morrem em estágios tardios da pupa, não havendo
portanto, moscas homozigotas para este alelo na população. Por isso, foi gerada uma linhagem
frc00073 sobre o cromossomo balanceador TM6c, Sb, Tb. Esta estratégia nos permite selecionar,
ainda na pupa, os indivíduos homozigotos para o alelo 00073 pois o alelo dominante Tb, que é
um marcador do cromossomo balanceador, nos permite diferenciar os indivíduos pelo fenótipo
gerado na pupa (casulos mais curtos). Indivíduos heterozigotos apresentarão a pupa menor do que
os indivíduos homozigotos. Assim, foi possível coletar asas de indivíduos homozigotos para
análise do perfil eletroforético de Sog e seus fragmentos e avaliar o tipo de modificação que a
ausência da atividade de Fringe connection gera neste perfil. Avaliamos também o padrão de
venação da asas em indivíduos homozigotos frc00073/frc00073 pois este padrão é um forte indicativo
da alteração na atividade biológica de Sog na ausência de Fringe connection.
4.2.1 sog interage geneticamente com loci gênicos responsáveis por gerar moléculas
importantes para a síntese de glicosaminoglicanos e glicoproteínas no modelo da asa de
Drosophila
Como descrito na tabela 1, identificamos 4 genes potencialmente importantes para a
atividade/mobilidade de Sog nos epitélios da asa da pupa: ttv, notum, sll e fgc. Por outro lado, sfl,
sgl e dally, dally-like e syndecam foram considerados como não interatores com sog. O critério
inicial para a seleção dos genes candidatos foi a alteração do background sogEP7, através da
78
supressão ou acentuação do truncamento de L4 e L5 bem como o surgimento de veias ectópicas
(fig.8A), o que indica uma supressão do fenótipo de sogEP7.
O locus ttv pertence a uma família de genes homólogos aos EXT de vertebrados, também
envolvida na biossíntese de GAGs, tem sido estudado em grandes detalhes. A família de genes de
Drosophila homólogos a EXT em vertebrados é composta por três membros: tout-velu (ttv), sister
of tout velu (sotv) e brother of tout velu (botv). EXT1, EXT2 e EXT3 humanas codificam copolimerases de heparan sulfato que catalisam a adição seqüencial do ácido glucorônico e Nacetilglicosamina às cadeias polissacarídicas em extensão (como ilustrado na figura 5 etapa 7)
(Lind e cols., 1998; McCornick e cols., 1998). A análise de mutantes para ttv tem mostrado que
este gene afeta seletivamente o movimento e a resposta celular de Hh e Dpp, tanto no disco
imaginal da asa quanto no embrião de Drosophila, alterando sua distribuição ao longo do epitélio
em desenvolvimento. ttv também desempenha diferentes papéis na sinalização de Wg (Bellaiche
e Perrimon, 1998; The e cols., 1999; Han e cols., 2004). Moscas sogEP7;ttv apresentaram veias
ectópicas entre L2 e L3 associadas à perda do truncamento de L4 e L5
79
B
A
L1
L2
L3
VTA
VTP
L4
*
L5
*
sogEP7
C
D
*
*
*
sogEP7;ttv
*
EP7
sog
sog ;sll
E
*
F
*
*
sogEP7;frc
*
sogEP7;notum
Figura 8: Fenótipos de asa adulta observados no screening genético para loci que interagem
com sogEP. A- Asa selvagem apresentando as veias longitudinais L1, L2, L3, L4 e L5 e as
veias transversais anterior (VTA) e posterior (VTP). B) asa adulta exemplificando o fenótipo
do background sogEP7 , com truncamento de L4 e L5 (asterisco), L2 tortuosa (seta) e material
ectópico entre L2/ L3 e L4/L5 (cabeças de seta). Asas heterozigotas sogEP7;ttv apresentaram
aumento do material ectópico entre L2 e L3 (C, cabeças de seta) e perda do truncamento de
L4 e L5 (C, asterisco). Asas heterozigotas sogEP7; sll apresentaram uma série de fenótipos que
atingem a padronização da veia transversal posterior (D, seta preta), aumento do material
ectópico entre L2 e L3 (D, cabeça de seta), perda do truncamento de L4 e L5 (D, asterisco),
além de uma veia transversal cruzada anterior ectópica (D, seta vermelha). Asas heterozigotas
sogEP7;frc apresentaram aumento de material ectópico entre L2 e L3 (E, cabeça de seta) e
perda de truncamento de L4 e L5 (E, asterisco). Asas heterozigotas sogEP7; notum
apresentaram um fenótipo onde foi possível identificar aumento de material ectópico entre L2
e L3 (F, cabeça de seta) associado à perda do truncamento de L4 e L5 (F, asterisco) bem como
fortes efeitos sobre a padronização da veia transversal posterior (F, seta),
80
(fig.8C), indicando um fenótipo de supressão da atividade de Sog como será discutido
posteriormente.
Em vertebrados, a sulfatação de todas as macromoléculas necessita de uma via secretória
que ocorre no complexo de Golgi e requer a adenosina 3`-fosfato 5`-fosfosulfato, um doador de
sulfato de alta energia. Em 2003, Lüders e colaboradores, a partir de estudos em Drosophila,
clonaram o primeiro gene a codificar uma proteína transmembrana necessária para o transporte
da adenosina 3`-fosfato 5`-fosfosulfato do citosol para o lúmem do complexo de Golgi. Neste
trabalho, foi demonstrado que mutações neste gene, chamado slalom (sll), resultavam em
problemas nas vias de sinalização de Wg e Hh, sugerindo ausência de sulfatação dos GAGs por
sfl. Além disto, a análise de ovários com grupos de células foliculares que não expressavam sll
demonstrou que a função de sll é essencial para a formação do eixo DV do embrião, sugerindo
que sll transporta o doador de sulfato necessário para a atividade sulfotransferase de pip. Além
de sll, outro gene chamado dPAPST2 foi recentemente clonado apresentando característricas
similares (Goda e cols., 2006). Moscas sogEP7;sll apresentaram alterações na padronização da
VTP (fig.8D seta), acréscimo de uma veia transversal anterior (fig.8D, seta vermelha) bem como
veias ectópicas entre L2 e L3 (fig.8D, cabeça de seta) associadas à perda do truncamento de L4 e
L5 (fig.8D, asterisco), representando o fenótipo mais acentuado obtido neste screening. Este
resultado aponta para uma supressão do fenótipo da superexpressão de Sog na ausência de
moléculas sulfatadas.
O locus fgc codifica um transportador de açúcar UDP, responsável por transportar uma
ampla gama de açúcares UDP que podem ser potencialmente utilizados para a síntese de diversos
glicanos, incluindo açúcares N-ligados, GAGs e mucinas, como citado anteriormente (Goto e
cols., 2001; Selva e cols., 2001). Moscas sogEP7;fgc apresentaram aumento de material ectópico
81
entre L2 e L3 associado à perda de truncamento de L4 e L5 (fig.8E). Novamente, este locus
provocou uma diminuição do fenótipo de superexpressão de Sog.
O locus notum codifica uma proteína secretável que pertence à superfamília α/βhidrolase, similar à pectina acetiltransferase (Giraldez e cols., 2002). Moscas sogEP7;notum
apresentaram um fenótipo onde foi possível detectar aumento de material ectópico entre L2 e L3
(fig.8F, cabeça de seta), perda da truncamento de L4 e L5 (fig.8F, asterisco) e também alterações
na padronização da veia transversal posterior (fig.8F, seta). Assim como ttv, frc e sll, notum
também apresentou um fenótipo de supressão da superexpressão de Sog, indicando que
glipicanos de superfície celular poderiam atuar na regulação da mobilidade/atividade de Sog.
Para testar esta hipótese, utilizamos o locus division abnormally delayed (dally), que
codifica um glipicano e que foi o primeiro gene que afeta etapas distintas da biossíntese de GAGs
a ser estudado (Nakato e cols., 1995). Moscas sogEP7;dally e sogEP7;dally-like, no entanto, não
apresentaram fenótipo diferente do background sogEP7. Estes dados corroboram os resultados
obtidos por Araujo e cols. (2003), onde também não foi detectada interação genética entre Sog e
Dally. É importante ressaltar que o alelo dally-like utilizado no screening foi gerado por inserção
de elemento P e a série alélica a qual pertence ainda não foi estudada em detalhes. Isto não
permite, portanto, concluir com exatidão se a ausência de interação em nosso modelo de
screening representa de fato um dado real. Para solucionar esta dúvida, é necessária a utilização
de alelos nulos do locus dally-like.
Syndecan é um PGHS transmembrana que tem sido mostrado estar envolvido na
migração neuronal durante a embriogênese de Drosophila (Spring e cols., 1994) e foi mostrado
interagir com Dally-like (Rawson e cols., 2005). Dado que Syndecan foi mostrado ter um papel
chave na ligação entre hemócitos e laminina α3/5 cadeia LG4-5 em Drosophila (Narita e cols.,
82
2004) e que laminina interage geneticamente com sog (Araujo e cols., 2003), seria extremamente
interessante testar a interação entre sog e syndecan. Em nosso screening, no entanto, não foi
detectado nehum tipo de alteração significativa em relação ao fenótipo de venação do background
sogEP7 quando utilizamos o alelo 10608 de syndecan.
sulfateless (sfl) é um gene que codifica uma proteína relacionada à N-desacetil Nsulfotransferase (NDST, figura 5 etapa 8) e tem sido mostrado de grande importância para a
sinalização de Wg, do receptor de FGF (Fibroblast Growth Factor) e Hh (The e cols., 1999; Lin e
cols., 1999). Moscas sogEP7;sfl não apresentaram fenótipo diferente do background sogEP7.
sugarless (sgl), que codifica uma proteína relacionada à uridina difosfoglicose (UDP)
desidrogenase de vertebrados, é uma enzima necessária para a síntese de UDP glucoronato a
partir da UDP glicose (Häcker e cols., 1997; Haerry e cols., 1997; Binari e cols., 1997). Mutações
em sgl comprometem, portanto, a biosíntese de condroitina e heparan sulafato. Assim como dally
e sfl, sgl também não alterou o background de superexpressão de sog.
Evidências de nossos estudos a partir destes testes sugerem que os proteoglicanos
modificados dependentes da ação dos produtos dos loci dos genes ttv, sll e notum podem ser
importantes para a atividade biológica de Sog. Outro aspecto importante a ser considerado é o
estudo do papel da glicosilação de Sog sobre sua atividade biológica, uma vez que frc, uma
enzima envolvida na geração de glicoproteínas N-ligadas, parece ser importante para atividade
biológica de Sog. No entanto, o padrão de expressão bem como a caracterização bioquímica dos
resíduos de açúcar adicionados a Sog, além de sua possível interação com PGHS, não foram
explorados até o momento.
83
4.2.2 Proteoglicanos de Heparan Sulfato estão presentes durante o desenvolvimento da asa
de Drosophila
Dado que detectamos interações de sog com loci envolvidos na síntese de PGHS na asa,
tornava-se fundamental caracterizar o padrão de distribuição de moléculas de heparan sulfato
durante o desenvolvimento da asa. Inicialmente, utilizamos a imunomarcação em asas da pupa
com anticorpo específico contra heparan sulfato. Os PGHS apresentaram, assim como Sog, um
padrão de distribuição extremamente dinâmico durante o desenvolvimento da asa de Drosophila.
Durante os estágios iniciais do desenvolvimento da asa da pupa (20 a 24 horas após a entrada no
período pupal) PGHS são sintetizados pelas células do domínio interveia (fig.9A), apresentando
uma distribuição pericelular/extracelular como esperado para estas moléculas (fig.9B, em
vermelho). No período de 24 a 26 horas, PGHS são sintetizados pelas células da interveia
(fig.9G, em vermelho) e também pelas células do domínio proveia (fig.9G, amarelo). Após 30
horas, PGHS voltam a ser expressos somente pelas células da interveia (fig.9B, quadrado branco)
no mesmo padrão pericelular/extracelular observado em estágios precoces (fig.9D) e
intermediários (fig.9G). Este mesmo comportamento foi descrito para Sog durante estes períodos
(Araujo e cols, 2003), indicando que os PGHS podem ser elementos chave para a mobilidade de
Sog a partir do domínio interveia para o domínio proveia.
Analisamos também a distribuição dos PGHS ao longo da superfície DV do epitélio da
asa, uma vez que foi demonstrado que somente na superfície dorsal Sog é capaz de
84
Figura 9: Caracterização da presença de moléculas de PGHS durante o desenvolvimento da asa
de Drosophila. PGHS apresentam um localização extremamente dinâmica durante o
desenvolvimento da asa. PGHS são distribuídos pelas células da interveia desde estágios precoces
da asa de pupa (asa de 20 a 24 horas, A), apresentando um padrão de distribuição pericelular e
extracelular, como esperado para PGHS (B, em vermelho). No estágio de 24 a 26 horas (E),
momento no qual Sog invade o domínio proveia, PGHS são distribuídos por células da interveia
(G, em vermelho) bem como por células do domínio proveia, invadindo completamente este
domínio durante este estágio (F, quadrado e G, amarelo). Após este período (mais de 30 horas)
PGHS voltam a ser distribuídos somente por células da interveia (C,quadrado branco),
apresentando o mesmo padrão de distribuição pericelular/extracelular (D, vermelho) observado
em asas jovens (B, vermelho). Durante este período, os PGHS ficam restritos às células da
interveia que estão em contato com as células do domínio proveia (C, cabeças de seta), não mais
invadindo o domínio proveia. F representa a mesma imagem de E com os territórios proveia
indicados por linhas brancas. O quadrado branco em E indica a região aumentada mostrada em G.
85
B
A
C
D
D
E’
interveia
veia
interveia
V
E’’
E
Figura 10: Distribuição de moléculas de heparan sulfato na asa de Drosophila. Imunfluorescência
utilizando a sonda faloidina (A, vermelho) e anti heparan sulafato (B, verde) mostrando a
distribição homogênea de moléculas de heparan sulfato na asa. C- Imofluorescência utilizando a
sonda faloidina (intracelular, D seta) revela que moléculas de heparan sulfato encontram-se no
domínio extracelular da membrana plasmática ou no espaço extracelular (D, verde). E- Asa de
mais de 30 horas imunomarcadas para heparan sulfato (verde) e faloidina (em vermelho). E’
mostra que moléculas de heparan sulfato são distribuídas homogeneamente nas células ao longo
do eixo DV da asa e não estão presentes no domínio da veia durante este período, como mostrado
na figura 5C. E’’ mostra que moléculas de heparan sulfato são igualmente distribuídas
homogenemente ao longo do eixo ântero-posterior da asa.
86
4.2.3 A via maternal de Sog/Dpp interage geneticamente com loci gênicos responsáveis por
gerar moléculas importantes para a síntese de glicosaminoglicanos e glicoproteínas no
modelo da oogênese de Drosophila
Além da utilização do modelo da asa de Drosophila para a elaboração de screenings,
também é possível utilizar o modelo da oogênese para estudar a interação genética entre a via
maternal de Sog/Dpp e loci gênicos de interesse. Esta estratégia consiste em gerar genótipos
maternais com a duplicação de dpp e alelo em teste, coletar os embriões e realizar hibridização in
situ. Para identificar a interação, é necessário comparar a penetrância do fenótipo gerado pela
duplicação de dpp (que consiste na invasão anterior do domínio do mesoderma por genes
dorsais) com a penetrância da duplicação de dpp acrescida do alelo em teste. Utilizamos esta
estratégia para identificar possíveis interações entre Sog/Dpp e os alelos utilizados no screening
da asa durante a oogênese.
Foram gerados genótipos maternais utilizando dois tipos diferentes de duplicação de dpp:
dlI5Dp(dpp), que apresenta a duplicação de dpp no segundo cromossomo e que tem uma
penetrância de 37% do fenótipo de invasão do mesoderma por vnd; e Dp(dpp)/+ ; dlI5/+, que
apresenta a duplicação de dpp no primeiro cromossomo e tem uma penetrância de 65% do
fenótipo da invasão de vnd.
Para verificar se a diferença entre as penetrâncias é significativa, foi realizado o teste do
χ 2 (qui-quadrado). O teste foi realizado para cada genótipo maternal que inclui o alelo em teste,
e o número esperado, calculado a partir da penetrância de dl5Dp(dpp)/+ ou Dp(dpp)/+; dl15/+, foi
confrontado com o número observado, utilizando a fórmula χ
2
2
2
(
(
o1 − e1 )
o2 − e2 )
=
+
, onde o
e1
e2
1
e e1 são o número observado e esperado, respectivamente, de embriões com fenótipo de invasão,
e o2 e e2 são o número observado e esperado, respectivamente, de embriões com fenótipo
87
selvagem. Como em cada χ 2 foram utilizadas duas classes (embriões com fenótipo de invasão e
com fenótipo selvagem), foi utilizado 1 grau de liberdade para a consulta da distribuição do χ 2 .
Na tabela a seguir está exposto o resultado do teste (tabela 2).
Os fenótipos de invasão do mesoderma foram classificados de acordo com a
expressividade. Foi possível classificar embriões com a região anterior invadida pela expressão
de vnd (+); embriões com invasão desde a região anterior até a região mediana (++); e embriões
com invasão completa do mesoderma pela expressão de vnd (+++).
Foi extremamente
interessante notar que alguns dos alelos que apresentaram interação no modelo da asa (com
excessão de syndecam), também interagiram geneticamente com a via maternal de Dpp, como
mostrado pela tabela 2. Estes dados indicam que o produto destes loci gênicos também podem
participar da padronização do eixo DV do embrião.
88
Expressividade
Genótipo materno
Penetrância
(Porcentagem)
dlI5Dp(dpp)/+
(+++)
(++)
(+)
χ2
37%
37%
dlI5Dp(dpp)/ttv
26%
15%
11.9%
53%
7,04*
dlI5Dp(dpp)/+;frc/+
29%
29%
8%
84%
32*
27.8%
13.9%
57%
28*
dlI5Dp(dpp)/syndecan 15.8%
dlI5Dp(dpp)/+;sfl/+
25%
13.9%
6.6%
45%
4,3
dlI5Dp(dpp)/+;sll/+
0
0
100%
100%
135*
Dp(dpp)/+ ; dlI5/+
Dp(dpp)/+ ; dlI5/+ ;
65%
65%
5.7%
53.7%
22.3%
81.8%
19,5*
0
45.8%
8.2%
54%
4,8
notum/+
Dp(dpp)/+ ; dlI5/+;
sgl/+
Tabela 2: Penetrância do fenótipo de invasão no mesoderma associado a cada genótipo maternal. O asterisco
indica que a diferença na penetrância é significativa ao nível de significância de 1%. + - indica invasão do
mesoderma por vnd somente na região que corresponde ao terço anterior do embrião; ++ - indica invasão do
mesoderma por vnd até a metade do embrião; +++ - indica a invasão completa do mesoderma pela expressão de
vnd.
89
4.2.4 Proteoglicanos de Heparan Sulfato estão presentes durante a oogênese de Drosophila
Visto que os loci ttv, sll, notum e frc que interagem com sog na asa também mostraram interação
na padronização maternal do embrião, decidimos investigar o padrão de distribuição dos PGHS
nos folículos ovarianos. Utilizando a técnica de imuno-histoquímica para PGHS verificamos que
estão presentes durante a oogênese de Drosophila e apresentam um padrão altamente dinâmico.
PGHS estão presentes desde etapas precoces da oogênese (fig.11B), sendo sintetizados por
células foliculares que recobrem o folículo (fig.11B,C,D). Durante o desenvolvimento dos
folículos ovarianos, este padrão é refinado e no estágio 9 os PGHS estão restritos à região
anterior do folículo ovariano (fig.11C, setas). No estágio 10, no entanto, este padrão é perdido e a
presença dos PGHS pode ser notada nas células foliculares posteriores (fig.11D, pontilhado),
ocupando preferencialmante a região basal das células foliculares (fig.11E, setas). Além disto, é
justamente na região anterior que são gerados os fragmentos de Sog pela ação de Tld,
evidenciados em ovários que expressam ectopicamente Dpp-GFP (fig.11G, seta). Esta região
coincide com a região de síntese de PGHS (fig.11C). Foi extremamente interessante notar que o
padrão de marcação para PGHS coincide temporalmente com o momento no qual Sog estaria
sendo clivado por Tld (estágio 9) além de coincidir espacialmente com a rota que fragmentos de
Sog C-terminais supostamente utilizam para difundir-se dorsalmente.
90
ger
célu
estágio8
oócito
estágio
A
estágio
célula
células nutridoras
oócito
B
estágio 8
WT
C
Cy2>UASdppGFP
8a
WT
J
8b
estágio
D
E
estágio 10
estágio 9
F
oócito
G Cy2>UASdppGFP
H
I
L
M
8a
Cy2>UASdppGFP
K Cy2>UASdppGFP
8b
Figura 11: Caracterização da presença de proteoglicanos de heparan sulfato e de Sog durante a oogênese
de Drosophila. A) esquema ilustrando os diferentes estágios de amadurecimento dos folículos
ovarianos. Os PGHS são expressos desde estágios precoces da oogenêse (B, estágio 8) pelas células
foliculares que recobrem o folículo, sofrendo um refinamento onde, a partir do estágio 9 são restritos a
uma faixa de células foliculares anteriores que recobrem o oócito (C, setas). No estágio 10 (D e E), os
PGHS são encontrados nas células foliculares anteriores que recobrem o oócito (D, pontilhado),
apresentando uma distribuição intracelular associada à região basal da célula folicular (E, seta). A
distribuição de Sog revelada pelo anticorpo 8a, mostra um acúmulo de fragmentos N-terminais na
região ventral anterior de folículos selvagens (F, seta), enquanto que o anticorpo 8B revela uma
distribuição uniforme em folículos selvagens (J, setas). Quando a expressão ectópica de UASdppGFP é
induzida pela gal 4 CY2 nas células foliculares (H, em verde) é possível notar um aumento na presença
de fragmentos N-terminais na região ventral anterior deste folículo (G, seta). O anticorpo 8b, no
entanto, revela uma distribuição dorsal de fragmentos C-terminais (K, seta) ao mesmo tempo que pode
ser notada a concentração de Dpp-GFP na região dorsal deste mesmo folículo (L, seta). As imagens I e
M são a sobreposição de G/H e K/L, respectivamente.
91
4.2.5 Sog como substrato de Fringe connection durante o desenvolvimento da asa de
Drosophila
Como a atividade de Fringe connection tem sido caracterizada sobre outras moléculas de
glicoproteínas N-ligadas e não de proteoglicanos, decidimos investigar se Fringe connection tem
ação sobre a glicosilação de Sog, uma vez que este locus gênico interagiu geneticamente com
Sog no modelo da asa. A partir de asas de pupa homozigotas para o alelo frc00073, foram obtidos
extratos proteicos para a análise do padrão de migração eletroforética de Sog. Se de fato Sog
fosse substrato para Fringe connection, esperávamos observar um aumento em sua mobilidade
eletroforética devido à ausência da glicosilação. No entanto, observamos a ausência de 6 bandas
(fig.12B) que são reconhecidas em extratos selvagens (fig.12B). Estas bandas correspondem,
provavelmente, ao fragmento de Sog que contém o CR1/2 e que tem um tamanho de 100 kDa
(fig.12B, banda B), SuperSog1, como tamanho de 38 kDa (fig.12B, banda D). Estes resultados
sugerem que Sog possa ser substrato de Fringe connection e que a ausência de sua atividade
modifique o padrão de clivagem de Sog por Tld, ou que o epítopo reconhecido pelo antisoro seja
perdido ou mascarado na ausência de Fringe connection .
Um dado que fortalece a hipótese de que Sog seja substrato de Fringe connection, é o
padrão de venação da asa de indivíduos homozigotos frc00073/frc00073. Nestas asas as veias
apresentam um calibre aumentado (fig.12C, asterisco) e a formação de um delta na região
terminal próxima à borda da extremidade distal da asa (fig.12C, setas). A padronização da veia
cruzada posterior também foi alterada, podendo ser observado um alargamento no domínio da
veia em detrimento do domínio interveia (fig.12C, cabeça de seta). Estes fenótipos se
assemelham ao fenótipo observado para a superexpressão de Dpp induzida por
92
Epítopo 8A
A
00073
asa frc00073/frc
as
a
W
B
A
B
C
116 kDa
92kDa
C
D
E
F
*
50 kDa
37 kDa
28 kDa
Figura 12: Sog como substrato de Fringe connection. A- Esquema ilustrando os diferentes
fragmentos de Sog possivelmente gerados pela clivagem por Tolloid e os respectivos pesos
moleculares estimados. B- Eletroforese de extrato de asa selvagem (WT) e asa homozigota
frc00073/frc00073. É possível notar que a banda de cerca de 38 kDa de um fragmento de Sog (seta
D) está ausente em extratos de asas homozigotas para frc00073, enaquanto que bandas em torno
de 100 kDa (setas A e B), 50 kDa (seta C) e 30 kDa (setas D e E) apresentam menor intensidade
quando comparadas com asas selvagens. As bandas não indicadas por setas constituem padrão
de marcação inespecífica. C- O padrão de venação da asa adulta de indivíduos homozigotos
frc00073 apresenta alargamento da veia cruzada posterior (cabeça de seta),alargamento na região
terminal das veias L2 e L3 (setas) e aumento do calibre da L3 (asterisco).
93
choque térmico (Yu e cols., 1996), indicando que a sinalização de Dpp nestas asas possa estar
sendo potencializada devido à ausência de fragmentos N-termians de Sog (contendo CR1) que
anatagonizariam Dpp. No entanto, neste ponto cabe lembrar que outros genes da via de Notch e
EGFR também estão envolvidos em definir a largura das veias durante o período pupal, sendo
necessário no futuro esclarecer se este fenótipo se deve a um efeito conjunto sobre diferentes vias
de sinalização.
94
5. Discussão
5.1 Sog e Dpp atuam pelo mecanismo de “delayed induction” para padronizar o eixo DV do
embrião de Drosophila
Neste estudo fomos capazes de demonstrar uma série de características essencias ao
modelo proposto por Araujo e Bier (2000) para a participação da via maternal de Sog/Dpp na
padronização do eixo DV do embrião de Drosophila. Naquele momento, foi demonstrado,
através de experimentos genéticos de epistasia, o relacionamento entre a via de Dpp e a via de
Toll. Foi proposto que a via maternal de Sog/Dpp atua pelo mecanismo de “delayed induction”
para alterar a translocação nuclear de Dl por um mecanismo independente do sinal de Toll.
Naquele trabalho pioneiro foi mostrado que o padrão de expressão do gene sog é restrito à região
anterior do folículo ovariano, sem que sua expressão tivesse sido detectada pelas células
foliculares remanescentes. dpp também apresentou um padrão de expressão restrito às células
foliculares anteriores. Experimentos de epistasia localizaram a via maternal de Sog/Dpp
“downstream” ou em paralelo à via de Toll.
Neste trabalho nós confirmamos a hipótese da atuação de Dpp em paralelo à de Toll ao
demonstrar que a expressão do gene “upstream” a Toll, pipe, não é alterada quando o sinal de
Dpp é bloqueado (fig.6A). Além disto, quando analisamos o padrão de distribuição das proteínas
Sog e Dpp-GFP observamos que este padrão é bem mais amplo que o padrão de expressão de
seus respectivos RNA mensageiros (Anexo 1, fig. 1 e fig. 3).
95
Demonstramos também que as proteínas Sog e Dpp-GFP são transferidas para o espaço
perivitelínico e que permanecem neste compartimento extracelular até estágios tardios da
oogênese e início da embriogênese, característica essencial para corroborar a hipótese de suas
ações através do mecanismo de “delayed induction”.
Outro importante aspecto revelado por nossas análises foi a proposição de um mecanismo
molecular que fosse capaz de alterar pós-traducionalmente o padrão originalmente simétrico de
Dpp ao longo do eixo DV, como previsto pela expressão de seu RNA mensageiro. Apesar de
vários trabalhos anteriores demonstrarem um importante papel de Dpp na formação de estruturas
dorsais anteriores do córion, seu efeito restrito a esta região era explicado pela convergência da
via de Dpp com a ativação restrita da via de EGFR (Deng e Bownes, 1997; Peri and Roth, 2000;
Twombly e cols., 1996). Dada a propriedade difusora de Dpp ter sido demonstrada em diferentes
momentos do desenvolvimento de Drosophila, bem como a importância de Sog em regular a
mobilidade de Dpp, consideramos a possibilidade de um mecanismo similar estar atuando
durante a oogênese de Drosophila. De fato, fomos capazes de mostrar que Sog sintetizado pelas
células foliculares é capaz de modificar a distribuição de Dpp. No entanto, nossas análises
adicionam complexidade a este mecanismo básico, já que fomos capazes de associar diferentes
fragmentos de Sog a distintas atividades sobre Dpp. Enquanto fragmentos N-terminais
permanecem associados à região ventral e antagonizam a atividade de Dpp nesta região,
fragmentos C-terminais migrariam dorsalmente carreando Dpp e contribuindo para a geração de
um gradiente de atividade de Dpp, que permaneceria estável e seria utilizado pelo embrião em
estágios iniciais do desenvolvimento (Anexo 1, fig. 8).
Neste modelo, o mecanismo molecular responsável pela geração de um gradiente de
atividade de Dpp durante a oogênese é controlado pelo produto do gene tolloid (tld), que
restringe à região ventral do folículo ovariano a clivagem do antagonista de Dpp, Sog (Carneiro e
96
cols, 2006). Tld é um membro da família de metaloproteases relacionadas à BMP-1 (Shimell e
cols., 1991) apresentando em sua porção N-terminal uma região de similaridade à família
astacina de metaloproteases (Jiang, e Bond, 1992; Stöcker, W., Gomis-Rüth e cols., 1993).
Nossos estudos se assemelham em parte com aqueles relativos à embriogênese de Drosophila,
onde a atividade de Dpp zigótico pode ser modulada positivamente através da formação de um
complexo proteico envolvendo a participação de Tld e Sog, necessitando da atividade proteásica
de Tld para funcionar (Finelli e cols., 1994). Por outro lado, o modelo proposto para a oogênese
sugere o mecanismo adicional da geração de diferentes atividades de Sog. Será interessante
investigar se este mecanismo, por nós proposto, será utilizado em outros contextos do
desenvolvimento onde a difusão e atividade de Dpp precisam ser controladas.
5.2 Um novo nó para a rede de expressão gênica do eixo dorso-ventral de Drosophila
No estágio 10 da oogênese, o padrão de expressão de tolloid fica restrito às 18 células
foliculares mais ventrais, correspondendo à 50% da circunferência do folículo ovariano (Carneiro
e cols., 2006). Sua localização restrita dirige a clivagem de Sog nesta região, levando a um
acúmulo localizado de fragmentos N-terminais (Anexo 1 fig. 1). Quando a expressão de gurken
foi eliminada, tolloid passou a ser expresso por todas as células foliculares, não havendo mais
restrição ventral (Carneiro e cols., 2006). Isto potencialmente modifica o padrão de clivagem de
Sog, assim como a distribuição espacial da atividade de Dpp. Este resultado demonstra que o
sinal de Gurken é importante para regular tanto a via de Toll, através da restrição ventral da
expressão de pipe, quanto a via maternal de Dpp, através da restrição da expressão de tolloid à
esta mesma região.
97
A rede de interação gênica que caracteriza o eixo DV do embrião de Drosophila é
composta por mais de 60 genes (diagrama a baixo), onde cerca de 12 codificam proteínas
importantes para a ativação da via de Toll, enquanto que cerca de 50 genes são responsivos ao
gradiente de Dorsal (Stathopoulos e cols., 2002). Toda essa gama de moléculas, que em última
análise caracteriza o eixo DV do embrião molecularmente, é controlada pelo sinal de Gurken,
como proposto pelo diagrama abaixo (Levine e Davidson, 2005).
tolloid
Sog
Dpp
Modificado de Levine e Davidson, 2005
Neste diagrama Levine e Davidson (2005) apresentam a rede regulatória de expressão
gênica para o estabelecimento do eixo DV do embrião. À esquerda (em roxo) estão os eventos
que ocorrem durante a oogênese e são controlados por Gurken, e à direita está a rede de
interações que ocorre durante a embriogênese. Propomos a inclusão de mais um nó para rede: a
98
via maternal de Sog/Dpp (setas em amarelo no lado esquerdo do diagrama) que é regula por
Gurken, através da restrição da expressão de tolloid à região ventral do folículo ovariano.
5.3 Como gerar um gradiente morfogenético: o papel de proteoglicanos
Passamos a considerar os mecanismos moleculares que poderiam estar envolvidos na
geração do gradiente de Sog ao longo do eixo DV do folículo ovariano. Ao contrário dos
mecanismos que regulam a difusão de outros morfógenos como Dpp, Wg e Hh terem sido
intensamente estudados ao longo dos últimos anos, nenhum trabalho havia se proposto a explorar
os mecanismos que atuam sobre a mobilidade de Sog. Como citado anteriormente, moléculas de
PGHS têm sido apontadas como reguladoras da mobilidade de morfógenos. Decidimos, baseados
nestas evidências, testar a hipótese do envolvimento de moléculas de PGHS na regulação da
mobilidade/ atividade de Sog.
A análise do padrão de venação tem sido utilizada como uma importante ferramenta para
a identificação, isolamento e análise de novos componentes de diversas vias de sinalização como
EGF, BMP, Hedgehog, Notch e Wnt (revisado em Blair, 2006). Foi demonstrado que PGHS são
capazes de ligar Cordina e de potencializar sua atividade antagônica sobre BMP, o homólogo
vertebrado de Dpp (Jasuja. e cols., 2004). Foi demonstrado também que Cordina se liga aos
PGHS de matriz extracelular como o Perlecan (Jasuja. e cols., 2004). Dada a similaridade de
seqüência entre Cordina e Sog, estes dados sugeriam que Sog também fosse capaz de ligar PGHS
e que esta ligação seria importante para a sua atividade.
Moléculas de heparan sulfato são sintetizadas durante o desenvolvimento da asa e
apresentam o mesmo padrão espaço/temporal caracterizado para Sog.
99
Durante estágios iniciais da pupa (24 horas após a formação da pupa), Sog é capaz de invadir o
domínio proveia e este movimento é dependente de integrina (Araujo e clos., 2003). Moléculas
de heparan sulfato também apresentam a mesma dinâmica, invadindo a região da veia durante
este mesmo período (fig.9), sugerindo que estas moléculas possam participar da movimentação
de Sog.
Sog antagoniza Dpp durante o período pupal para assegurar a formação correta das veias,
retas e contínuas (Yu e cols., 1996). Uma vez que a expressão de dpp dentro do domínio da veia é
crucial para a manutenção do destino de veia nestas células em estágios avançados da pupa
(Conley e cols., 2000), e que a expressão de sog é restrita às células da interveia (Yu e cols.,
1996), para Sog exercer sua atividade antagônica sobre Dpp, é necessário que ele difunda a partir
deste domínio para a região proveia. Como citado, a atividade de TTV (que tem sido descrito
durante o alongamento da cadeia dissacarídica) foi mostrada ser importante para a movimentação
de outros morfógenos. Dado que ttv interagiu com sog eliminando o truncamento das veias e
durante a oogênese, será interessante testar a hipótese da participação de ttv na regulação da
mobilidade de Sog. Este mesmo tipo de fenótipo de perda de truncamento também foi descrito
para a ausência da subunidade de integrina αPS1, que está diretamente envolvida na mobilidade
de Sog a partir do domínio interveia para o domínio veia (Araujo e cols., 2003). Para demonstrar
a participação do produto do locus ttv na atividade de Sog, estão sendo construídas linhagens
recombinantes ttv/FRT 42D. Através desta estratégia, serão gerados grupos de células que não
expressam ttv durante o desenvolvimento da asa e oogênese. Através de imunomarcações com 8a
e 8b seremos capazes de avaliar se haverá alguma alteração na mobilidade de fragmentos de Sog
nos arredores destes grupos celulares.
100
PGHS estão presente em grande quantidade sobre a superfície celular e são responsáveis
por gerar sítios de ligação de baixa afinidade para moléculas sinalizadoras secretadas como
Wg/Wnt. Um dos modelos mais bem descritos para a interação entre morfógenos e PGHS é a
interação entre Wg e glipicanos. Wg é capaz de se ligar a GAGs em células em cultura
(Reichsman et al., 1996), e os proteoglicanos de superfície celular, Dally e Dally-like estão
envolvidos neste processo. Notum, por sua vez, é capaz de alterar o gradiente morfogenético de
Wg gerando modificações nestes glipicanos (Giraldez e cols., 2002). Notum codifica uma α/β
hridrolase, uma superfamília de esterases que inclui peptidades, lipases esterase e uma variedade
de enzimas hidrolíticas (Nardine e Dijkstra, 1999). A forte interação detectada entre sog e notum
levantou a possibilidade da regulação da mobilidade de Sog por glipicanos. No entanto, não
fomos capazes de detectar interação entre sog e dally, resultado que já havia sido mostrado por
Araujo e colaboradores em 2003. Havia, no entanto, a possibilidade de sog interagir com dallylike, o que faria uma ligação entre Sog e Notum, já que Notum também atua sobre Dally-like.
Não foi possível, no entanto, detectar interação genética entre sog e dally-like, permanecendo em
aberto o elemento que possivelmente conectaria Sog e Notum.
A modificação de PGHS por sulfatação é extremamente relevante para sua função. A
desacetilação e a sulfatação de parte dos resíduos de GlcNAc das unidades dissacarídicas dos
GAGs de PGHS, pelas enzimas NDST, é necessária para a subseqüente epimerização e
sulfatação, que enriquecem a diversidade estrutural e funcional das cadeias de GAGs. A enzima
NDST de Drosophila é codificada pelo locus sulfateless. Células que não apresentam a atividade
desta enzima apresentam redução nos níveis de Dally e Dally-like, redução na ligação de Wg e
sensibilidade diminuída a Wg (Baeg e cols., 2001; Lin e Perrimon, 1999).
101
Apesar de não detectarmos interação entre sog
EP7
e sfl, fomos capazes de detectar uma
forte interação entre sog e slalom, que codifica um doador de sulfato de alta energia
3’fosfato5’fosfosulfato (PAPS). A sulfatação de moléculas secretáveis ocorre no aparelho de
Golgi e necessita que este doador de alta energia PAPS esteja presente dentro desta organela. Em
Drosophila o PAPS é sintetizado no citoplasma pela PAPS sintase (Julien e cols., 1997). O PAPS
tem que ser transportado para dentro do Golgi (Lyle e cols., 1994) para servir como substrato
para a sulfotransferase. Foi sugerido que a função de Slalom seja essencial para pelo menos dois
tipos de sulfotransferase: Sulfateless e Pipe. Não fomos capazes de detectar nenhum tipo de
interação entre sog e sulfateless no modelo da asa nem durante a oogênese. De forma alternativa,
Slalon pode ser importante para sulfotransferases características de glicoproteínas, e neste caso
poderia ser importante para a sulfatação de unidades dissacarídicas do próprio Sog.
Dados do screening sugerem que a polimerização das cadeias de GAGs, a sulfatação e a
dinâmica de clivagem de PGHS de superfície celular podem ser importantes para a atividade
biológica da interação entre Sog e Dpp no modelo da asa. O screening, no entanto, não é capaz de
nos fornecer um dado comprovador da interação direta entre os produtos de loci gênicos testados.
Isto é devido a algumas limitações desta técnica, como: a classe de alelo em teste no background
EP e 2. o resultado do screening não indica a direção da interação (supressão X potencialização).
Esta técnica, por outro lado, nos permite traçar de forma mais direta novas estratégias para
desvendar a verdadeira relação entre as moléculas testadas.
102
5.4 A glicoproteína Sog
Foi mostrado que Sog é uma glicoproteína (Marqués e cols., 1997), e ao estudarmos em
detalhes os possíveis sítios para N-glicosilação através da utilização do programa NetNGlyc 1.0,
disponibilizado na internet pelo servidor Expert Protein Analysis System (ExPASy), do Instituto
Suiço de Bioinformática (http://us.expasy.org/tools/#primary), foi possível identificar 6 sítios
passíveis de glicosilação, como mostrado no anexo 2.
Ao compararmos a distribuição dos sítios passíveis de glicosilação em Cordina de
Xenopus laevis, Danio rerio e Mus musculus identificamos uma série de características físicoquímicas que parecem ser preservadas ao longo destas espécies:
Região logo após ao CR1: somente Drosophila possui sítio potencial de glicosilação nesta
região que possui um potencial acima do limiar.
Região espaçadora 1: sítios para glicosilação podem ser encontrados na região espaçadora de
Sog de Drosophila e Cordina de Xenopus mas não de Danio rerio e Mus musculus.
Região espaçadora 3: Este sítio possui um potencial de glicosilação maior que 0.5. Além disso,
os aminoácidos isoleucina (I) e serina (S), que compõe o sítio de glicosilação em Drosophila, são
trocados em Xenopus por glicina (G) e treonina (T), respectivamente, que pertencem à mesma
classe de aminoácidos (isoleucina e glicina são aminoácidos com cadeias laterais não polares e
serina e treonina são aminoácidos com cadeias laterais polares não carregadas).
Drosophila melanogaster 433 TRDRP NISL
IEEQGKRKAKLEDLTPSFNFNQAIGSVEKLG
473
Xenopus laevis
378 SITLHE NGTL EYQIQIAGTMSTVTAVTLETKPRRKTKRNI
418
Danio rerio
376 VFTLHP NGSL DYQLLVAGLSSAVLSVSIEMKPRRRNKRSV
416
Mus musculus
375 SFILLG NGSL IYQVQVVGTGSEVVAMTLETKPQRKNQRTV 415
103
Região contendo CR2: este sítio possui um potencial de glicosilação menor que 0.5 e Xenopus
laevis, Danio rerio e Mus musculus não possuem nenhum sítio de glicosilação presente nesta
região de Cordina.
Região entre o CR2 e o CR3: Este sítio em Drosophila tem os aminoácidos alanina (A) e
treonina (T) substituídos em Xenopus por prolina (P) e serina (S). Estes aminoácidos apresentam
características químicas similares.
Drosophila melanogaster 747 QSSPAT NATD LLQQRRGCRL
767
Xenopus laevis
739 TNPIRA NPSD CCKQCPVE
759
Danio rerio
741 SRPIRR
NPSD CCKECPPEET
761
Mus musculus
831 GQWFPE NQSW HPSVPPFGEM
851
Esta análise cuidadosa da distribuição dos sítios passíveis de glicosilação em Sog e
Cordina, seu grau de conservação molecular e sua posição ao longo das moléculas sugerem
fortemente que a glicosilação destas proteínas seja um fator chave para a regulação de suas
atividades biológicas.
Também foi demonstrado que fragmentos de Cordina que correspondem aos fragmentos
gerados pela clivagem por Tolloid também são capazes de ligar PGHS (Jusuja e cols., 2004), de
modo que fragmentos que contém o CR1 e o CR2/3 têm maior afinidade do que fragmentos que
contém o CR4 (Jusuja e cols., 2004). Ao analisarmos a distribuição dos sítios de glicosilação ao
longo de Sog, é possível perceber que existe um sítio logo após o CR1, que poderia ser
importante para a clivagem por Tolloid além de importante para a ligação a moléculas de heparan
sulfato, uma vez que este tipo de fragmento tem uma grande afinidade por estas moléculas; existe
um sítio sobre o CR2 e mais um sítio entre o CR2 e CR3, o que poderia novamente ser
importante para a ligação a moléculas de heparan sulfato dada sua alta afinidade por estas
104
moléculas. O CR4, que não possui nenhum sítio de glicosilação em sua proximidade, é
justamente o fragmento que apresenta a menor afinidade por moléculas de heparan sulfato.
Ao analisarmos nosso experimento utilizando moscas homozigotas frc00073 para detectar
possíveis efeitos dessa enzima sobre Sog, foi observada a ausência de um fragmento de Sog de
cerca de 39 kDa. Caso mostremos que Frc participa da glicosilação de Sog, este resultado pode
ser iterpretado como uma incapacidade de Tolloid de agir sobre Sog na ausência da glicosilação.
É interessante notar a presença de um sítio passível de glicosilação logo após o CR1, que
coincide com a localização aproximada de um sítio utilizado por Tolloid para gerar fragmentos
de Sog contendo CR1 (Serpe e cols., 2005). Fragmentos N-terminais deste tipo foram descritos
como apresentando uma atividade bloqueadora da ação de BMP (Yu e cols., 2004). Como
hipótese de trabalho poderíamos sugerir que na ausência da atividade de Frc (moscas
homozigotas para frc00073), fragmentos contendo o CR1 não seriam gerados, originando um
padrão de venação reminiscente de um aumento de Dpp durante o período pupal (Yu e cols.,
1996)
Estudos anteriores foram capazes de distinguir 3 funções distintas para diferentes
fragmentos de Sog: o Sog inteiro é capaz de bloquear o sinal de Dpp; Sog contendo o CR1 e parte
da região espaçadora (Supersog) exerce uma atividade inibidora sobre BMP e Sog contendo os
CR1/2 que apresenta uma atividade potecializadora sobre BMP (Yu e cols., 2004). Estes
resultados foram gerados através da superexpressão de contruções de diferentes fragmentos de
Sog utilizando o sistema UAS-GAL4, sem a demonstração de que tais fragmentos fossem de fato
gerados ou que apresentassem dadas atividades in vivo. Estudos recentes mostraram que a
superexpressão de uma forma ativada de Tolloid, durante o desenvolvimento da asa no período
pupal, gerou fenótipos tanto de excesso do sinal de Dpp (expansão da veia cruzada posterior)
quanto de diminuição (perda parcial ou total da veia cruzada posterior) (Serpe e cols., 2005),
105
além de demonstrar que este efeito de Tolloid é dependente de Sog. Juntos, estes trabalhos
mostram que fragmentos de Sog são gerados in vivo durante o período pupal e que exercem
diferentes efeitos sobre o sinal de Dpp. Este resultado mostrou que Sog pode execer uma
atividade positiva ou negativa sobre Dpp durante o período da pupa, como ocorreria durante a
oogênese (Carneiro e cols., 2006).
Para explorar melhor o aspecto da importância da glicosilação de Sog sobre sua atividade
bem como sua importância para a ligação a moléculas de heparan sulfato, estamos gerando,
através de mutação por PCR, moléculas de Sog sem os sítios de glicosilação. Através de técnicas
de transgênese animal serão geradas linhagens de moscas mutantes para estes sítios,
possibilitando a avaliação in vivo da importância dos eventos de glicosilação sobre a atividade de
Sog.
5.5 A via maternal de Dpp como uma via digital
O desenvolvimento de organismos multicelulares se baseia na geração de diferentes tipos
celulares caracterizados por diferentes formas e funções. Um estado celular específico poderia ser
definido por um perfil específico de expressão gênica, e, portanto, pelo conjunto de fatores
transcricionais que caracterizam um determinado fenótipo. Em sua essência, o desenvolvimento
animal poderia ser definido como uma seqüência de transições entre estados celulares
caracterizados pelo código transcricional de cada célula, ou o conjunto de fatores transcricionais
de determinada célula em um dado momento.
Uma seqüência de transições do destino celular podem ser representadas como uma
seqüência de eventos na qual cada passo depende exclusivamente da posição do sistema, gerando
106
escolhas binárias. A cada ponto de escolha, as células devem decidir entre dois perfis distintos de
expressão gênica, que por sua vez, determinarão seu próximo estado celular. Mesmo a resposta
de uma célula a um morfógeno pode ser construída desta forma, pois em uma dada posição
dentro de um campo morfogenético, a célula que é exposta a um morfógeno, deve tomar uma
decisão binária, representada pela escolha entre permancer neste estágio ou expressar genes que
são ativados pela concentração local do morfógeno.
Se levarmos em consideração o grande número de estados celulares que podem ser
caracterizados durante a existência de um organismo, e a fidelidade com a qual eles são gerados
através de programas específicos, podemos dizer que estes eventos são cruciais e possuem um
grande poder de auto ajuste para assegurar, diante de qualquer perturbação, o prosseguimento da
vida daquele organismo e a precisão informacional.
Quanto mais forte for este poder de auto ajuste, maior é a robustez deste sistema. Dada a
importância chave da via de Toll para o desenvolvimento de Drosophila, não seria difícil
imaginar a existência de mecanismos que assegurariam sua execução.
Além de participar de mecanismos importantes que envolvem a sinalização celular no
ambiente extracelular, a interação entre Sog e Dpp também regula a transdução citoplasmática de
sinais que são cruciais para a restrição do potencial celular, durante os momentos iniciais da
embriogênese. A via de Toll e Dpp maternal, ao regularem a translocação nuclear de Dl,
influenciam diretamente na restrição do potencial celular, pois as células se comprometem
fenotipicamente (ou adotam perfis específicos de expressão gênica) e a diferenciação em tipos
celulares específicos passa a ser cada vez mais restrita.
Um importante mecanismo que assegura a precisão da expressão gênica nos momentos
iniciais da embriogênese de Drosophila, é a existência de seqüências enhancer com diferentes
afinidades por Dl. Este mecanismo de controle da expressão gênica, através de enhancers, pode
107
ser um importante ponto de regulação e uma maneira de assegurar a especificação correta dos três
domínios iniciais de expressão gênica neste estágio. Mas o que aconteria se o gradiente de Dl
fosse perturbado e alterações significativas neste gradiente fossem capazes de gerar imprecisões
na escolha binária de uma dada célula posicionada ao longo do eixo DV? Este efeito seria mais
fortemente sentido em regiões de transição entre um perfil A e B de expressão gênica. Isto se
daria pelo fato de que, justamente nestas regiões de borda, haveria concentrações nucleares de
Dorsal muito próximas, mas que são capazes de ser diferenciadas entre células imediatamente
adjacentes, graças a mecanismos específicos de tamponamento de flutuações no “output” da
expressão gênica. Quando bloqueamos o sinal maternal de Dpp, a identidade celular é
comprometida e a informação guardada na forma de limiares precisos de expressão gênica é
perdida (Anexo 1, fig. 4). Este efeito se dá pela alteração da inclinação do gradiente de Dl pelo
bloqueio do sinal maternal de Dpp. É interessante notar que a informação posicional não é
completamente perdida. Apenas a precisão é afetada, indicando que a via de Sog/Dpp possa ser
um fator chave para a manutenção da robustez do sinal de Toll.
As variações fenotípicas dentro de uma população de embriões (como por exemplo,
variações nos domínios de expressão gênica como citado para a largura da região ventral do
neuroectoderma, que pode variar de 3 a 5 células dentro do fenótipo selvagem) podem ser
explicadas por flutuações na efetividade de mecanismos moleculares. Estas flutuações são
definidas como o grau de ruído de uma via de sinal específica. No entanto, ao falarmos em
desenvolvimento de um organismo e geração de padrões axiais, esta variabilidade se opõe
totalmente à alta precisão e reprodutibilidade que é observada nas populações celulares.
As transições entre diferentes estados celulares durante o desenvolvimento são dirigidas
por uma combinação específica de transcrição e tradução, isto é, a regulação exata entre DNA,
RNA e proteínas. Assim como qualquer interação molecular, estas transições são objeto de
108
flutuações que podem influenciar o efeito final de um sinal, ou seja, são fontes de ruído.
Trabalhos recentes em bactérias e leveduras demonstraram que o ruído é um importante
componente da expressão gênica (Rao e cols., 2002; Blake e cols., 2003; Paulsson e cols., 2004;
Raser e cols., 2004; Elowitz e cols., 2002; KÆrm e cols., 2005). O ruído também é caraterístico
para cada gene e pode ser filtrado durante a transcrição bem como durante a tradução (Blake e
cols., 2003; Paulsson e cols., 2004; KÆrm e cols., 2005).
Portanto, parece que o ruído é uma característica intrínseca de um dado sistema biológico.
Um importante aspecto a ser estudado seria como controlar o ruído caraterístico de um dado
sistema, e qual seria sua contribuição durante a construção de um organismo (Rao e cols., 2002).
A existência de mecanismos de filtragem de ruídos foi descrita para a padronização do
eixo ântero-posterior de Drosophila e evidenciada em genes alvo de bicoid (Houchmandzadeh e
cols., 2002). Foi demonstrado que, embora a variação individual na expressão de bicoid seja
grande dentro de uma população de embriões, o sinal da resposta de genes alvo de bicoid é
precisa e apresenta pequena variação dentro desta mesma população (Houchmandzadeh e cols.,
2002). Para o eixo ântero-posterior ainda não há hipóteses sobre os mecanismos reguladores que
filtrem o ruído da expressão de bicoid. Para o eixo DV, no entanto, gostaríamos de sugerir que a
via de Sog/Dpp maternal fosse parte deste mecanismo.
Podemos citar outro exemplo de via de sinalização que atua como mecanismo de
filtragem do ruído: a via de Wingless/Wnt. Durante as etapas iniciais do desenvolvimento de
Drosophila a expressão de engrailed necessita do sinal de Wingless para atingir um grau estável
de expressão gênica (DiNardo e cols., 1988; Martinez Arias e cols., 1988). Na ausência do sinal
de wingless, a expressão de engrailed tem início, mas decai logo em seguida (Bejsovec e
Martinez Arias, 1991). Outro exemplo é o enhancer responsivo a Wingless do complexo
Achaeta-Scute, que direciona a expressão de achaeta e scute em posições precisas da epiderme
109
do indivíduo adulto. Em indivíduos mutantes para wingless, a atividade do enhancer não é
abolida, mas se torna reduzida e altamente variável de indivíduo para indivíduo (Garcia-Garcia e
cols., 1999).
Em vertebrados, o estudo da hiperativação do sinal de Wnt durante a ativação de células
tronco em camundongos mostrou que a principal função do sinal de Wnt é coordenar e diminuir o
limiar da resposta destas células a outros sinais que irão ativá-las, ao invés de atuar para
especificar o destino celular (Lowry e cols., 2005). Os resultados destes estudos sustentam a idéia
de que o sinal de Wnt afetaria a estabilização ao invés do início da expressão gênica (Lucchetta e
cols., 2005; Martinez Arias, 2000).
De forma análoga, dados de nosso laboratório indicam que a via maternal de Dpp atue
regulando a estabilidade, ou a qualidade, do “output” através de mecanismos de controle de
estabilidade de RNA mensageiro de loci que codificam proteínas que seriam alvo de sua
sinalização (Agrellos Costa, não publicados). Quando a via maternal de Dpp foi bloqueada
através da expressão ectópica da forma dominante negativa do receptor de Dpp, Tkv, os níveis do
RNA mensageiro de Calpanína A, Calcineurina B2 e Caseína Quinase II foram alterados, o que
por sua vez alterou os níveis de Cactus em paralelo ao sinal de Toll. Estes resultados sugerem que
a via maternal de Dpp possa atuar sobre o “output” final e não sobre a regulação da expressão
gênica propriamente dita.
110
6. Conclusões Finais
.O Dpp produzido durante a oogênese atua por um mecanismo independente do sinal de Toll
sinalizando através de recepotores Tkv maternais para padronizar o eixo DV do embrião.
.A geração de um gradiente de atividade de Dpp durante a oogênese é regulada por diferentes
fragmentos da proteína Sog.
.Tolloid é capaz de clivar Sog durante a oogênese gerando diferentes fragmentos de Sog com
propriedades de difusão distintas.
.Loci gênicos responsáveis por codificar moléculas importantes em diferentes etapas da
geração de PGHS interagem geneticamente com sog durante a oogênese e o desenvolvimento
da asa de Drosophila.PGHS estão presentes durante a oogênese e o desenvolvimento da asa de
Drosophila
.O perfil eletroforético de Sog a partir de extratos de asa de pupa é alterado em indivíduos
homozigotos nulos para o locus fringe connection, indicando que Sog seja glicosilado
por Fringe connecton
111
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delays in stage specific cell shape changes during gastrulation in Drosophila melanogaster. Dev.
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135
Anexo 1
Artigo: Graded maternal short gastrulation protein contributes to embryonic dorsalventral patterning by delayed induction.
Carneiro,K., Fontenele, M., Negreiros, E., Bier, E. and Araujo, H.
136
Anexo 2
MANKLRKSNAIEWATATGTVPLLERSCCHSEDAALEPQASKTSH
REQAPILRHLSQLSHLLIIAGLLIVCLAGVTEGRRHAPLMFEESDTGRRSNRPAVTEC
QFGKVLRELGSTWYADLGPPFGVMYCIKCECVAIPKKRRIVARVQCRNIKNECPPAKC
DDPISLPGKCCKTCPGDRNDTDVALDVPVPNEEEERNMKHYAALLTGRTSYFLKGEEM
KSMYTTYNPQNVVATARFLFHKKNLYYSFYTSSRIGRPRAIQFVDDAGVILEEHQLET
TLAGTLSVYQNATGKICGVWRRVPRDYKRILRDDRLHVVLLWGNKQQAELALAGKVAK
YTALQTELFSSLLEAPLPDGKTDPQLAGAGGTAIVSTSSGAASSMHLTLVFNGVFGAE
EYADAALSVKIELAERKEVIFDEIPRVRKPSAEINVLELSSPISIQNLRLMSRGKLLL
TVESKKYPHLRIQGHIVTRASCEIFQTLLAPHSAESSTKSSGLAWVYLNTDGSLAYNI
ETEHVNTRDRPNISLIEEQGKRKAKLEDLTPSFNFNQAIGSVEKLGPKVLESLYAGEL
GVNVATEHETSLIRGRLVPRPVADARDSAEPILLKRQEHTDAQNPHAVGMAWMSIDNE
CNLHYEVTLNGVPAQDLQLYLEEKPIEAIGAPVTRKLLEEFNGSYLEGFFLSMPSAEL
IKLEMSVCYLEVHSKHSKQLLLRGKLKSTKVPGHCFPVYTDNNVPVPGDHNDNHLVNG
ETKCFHSGRFYNESEQWRSAQDSCQMCACLRGQSSCEVIKCPALKCKSTEQLLQRDGE
CCPSCVPKKEAADYSAQSSPATNATDLLQQRRGCRLGEQFHPAGASWHPFLPPNGFDT
CTTCSCDPLTLEIRCPRLVCPPLQCSEKLAYRPDKKACCKICPEGKQSSSNGHKTTPN
NPNVLQDQAMQRSPSHSAEEVLANGGCKVVNKVYENGQEWHPILMSHGEQKCIKCRCK
DSKVNCDRKRCSRSTCQQQTRVTSKRRLFEKPDAAAPAIDECCSTQCRRSRRHHKRQP
HHQQRSSS
Os 6 sítios passíveis de glicosilação encontram-se em azul, o CR1 em vermelho, oCR2
em verde, o CR3 em verde e o CR4 em roxo.
Na tabela a seguir está representada a posição de cada possível sítio de N-glicosilação
dentro da proteína Sog além da seqüencia de aminoácidos que caracterizam cada sítio. Está
representado também o potencial de cada sítio de ser glicosilado. Se este potencial for superior a
0.5 o sítio é considerado como glicosilado.
137
Drosophila
melanogaster
Xenopus laevis
Danio rerio
Mus musculus
Posição e Sítio
179 NTDA
287 NATG
520 NISL
666 NGSY
752 NESE
821 NATD
244 NRST
350 NISA
416 NPTK
433 NGTL
735 NCSQ
829 NPSD
347 NITA
430 NGSL
827 NPSD
347 NTSA
430 NGSL
837 NPTD
877 NQSW
138
Potencial
0.6940
0.4709
0.6192
0.4699
0.4721
0.4829
0.5143
0.7003
0.7720
0.7311
0.6003
0.5560
0.7357
0.7044
0.6171
0.5806
0.7299
0.6048
0.4038
+
+
+
++
+++
++
+
+
++
++
+
++
++
-
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