ética de Aristóteles_Kant_e_Mill

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UNIDADE 7
A ética de Aristóteles,
de Kant e de Mill
7
Objetivos de aprendizagem
Identificar características básicas da ética de Aristóteles,
de Kant e de Mill.
Seções de estudo
Seção 1 Aristóteles e a virtude
Seção 2 Kant e o dever
Seção 3 Mill e a utilidade
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Universidade do Sul de Santa Catarina
Para início de conversa
Nesta unidade, você continua a estudar a Ética, ao conhecer,
introdutoriamente, três teorias éticas tradicionais: a de
Aristóteles, a de Kant e a de Mill. Cada uma destas éticas é
considerada tradicional porque forneceu uma resposta inédita
sobre como o homem deve agir moralmente e porque alcançou
certa notoriedade e aceitação nas sociedades ocidentais.
Atente para o fato de que estas teorias foram propostas em um
momento histórico e em um contexto sócio-político-cultural
único, muito diferente do nosso. Simplesmente por conhecer
estas éticas não significa que devemos necessariamente seguilas. Porém, ao conhecê-las, podemos identificar que respostas
estes grandes pensadores propuseram sobre o agir moral. Assim,
teremos mais alguns elementos para refletir sobre a nossa moral,
de nosso tempo. Bom estudo!
Figura 8.1 – Discussão entre Aristóteles, Kant e Mill
(Alex Xavier)
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Filosofia
Seção 1 – Aristóteles e a virtude
A ética de Aristóteles (384-322 a.C.) é considerada, por muitos,
como mais célebre que a ética de Sócrates. Uma das justificativas
para esta posição refere-se ao fato de que Aristóteles desenvolveu
o primeiro estudo profundo e sistemático sobre a Ética.
Figura 8.2 - Aristóteles
(www.anderegg-web.ch)
Aristóteles, tal como Sócrates,
também se dedicou a refletir sobre
a moral. Porém, diferentemente
de Sócrates que nada escreveu (só
conhecemos a filosofia de Sócrates
a partir de registros e testemunhos),
Aristóteles tem uma vasta produção
bibliográfica, sendo que um dos seus
livros, a Ética a Nicômaco, interessa-nos
de modo especial. Por ela, podemos
estudar o cerne da sua ética. A
Ética a Eudemo também é um outro
importante livro de Aristóteles, que
aborda este tema.
Alguns elementos da ética de Sócrates são retomados na ética
de Aristóteles. Sócrates, por exemplo, ao refletir sobre a moral,
fala-nos da virtude, da autonomia e da felicidade – elementos que
também serão alvo de reflexão por parte de Aristóteles.
Se Sócrates pensa a virtude como algo que deve brotar da alma
do sujeito, em função de um conhecimento inato, Aristóteles, por
outro lado, pensa que a virtude não é uma habilidade inata que
pode ser relembrada.
Para Aristóteles, a virtude pode e deve ser adquirida e
desenvolvida pelo exercício. Podemos, então, cultivar a virtude
através de nossa autonomia racional de escolher o que fazer e do
hábito de praticar boas ações.
Que nasce conosco, que
está presente em nós
desde o nosso nascimento
A virtude, assim, está ligada ao hábito de praticar boas ações,
mas Aristóteles enfatiza que a virtude é conseqüência de nossa
disposição, de nossa escolha racional, de nossa autonomia para
praticar estas boas ações.
Unidade 7
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Universidade do Sul de Santa Catarina
Se Sócrates não nos propôs o que era a virtude, Aristóteles, por
outro lado, definiu a virtude como o justo-meio, o meio-termo
entre dois vícios, entre duas ações morais contrárias, radicais e
extremas. A virtude, para Aristóteles, é a conseqüência de nossa
escolha deliberada, de nossa disposição em equilibrar duas ações
extremas, dois vícios.
Veja o exemplo.
Imagine que, em determinado
momento de nossa vida,
considerando dois parâmetros
extremos referentes ao prazer,
podemos agir:
com libertinagem (isto é,
devemos agir com devassidão?),
que é um vício caracterizado
pelo excesso;
ou com insensibilidade (isto é, devemos agir com
indiferença, apatia?), que é um vício caracterizado
pela falta.
Ora, como devemos agir nesta situação?
Para Aristóteles, devemos escolher o meio-termo
relativo a estas duas ações radicais, extremas e
antagônicas, entre estes dois vícios. Ou seja, devemos
agir conforme a temperança (isto é, devemos agir
com moderação). Neste caso, a temperança ou
moderação é o meio-termo, é a virtude que há entre
a libertinagem (vício caracterizado pelo excesso) e a
insensibilidade (vício caracterizado pela falta).
Ao estudarmos a noção de virtude, a própria noção de vício
também fica clara para nós. O que é o vício senão uma atitude
extrema, uma ação moral caracterizada pela falta ou pelo excesso?
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Filosofia
Aristóteles reflete sobre muitas outras virtudes. Se
você quiser conhecer o raciocínio de Aristóteles sobre
estas outras virtudes, estude a seguinte referência:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. [a obra-prima
de cada autor], Tradução Pietro Nasseti. São
Paulo: Martin Claret, 2001.
Ou, se você preferir, visualize um quadro sintético
referente às virtudes morais de Aristóteles, na página
453, da seguinte referência:
CHAUI, Marilena. Introdução à história
da filosofia. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
Observe que a ação virtuosa - referente ao nosso exemplo
anterior: a moderação - é resultado da nossa escolha deliberada,
racional e autônoma, uma vez que a ação virtuosa é algo que
está em nosso poder, que está ao nosso alcance. Neste sentido,
Aristóteles destaca que não há um ato moral quando não
podemos escolher ou quando estamos diante de uma situação
marcada pela necessidade (situação em que só podemos agir de
um único modo) ou pela impossibilidade (situação em que não
podemos agir de outro modo).
Examinada, meditada,
refletida
Este pensador ainda explica que, no domínio da moral, lidamos
com a inexatidão, com irregularidades, pois não há certeza
sobre que ações, de fato, escolheremos. Ora, somos plenamente
capazes de realizar escolhas racionais, virtuosas, mas precisamos
reconhecer, também, que existem inclinações, desejos e paixões
que podem influenciar em muito as nossas escolhas.
Qualquer homem pode concordar que devemos ser vituosos,
até concordar que o meio-termo é um critério adequado para
discernirmos como devemos agir, mas pode, mesmo assim, agir
conforme a sua paixão ou desejo.
Veja como a razão e o hábito são importantes, pois, por meio
da razão, somos capazes de escolher ‘deliberadamente’ qual
ação deve ser praticada; e, através do hábito das ações virtuosas,
acostumamo-nos a frear, a evitar os vícios, assim como nos
acostumamos a praticar boas ações.
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Aristóteles também defendia que toda ação moral almeja um
fim. E que cada um destes fins, cada objetivo que traçamos,
representa para nós um bem. Ora, se praticarmos uma ação
moral, a honestidade, por exemplo, faz sentido que esta ação
tenha uma finalidade e represente para nós um bem.
Existem inúmeros, incontáveis bens, mas Aristóteles explica que
o maior bem para os seres humanos é a felicidade, pois todos os
outros bens visam, direta ou indiretamente, a felicidade.
Diz o filósofo que a felicidade não é resultado de um consenso,
não é a mesma coisa para todos. A felicidade também não é
algo alcançável de pronto, imediatamente. A felicidade é um
exercício contínuo que se realiza durante toda a vida e que
requer dedicação.
Aristóteles ainda previne que, para o homem agir com virtude e
ser feliz, ele precisa reconhecer que algumas necessidades básicas
devem ser satisfeitas - como ‘certa riqueza’, ‘amizade’, ‘beleza’,
‘boa origem’, ‘família’, - pois ‘não é fácil’ ser virtuoso e feliz sem
estes meios.
Você sabe o que pensa Aristóteles sobre a relação
entre a Ética e a Política?
Aristóteles afirmava que a Ética e a Política estão
extremamente ligadas uma vez que, através delas,
estudamos as práticas do próprio homem. Ainda
afirmava que a Política está um passo além da Ética,
pois o fim almejado por meio do estudo da Ética é a
felicidade do indivíduo. E o fim almejado pelo estudo
da Política é a felicidade pública, a felicidade dos
cidadãos e dos indivíduos, enfim, de todos àqueles
que compõem a polis, a cidade. Por este motivo, ele
propõe que, depois de estudarmos a Ética, devemos
dedicar-nos ao estudo da Política, pensando, assim, na
felicidade de todos.
Você conheceu, introdutoriamente, alguns pontos fundamentais
da ética de Aristóteles, mas atente para o fato de que existem
outros pontos também importantes, que podem ser objeto de seu
estudo se você desejar aprofundá-lo.
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Filosofia
A ética de Aristóteles fornece uma resposta singular sobre como
devemos agir. Se você ficou impressionado, pode até pensar que
nenhuma ética concorreria com esta. Contudo, a ética de Kant,
assunto da próxima seção, representa uma grande ‘opção’ para o
modo de como devemos agir.
Seção 2 – Kant e o dever
Como estudamos na seção anterior, conforme a ética de
Aristóteles, nós devemos cultivar a virtude com vistas à
felicidade. A ética de Kant (1724-1804), por outro lado, atenua
a importância da felicidade – em relação às ações morais que
praticamos. Para entendermos esta afirmação, precisamos
conhecer alguns elementos da ética de Kant.
Kant é outro grande pensador da
Filosofia e, como tal, escreveu
sobre diversos temas. A essência da
ética de Kant está disposta em seu
livro intitulado Fundamentação da
Metafísica dos Costumes (1785); mas
seu livro Crítica da Razão Prática
(1788) também é importante para
entender a sua ética.
Para Kant, a moralidade vigente
não deve impor ao indivíduo o que
ele deve fazer, e sim o indivíduo
deve impor a si mesmo uma moral. Veja que a moral kantiana
procura transcender à história, à cultura e à tradição. Imagine
a revolução que este filósofo deflagrou na Prússia e mesmo na
Europa, ao colocar em xeque a moral vigente e tradicional - um
pouco antes da Revolução Francesa, no final do século XVIII.
Figura 8.3 - Immanuel Kant
(www.fredsakademiet.dk)
Ultrapassar, elevar-se acima de
Assim, a ética de Kant prima pela autonomia, pois valoriza o
indivíduo enquanto legislador de sua própria moral e não a
moralidade que nos é exterior. Cada ser humano, racional e livre,
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pode pensar como deve agir. A moral, na perspectiva kantiana,
tem como base a lei - determinada pelo próprio indivíduo.
Mas a questão é, como podemos determinar esta própria lei
moral? Antes de conhecermos de que modo o indivíduo pode ser
legislador de si mesmo, vamos entender o que é dever e o que é
boa vontade.
O dever, para Kant, é uma obrigação moral que requer, por
definição, liberdade. Assim, o ato de não roubar, por exemplo,
pode ser considerado como uma obrigação moral à medida que eu
tiver liberdade para agir.
Kant pensa que devemos agir considerando o dever, mas que
tal ação deve ser praticada, sobretudo, em função de uma boa
vontade. A boa vontade significa que ‘devemos’ agir por
‘respeito ao dever’, considerando o dever imposto por nossa
própria moral.
Esta boa vontade deve ser aplicada por todos os homens, em
todas as situações e a toda hora. Neste sentido, a boa vontade
deve ser aplicada universalmente, alcançando todos os indivíduos
e situações.
Observe que a compreensão de Kant sobre a boa vontade implica
que temos a ‘obrigação’ de agir sempre por respeito ao dever,
independente do resultado que a ação possa acarretar para nós.
Veja dois exemplos de ações baseadas na boa vontade, em que
agimos por respeito ao dever.
Eu não roubo, pois, em função da boa vontade, eu
respeito o dever.
Eu não minto, pois, em função da boa vontade, eu
respeito o dever (mesmo que eu vá para a cadeia por
tal ação, falando apenas a verdade).
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Filosofia
Atenção!
Conforme a situação descrita no primeiro exemplo,
muitas pessoas aceitariam agir em função da boa
vontade.
De acordo com a situação descrita no segundo
exemplo, muitas pessoas defenderiam que é um
absurdo agir, neste caso, em função da boa vontade.
Veja que, no exemplo, a minha felicidade ficaria
comprometida se eu fosse preso. Ora, Kant pensa que
mais importante do que a felicidade do indivíduo
é agir por respeito ao dever, conforme uma boa
vontade. Kant não está dizendo que não podemos ser
felizes, mas enfatiza que devemos agir corretamente,
independentemente do fato de sermos felizes. Assim,
devemos agir por respeito ao dever, mesmo que tal
ação nos deixe infelizes.
Observe que a moral kantiana procura transcender às
inclinações, às paixões, às tendências, aos impulsos ou aos desejos
pessoais, pois o homem deve obedecer unicamente à lei moral,
determinada pela própria razão – com base na boa vontade e
assim respeito ao dever.
A partir da idéia de boa vontade, Kant propõe uma máxima
para o indivíduo orientar a constituição de sua própria moral: o
imperativo categórico.
O imperativo categórico expressa que devo agir de tal modo, que
minha ação torne-se um modelo de moralidade, não apenas
para mim, mas para todos os homens e em todas as situações.
O imperativo categórico expressa que a máxima de minha
ação deve tornar-se uma lei universal. Veja que o imperativo
categórico permite que o próprio indivíduo constitua um modelo
universal de conduta, ou seja, uma lei moral.
Assim, o indivíduo torna-se legislador de si mesmo, ao ser
capaz de agir exclusivamente por respeito ao dever, conforme
uma boa vontade e ao obedecer à lei que é determinada por
sua consciência racional e moral, em função do imperativo
categórico.
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A lei moral é então alcançada pelo homem ao considerar o
imperativo categórico na análise das situações particulares que
vivemos.
Assim, se tivermos dúvidas acerca de que ação moral devemos
praticar, referente, por exemplo, à prática de mentir ou de roubar,
devemos aplicar o imperativo categórico. Mas, lembre-se! A ação
que você determinar para si mesmo praticar é a mesma que você
admitirá como legítima para os outros praticarem.
Saiba mais sobre o significado de imperativo!
Para Kant, ‘imperativo’ indica que uma ação deve
ser praticada. Existem, basicamente, dois tipos de
imperativos, o hipotético e o categórico.
O imperativo hipotético explicita que uma ação
deve ser realizada, mas, para tanto, uma condição
específica, anterior, deve ser satisfeita. Como exemplo,
temos: ‘Se queres respeito, então não roube’.
O imperativo categórico, por sua vez, explicita que
uma ação deve ser praticada e que tal ação, ordem,
não está vinculada a nenhuma condição. O imperativo
categórico é uma ordem formal que nunca está
condicionada à situações ou à particularidades.
Veja que a ética de Kant é formal, pois propõe uma forma de
ação que deve valer para todos os homens. A fórmula de Kant
para a ação não tem um conteúdo específico e nem se refere a
um exemplo particular. Assim, à medida que Kant reflete sobre
as questões morais, ele valorizou um formato, um modelo, um
padrão em função do qual nós devemos orientar nossas ações,
nosso agir.
Conforme o imperativo categórico, a forma da minha ação
tem validade universal, pois se aplica a todas as pessoas, a
todo o universo de seres humanos, e tem validade para todas as
situações. O imperativo categórico expressa que devo agir de tal
forma, que a ação que eu pratico seja válida não apenas para
mim, mas para todos os outros indivíduos.
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Filosofia
Embora o imperativo categórico tenha validade universal, seja
válido para todos os indivíduos, perceba o quanto ele é vazio
de conteúdo. Ele não diz o que você deve fazer, mas diz de que
forma deve ser a sua ação.
Se você deseja aprofundar seus conhecimentos sobre
a ética de Kant, estude a seguinte referência:
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica
dos costumes e outros escritos. [A obra-prima
de cada autor], Tradução Leopoldo Holzbach. São
Paulo: Martin Claret, 2005.
Seção 3 – Mill e a utilidade
O londrino John Stuart Mill (1806-1873) defendeu uma ética
utilitarista, principalmente através do seu livro Utilitarismo.
É viável falar em uma ética utilitarista, pois há várias éticas
utilitaristas produzidas, conforme as especificidades defendidas
por alguns outros filósofos.
Porém, em toda ética utilitarista a utilidade é o critério que deve
orientar a escolha da ação moral.
Na ética de Mill, especificamente,
defende-se que toda ação moral deve
visar à utilidade em vista da realização
da felicidade. A felicidade, por sua vez,
é o maior bem que podemos almejar
e está ligada fundamentalmente à
ausência de dor e presença de prazer,
mas não apenas isso, pois, para sermos
felizes, também necessitamos cultivar a
virtude e aprimorar o caráter.
Assim, toda ação moral deve considerar
o critério da utilidade com vistas à
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Figura 8.4 - John Stuart Mill
(www.bun.kyoto-u.ac.jp)
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realização da nossa felicidade. E as ações morais são avaliadas
- como corretas (boas) ou como incorretas (más) - à medida que
se constituem meios para se alcançar a felicidade.
Ainda, as ações morais não devem visar à felicidade de um único
indivíduo, de modo egoísta, e sim devem visar à felicidade do
maior número possível de indivíduos.
Logo, a bondade da ação moral depende da ‘maior’ felicidade,
para o ‘maior’ número de pessoas.
Então, como devemos agir moralmente?
Segundo Mill, nossa ação moral deve considerar a utilidade como
citério para a escolha da ação moral, com vistas à realização da
felicidade, para o maior número de indivíduos.
Vamos a um exemplo.
Considere que você está em uma festa e, em função
do contexto, tem a possibilidade de agir de inúmeros
modos, por exemplo, com libertinagem, moderação
ou com apatia, etc. A questão é:
- Como você deve agir, conforme o
utilitarismo de Mill?
Ora, você deve considerar a utilidade como critério
para a escolha da ação moral, com vistas à realização
da felicidade, para o maior número de pessoas.
Observe que, conforme a ética de Mill, não precisamos agir
de modo rígido, fi xo, formal - como é o caso da ética kantiana
– pois para diferentes situações e diferentes indivíduos a utilidade
das ações apresenta-se variável, mutável, diversa.
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Filosofia
Se para Kant a felicidade não é o fim mais importante que
orienta nossa ação moral, para Mill a felicidade representa o fim
mais alto, em função do qual devemos agir. Por outro lado, tanto
na ética de Mill quanto na ética de Aristóteles, a felicidade é
considerada como um fim da ação moral.
Embora a ética de Mill seja bem mais complexa do que aqui
expomos, ela é de fácil entendimento e aplicação, razões que
contribuem para sua grande aceitação.
Atenção!
Observe, com cuidado, que o utilitarismo de Mill
implica que nada é ‘proibido’ e que ‘todas as normas
são relativas’ - o que é extremamente delicado para o
nosso harmônico convívio social.
Ora, se a bondade da ação depende da maior felicidade,
para o maior número de pessoas, então o que garante
que a felicidade da maioria não possa causar danos à
felicidade de um número menor de pessoas?
Vamos a um exemplo. Imagine um hospital com
cinco pessoas na UTI. Destas, quatro morrerão se não
receberem imediatamente pelo menos um órgão de
algum doador. A outra pessoa presente na UTI é um
doador universal que está em fase de recuperação.
Veja que, na perspectiva do utilitarismo, justificariase abreviar a vida deste último para salvar a vida dos
outros quatro.
Em nossa sociedade, esta perspectiva utilitarista é,
neste caso, inaceitável. Veja, então, que a aplicação do
utilitarismo para “certas situações” é complicada, para
não dizer absurda.
Se você desejar conhecer mais sobre o utilitarismo de
Mill, consulte a seguinte referência:
MILL, John Stuart. Utilitarismo. Coimbra: Atlântida
Editora, 1976.
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Universidade do Sul de Santa Catarina
Síntese
Nesta unidade, você estudou a ética de Aristóteles, a de Kant e
a de Mill. Ao conhecer alguns elementos da ética de Aristóteles,
identificou que devemos cultivar a virtude através da razão e do
hábito; e que a virtude é a nossa escolha deliberada e autônoma
do meio-termo entre dois vícios estremos. Viu que os vícios
são ações morais marcadas pela falta ou pelo excesso. Também
estudou que toda ação moral humana visa um bem, e que o
maior bem a ser desejado e alcançado é a felicidade. Assim, para
agirmos corretamente, devemos cultivar a virtude.
Com a ética de Kant, você estudou que o indivíduo deve agir por
respeito ao dever em função da boa vontade. A felicidade é então
atenuada, pois mais importante é agir conforme o imperativo
categórico, máxima formal que generaliza as ações morais que
devem ser racionalmente escolhidas e praticadas. Deste modo,
o indivíduo torna-se legislador de si mesmo, escolhendo ações
morais autônomas e evitando uma moralidade que lhe é exterior,
que é tradicional. Assim, mesmo diante das particularidades
de ações morais específicas vividas pelos indivíduos, é possível
agir de modo moralmente correto considerando o imperativo
categórico.
Com a ética de Mill, você estudou que a utilidade é o critério
que deve nortear nossa ação, com vistas à realização de nossa
felicidade. Ainda viu que a ação é julgada como correta ou
incorreta em função da maior quantidade de felicidade alcançada,
para o maior número de indivíduos.
Observe que as três éticas - a de Aristóteles, a de Kant e a
de Mill - são éticas normativas, pois procuram estabelecer e
normatizar como deve ser a ação para todos.
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Filosofia
Atividades de auto-avaliação
Ao final de cada unidade, você realizará atividades de auto-avaliação. O
gabarito está disponível no final do livro-didático. Mas, esforce-se para
resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará
estimulando a sua aprendizagem.
1) Cace as palavras. Esta atividade visa exercitar sua capacidade de
identificação de alguns termos fundamentais relativos à ética de
Aristóteles. Observação! Você precisa selecionar, no texto abaixo, estes
termos fundamentais:
três locuções formadas por duas palavras.
oito palavras.
A ética de Aristóteles considera fundamental a escolha racional e o
hábito como fundamentais para cultivar a virtude. Tal prática da virtude é
conseqüência de nossa disposição autônoma em detrimento das nossas
inclinações, paixões ou desejos. A virtude consiste, propriamente, na
ação moral que considera o justo-meio como um equilíbrio entre dois
vícios extremos. Tais vícios são marcados pela radicalidade da ação, seja
pela falta ou pelo excesso. A prática da virtude tem sempre um fim, que
representa um bem para o próprio indivíduo, e o bem mais alto que
podemos almejar e encontrar é a felicidade.
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Universidade do Sul de Santa Catarina
2) Associe as passagens seguintes com as respectivas interpretações. Para
tanto, estude e interprete cada uma das passagens referentes à ética de
Aristóteles, que foram extraídas do livro Ética a Nicômaco. Esta atividade
visa exercitar sua capacidade de análise e síntese da ética de Aristóteles.
I) “tanto o vulgo como os homens de cultura superior dizem
que esse bem supremo é a felicidade [...] porém, divergem
a respeito do que seja a felicidade [...] Voltemos ao bem [...]
ele é a finalidade em todas ações e propósitos, pois é por sua
causa que os homens realizam tudo o mais. Se, pois, existe uma
finalidade visada em tudo o que fazemos, tal finalidade será o
bem atingível pela ação, e se há mais de uma, serão os meios
atingíveis por meio dela”. (ARISTÓTELES, 2001, p. 19-25).
( ) Para ser virtuoso e feliz,
o homem precisa satisfazer
certas necessidades básicas,
até mesmo materiais. A
prosperidade alcançada a
partir destes meios, permite,
mais facilmente, praticar a
virtude e alcançar a felicidade.
II) “o bem do homem vem a ser a atividade da alma em
consonância com a virtude [...] Mas é preciso acrescentar ‘em
uma vida inteira’, pois uma andorinha não faz verão, nem um dia
tampouco; e da mesma forma um dia só, ou um curto espaço de
tempo, não faz um homem feliz”. (ARISTÓTELES, 2001, p. 27).
( ) A virtude não é inata.
Mas, em função da natureza
humana, é possível ser vituoso.
A vitude é uma capacidade
que se desenvolve com
o hábito, e que deve ser
exercitada.
III) “[...] a felicidade necessita igualmente dos bens exteriores, pois
é impossível, ou pelo menos não é fácil, praticar atos nobres sem
os devidos meios. Em muitas ações usamos como instrumento
os amigos, a riqueza e o poder político; e há coisas cuja ausência
empana1 a felicidade - como a estirpe2 , a boa descendência3, a
beleza. De fato, o homem de muito má aparência, ou mal-nascido,
ou solitário e sem filhos, não tem muitas probabilidades de ser
feliz [...] Como dissemos, pois, o homem feliz parece necessitar
também desse tipo de prosperidade”. (ARISTÓTELES, 2001, p. 30).
( ) Esta passagem relaciona
bem e felicidade. O ‘bem’
representa a finalidade de
todas as nossas ações. E, a
felicidade é o bem supremo
que todos os homems aspiram.
Contudo, a felicidade não é
consenso para todos.
IV) “Não é, portanto, nem por natureza nem contrariamente
à natureza que as virtudes se geram em nós; antes devemos
dizer que a natureza nos dá a capacidade de recebê-las, e tal
capacidade se aperfeiçoa com o hábito [...] não foi por ver ou
ouvir repetididamente que adquirimos a visão ou a audição,
mas, pelo contrário, nós as tínhamos antes de começar a usá-las,
e não foi por usá-las que passamos a tê-las. No entanto, com as
virtudes dá-se extamente o oposto: adquirimo-las pelo exercício”.
(ARISTÓTELES, 2001, p. 40).
( ) O homem é virtuoso
à medida que se propõe
escolher deliberadamente,
com a razão, o que fazer; e a
vitude, neste sentido, é o meiotermo entre dois vícios, que,
por sua vez, estão marcados
pelo excesso ou pela falta.
V) “A virtude é, então, uma disposição de caráter relacionada com
a escolha de ações e paixões, e consistente numa mediania, isto
é, a mediania relativa a nós, que é determinada por um princípio
racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. É um
meio-termo entre dois vícios, um por excesso e ourto por falta”.
(ARISTÓTELES, 2001, p. 49).
( ) As ações virtuosas sempre
visam um bem. Mas, para
ser feliz, o homem necessita
de uma vida inteira de ações
virtuosas.
1
encobre, esconde
2
refere-se às gerações anteriores
3
refere-se às gerações posteriores
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Filosofia
Encontre a seqüência que corresponde à associação correta das passagens
com as interpretações. Há apenas uma seqüência correta:
A) I, III, II, V, IV.
B) II, III, IV, I, V.
C) V, III, IV, I, II.
D) III, IV, I, V, II.
3) Associe as passagens seguintes com as respectivas interpretações. Para
tanto, estude e interprete cada uma das passagens referentes à ética
de Kant, que foram extraídas do livro Fundamentação da Metafísica
dos Costumes. Esta atividade visa exercitar sua capacidade de análise e
síntese da ética de Kant.
I) “devo agir sempre de modo que possa querer
também que minha máxima se converta em lei
universal”. (KANT, 2005, p. 29).
( ) O respeito ao dever é
uma condição necessária e
fundamental na ética kantiana;
respeito ao dever que, sem o
qual, não se pode falar em boa
vontade.
II) “compreendo também que a necessidade
de minhas ações, por puro respeito à lei [...]
é o que consitui o dever perante o qual tem
de se inclinar qualquer outro fundamento
determinante, pois ele é a condição da boa
vontade em si, cujo valor a tudo supera”. (KANT,
2005, p. 31).
( ) Aqui se explicita que
o imperativo categórico
não depende de nenhuma
outra ação moral. Também é
explicito que tal imperativo
indica ‘a’ necessária obrigação
moral.
III) “o imperativo categórico [...] não é limitado
por nenhuma condição e se pode chamar
propriamente mandamento absoluto, posto que
praticamente necessário”. (KANT, 2005, p. 44-47).
( ) Para agir, devemos
considerar nossa racionalidade
e autonomia. Todo aquele que
não pensa por si mesmo, é
dirigido por outro indivíduo.
IV) “Esclarecimento significa a saída do homem
de sua menoridade, da qual o culpado é ele
próprio. A menoridade é a incapacidade de
fazer uso de seu entendimento sem a direção de
outro indivíduo. O homem é o próprio culpado
dessa menoridade se a sua causa não estiver na
ausência de entendimento, mas na ausência de
decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem
a direção de outrem. Sapere aude! Tem a ousadia
de fazer uso de teu próprio entendimento”.
(KANT, 2005, p. 115).
( ) Esta é a formulação
clássica do imperativo
categórico. Esta passagem
exprime que a ação moral
que eu pratico deve sempre
almejar uma forma, um
modelo, de ação válida para
todos os indivíduos.
Unidade 7
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Ouse saber!
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Universidade do Sul de Santa Catarina
Encontre a seqüência que corresponde à associação correta das passagens
com as interpretações. Há apenas uma seqüência correta:
A) I, II, III, IV.
B) II, III, IV, I.
C) III, IV, I, II.
D) IV, III, II, I.
4) Estude e interprete as seguintes passagens referentes à ética de
Mill, contidas na obra Utilitarismo. Esta atividade visa exercitar sua
capacidade de análise e síntese da ética de Mill.
A) “A convicção que aceita a utilidade o princípio da maior
felicidade como o fundamento da moral admite que as ações são
corretas na proporção em que promovem a felicidade, e erradas
na medida em que poduzem o contrário da felicidade” (MILL,
1987, p. 16 apud BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA, 2002, p. 33).
B) “O utilitarismo somente pode atingir os seus fins pelo cultivo
geral da nobreza de caráter”. (MILL, 1987, p. 22 apud BORGES;
DALL’AGNOL; DUTRA, 2002, p. 35).
5) Esta atividade visa exercitar sua capacidade de distinguir a ética de
Aristóteles, de Kant e de Mill. Para tanto, marque as sentenças seguintes
com ‘A’, ‘K’ e ‘M’ ao identificar uma tese correspondente à ética de
Aristóteles, de Kant ou de Mill.
a) (
) a bondade da ação depende da maior felicidade, para o
maior número de indivíduos.
b) (
) a virtude pode ser cultivada através da razão e do hábito.
c) (
) a boa vontade significa que devemos agir por respeito ao
dever.
d) (
) a utilidade deve nortear a nossa ação moral.
e) (
) a virtude é o meio-termo entre dois vícios.
f) (
) o imperativo categórico é a máxima que deve orientar as
nossas ações morais.
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Filosofia
6) Caro aluno, em função dos estudos desenvolvidos nesta unidade,
você deve ter percebido que a ação moral correta (boa) ou incorreta
(má) depende de criérios, de regras, de fundamentos, que variam
conforme a respectiva ética. As três éticas que você estudou são
propostas de como devemos agir. Certamente, no percurso da
história da humanidade, muitas outras teorias éticas ainda surgirão.
O aparecimento de outras éticas depende da vontade de pensarmos
nas éticas já existentes e de propormos alternativas. Bom, o desafio
(desafio nada fácil) que lhe propomos é o seguinte: como podemos
ser melhores?
Ao responder esta pergunta, indique (mínimo 20 e no máximo 30
linhas) uma ética alternativa, ao expor um critério em função do
qual nossas ações devem ser orientadas e ao expor um motivo que
justifique agirmos de modo moralmente bom. Esta atividade visa
exercitar sua autonomia, reflexão, crítica e criatividade.
Unidade 7
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Universidade do Sul de Santa Catarina
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Filosofia
Saiba mais
Você pode aprofundar o seu entendimento sobre a ética de
Aristóteles, a de Kant e a de Mill ao estudar as seguintes
referências:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. [A obra prima de
cada autor], Tradução Pietro Nasseti. São Paulo: Martin
Claret, 2001.
BORGES, Maria de Lordes; DALL’AGNOL, Darlei;
DUTRA, Delamar Volpato. Ética. [O que você precisa
saber sobre], Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
CHAUI, Marilena. Introdução à história da
filosofia. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Companhia da
Letras, 2002.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica
dos costumes e outros escritos. [A obra-prima de cada
autor], Tradução Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin
Claret, 2005.
VÁZQUEZ, Adolfo Sanches. Ética. 12. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.
Unidade 7
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