influência neotectônica identificada atráves de dados morfométricos

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Revista Brasileira de Geografia Física v.6, n. 4 (2013) 945-958
Revista Brasileira de
Geografia Física
ISSN:1984-2295
Homepage: www.ufpe.br/rbgfe
Transporte de umidade nos climas Presente, Passado e Futuro sobre a
América Do Sul
Maytê Duarte Leal Coutinho (1), Kellen Carla Lima (2), Cláudio Moisés Santos e Silva(3)
¹Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Ciências Climáticas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Natal/RN, Brasil, [email protected]. ²Profa. Doutora, Universidade Federal do Rio Grande do Norte Programa de Pós Graduação em Ciências Climáticas, Natal/RN, Brasil, [email protected]. ³Prof. Doutor,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Programa de Pós Graduação em Ciências Climáticas, Natal/RN, Brasil
[email protected].
Artigo recebido em 31/07/2013 e aceito em 11/09/2013
RESUMO
Objetivando verificar se o modelo regional RegCM3 consegue representar o clima da América do Sul (AS), foi
realizado as médias mensais da precipitação e umidade específica no inverno e verão para o clima presente (19912008). Em seguida, avaliou-se o fluxo de umidade integrado verticalmente para diferentes climas, isto é, passado (19611990), presente (1991-2008) e futuro (2071-2100), em três áreas da AS: Nordeste do Brasil (NEB), Amazônia (AMZ) e
Bacia do Prata (LPB). As análises realizadas para o clima presente, mostraram que no verão, o RegCM3 representa o
padrão de precipitação orientado na direção noroeste-sudeste, caracterizando a Zona de Convergência do Atlântico Sul
(ZCAS). No entanto no inverno, o RegCM3 torna a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) mais confinada
meridionalmente na região continental. Em síntese, os erros relacionados à ZCAS e ZCIT parecem ser importantes para
explicar a superestimativa de precipitação na Amazônia Central e oeste da AS. Com relação ao fluxo de umidade,
observou-se de modo geral, que o fluxo médio da AMZ e NEB fornece maior parte de vapor d’água na borda leste,
sugerindo que as contribuições dos ventos alísios do Atlântico Norte e Sul são igualmente importantes para a entrada de
umidade durante o verão e inverno. Uma vez que, na AMZ e no NEB o transporte de umidade foi maior no clima
futuro, comparadas com o clima passado e presente em ambas as estações. Em relação à LPB, observou-se que a região
é úmida no verão (presença de Jato de Baixos Níveis) e seca no inverno (Monção na AS).
Palavras-chave: RegCM3, convergência de umidade, América do Sul, erros sistemáticos.
Moisture Transport to Weather Present, Past and Future of South America
ABSTRACT
Aiming to verify whether the RegCM3 regional model can represent the climate of South America (SA), was analyzed
the monthly average of rainfall in winter and summer, for the present climate (1991-2008). Then, it was evaluated the
vertically integrated moisture flux for different climates, that’s it, the past (1961-1990), present (1991-2008) and future
(2071-2100), in three areas of the AS: Northeast Brazil (NEB), Amazon (AMZ) and the La Plata Basin (LPB). The
analyzes performed for the present climate, showed that in summer, the RegCM3 represents the rainfall pattern oriented
in the northwest-southeast direction, characterizing the convergence zone of the South Atlantic (SACZ). However in
winter, RegCM3 makes the Intertropical Convergence Zone (ITCZ) more confined meridionally in the continental
region. In summary, the mistakes related to the SACZ and ITCZ seem to be important to explain the overestimation of
precipitation at Amazon Central and west AS. Regarding the moisture flux was observed generally that the average flow
of the AMZ and NEB provides most of the water vapor on the eastern edge, suggesting that the contributions of the
trade winds of the North Atlantic and South are equally important to ingress of moisture during the summer and winter.
Once the moisture transport was greater in the future climate in AMZ and NEB, compared with the past and present
climate in both seasons. Regarding the LPB, it was observed that the region is humid in summer (presence of Low
Level Jets) and dry in winter (Monsoon in SA).
Key-words: RegCM3, moisture convergence, South America, systematic errors.
*
E-mail
para
correspondência:
[email protected] (Coutinho, M.D.L.)
Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
945
Revista Brasileira de Geografia Física v.6, n. 4 (2013) 945-958
Introdução
umidade (Marengo et al. 2004; Vera et al.
A América do Sul (AS) apresenta condições
2006). O JBN é observado durante todo ano
de tempo e clima tropical, subtropical e
(Marengo et al., 2004) e
extratropical, em razão da sua localização
anual no transporte de umidade, onde grande
entre 10°N e 60°S. Características geográficas
parte da umidade transportada durante o verão
importantes como a floresta Amazônica
para a Bacia do Prata é resultante da Bacia
(compreende 35% da extensão total e 65% da
Amazônica, e durante o inverno é resultante
área tropical), cadeia montanhosa que cobre a
da Alta Subtropical do Atlântico Sul (ASAS).
faixa oeste do continente, a Cordilheira dos
Muitos são os pesquisadores que vêm
Andes, situa-se entre dois grandes oceanos, o
desenvolvendo modelos numéricos capazes
Atlântico e o Pacífico. As características
de simular o clima do presente, do passado e
geográficas juntamente com fatores remotos,
do futuro. O aprimoramento de tais modelos
contribuem para que uma variedade de
adota o avanço tecnológico computacional,
sistemas atmosféricos atue sobre a AS.
bem como a melhoria do entendimento dos
O transporte de umidade para a AS é
processos físicos e químicos da atmosfera que
proveniente do Oceano Atlântico Tropical,
regem o clima global (Sales, 2011). De tal
devido aos ventos alísios, e pelo Atlântico Sul
maneira, que os modelos climáticos regionais
por meio da Alta do Atlântico Sul (Rao et al.
permitem simular informações de superfície
1996; Marengo, 2006). O fluxo de umidade
importantes na determinação de parâmetros;
proveniente do Atlântico Norte adentra na AS
como evapotranspiração, fluxos de calor
através da Bacia Amazônia, e, uma vez sobre
latente, fluxo de calor sensível, balanço de
a bacia, o escoamento de umidade é
umidade, balanço de radiação, entre outros.
incrementado
Tornando-se assim, uma ferramenta útil para
devido
ao
processo
de
relacionados
existe um ciclo
evapotranspiração (Marengo, 2005). Quando
estudos
o fluxo de umidade chega a parte leste dos
flutuações climáticas em escala regional,
Andes, pode deslocar para sudeste em direção
sendo possível examinar com mais detalhes
ao Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, ou
os aspectos da interação superficie-atmosfera
deslocar para a região Sul do Brasil e Norte
(CAVALCANTI, 2001).
da Argentina. Esse escoamento é conhecido
Dada
como Jato de Baixos Níveis (JBN), o qual é
meridional para o transporte de umidade entre
parcialmente responsável pelo transporte de
trópicos e subtrópicos, objetivou-se nesta
umidade da Bacia Amazônica e da Alta do
pesquisa verificar se o modelo regional
Atlântico Sul para as regiões das planícies da
RegCM3
AS, através de um corredor de ventos intensos
aspectos do
a
importância
consegue
às
do
mudanças
e
escoamento
representar
alguns
clima na AS. Para isso, será
no lado leste do Andes que canaliza a
Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
946
Revista Brasileira de Geografia Física v.6, n. 4 (2013) 945-958
analisado o padrão espacial da precipitação e
A região NEB está situada na zona tropical,
umidade específica no inverno e verão no
entre 35º e 47ºW de longitude e de 1º e 18ºS
clima presente (1991-2008) e o fluxo de
de latitude. A região apresenta características
umidade integrado na vertical para três
climáticas
climas: passado (1961-1990), presente (1991-
variabilidade
2008) e futuro (2071-2100). As análises serão
precipitação, apresentando anos chuvosos e
conduzidas sobre três áreas da AS: Nordeste
anos secos. Vários são os sistemas que
do Brasil (NEB), Amazônia (AMZ) e Bacia
governam o regime de chuva na região. No
do Prata (LPB).
litoral
semiáridas,
por
temporal
norte
do
sua
e
NEB,
grande
espacial
por
da
exemplo,
compreende grande zona litorânea e esta, tem
atuação da brisa marítima. Cujo sistema,
Material e Métodos
transporta umidade para o interior da região e
Região de estudo
contribui para a precipitação. A convecção
Definimos como área de estudo grande parte
induzida pela brisa marítima e a interação dos
do continente sul americano, onde três regiões
alísios com a circulação da brisa geram linhas
foram selecionadas abrangendo praticamente
de instabilidade tropical que adentram o
todo o Brasil. Uma primeira região está
continente (KOUSKY, 1980; SILVA DIAS,
localizada sobre o NEB, uma segunda sobre a
1987).
região da AMZ e a última sobre a LPB
O Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul
(Figura1).
(ASAS) é outro sistema atmosférico que,
dependendo da posição, pode favorecer ou
não a precipitação no litoral do NEB. O
ASAS favorece a precipitação, quando está
deslocada
para
sul
de
sua
posição
climatológica e próximo ao continente sulamericano, pois os ventos do setor norte deste
sistema podem intensificar os ventos de
sudeste/leste,
que
chegam
no
litoral
nordestino e, assim, contribuir para o maior
transporte de umidade do oceano para o
continente. Caso contrário, desfavorece a
precipitação (MOSCATI, 1991). Assim como
Figura 1 - Área de estudo com as regiões pré-
a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT),
definidas.
que dependendo de seu posicionamento
favorece a precipitação na região, ou seja,
Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
947
Revista Brasileira de Geografia Física v.6, n. 4 (2013) 945-958
quando ela esta posicionada mais ao sul, a
14,1º S
pressão é menor na região do NEB e, com a
aproximadamente 3,2 milhões de km². A
presença dos alísios, aumenta o transporte de
bacia é formada pelas sub-bacias dos rios
umidade e favorece na precipitação. No
Paraná, Paraguai e Uruguai e por seus
inverno,
da
respectivos afluentes, formando a LPB.
circulação leste-oeste, tem-se a subsidência
Quanto ao clima e tempo, apresenta diferentes
associada à circulação de Hadley (a qual tem
regimes climáticos. Esta região é afetada por
o movimento ascendente na região da ZCIT),
diversos tipos de sistemas de escala sinótica,
tornando o inverno a estação mais seca nessa
mesoescala e também de grande escala
região (Molion e Bernardo, 2002).
através de teleconexões. Entre os principais
A Bacia Amazônica tem um dos maiores
transientes estão os ciclones extratropicais e
sistemas hidrográficos do mundo, sendo que
as frentes frias associadas. Os sistemas de
parte da umidade desta região é transportada
mesoescala também possuem uma grande
para latitudes extratropicais na AS. A
contribuição para as condições climáticas na
incursão de ar tropical para estas latitudes está
parte sul da LPB. No seu setor norte,
relacionada à circulação da ASAS e à baixa
caracteriza-se por verão chuvoso e inverno
do Chaco, sendo canalizado pelos JBN.
seco. A Zona de Convergência do Atlântico
Segundo Douglas et al. (2000) e Marengo et
Sul (ZCAS) controla no verão a estação
al.
dados
chuvosa no setor norte da LPB. Já a parte sul,
observacionais esparsos sugerem a existência
os sistemas transientes atuantes garantem uma
do JBN à leste da cadeia de montanhas dos
distribuição quase homogênea de chuva ao
Andes, e este por sua vez, contribui para o
longo do ano (VERA et al. 2002; REBOITA,
transporte meridional de umidade da Bacia
2010).
Amazônica em direção às regiões subtropicais
De acordo com Arraut e Satyamurty (2009), o
da América do Sul, e portanto, modula a
Atlântico Norte é a principal fonte da
ocorrência de sistemas convectivos nessas
umidade que ingressa na Amazônia. Por sua
regiões. Como mostrado nos estudos de
vez, a costa do NEB é a principal porta de
Nicolini et al. (2004), que o grande transporte
entrada para a umidade vinda do Atlântico
de umidade dos trópicos para extratrópicos
Sul. No entanto, a Cordilheira dos Andes
modula a precipitação sobre a Bacia do Prata
contribui parar reter umidade vinda do
durante as primaveras e verões.
Atlântico Tropical, impedindo que escoe para
A LPB, conhecida como a segunda maior
o Pacífico, atingindo os subtrópicos. Logo,
bacia hidrográfica da América do Sul, situa-se
escolheram-se estas três regiões por serem
entre 67º W e 43,6º W de longitude e entre
bastante diferentes no que diz respeito na
adicionada
(2004),
análises
à
subsidência
globais
e
e 37,6º S
de latitude, com
quantidade de umidade que ingressa no
Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
948
Revista Brasileira de Geografia Física v.6, n. 4 (2013) 945-958
continente e que após isso, escoa umidade
um
período
de
para outras regiões. Além disso, estas regiões
condições iniciais em modelos (Dee et al.
apresentaram diferentes sinais de mudança
2011). O projeto ERA Interim, do European
entre a precipitação projetada por modelos
Center for Medium Range Weather Forecast
climáticos até o final do século vinte e um,
(ECMWF)
como mostrado nos estudos de (Meehl et al.
atmosférica global produzida pelo ECMWF,
2007a; Marengo et al. 2010b).
na qual abrange o período de 01 de janeiro de
é
a
tempo,
mais
para
produzir
recente
reanálise
1979 até a data atual e apresenta espaçamento
Material
de grade de 1,5º de latitude e 1,5° de
Dados Observados
Utilizamos dados de precipitação observada
longitude.
do projeto Global Precipitation Climatology
umidade específica no nível de 850hPa no
Centre (GPCC), produzido pelo National
clima presente (1991-2008) para avaliarmos a
Oceanic
climatologia nas estações de inverno e verão.
Atmospheric
Administration
Nesta
pesquisa,
utilizamos
(NOAA). Com um total de 67.200 estações
Simulações
meteorológicas (atualmente versão 6)
para
Resultados de simulações numéricas com o
todo o globo. Os dados são mensais, com
modelo RegCM3 foram utilizados. O modelo
espaçamento de grade horizontal de 2.5° ×
apresenta espaçamento de grade horizontal de
2.5° de latitude-longitude, cobrindo o globo
0,5° de latitude e 0,5° de longitude.
terrestre entre as latitudes 50°N a 50°S.
Interpolamos as saídas do modelo, para uma
Interpolamos estes dados para uma grade de
grade de menor resolução compatível com as
1,5° × 1,5° de latitude-longitude, para que
simulações do ERA Interim. As variáveis
ficasse na mesma grade dos dados observados
meteorológicas utilizadas foram: umidade
do ERA Interim. O período utilizado foi 1991
específica,
a 2008 que representa o clima presente. A
precipitação e pressão nos níveis padrões
capacidade
vento
meridional
e
zonal,
tem
em
entre 1000 e 300 hPa para o clima passado
médias
da
(1961-1990), presente (1991-2008) e futuro
precipitação mensal no espaço e no tempo
(2071-2100) a fim de avaliar o fluxo de
(SILVA et al. 2012) foi o que nos motivou a
umidade integrado na vertical.
utilizá-los. As estações do ano aqui utilizadas
Métodos
representar
que
estes
dados
variabilidades
foram: Verão (dezembro, janeiro, fevereiro -
Avaliação Quantitativa
DJF) e Inverno (junho, julho, agosto - JJA).
Em geral, a análise objetiva de comparação
Reanálises do ERA Interim
As reanálises do ERA Interim são geradas
pela assimilação de dados observacionais em
Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
entre o observado e o simulado, é feita através
do cálculo do viés para cada ponto de grade.
Para tanto, a climatologia sazonal da umidade
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Revista Brasileira de Geografia Física v.6, n. 4 (2013) 945-958
específica serão verificadas em relação à
fronteiras para cada área, conforme os índices
reanálise do ERA Interim, enquanto a
definidos anteriormente nas equações, que
climatologia da precipitação comparadas com
são:
os dados do GPCC.
 O índice EW da equação (2) define a
A avaliação do desempenho do RegCM3 foi
longitude para fixar as fronteiras leste ou
realizada para as variáveis de estudo, por
oeste, e a integração é feita na direção y,
meio dos cálculos do índice BIAS, que traduz
1 é o valor da latitude na borda sul e 2 é
o afastamento entre os valores simulados e os
o valor da latitude na borda norte;
valores observados dos vários parâmetros
 O índice NS da equação (3) define a
meteorológicos.
latitude para fixar as fronteiras norte ou
(i) Erro médio:
sul, neste caso, a integração é feita na
direção x, 1 é o valor da longitude na
(1)
Sendo
representa o desvio
borda oeste e 2 é o valor da longitude na
borda leste.
entre um valor individual de previsão e o
O índice i em ambas as equações define o
valor observado no mesmo local e no mesmo
fluxo de umidade meridional, zonal ou total
instante, e N é o número de verificações.
integrado verticalmente. A convergência do
Transporte de vapor d’água
fluxo de umidade total, sobre área retangular é
determinada pela convergência total de vapor
Com o intuito de buscar a importância do
transporte de vapor d’água, em diferentes
direções, selecionamos três áreas retangulares
sobre a América do Sul, como mostrado na
Figura 1. A partir disso, foram calculadas as
de água dividido pela área considerada.
Porém é importante compreender o balanço
de sinais dado na (Tabela 1) e no esboço da
(Figura 2), para então darmos continuidade
aos cálculos que a seguir mostraremos.
integrações laterais dos valores do fluxo de
Tabela 1. Balanço de sinais para o cálculo da
vapor d’água.
convergência de umidade.
Os fluxos de umidade ao longo das fronteiras
leste, oeste, norte e sul são calculados da
seguinte maneira:
(2)
Norte e Leste
Sul e Oeste
(+) Saídas ou perda de
(+) Entrada ou ganho
fluxo; subtrair
de fluxo; somar
(-) Entrada ou ganho
(-) Saídas ou perda de
de fluxo; somar
fluxo; subtrair
(3)
Ou seja, a integração é feita fixando-se a
latitude ou longitude entre os limites das
Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
950
Revista Brasileira de Geografia Física v.6, n. 4 (2013) 945-958
Figura 2 - Esboço do balanço de sinais para o cálculo da convergência de umidade ao longo das
fronteiras sobre as três áreas da América do Sul. As setas cinza e pretas indicam fluxo positivo e
negativo, respectivamente.
Para exemplificar, suponha que uma das áreas
valor pela área do retângulo alvo e multiplicar
apresenta valores nas bordas norte (-0.4465),
por (86.400 s/dia. 30dias), desta forma, é
leste (-0.5361), oeste (-0.1274) e sul (-
obtido o valor da precipitação média em
0.3177). Observe que nas bordas leste e norte
mm/mês sobre a área do retângulo (Lima et
os fluxos são negativos, logo temos que
al., 2010).
somar estes valores ao restante. Mesma forma
Resultados e Discussão
para as bordas oeste e sul, veja que também
são negativos, neste caso, subtraímos estes
Precipitação
valores das outras bordas. Deste modo, a
A Figura 3 mostra a distribuição espacial da
convergência do fluxo de umidade na área
precipitação simuladas pelo RegCM3, dados
alvo é:
do GPCC e o Erro de Previsão do RegCM3
-0.4465
no período de (1991-2008) nas estações de
-0.5361
-0.1274
inverno e verão. A estação do ano mais
chuvosa na AS é o verão (Figura 3a,c) e a
mais seca o inverno (Figuras 3 b,d). No verão
(Figura
-0.3177
(0.4465 × 107 kg/s + 0.5361 × 107 kg/s) +
(0.1274 × 107 kg/s – 0.3177 × 107 kg/s) =
0.79 × 107 kg/s.
Finalmente, para transformar o valor de 0.79
3a),
o
RegCM3
representa
a
distribuição de precipitação orientada na
direção noroeste-sudeste, que caracteriza a
ZCAS. No entanto, comparando o observado
(Figura 3c) com o RegCM3 (Figura 3a),
observa-se que o modelo desloca o máximo
7
× 10 kg/s em mm/mês, é preciso dividir este
Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
951
Revista Brasileira de Geografia Física v.6, n. 4 (2013) 945-958
de precipitação do Pará para Amazônia
inverno, esses valores são menores nas três
central (AMC). Esse deslocamento para oeste
regiões em comparação ao verão. Sendo de
gera uma superestimativa de precipitação, que
14g/kg na AMZ, de 10g/kg no NEB e em
inicia na Amazônia central (oeste da AS) e se
torno de 6g/kg na LPB (Figura 4d). Estes
estende até a região sudeste e subestimativa
aspectos são coerentes com o fato de que
de precipitação no centro-oeste conforme
maior precipitação mensal observada ocorre
mostra a (Figura 3e). Esta configuração
no verão (ver Figura 3c). Consequentemente,
sugere uma configuração de JBN.
menor valor de precipitação ocorre no inverno
O inverno é a estação mais seca da AS, exceto
(ver Figura 3d). O resultado da simulação do
no extremo norte. Essas características são
RegCM3 (Figura 3a,c), mostra que o modelo
bem representadas pelo RegCM3. Uma vez
consegue captar melhor na estação de inverno
que, o RegCM3 torna a ZCIT mais confinada
do que no verão.
meridionalmente
Fluxos de Umidade
na
região
continental
(Figura 3b). Isso leva a uma superestimativa
Com o modelo regional RegCM3, avaliamos
de precipitação na AMC e oeste da AS,
o fluxo de umidade integrado verticalmente
afetando consideravelmente o sul do NEB e o
da superfície até 200hPa para diferentes
leste da região sudeste (Figura 3f). Em
climas:
síntese, os erros relacionados à ZCAS
(1991-2008)
(deslocamento da máxima precipitação do
resultados são analisados em três áreas da AS:
Pará para AMC) e ZCIT (maior extensão
AMZ, NEB e LPB para o verão e inverno.
meridional) parecem ser importantes para
De maneira geral, é observado que o fluxo
explicar a superestimativa de precipitação na
médio da AMZ e NEB fornece maior parte de
AMC e oeste da AS como exposto na Figura
vapor d’água na borda leste (Figura 5 e 6),
3.
assim sugerindo que as contribuições dos
passado (1961-1990),
e
futuro
presente
(2071-2100).
Os
ventos alísios do Atlântico Norte e Sul são
Umidade Específica
igualmente importantes para a entrada de
A Figura 4 mostra a climatologia da umidade
específica no nível de 850hPa nas estações de
inverno e verão, onde esta variável define a
quantidade de vapor d’água no ar. De acordo
com as reanálises do ERA Interim, é possível
observar
maiores
valores
de
umidade
específica no verão na região da AMZ em
torno de 16g/kg, NEB em torno de 12g/kg e
na LPB acima de 13 g/kg (Figura 4b). No
Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
umidade
durante
o
verão
e
inverno.
Ressaltando que essas duas regiões, AMZ e
NEB, apresentam transporte de umidade
maior no clima futuro (Figura 5c) em ambas
as estações, isto é, no verão da AMZ, o
transporte de umidade no clima passado
(Figura 5a) e presente (Figura 5b), foram 69%
e
39%
menores
que
o
clima
futuro,
respectivamente.
952
Revista Brasileira de Geografia Física v.6, n. 4 (2013) 945-958
(a)
(b)
(c)
(d)
(e)
(f)
Figura 3 – Climatologia da precipitação sobre a AS simulado pelo modelo RegCM3: a) DJF e b)
JJA, com dados do GPCC: c) DJF e d) JJA e por fim, o Erro de Previsão do RegCM3: e) DJF e f)
JJA para o período de (1991-2008). As unidades são em mm/mês.
No inverno, os climas do passado e presente
futuro (Figura 6c), respectivamente. Na região
estiveram 50% e 37% menores do que o clima
do NEB, essas diferenças foram pequenas no
Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
953
Revista Brasileira de Geografia Física v.6, n. 4 (2013) 945-958
verão, pois para o clima passado (Figura 6a) e
e/ou
norte
da
LPB,
presente (Figura 6b) o transporte de umidade
configuração de JBN, pois este é conhecido
ficou aproximadamente 38% e 9% menores
em transportar umidade da Bacia Amazônica
que o clima futuro, enquanto que no inverno,
para o Sul do Brasil, norte da Argentina,
essas diferenças aumentaram, isto é, no clima
Paraguai e Uruguai e assim, indicando uma
passado e presente foram 15% e 22% menores
região úmida nesta estação. Esta configuração
que o clima futuro, respectivamente.
é notável no verão dos três climas, com
Em relação à LPB no verão, o transporte de
convergência de umidade de 95 unidades no
umidade que chega nessa bacia, é por meio de
clima passado (Figura 5a), contra 90 e 79
um escoamento que sai das bordas oeste e sul
unidades no clima presente (Figura 5b) e
da AMZ e segue em direção as bordas oeste
futuro (Figura 5c), respectivamente.
(a)
(c)
(b)
(d)
sugerindo
uma
Figura 4 – Climatologia da Umidade Específica sobre AS simuladas pelo RegCM3 em (a)DJF e (c)
JJA e para as reanálises do ERA Interim em (b) DJF e (c) JJA para o clima Presente (91-2008). As
unidades são em g/kg.
Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
954
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(a)
(b)
(c)
Figura 5 – Fluxo de umidade integrado da superfície até 300 hPa ao longo das bordas laterais de
três caixas retangulares na AS. Para o clima passado (a), presente (b) e futuro (c) no verão. Os
números nos cantos inferiores esquerdo de cada caixa é a convergência total do fluxo de umidade
sobre a área retangular. As unidades são 107 kg/s.
(a)
(b)
(c)
Figura 6 – Fluxo de umidade integrado da superfície até 300 hPa ao longo das bordas laterais de
três caixas retangulares na AS. Para o clima passado (a), presente (b) e futuro (c) no inverno. Os
números nos cantos inferiores esquerdo de cada caixa é a convergência total do fluxo de umidade
sobre a área retangular. As unidades são 107 kg/s.
No entanto, este escoamento inverte de
entrada de ar seco e frio proveniente das
direção no inverno, indicando a presença de
latitudes médias enfraquecem o transporte de
um clima de monção na AS. Deste modo, a
umidade em baixos níveis, e assim pouca
Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
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umidade chega à LPB, proporcionando a uma
Agradecimentos
condição
Portanto,
Os autores agradecem ao Projeto CLARIS-
confirmando que a convergência de umidade
LPB em fornecer as saídas do modelo
diminui consideravelmente nesta estação com
regional RegCM3. E também a Coordenação
valores nos climas presente (Figura 6b),
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
passado (Figura 6a) e futuro (Figura 6c) de
Superior (CAPES) pela ajuda de custo para o
20, 11 e 14 unidades, respectivamente.
desenvolvimento desta pesquisa.
Conclusão
Referências
seca
no
O RegCM3 consegue
inverno.
representar bem a
distribuição da precipitação, porém erros
relacionados à ZCAS (deslocamento da
máxima precipitação do Pará para AMC) e
ZCIT (maior extensão meridional) foram
importantes para explicar a superestimativa de
Arraut,
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precipitação na AMC e oeste da AS como
exposto na (Figura 3). Em relação à umidade
Cavalcanti, E.P. (2001). Teor e transporte de
específica (Figura 4), o modelo consegue
vapor d’água na Atmosfera do Nordeste do
captar
Brasil.
melhor
na
estação
de
inverno
comparado aos resultados do Era Interim.
Durante todos os climas (passado, presente e
Tese
(Doutorado
em
Recursos
Naturais) – Universidade Federal da Paraíba –
Campina Grande, 115p.
futuro), a via de transporte de umidade para
Dee, D.P.; Uppala, S.M.; Simmons, A.J.;
os subtrópicos tem origem tropical e escoa a
Berrisford, P.; Poli, P.; Kobayashi, S.;
leste dos Andes. A contribuição do ar vindo
Andrae, U.; Balmaseda, M.A.; Balsamo, G.;
da Amazônia para este escoamento varia
Bauer, P.; Bechtold, P.; Beljaars, A.C.M.;
muito nesses períodos, sendo muito maior no
Van De Berg L.; Bidlot, J.; Bormann, N.;
verão (Figura 5) do que no inverno (Figura 6).
Delsol, C.; Dragani, R.; Fuentes, M.; Geer,
Os resultados sugerem que em JJA, a maior
A.J.; Haimberger, L.; Healy, S.B.; Hersbach,
parte da floresta ao sul de 5°S atue como
H.; Hólm, E.V.; Isaksen, L.; Kallberg, P.;
fonte de umidade para a atmosfera.
Köhler, M.; Matricardi. M.; Mcnally. A.P.;
Monge-Sanz, B.M.; Morcrette, J.J; Park,
B.K.; Peubey, C.; De Rosnay, P.; Tavolato.
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Coutinho, M.D.L;Lima, K.C; Silva, C.M.S
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