Política Externa Japonesa no Final do Século XX

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Política Externa Japonesa
no Final do Século XX:
o que faltou?
Alexandre Ratsuo Uehara
Sumário
Introdução ..................................................................................................................................... 1
Testemunho do autor .................................................................................................................. 8
Debate .......................................................................................................................................... 18
Introdução
Japão: Problemas Domésticos e a Política Externa dos Anos 1990♦
Com o final da Guerra Fria em 1989 e o fim da bipolaridade entre os Estados
Unidos e a União Soviética, a discussão sobre um novo reordenamento internacional
colocou o Japão, a segunda maior economia mundial, como um dos países que poderia
ampliar sua participação e status político, porém, isso não ocorreu. Este texto procura
relacionar os fatores fundamentais relacionados ao Japão que conduziram a esse
resultado, procurando responder a seguinte pergunta: por quê o Japão não desenvolveu
uma política externa de maior proeminência internacional nesse período.
A expectativa de ampliação da participação internacional do Japão não era só nas
análises acadêmicas, mas também em declarações de políticos de diferentes países. No
relatório do Ministério das Relações Exteriores em 1991 assumia-se que “é importante ao
Japão estar sempre disposto a enfrentar questões relacionadas à paz e a segurança global
e demonstrar claramente sua disposição para desempenhar um papel ativo e de
liderança na garantia da paz e da estabilidade. Para isso, obviamente, é indispensável o
Japão fazer todas as suas preparações, incluindo aquelas que envolvam mudanças em
sua legislação, para que se capacite a colocar em prática tudo o que lhe for possível sem
infringir a constituição” (Ministry of Foreign Affairs, 1991:32).
Percebe-se, portanto, que havia um discurso do governo japonês favorável ao
desempenho de um papel ativo de liderança internacional, convergente com as
demandas de países como os Estados Unidos e países europeus. Richard Drifte (2000:56)
assinala que a estrutura do relacionamento Japão-EUA incentiva o Japão em direção a
uma diplomacia multilateral, à medida que a pressão tem conduzido ou exigido uma
maior participação japonesa em questões internacionais. Esse interesse norte-americano
por um envolvimento mais significativo do Japão tem sido representado pela expressão
“burden sharing”, entendida como “divisão de encargos” (Inoguchi, 1993).
Os países europeus tinham expectativa de que Tóquio assumisse uma parte maior
na divisão das responsabilidades para manutenção do sistema econômico mundial já no
final dos anos 1980, tendo em vista o relativo declínio das potências ocidentais. Desses,
poucos países percebiam que um aumento da participação japonesa iria reduzir seus
poderes relativos e influências sobre o futuro do sistema econômico mundial (Drifte,
1990:36).
Na região da Ásia-Pacífico, de onde se poderia argumentar que haveria restrições
mais contundentes, havia uma aceitação, ainda que não consensual, à ampliação do
papel internacional do Japão. No início dos anos 1990, “o aprofundamento do
envolvimento econômico do Japão com a Ásia-Pacífico, promovia um aumento das
expectativas de um grande papel japonês na região” (Poh-Ping, 1994:122). Alguns países
asiáticos, inclusive, pediam ao Japão para liderá-los, ajudando no desenvolvimento da
♦
As opiniões deste trabalho são pessoais e não refletem a posição de nenhuma instituição.
1
região, representando a região nos fóruns internacionais como no G-7 e negociando com
outras regiões melhores condições para a Ásia-Pacífico (Poh-Ping, 1994:123).
Portanto, as pressões externas (gaiatsu) dos Estados Unidos, de países Europeus e
mesmo de asiáticos - com os quais os japoneses têm relações marcadas por rivalidades e
desconfianças, quando não rancor - apontadas como importantes no entendimento da
política externa japonesa, nos anos 1990, carecem de poder explicativo ao porquê o
Japão não desenvolveu uma política externa mais ativa. Isso porque, no pós Guerra Fria,
as pressões externas atuavam favoravelmente a ampliação da participação japonesa e
não para sua contenção.
Dessa forma, desde o final da década de 1980, a nova realidade internacional havia
produzido as condições e as demandas para promoção de mudanças no papel
internacional do Japão. Afirmava-se que esse país não poderia mais permanecer como
um ‘carona’ das ações das outras potências internacionais, tendo como um dos
principais fatores para o embasamento para essa mudança, a pujança da economia
japonesa.
O status internacional do Japão passou por um processo ascendente no período do
segundo pós-guerra, impulsionado pelo desempenho econômico e pelos grandes
avanços nas áreas de ciência e tecnologia. O sucesso obtido fez do Japão um padrão de
referência, levando a internacionalização de seus produtos, cultura, tecnologia e formas
de administração. Como exemplos pode-se mencionar a popularização de marcas como
Sony, Cássio, Toyota, de alguns sistemas de administração como “just-in-time” e
“kanban”, pela disseminação de uma cultura “zen” e ainda de sofisticados aparelhos
eletroeletrônicos, como os “walkman”, que deixaram o ocidente encantado.
Esse crescimento econômico proporcionou uma nova condição de inserção
internacional. Nos anos 1980, o Japão superou os EUA como líder no setor bancário,
tecnológico e de manufaturas. Tóquio pareceu estar entrando em uma nova fase de
política externa, diferenciando-se por um posicionamento mais afirmativo e aumento de
sua independência em várias questões (Nester, 1993: 114). Na segunda metade da
década de 1980, o Japão superou os EUA, pela primeira vez na história do segundo pósguerra, como o maior fornecedor de ajuda oficial para o desenvolvimento (ODA). E,
nesse mesmo período, tornou-se ainda o principal fornecedor de recursos aos países em
desenvolvimento.
Em 1989, o volume de recursos destinados pelo Japão ao ODA foi de US$8,96
bilhões, enquanto os EUA destinaram US$7,67 bilhões1. Pela primeira vez, segundo
dados do Comitê de Ajuda para o Desenvolvimento (DAC), o Japão superou as
contribuições feitas pelos EUA, ocupando a primeira posição no ranking de fornecedores
de ajuda externa. Em 1991, o Japão tornou-se o maior investidor externo.
Entre abril de 1986 e março de 1991, o Japão tornou-se a maior nação credora
mundial e seus investimentos externos somaram US$227,2 bilhões. Indústrias japonesas
foram criadas na América do Norte, Europa e outras partes da Ásia. Os japoneses
adquiriram propriedades estrangeiras, companhias, participações e títulos
1
OECD (Organization for Economic Co-operation and Development). Development Co-operation. Efforts and
Policies of the Members of the Development Assistance Committee. Paris: OECD.
2
governamentais, particularmente do governo dos EUA, o qual tinha um crônico déficit
no orçamento e estava sendo financiado por recursos japoneses (Smith, 1995:139).
Diante desse quadro e com um cenário em que a importância das questões
econômicas se sobreporia a das demais áreas, projetava-se no final dos anos 1980 que o
Japão era um candidato a uma posição de liderança internacional, inclusive com
especulações sobre uma possibilidade de substituir os Estados Unidos. Autores, como
Chalmers Johnson, afirmavam que os EUA havia vencido a Guerra Fria contra a exUnião Soviética, mas o Japão havia sido o vencedor da guerra econômica (Nester 1993:3)
e seria a nova superpotência do século XXI.
No entanto, as expectativas de ampliação do papel político do Japão para a década
de 1990 não se confirmaram. E três elementos parecem ter contribuído
significativamente para esse resultado:
1. a deterioração das condições econômicas japonesas na década de 1990;
2. a falta de coesão e, conseqüentemente, a força política para renovação da
política externa foram influenciadas e resultantes do processo de
formulação de políticas no país, o qual é marcado por fracionamento e
pluralismo político e;
3. a falta de participação e liderança japonesa em fóruns internacionais.
Poder Econômico
A Justificativa da concentração dos esforços japoneses aos temas econômicos
baseia-se, legalmente, nas restrições estabelecidas na sua Constituição de 1945 - imposta
pelos Estados Unidos - por meio do Artigo 9, o qual obriga o país renunciar a guerra
como instrumento de resolução de disputas internacionais. No entanto, o Japão, já no
final da década de 1940, com seu primeiro-ministro Shigueru Yoshida (1948-1954)
percebeu que essa situação era cômoda e se indispôs a alterar seu status internacional
por meio de modificação da sua constituição.
A preferência por uma política externa baseada em elementos econômicos
rejeitando a política militarista, como a empregada no período da Segunda Guerra,
trouxe facilidades no período de tensões entre as superpotências, quando a
bipolaridade, produto da Guerra Fria, beneficiava o Japão em suas relações com os
EUA. Porém, ao fim desse ordenamento internacional, como o elemento econômico era
o principal pilar de sustentação da diplomacia desenvolvida por Tóquio, a crise que
atingiu a economia japonesa nos anos 1990 afetou a sua política externa. A sua imagem
internacional do Japão começou a enfraquecer e o elemento econômico tornou-se um
ponto de fragilidade.
Esse foi uma das diferenças com relação aos EUA, que têm fundamentado sua
posição de superpotência em três bases: político, econômico e militar. Por isso, quando
os norte -americanos enfrentaram problemas econômicos nos anos 1980, a sua posição
internacional, ainda que abalada ou desafiada por outras nações, inclusive pela
japonesa, foi mantida pelo forte poder militar e político. No caso do Japão, o
enfraquecimento da posição internacional decorrente das dificuldades econômicas não
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encontrou outro elemento que pudesse dar sustentação para ampliação de seu papel na
política mundial nos anos 1990.
Política Interna
Um segundo fator doméstico que contribuiu para a debilidade da política externa
japonesa foi a política interna, pois ainda que a política externa enfoque as relações com
outros países, a dinâmica da política interna é cada vez mais influente sobre a
participação internacional de um país. Lentner (1999:9) afirma que fazer uma separação
das questões domésticas da política externa pode produzir mais falsos entendimentos
do que elementos de elucidação. Essa inter-relação, de acordo com Saitô (1990:54),
aumenta com a maior diversificação das estruturas domésticas, introduzindo maior
complexidade à condução das questões internacionais. No caso japonês, em decorrência
da escolha feita por Tóquio em utilizar recursos econômicos para desenvolver sua
diplomacia, essa relação é reforçada, pois, como assinala Robert Putnam (1988), a
política econômica externa de todas as nações reflete uma interação entre as pressões
políticas e econômicas domésticas e externas. Os resultados podem variar de acordo
com os países e as situações mas, de maneira geral, as políticas econômicas externas não
podem ser bem entendidas sem uma compreensão de fatores domésticos.
No período pós Guerra Fria, o que chama atenção no Japão é a dificuldade que
existe para se estabelecer e aplicar uma política externa, com as características de um
país que se propunha ser uma liderança internacional. No caso japonês, afirma
Masataka Kôsaka (1977:222), a estrutura de tomada de decisão é, no mínimo,
inadequada para um país que deseja assumir um papel de liderança, porque não o
permite responder com decisões e medidas rápidas.
Um mito existente é que há no Japão um consenso de interesses, defendido
inclusive pelos japoneses e apresentado sob as teses de “unicidade” ou "niponicidade”.
T.J Pempel (1987:271) assinala que se tornou um velho clichê entre alguns intelectuais
afirmar que os japoneses têm interesses semelhantes. Essa impressão conduziu à
formação da imagem de que o Japão funcionaria como uma corporação, disseminada
pela expressão “Japan, Inc.”.
Porém, isso não reflete a realidade, particularmente no que diz respeito à interação
entre os setores público e privado. Com o crescimento econômico estabelecido depois da
derrota na segunda Guerra Mundial, os interesses setoriais da sociedade japonesa se
diferenciaram e a coesão existente, naquele momento, começou a dar lugar às
divergências. Importantes organizações presentes na economia japonesa como o
Keidanren (representante de grandes empresas e negócios), a Federação dos Sindicatos
de Trabalhadores (Sôhyô), a Associação das Cooperativas Agrícolas (Nôkyô) passaram a
enfrentar dificuldades para falarem em nome de um interesse geral. Apresentar uma
posição de consenso tornou-se difícil até mesmo dentro dos setores, por causa do
surgimento de interesses diferentes e, às vezes, conflitantes (Curtis, 1999:43). No
entanto, a busca do consenso como meio de legitimação de políticas é uma característica
da sociedade e da cultura japonesa. Esse é um procedimento presente no cotidiano da
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vida japonesa, um padrão que não apresenta sinais de que mudará em um futuro
próximo.
Um exemplo com repercussões internacionais da aplicação desse princípio foi a
votação da lei que permitiria a participação japonesa em operações de paz da ONU –
International Peace Cooperation Law – votada em 1992. Naquele momento, embora o PLD
dispusesse de maioria na Dieta, o partido preferiu não aprovar a mencionada lei sem o
apoio de, pelo menos, parte da oposição (Pempel, 1994:31). A morosidade da resposta
japonesa à guerra fez com que, ainda que o governo de Tóquio tivesse se esforçado para
se afastar da imagem de que somente desenvolvia uma “diplomacia do talão de
cheque”, sua contribuição de maior destaque foi a financeira de US$13 bilhões, para
cobrir os custos das operações militares no Golfo. O montante significativo dessa
contribuição, todavia, não foi considerado suficiente e nem valorizado pelos aliados.
Estes julgaram tal contribuição como muito pequena e muito tardia, pelo fato de não
haver a presença de japoneses no Golfo (Fukushima, 1999:65).
Esse baixo reconhecimento às medidas japonesas não foi somente pelos países
aliados, o próprio Kuwait deixou o Japão ausente num anúncio de página inteira nos
jornais New York Times e The Washington Post no dia 11 de março de 1991 com o título
“Obrigado aos EUA e à família global de nações”, agradecendo os países ajudaram que
tiveram participação na guerra do Golfo (Fukushima, 1999:67).
Participação em Fóruns Multilaterais
Apesar de todos os problemas mencionados acima, a avaliação de que o Japão
fracassou no objetivo de ampliar seu papel internacional deve ser relativizada, pois há
diferenças na conceituação do papel de liderança do sistema internacional. A diferença
entre o cenário projetado e a política executada pelo governo japonês é explicitada por
Shiro Saitô (1990), o qual aponta que é necessário fazer uma distinção entre “leadership
initiative” e “leadership example”. De acordo com esse autor, o melhor entendimento da
política externa japonesa é o do “leadership example”, na qual a liderança do Japão seria
um modelo de nação pacífica, de desenvolvimento econômico, de abertura de mercado,
fornecendo ajuda econômica aos países em desenvolvimento, utilizando sua pujança e
influência econômica mundial. A liderança norte -americana, diferentemente, é de
leadership initiative - capacidade de fazer outros se submeterem a si por meio de força,
disposição e poder (Saitô, 1990:186).
Outra consideração é sobre a lógica utilizada para participação nas questões
internacionais e na formulação da política externa. Segundo Mushakôji Kinhide (1976),
mais do que procurar intervir no ambiente internacional para atingir seus propósitos, o
governo do Japão procura adequar-se a ele. Esse raciocínio, denominado pela palavra
japonesa awase, utilizado pelos orientais e, em particular, pelo Japão, faz com que suas
medidas de política externa se caracterizem como reativas, pois elas se compõem, na
maioria das vezes, de respostas a contextos específicos e não têm como objetivo
configurar o sistema internacional de acordo com seus próprios objetivos, claros e
previamente estabelecidos.
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Essas características ajudam a explicar a percepção de que existe uma vontade
política comedida em participar efetivamente nos fóruns multilaterais, refletindo, por
exemplo na ONU, em que nos anos 1970, o número de japoneses na secretaria dessa
organização era entre 70-80 nos anos de 1981-82, atingindo 121 em 1985 (Drifte, 2000:41).
Com esse número de funcionários, o Japão se fazia representado na maioria das
importantes comissões e quadros funcionais de agências de ajuda. Depois de 1985,
apesar da economia e das contribuições para a organização do Japão terem crescido, o
número total de funcionários caiu para 99 em 1988. O número de pessoas japonesas
nunca retornou novamente aos níveis de 1985. Em 30 de junho de 1997 havia 104
japoneses no total de funcionários da ONU, contra 131 alemães. Considerando as
contribuições financeiras de cada país, a Alemanha poderia ter 121 funcionários e o
Japão 205 funcionários (Drifte, 2000:42).
Esse quadro de baixa representação japonesa na ONU parece estar associado a
análise apresentada por Farrell (1999:2), de que a política externa japonesa busca uma
liderança sobre os processos, não sobre os resultados como acontece com os Estados
Unidos. Essa forma de atuação, tem o objetivo de, ao mesmo tempo, contornar o
problema e o temor de isolamento do Japão e evitar um possível confronto direto com
outros países em função de políticas assumidas pelo governo.
A lógica da política japonesa parece ser se fazer presente na organização, pois isso
é visto como uma conquista de reconhecimento internacional. Porém, essa representação
não deve ser muito grande para que uma decisão da organização não fosse vista como
uma posição japonesa.
Considerações Finais
Os fatores acima ajudam entender a debilidade na projeção de uma liderança
japonesa no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, que somados contribuíram para a
ausência de uma clara política externa de país líder. Essa década de falta de política mais
afirmativa tem contribuído para uma deterioração do status internacional do Japão, que
nem mesmo a manutenção como segunda maior economia mundial tem sido capaz
evitar.
Para o futuro, a China aparece como um desafio ao Japão, pois a ascensão
econômica da China e sua a política externa afirmativa têm chamado a atenção do
governo norte americano. Todavia, não é do interesse norte-americano uma China
demasiadamente forte na Ásia e não existe um interesse japonês em perder o seu atual
status de parceiro privilegiado com Washington. Por isso, ainda que haja desafios ao
Japão para recuperar sua economia e seu status internacional do final dos anos 1980,
Tóquio ainda deverá continuar sendo o parceiro dos EUA na região.
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BIBLIOGRAFIA
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CURTIS, Gerald L (Ed). Japan’s Foreign Policy After the Cold War: Coping with Change.
New York: An East Gate Book, 1993
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Change. New York: Columbia University Press. 1999.
DRIFTE, Reinhard. Japan’s Foreign Policy. London: Routledge, 1990.
DRIFTE, Reinhard. Japan’s Quest for a Permanent Security Council Seat: A Matter of Pride or
Justice? Oxford: St. Antony’s College, 2000.
FARRELL, William Regis. Crisis and Opportunity in a Changing Japan. Westport,
Connecticut: Quorum Books, 1999.
FUKUSHIMA, Akiko. Japanese Foreign Policy: The emerging logic of multilateralism: UK.
Macmillan, 1999
INOGUCHI, Takashi. Japan’s Foreign Policy in an Era of Global Change. London: Pinter
Publishers. 1993
KÔSAKA, Masataka. “The International Economic Policy of Japan”, pp. 207-226. In:
SCALAPINO, Robert A (Ed.). Foreign Policy of Modern Japan. California: University of
California Press, 1977.
7
Testemunho do Autor
Este trabalho foi resultado de minha pesquisa de doutoramento. A pergunta
fundamental que me levou a essa pesquisa foi por que depois da Guerra Fria – depois
de vários autores e especialistas estarem discutindo o reordenamento internacional – o
Japão, indicado como um país que poderia ser o principal líder internacional, não
concretizou as expectativas? Por que o Japão não conseguiu, depois de dez anos,
transformar sua capacidade, seu poderio e sua potência econômica em capacidade de
articulação política em âmbito global e regional, como alguns autores especialistas
previam? “Quais são os fatores que poderiam causar essa restrição, essa contenção da
política externa japonesa?”.
Entre os especialistas que acompanham a política externa japonesa, é muito
comum encontrar argumentos de que a política externa japonesa é movida e estimulada
por pressões externas. O termo cunhado para denominar esse tipo de pressão é gaiatsu
(atsu significa pressão e gai, externa). Termo muito utilizado no Japão, tem como
principal agente de pressão externa os Estados Unidos. Seria essa a resposta para a
pergunta que estimulou este trabalho? A pressão externa estaria impedindo o Japão de
se tornar um país com maior projeção e participação política nas questões
internacionais?
Logo no começo do trabalho eu tento apontar que essa não seria uma resposta
adequada ao resultado que temos hoje. O Japão ainda é um país muito contido, muito
low profile. Por quê? Porque durante a década de 80, pouco antes do final da Guerra Fria,
quando o Japão crescia economicamente e ganhava o status de segunda potência
mundial, os Estados Unidos, parceiro importante para o Japão, passaram a pressionar o
Japão a assumir mais responsabilidades no âmbito internacional, tanto em termos de
custos financeiros como, também, políticos para manutenção do ordenamento
internacional. Alguns elementos dessa pressão norte-americana sobre o Japão (para que
este se tornasse um ator mais global) surgem logo após a Segunda Guerra Mundial.
Todos já ouviram falar do artigo 9o da Constituição japonesa, que restringe o Japão de
atuar com suas tropas fora do território japonês. Desde a década de 50, quando houve a
guerra da Coréia, os Estados Unidos vêm pressionando o Japão a alterar o referido
dispositivo constitucional. O Japão, no entanto, demonstrou pouco interesse político em
alterar o texto constitucional. No decorrer da década de 90, houve algumas modificações
– existe uma lei interna que autoriza algumas ações das tropas japonesas para fins
outros que a autodefesa. Eu diria que, no decorrer da segunda metade do século 20, e
principalmente a partir do final da Guerra Fria, os Estados Unidos vêm demonstrando
interesse numa maior participação internacional do Japão.
Também houve interesse por parte dos países europeus de que o Japão deixasse de
ser – o termo foi cunhado no final da Guerra Fria – um anão político no âmbito das
relações internacionais. Ou seja, era uma grande economia, mas tinha uma baixa
participação e responsabilidade em termos de ordenamento internacional. O Japão era
visto, pelos países europeus, como um carona, isto é, um país que apenas se beneficiava
do ordenamento internacional mantido pelos EUA e pelos países ocidentais. Segundo o
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argumento europeu, o Japão deveria ser responsável pelo ordenamento internacional e
não só se beneficiar economicamente do comércio exterior. Para os países europeus, o
Japão deveria ampliar a sua participação internacional.
Por fim tem os países da região da Ásia,com os quais onde o Japão tem
intensificado sua as relações. Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos
pressionaram o Japão a participar do reordenamento e da recuperação econômica
asiática. O Japão tentou restabelecer relações com os países asiáticos por meio de ajudas
econômicas, de investimentos e da intensificação do comércio regional. Apesar da
cooperação econômica, havia, entre os países da região, um sentimento de resistência à
maior projeção política internacional do Japão. Decorrentes do histórico de invasões
japonesas na região, existia um receio de uma nova militarização e da adoção de um
projeto imperialista para a região.
A resistência dos países asiáticos à projeção internacional do Japão diminuiu nos
primeiros anos após a Guerra Fria. A cooperação econômica liderada pelo Japão
beneficiou os países da região. O resultado da intensificação do comércio e dos
investimentos japoneses foi a aproximação entre os países asiáticos. A Malásia, por
exemplo, chegou a propor que o Japão, além do papel de líder econômico, representasse
politicamente a região junto ao GATT e em outros órgãos multilaterais. Diante desse
posicionamento, vemos que em termos de pressões externas sobre o Japão, existia um
cenário que favorecia uma maior projeção da política externa japonesa do final da
Guerra Fria em diante.
Por que isso não aconteceu? Creio que três temas mereçam atenção. O primeiro
que eu gostaria de mencionar é o da estrutura de decisão dentro do Japão. Se os fatores
externos não são suficientes para explicar a política externa japonesa, vamos tentar achar
respostas analisando alguns fatores internos de por que o Japão não consegue formular
uma política de país potência, como os Estados Unidos e os países europeus? No Japão,
um problema que merece atenção é o processo de tomada de decisão. O segundo ponto
que interferiu na capacidade japonesa de inserção internacional foi a crise econômica
que surgiu logo após a Guerra Fria. A Guerra Fria acaba em 1989 e no início da década
de 1990, exatamente em 1991, há o estouro da bolha econômica no Japão, que vai
influenciar muito a capacidade de projeção internacional do país. Pois, desde a Segunda
Guerra Mundial, o Japão optou por fazer a sua participação internacional via atuação
econômica.
A restrição dada pela Constituição, já mencionada, impedia atuações militares
japonesas fora do seu território. Com essa opção de não se envolver militarmente, os
instrumentos nacionais de ação eram os recursos econômicos, via ajuda externa,
investimentos ou doações. Na primeira Guerra do Golfo, o Japão foi muito criticado pela
preferência dada à via econômica. Os Estados Unidos por várias vezes pressionaram o
Japão para que se tivesse envolvimento maior na Guerra do Golfo, mudando sua
Constituição para enviar tropas. Todavia, o Japão demorou muito para decidir, somente
quando a guerra já havia acabado veio a resposta japonesa, o envio de US$ 13 bilhões
para pagar parte dos custos da guerra.
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Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o Japão tem buscado desempenhar sua
política externa via recursos econômicos. Com a crise na política externa a partir de
1991, é possível observar que, apesar do Japão continuar a ser a segunda economia
mundial, a preocupação dos políticos e do governo japoneses desloca-se para os
problemas domésticos. Assim sendo, o Japão, que já tinha um posicionamento
internacional fraco, vem, nos últimos dez anos, concentrando seus esforços para resolver
os problemas internos causados pela crise econômica. Isso fragilizou o seu principal
instrumento de política externa japonesa: as ações utilizando recursos econômicos.
A formulação de políticas e os problemas econômicos são os dois primeiros pontos
do trabalho. O terceiro ponto, mais subjetivo, que tento argumentar na tese é o da
disposição do Japão em ser um ator político internacional realmente forte. No final da
Guerra Fria, dois fatores impulsionavam uma maior atuação japonesa no mundo. Em
primeiro lugar, o Japão detinha o poder econômico para sustentar maior projeção
externa. Em segundo lugar, havia vontade, por parte dos países ocidentais, de o Japão se
assumisse maior responsabilidade internacional. E, na literatura das relações
internacionais, há uma teoria que afirma, quando um país se encontra numa situação de
potência econômica, existe quase que uma necessidade de reordenamento das relações
internacionais para que esse país ocupe um espaço político e militar equivalente à sua
capacidade econômica. Essa era a condição do Japão no pós-Guerra Fria. A capacidade
militar e política japonesa deveriam se equiparar à realidade econômica do país.
Por que isso não acontece? Porque não houve muita disposição por parte do
próprio Japão, por causa das dificuldades internas da economia e por causa de uma
disposição cultural e histórica da política externa japonesa. A partir da Segunda Guerra
Mundial, o Japão formulou uma política que posicionava o país sob o guarda-chuva de
proteção dos Estados Unidos. Essa política, que começou com o primeiro-ministro
Yoshida, no final da década de 40, ao relegar toda a área de defesa do país aos Estados
Unidos, deixava o Japão livre para se dedicar somente às tarefas econômicas. Essa
indisposição em envolver-se em questões conflituosas aparece também como um fator
explicativo do porquê o Japão não ampliou a sua atuação internacional no pós-Guerra
Fria. Esses são os três pontos principais que eu tento apresentar na minha tese.
Queria agora focar um pouco no primeiro ponto: a estrutura de formulação de
políticas dentro do Japão, que considero um aspecto interessante. Depois da Guerra
Fria, o Japão não era apenas uma potência econômica, mas um país que estava sendo
visto como um modelo pelo seu desenvolvimento econômico. Várias empresas
japonesas, hoje conhecidas no mundo inteiro, “conquistaram” os Estados Unidos,
comprando empresas como o Rockefeller Center. O fortalecimento da capacidade
econômica japonesa causou impacto e a impressão de que o Japão realmente estaria
disposto a seguir uma política de expansão da sua atuação internacional. Além disso,
havia a disseminação da qualidade japone sa e dos processos administrativos. Todos
aqui devem ter ouvido falar em just in time, kanban e outras coisas que foram tidos como
modelo. Isso fortaleceu o status internacional do Japão, colocando-o, segundo os
analistas internacionais, como um possível substituto dos Estados Unidos ou, pelo
menos, como um parceiro equivalente aos EUA num novo ordenamento internacional.
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Na minha tese, eu analiso o crescimento do Japão num período que vai de 1985 até
1998. Por que isso? Porque em 1985 há um acordo internacional chamado Acordo de
Plaza, que previa a desvalorização da moeda americana em relação à moeda japonesa e
a de países desenvolvidos. Esse fato é importante também para entender a situação
japonesa no pós-Guerra Fria, pelo seguinte fato: nesse momento, quando pensamos no
Acordo de Plaza, a burocracia japonesa temia que por causa da desvalorização da
moeda norte-americana, houvesse um forte impacto sobre as exportações de produtos
japoneses ao mercado norte-americano. Por isso, a burocracia japonesa desenvolveu
uma política para que não houvesse um desaquecimento da economia japonesa.
Essas medidas foram consideradas como causadoras da bolha econômica, entre
1985 e 1991, que teve seu dinamismo próprio intensificado pelas políticas
governamentais, que visavam minorar o impacto da desvalorização do dólar. Existem
muitas críticas de que essas medidas foram equivocadas, pois levaram às empresas a
fazerem investimentos muito fortes. Havia uma percepção de que com o crescimento da
economia japonesa, principalmente na área de Tóquio, muitos bancos e agentes
financeiros iriam investir nessa região, porque lá seria o centro econômico mundial.
Houve, depois de 1985, uma sobrevalorização muito forte dos ativos e dos imóveis
daquela região.
Nesse período havia, em termos econômicos, muita liquidez, muito dinheiro na
economia japonesa. Havia muitos investimentos em ações e das empresas. A euforia
com a economia japonesa criou a expectativa de que ela estaria crescendo de maneira
indefinida, sem limites. Nesse processo de formação da bolha economia japonesa, os
bancos tiveram um papel importante, assim como o Ministério das Finanças do Japão.
Os bancos tinham muito poucos critérios para fazer os empréstimos e o governo japonês
também não tinha um controle rigoroso sobre as liberalizações de recursos pelos bancos.
Com essa abundância de recursos, as empresas tomavam dinheiro emprestado dos
bancos e, muitas vezes, colocando como lastro, imóveis sobrevalorizados que tinham
adquirido. Ou seja, uma empresa tomava um empréstimo de “100” no banco e usava o
seu imóvel, que também valia “100”, como garantia do seu empréstimo. No entanto, em
1991, com a quebra das expectativas, o imóvel da garantia que valia “100” em um ano
teve seu valor nominal reduzido 50%, passando a valer “50”. A dívida da empresa, no
entanto, ainda era “100”. Se a diferença fosse entre R$ 100 e R$ 50, dar-se-ia um jeito,
mas a situação envolve bilhões de dólares. A maneira de solucionar essa crise do sistema
financeiro pelo governo foi tentar bancar esses créditos podres - sem lastro nem garantia
- e estimular o crescimento da economia, para que os ativos recuperassem seus valores.
Outro fator que levou o Japão a ser apontado como país potência era o fato de que
naquele momento, final da década de 80, o Japão, ao contrário dos Estados Unidos,
continuava crescendo e os Estados Unidos estavam com dificuldades internas –
desemprego e problemas sociais. A economia norte-americana estava se reestruturando.
No início da década de 90, o Japão e os Estados Unidos encontravam-se em situação
praticamente opostas. Isso tornou possível pensar num reordenamento internacional.
Havia dois itens que limitavam esse reordenamento: primeiro, a autolimitação
imposta às forças armadas pela Constituição japonesa. Pois, para que o Japão pudesse
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ser uma potência de atuação mais firme no cenário internacional e regional, a sua
constituição deveria ser alterada. Outro fator são as armas nucleares, que deixam o
Japão que não tem arma nuclear, frente a China que tem e a Coréia do Norte, ainda que
não haja certeza, numa posição de inferioridade. Até o momento, porém, o Japão não
tem mostrado nenhuma intenção de desenvolver armas nucleares, até porque está sob
guarda-chuva norte-americano.
Apesar disso, como já foi mencionado, vários países mostravam interesse em ver o
Japão ganhar uma dimensão internacional maior. A partir do final de década de 80, o
primeiro -ministro e o ministro das Relações Exteriores, afirmaram que o país tinha
interesse em ocupar um papel de maior responsabilidade internacional. Essa posição foi
observada em documentos, em declarações e nos fóruns internacionais. Parecia que o
Japão, realmente, estava caminhando para uma posição internacional de liderança.
Antes de continuar, gostaria de acrescentar um esclarecimento sobre como ocorre a
formulação da política externa japonesa no âmbito interno. Uma coisa que considero
interessante é a idéia, o senso comum, de que o Japão é um país consensual, onde os
interesses são iguais. A partir da Segunda Guerra Mundial, houve um período de
consenso em relação à meta do Japão como país, que era o crescimento econômico. Com
os grandes prejuízos provocados pela guerra, nos primeiros quinze ou vinte anos após a
Segunda Guerra Mundial, havia um certo consenso de que o país precisava crescer
economicamente. Não importava qual órgão governamental estivesse opinando, se era
Ministério da Economia, o Ministério dos Transportes ou o Ministério da Agricultura,
pois todos almejavam o crescimento econômico. Naquele primeiro momento, pode-se
afirmar que havi a uma certa homogeneidade no pensamento do Japão.
A idéia de que todo japonês pensa da mesma maneira é errada, mas é interessante
notar que os próprios japoneses defendem essa tese. Vários antropólogos e acadêmicos
japoneses defendem essa tese da homogeneidade e da “cultura única”. Apesar de
passar, no decorrer de sua história, por períodos de isolamento, o Japão não é um país
homogêneo. A população japonesa é fruto de uma miscigenação significativa. No sul do
país, parte da população é de origem chinesa, no norte, há muitos de origem mongol e,
na parte central, também há miscigenação. Apesar disso, existe no país uma tradição se
de considerar a sociedade japonesa como homogênea, consensual. Eu não concordo com
essa visão. Já foi mencionado o consenso que houve nas primeiras décadas após a
Segunda Guerra. No entanto, a partir de meados da década de 70 e início da década de
80, a meta consensual havia sido atingida. Com a revitalização da economia japonesa
surge, então, dentro a divisão de interesses e a competição entre os grandes
conglomerados econômicos pelos benefícios das políticas públicas.
É possível observar, nesse período dos primeiros vinte anos após a Segunda
Guerra, que a burocracia teve um papel muito importante no Japão. Durante a ocupação
norte-americana do Japão, as Forças Armadas e muitos políticos japoneses foram
afastados do governo. Na primeira eleição para deputados, em 1946, 80% dos
candidatos eram novos políticos. A concentração de políticos novos e inexperientes
resultou num maior poder para a burocracia. Nos primeiros anos, quem formulava as
políticas públicas eram os burocratas que já se encontravam nos ministérios, em
12
particular o Ministério da Indústria e Comércio e o Ministério das Finanças. Esses
ministérios eram essenciais para o fortalecimento da economia japonesa e, como
queriam os Estados Unidos, regional. Os políticos, por sua vez, apenas seguiam as
formulações feitas pela burocracia.
Tendo o crescimento econômico como meta consensual nas primeiras décadas do
Pós-guerra, as funções dos ministérios eram mais harmoniosas. O Ministério das
Relações Exteriores, por exemplo, era, naquela época, o principal responsável pela
formulação da política externa do país, porque nele se encontravam negociadores que
falavam o inglês. As negociações, por estarem concentradas apenas em um ministério,
eram consideravelmente mais simples do que as de hoje. Hoje, a formulação da política
externa, em particular a de cooperação econômica, é disputada por diferentes
ministérios, que criaram seus respectivos departamentos de cooperação internacional.
Pois o crescimento da economia japonesa e a conseqüente abundância de recursos,
principalmente na década de 80, propiciaram condições para isso. Além disso, deve-se
observar que a negociação de um acordo de integração econômica ou de investimento
contém tantas especificidades que a participação de técnicos de outros ministérios
tornou-se, muitas vezes, essencial. Embora a participação de diferentes ministérios nas
negociações, a idéia de coesão é uma coisa do passado. Hoje, existe muita disputa dentro
da burocracia japonesa, motivada também pelos interesses econômicos.
Outro elemento que vai dar maior complexidade a formulação das políticas
começam a aparecer a partir de meados da década de 70, quando houve uma certa
contenção de recursos japoneses por causa da crise do petróleo. A partir daquele
momento, os políticos passaram a interferir mais nos projetos, sendo os responsáveis
pela liberação dos recursos. Passou a haver uma maior interferência dos políticos no
processo de formulação de projetos, pois mesmo que os burocratas elaborassem os
projetos, quem liberava os recursos era o Congresso. Depois de mais de uma década no
poder, os políticos japoneses desenvolveram um maior conhecimento da formulação de
políticas públicas. Além disso, o Partido Liberal Democrático (PLD), que se mantém no
poder há muito tempo, criou um comitê interno para formulação de políticas públicas, o
que possibilitou aos políticos se especializarem em alguns assuntos como construção
civil, política externa e saúde pública. Esses políticos, muitos eleitos graças ao apoio
econômico do setor privado, passaram a interferir na formulação das políticas. O
resultado disso foi a fragmentação da formulação das políticas públicas devido aos
diferentes interesses do setor privado, o que dificulta cada vez mais a formação de uma
política única para o Japão.
Ao final da Guerra Fria, o Japão deveria formular uma política de país potência.
Qual era essa política? Qual era a negociação? Não havia canais de negociação interna,
entre os ministérios no governo japonês para que uma política única de país potência
pudesse ser formulada. Havia várias políticas sendo desenvolvidas, gerando uma
disputa de poder dentro do próprio governo japonês. Em 1989, no final da Guerra Fria,
o Partido Liberal Democrático perdeu a maioria na Câmara alta do Japão, e a hegemonia
do partido começou a se deteriorar. Em 1993, o PLD perdeu a maioria também na
Câmara baixa e, nos três anos seguintes, o Japão teve um governo de oposi ção. A perda
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de liderança do Partido Liberal Democrático fragilizou o sistema político japonês.
Depois de escândalos envolvendo a burocracia de alguns ministérios, os políticos do
PLD, que já tinham conhecimento técnico, deveriam assumir a liderança da formulação
das políticas. E isso não ocorreu. A experiência do comitê de formulação de políticas do
PLD não era compartilhada pelos partidos que assumiram o poder. Houve, então, uma
dificuldade para o novo governo formular políticas envolvendo o setor privado e os
ministérios. Criou-se um vácuo de poder administrativo dentro do governo japonês.
Resumindo, a disputa de poder, a estrutura fragmentada e os políticos inexperientes
acabaram prejudicando a formulação de uma política externa de potência para o Japão.
No caso dos ministérios, além das disputas em torno da formulação de diversas
políticas de cooperação internacional, havia também a disputa por recursos,
principalmente depois da década de 90, quando o Japão começou a entrar em crise
econômica. Os governos já estavam acostumados a um volume grande de recursos e, a
partir do momento em que começou a crise, começou a haver alguns remanejamentos
de orçamento. Para manter o seu orçamento, alguns ministérios começavam a disputar o
controle de certos temas. Por exemplo, o Ministério da Indústria e Comércio disputava
com o Ministério de Telecomunicações a parte de Telecomunicações e Informação (TI),
porque a área de telecomunicações envolve também o comércio internacional. Isso é
apenas um exemplo entre outros de disputa entre ministérios por mais recursos. Um
caso interessante é o que os ministérios fazem para conseguir mais recursos do
orçamento. No Japão, o ano fiscal termina em março. Para não perder recursos no ano
seguinte, os ministérios têm que gastar todos os recursos de que dispõem. No entanto, o
governo japonês não pode fechar o ano com as contas em déficit. Os ministérios têm que
fechar as contas no azul, mas não com muito dinheiro em caixa, senão não conseguem
barganhar mais verba. O ideal é deixar o caixa praticamente zerado. Como os
ministérios são muito econômicos em termos de gastos na maior parte do ano, nos
meses que antecedem o término do ano fiscal pode-se observar um aumento nos gastos
públicos – o que tem de obra na rua! Tudo isso é feito tendo em vista a próxima alocação
de recursos do orçamento.
Outra coisa que acho interessante analisar é o papel do primeiro-ministro. Como
vivemos num país presidencialista onde papel do poder Executivo é forte, no caso do
Japão isso não acontece. O primeiro-ministro faz muitas declarações que, muitas vezes,
não refletem o que está ocorrendo internamente no país. Essas declarações servem
apenas para agradar aos que ouvem, como os Estados Unidos e a Europa. No final da
Guerra Fria, como foi mencionado aqui, as declarações do primeiro-ministro apontavam
o Japão para uma nova política internacional, o que não se concretizou. O fato é que o
primeiro -ministro japonês não tem instrumentos formais dentro da estrutura política
japonesa para fazer valer as suas vontades. Ele pode ter uma posição pessoal, mas não
consegue implementar aquilo diretamente, porque ele é eleito pelo Congresso e não
diretamente pelo povo. Não há, digamos, respaldo popular. O primeiro-ministro
Koizumi tem uma popularidade alta, mas ele não tem instrumentos formais para fazer
com que o Congresso, que é a Dieta japonesa, aprove as reformas que ele quer. Isso
aconteceu em outros casos também. Yasuhiro Nakasone, que foi um primeiro-ministro
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de projeção internacional muito forte, teve um relacionamento muito bom com os
Estados Unidos. Ele tentou reestruturar o sistema político japonês, tentando fortalecer a
posição do primeiro-ministro. Ele queria transformar o Japão em “país normal” ou
“normal State”, ou seja, num país que, depois de mudar a sua Constituição, pudesse
atuar externamente de forma mais ativa. Apesar das tentativas pessoais do primeiroministro, ele não conseguiu fazer essa transformação. O fracasso de colocar em prática o
projeto se deveu à resistência e ao desinteresse da burocracia e da população japonesa.
Depois do primeiro-ministro Tanaka, um político forte, não houve muitos outros
primeiros-ministros de personalidade forte, que fossem marcantes na política japonesa.
De qualquer maneira, independentemente da postura e da personalidade, a estrutura da
política japonesa não fornece as condições para que o primeiro-ministro intervenha de
maneira mais firme. Essa fragilidade política aumenta a distância entre discurso e a
prática da política externa japonesa.
Vimos que o crescimento econômico causou a fragmentação da política japonesa e
enfraqueceu os políticos ligados aos conglomerados econômicos. Os políticos não se
reagruparem para formar uma política externa consensual. Hoje, o primeiro-ministro
Koizumi faz parte da facção menor do PLD. No começo da década de 90, essa facção
estava na oposição, enquanto o primeiro-ministro Obuchi, da facção maior, estava no
poder. Apesar de Koizumi ser mais popular do que Obuchi foi, ele detém menos poder
para realizar as reformas. Outro fator que mencionei foi a “fragilização” da economia
japonesa.
Um momento importante é a crise asiática de 1997. Tratava-se de um momento
oportuno para o Japão conseguir firmar sua posição internacional. Havia, naquela
época, expectativa entre os países asiáticos de que o Japão desse algum recurso, desse
uma ajuda aos países para saírem daquela situação. Na verdade, houve uma iniciativa
do governo japonês ele propôs fazer uma espécie de FMI asiático, projeto logo
abandonado devido à objeção dos Estados Unidos.. Depois, em outro momento, acho
que já em 1998, alguns países do sudeste asiático solicitaram a ajuda do Japão. O
primeiro -ministro Hashimoto, na época, disse que o Japão não tinha condições de ajudar
os países asiáticos naquele momento porque tinha problemas econômi cos internos. Essa
declaração do primeiro-ministro japonês causou uma certa frustração naqueles que
esperavam um papel mais ativo do Japão, entre eles os países da região. Era esperado
que o Japão, que desde a Segunda Guerra Mundial se propôs a ser um ator internacional
atuando economicamente, atuasse de maneira um pouco mais afirmativa na crise
asiática de 1997. Além disso, o Japão tem muitos interesses econômicos na região. A
frustração causada pela falta de ação prejudicou fortemente uma possível recuperação
do papel desempenhado pelo Japão na Ásia.
Outro aspecto que quero mencionar aqui é a participação internacional do Japão
em fóruns multilaterais. A participação japonesa nesses fóruns mostra, para mim, a
restrita disposição do Japão em ser um ator internacional importante. Em 1995, o Japão
contribuía com 13% do orçamento total da ONU. No entanto, qual é a participação
japonesa nesse órgão? Os números são interessantes. No ano 1976, o Japão tinha cerca
de 80 funcionários na ONU. Em 1982, esse número subiu para 100 e, em 1985, chegou a
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121. O número de funcionários, assim como a economia japonesa, estava crescendo. Em
1988, esse número caiu para 99. Apesar do crescimento econômico, o número de
representantes japoneses na ONU caiu. Em 1997, o número total de membros japoneses
na ONU era de 104. Fazendo uma comparação, o Japão, em 1997, era o segundo maior
contribuinte da ONU. A Alemanha, por sua vez, tinha nesse mesmo ano 131
funcionários na ONU. Se a representação fosse proporcional às cotas de contribuição, a
Alemanha deveria ter 121 funcionários. O Japão poderia ter 205 e tinha apenas 104. No
FMI, por exemplo, dos 1700 cargos existentes, o Japão ocupa apenas 30 (2% do efetivo
do FMI). No Banco Mundial, os funcionários japoneses representam 1% do total de
pessoas no Banco. Por que o Japão, que tinha uma proposta de ser um país de liderança,
não ocupou mais cargos nos fóruns multilaterais? Qual é a disposição japonesa de
realmente ser um país de liderança? Parece-me que existe pouca disposição.
Um outro aspecto que parece ser interessante é observar como a liderança é vista
pelo Japão e pelo Ocidente. Para o Japão, os Estados Unidos consideram a liderança em
termos de resultado, ou seja, os Estados Unidos querem liderar para influenciar
resultado. O Japão, por sua vez, não tem preocupação em influenciar o resultado. O
Japão quer ser líder para discutir. Enquanto para os Estados Unidos o resultado deve
respeitar sua vontade, para o Japão ele deve ser fruto da discussão, mesmo que não seja
o resultado ideal para o país. O principal interesse do Japão é participar das discussões,
e não determinar o resultado. Desde a Segunda Guerra Mundial, o Japão tem buscado
entrar nos fóruns multilaterais como ONU, FMI, Banco Mundial, mas a sua participação
tem sido baixa porque ele quer estar lá no órgão, no fórum multilateral, mas não quer
determinar no resultado. Então não importa muito se ele tem cem, cinqüenta ou dez
funcionários no órgão. Pelo que tenho percebido, o simples fato de estar sendo
representado nos fóruns, ind ependentemente do resultado, já agrada ao Japão. É
interessante notar essa maneira de liderar diferente da ocidental de influenciar. Para
mim, esse tipo de liderança internacional, a que determina os resultados, foi o que faltou
à política externa japonesa. Essa percepção de liderança, em conjunto com os fatores de
política interna (a disputa do poder que fragilizou o sistema político) e com a crise
econômica, prejudicou a formulação de uma política externa de país potência, que faria
do Japão o líder internacional que a maioria dos analistas ocidentais antevia.
Eu gostaria de fazer um contraponto para finalizar. Os Estados Unidos também
enfrentaram problemas econômicos na década de 80. no entanto, a política externa do
país estava apoiada sobre o tripé econômico, político e militar. A política externa
japonesa não tinha esse tripé. O Japão se projetou no mundo por meio de sua economia.
O país não desempenhou nenhum papel político relevante desde o pós-guerra e,
militarmente, ele sempre dependeu dos Estados Unidos. A partir do momento que há
uma crise no seu principal instrumento de articulação internacional, que é a economia, a
partir da década de 90, o Japão perde seu posicionamento no mundo. Pode-se observar
que o status internacional do país vem sendo reduzido gradualmente. A China,
diferentemente do Japão, sabe que papel quer ter no mundo. A atuação da China não se
limita à economia e à mera participação em fóruns multilaterais. O país vem
desenvolvendo uma política externa que leva em conta os aspectos militares também,
16
que amplia a capacidade de intervenção chinesa nos assuntos globais. O Japão, por sua
vez, não demonstra, até o presente momento, a disposição para ter esse tipo de atuação
no mundo.
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Debate
Pergunta:
Queria comentar que o nosso interesse pelo Japão é grande pelo fato de que a
própria região da Ásia e Pacífico, pelas previsões econômicas até o ano 2030/40, vai se
transformar na região de maior concentração de atividade econômica no mundo, com a
transferência da atividade econômica do Atlântico para a zona da Ásia e do Pacífico. Por
isso o papel do Japão, maior ator nessa região, atrai a nossa atenção.
O Japão e a Alemanha têm o perfil dos derrotados na Segunda Guerra Mundial.
Esse perfil foi estruturalmente fixado no período da bipolaridade, quando os dois países
mantiveram um low profile por não terem voz independente na política externa. Quando
começou uma evolução menos rígida dentro do contexto da bipolaridade, observamos o
papel crescente da Alemanha, graças à sua inserção e seu funcionamento eficaz dentro
da União Européia. O papel do Japão, por sua vez, está decrescendo, inclusive pela
redistribuição das atenções e das influências dos grandes atores internacionais em
relação ao Japão, como os Estados Unidos da América, que transferiram as suas atenções
para a China e para os outros assuntos na Ásia.
Acho importante fazer um comentário sobre a relação do Japão com a Rússia. Os
dois países não têm, até os dias de hoje, um tratado formal de paz. Eles se encontram,
formalmente, em condição de guerra por causa de vários assuntos, sobretudo por causa
da questão das ilhas Kurilas. A questão das ilhas é se transformou, para a política
externa japonesa, numa barreira ao relacionamento com a Rússia. A situação persiste até
mesmo depois da Guerra Fria e da abertura política e econômica da Rússia. A exposição
de hoje me ajudou a entender melhor a razão disso. A mudança não ocorre, para o
Japão, justamente por causa da burocracia e do tradicionalismo. Por exemplo, mesmo
Koizumi, que é considerado um primeiro-ministro moderno, ainda não fez um pedido
de desculpas claro em relação aos atos cometidos, durante a Segunda Guerra Mundial,
contra a China, a Coréia e a Rússia. Esta, por sua vez, já pediu desculpas em relação às
atrocidades que foram cometidas contra os japoneses durante a Segunda Guerra
Mundial, inclusive em relação aos campos de prisioneiros de guerra.
Dr. Alexandre Uehara:
Primeiro em relação à tomada de decisão no Japão. Uma coisa interessante que eu
queria aproveitar para acrescentar também é que normalmente, no Ocidente, quem
toma a decisão é quem está no topo da hierarquia. Os funcionários assistem, fornecem
as informações e o chefe é quem dá a palavra final. No Japão não acontece isso.
Geralmente, principalmente na parte do governo, quem decide não é o primeiro ministro, o ministro, o vice-ministro, nem o diretor. Nas análises que tenho visto e
acompanhando lá no Japão, quem decide é o chefe da divisão ou o diretor nas regiões. O
primeiro -ministro não tem uma equipe que o assessore, geralmente ele está ocupado
com compromissos, sem tempo para pensar ou formular as coisas. O primeiro-ministro
Nakasone, por exemplo, tentou formular um think tank para ajudá-lo a acompanhar as
negociações e a tomar alguma decisão.
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No Japão, são os ministros e o primeiro-ministro que, geralmente, vão ao
Congresso explicar suas atividades para os parlamentares. No entanto, devido à falta de
conhecimento técnico sobre as matérias, eles são assessorados pelos diretores dos
ministérios. Essa situação revela uma certa dependência dos ministros e do primeiroministro nos diretores para tomar decisões. Quem formula as políticas, na verdade, são
os diretores e quem está abaixo deles. Isso é uma coisa muito interessante que acontece
no Japão. As pessoas dizem “se quer negociar, negocie com o diretor e não
necessariamente com o primeiro-ministro ou com o ministro porque não são eles que
decidem. Quem decide é o diretor do ministério ou os assessores do diretor”.
Outro aspecto interessante sobre a tomada de decisão é verificar como surgem os
planos, os projetos políticos no Japão. O estímulo pode vir de vários lugares. Pode ser
uma pressão externa, pode ser o interesse de algum político em particular, mas o projeto
começa, geralmente, no assistente. É o assistente é que começa a formular as linhas
básicas da política. Depois, o projeto vai circulando pelo gabinete (o nome da circular é
ringisho), passando por outros assessores e subindo a hierarquia até chegar ao gerente e
ao diretor. O importante é notar que a tramitação do projeto é resultado de decisões
coletivas. O assessor decide com outros assessores, o gerente faz o mesmo com outros
gerentes e assim por diante. Ninguém quer assumir responsabilidades sozinho, o que
acaba retardando as decisões. Quando os Estados Unidos pediram para o Japão ajudar
na primeira guerra do Golfo, a resposta foi muito demorada porque o primeiro-ministro
consultou muita gente (assessores, gerentes e diretores de vários ministérios) antes de
tomar a decisão. E as opiniões eram diferentes. O Ministério das Relações Exteriores, por
exemplo, queria que o Japão participasse mais ativamente, que desse uma resposta
rápida, porque estava recebendo pressão direta dos Estados Unidos. Mas a força de
autodefesa não queria participar, argumentando que haveria custos e que a imagem da
força pudesse ser prejudicada. Houve, entre esses dois órgãos, muita disputa em relação
à Guerra do Golfo.
Além das diferenças de interesses, outro elemento que influencia a projeção
externa do Japão é um sentimento cultural, talvez psicológico. Há, no Japão, uma
combinação de um sentimento de inferioridade e de orgulho muito fortes na sociedade.
Enquanto o sentimento de inferioridade do japonês dificulta o posicionamento externo
mais afirmativo do país, o sentimento de orgulho impede o reatamento de algumas
relações com outros países. O orgulho da sociedade japonesa impede o primeiroministro de fazer um pedido formal de desculpas aos países da região por causa das
guerras passadas. Essas características culturais do povo japonês são, talvez, fatores
complicadores do posicionamento internacional do Japão.
Em relação ao posicionamento internacional do Japão e da Alemanha após a
Segunda Guerra Mundial, eu acho que a Alemanha tem conseguido ampliar sua
participação internacional enquanto o Japão, não. Nas últimas guerras a Alemanha
mandou tropas e teve participação nas decisões. O Japão, por sua vez, só toma uma
decisão depois de tudo estar decidido.
O problema que eu vejo hoje, em relação à política japonesa, é que os políticos são
conservadores. Muitos deles estão na política desde a Segunda Guerra Mundial – o
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ministro de finanças até cerca de dois anos atrás era o Miyazawa, que assumiu o cargo
com mais de 80 anos. Será que não há, no Japão, nenhum outro economista que possa
assumir o cargo de ministro? Tem que ser alguém com 86 anos, se não me engano, para
assumir? Isso é uma dificuldade que eu vejo no Japão hoje. Hoje, os políticos que são
eleitos para o Parlamento japonês têm, na média, idade bastante avançada. Eles são
muito conservadores, o que dificulta a possibilidade de haver mudanças. E isso é um
problema. No ministério atual, há pessoas mais novas, porque fazem parte da facção
menor do PLD. Mas essas pessoas têm pouca força de atuação, necessária para fazer as
mudanças.
Um outro problema é qual é a formação dos jovens políticos do Japão. Essa
preocupação existe porque os jovens no Japão, hoje, têm uma formação precária, porque
tiveram tudo de graça. O Japão tinha uma economia já formada e forte que beneficiou
essa geração. A formação universitária no Japão é muito precária. Existe muita
competição até o colégio, mas no ensino universitário a formação não é das melhores. As
pessoas saem da universidade com um nível de conhecimento ruim e acabam se
“formando” apenas quando entram no mercado de trabalho. Na política japonesa, a
nova geração de políticos, além do ter problemas de formação, não passou pela
experiência do sofrimento japonês na guerra. Dessa forma, a percepção dessa geração
sobre o que é política, o que é negociado e o que é projetar uma política para o Japão é
incerta. Existe uma preocupação muito grande em relação ao futuro, porque se hoje é
ruim com os conservadores, não sabemos qual vai ser a orientação da nova geração de
políticos. A preocupação do governo, hoje, é tentar reestruturar um pouco o sistema
universitário no Japão – o que afetaria também a qualidade dos novos políticos. A
perspectiva de recuperação do Japão não é complicada apenas em termos de economia,
mas também em termos políticos. Se hoje no Japão falta um líder político que assuma a
responsabilidade de tomar uma decisão e conduzir o Japão para algum caminho, não há
expectativa que esse líder apareça no futuro. Não se consegue ver nenhum político, hoje,
no Japão, que seja capaz de assumir para si, que seja carismático, que seja forte para
conduzir o Japão para algum caminho. Esse é um outro perigo, uma outra dificuldade
que vemos para o Japão no futuro.
Pergunta:
A primeira questão é em relação ao programa de defesa antimíssil dos Estados
Unidos. Qual é a posição do Japão? Quais são as implicações que isso terá para a política
externa japonesa? Como é esse debate no Japão, sobretudo em função dessa crise em
torno do programa nuclear da Coréia do Norte? A segunda questão que gostaria de
colocar é sobre a paralisia do sistema político japonês diante da crise, quer dizer, da
incapacidade de formular uma resposta para a crise econômica. Em que medida é
necessária uma reforma política no Japão? É possível vencer a crise sem quebrar esse
monopólio do PLD? Eu me lembro que há alguns anos atrás apareceu um novo político,
Naoto Kan, que foi saudado como o Tony Blair japonês. Há anos os Estados Unidos
pressionam o Japão para promover reformas liberais “thatcheristas”, que provocassem
20
uma recuperação da economia japonesa, mas parece que não existe um consenso dentro
do Japão sobre como atacar a crise econômica. A princípio, a sociedade japonesa me
parece que não quer os conflitos sociais que existem nos Estados Unidos, e uma reforma
econômica neoliberal traria o risco de trazer esses conflitos para a sociedade japonesa.
Então pergunto se não existe uma crise existencial na própria sociedade japonesa, quer
dizer, nos partidos políticos. Você acabou de falar numa crise de governabilidade, na
falta de resposta do sistema político, mas em que medida isso se deve a uma falta de
consenso dentro da sociedade japonesa? Essa sociedade que há uma década atrás se
apresentava e se via como a sociedade do século 21 e agora não sabe bem que rumo
tomar nesse século 21.
Dr. Alexandre Uehara:
Em relação ao programa de defesa, o Japão não apenas está apoiando, como está
também participando desse programa de defesa; inclusive lançou, recentemente, um
satélite chamado Espião, que provocou uma reação da Coréia do Norte, que se sentiu
ameaçada e, por isso, também lançou um míssil. Neste ano, creio que foram três mísseis
que a Coréia lançou, o que era, claramente, um sinal para o Japão e sua participação
nesse projeto dos Estados Unidos. Esse projeto já foi lançado pelo Japão e Estados
Unidos há alguns anos e o Japão tem participado, e muito, da parte tecnológica desse
projeto. Para o Japão, esse projeto é uma necessidade porque ele tem países vizinhos que
não são muito amigos, que têm capacidade bélica de mísseis que poderia destruir o
Japão. Boa parte do Japão se concentra em umas quatro cidades, Tóquio, Yokohama,
Osaka, Kobe e algumas outras cidades industriais. Então é possível acabar com o Japão
com cerca de cinco mísseis. O resto ali é montanha, vulcão e termas de água quente. O
Japão hoje, na situação em que está, dificilmente abandona esse projeto desenvolvido
em conjunto com os Estados Unidos. Apesar das reclamações dos países vizinhos, como
a China e a Coréia do Norte, creio que o Japão não vai abandonar esse programa.
Em relação à paralisia do sistema político, como já mencionei anteriormente, existe
um elemento que é interessante. Não existe consenso em termos de objetivos, mas há
objetivo de chegar ao consenso, por isso que há essa decisão que resulta da dificuldade
de se tomar decisão sozinho e, também, porque eles buscam tomar uma decisão que
expresse a vontade da maioria.
No caso dos partidos japoneses, o Liberal Democrático (PLD), que é o partido
majoritário, tem sido governo, mas não tem tomado decisões de forma solitária. Em
1991, o PLD poderia ter decido sozinho na Câmara, porque era majoritário, mas não o
fez porque, mesmo sendo majoritário no Congresso, o PLD busca a adesão de partidos
de oposição. São muito poucos os casos de projetos do governo que foram empurrados
“goela abaixo”. Sempre há a busca do partido do governo em conseguir apoio também
da oposição, então existe muita flexibilização em termos de projetos e de políticas
empregadas pelo governo. Isso faz parte da cultura japonesa. A lentidão do processo
político é por causa disso, porque o partido do governo não faz imposição de políticas.
O fato de o PLD ter, atualmente, dificuldades de mudanças rápidas é porque ele não
assume esse risco de adotar, de forma solitária, alguma política que dê errado, o que o
21
tiraria, novamente, do poder. O PLD sempre busca apoio da oposição e, nessa busca, as
medidas acabam sendo menos severas, menos rigorosas ou menos fortes do que
poderiam ser.
Pergunta:
São aguadas para criar um consenso interno dentro do PLD
Dr. Alexandre Uehara:
Exatamente. Em 1993, depois de perder pela primeira vez a maioria e a presidência
da Câmara, o PLD foi muito para centro, centro -esquerda. Tentou ser um partido que
englobasse muito mais interesses. Antes, o PLD tinha ligação muito mais forte com o
setor empresarial e com setores de direita. Com a perda desse status na sociedade
japonesa, o partido voltou-se mais para o centro e, hoje, tem um posicionamento muito
mais flexível e abrangente.
Em relação às dificuldades atuais da economia japonesa, o Japão tem feitos
algumas reformas econômicas. Não apenas o governo tem feito algumas mudanças, mas
as empresas também estão mudando. Apesar de a economia japonesa estar mal, as
empresas estão se reestruturando, fazendo fusões e tentando “limpar” um pouco o
histórico de paternalismo. O emprego vitalício no Japão ainda existe em muitas
empresas, mas está sendo eliminado. Aos poucos, as empresas estão vendo que isso é
um peso, uma dificuldade, e a implicação disso é que tem aumentado o desemprego no
Japão. Esse aumento de desemprego não é por acaso. As empresas estão realmente
passando por uma reestruturação. A dificuldade de tomada de decisão de mandar
alguém embora tem sido resolvida por meio de contratação de diretores ou presidentes
que não sejam japoneses. Por exemplo, a empresa contrata um brasileiro, como foi caso
da Nissan, e manda os empregados embora. Não foi um japonês que mandou, então não
existe esse problema de consciência. O caso do presidente da Nissan é um curioso
exemplo. As empresas estão fazendo essa reestruturação e a expectativa é de que pelas
avaliações, a partir de 2006 comece a aparecer algum resultado. Até lá, o desemprego
provavelmente vai ser alto e, conseqüentemente, a população vai manter-se muito
reticente e desconfiada com a possibilidade de perder o emprego. Além disso, a
população deve continuar a consumir pouco, dificultando a retomada do crescimento da
economia japonesa. O que se espera é que as exportações ajudem um pouco a economia
japonesa daqui por diante. Se a economia norte-americana crescer de maneira mais
consistente, o que depende de outros fatores, haverá benefício para a economia
japonesa. Hoje, o Japão depende, principalmente, do comércio exterior, pois o mercado
interno está muito enfraquecido. Já há alguns anos que a economia japonesa apresenta
índices significativos de deflação.
22
Pergunta:
Tenho duas perguntas. Uma é sobre a maior inserção do Japão nas questões
internacionais e o recente apoio que ele deu à política norte-americana no “confronto”
com as Nações Unidas. Não ficou claro, para mim, qual era o posicionamento e a
intenção do Japão. O que ele ganharia com isso? A segunda questão está relacionada à
crise econômica japonesa. Mas gostaria de dar um enfoque mais acadêmico sobre a crise
de superprodução. Parece que essa crise deixou os economistas ocidentais meio
imobilizados. A crise parece ser muito complicada para que os instrumentos econômicos
existentes resolver. E, como é uma questão japonesa, eu gostaria de saber como os
economistas japoneses vêem uma alternativa possível para tirar o Japão dessa situação.
Os Estados Unidos, me parece, tomaram uma medida heterodoxa e dura na década de
90 para retomar o crescimento e sair daquela crise que vinha desde o final da década de
80. O governo americano fechou um pouco os olhos para a imigração, e isso talvez tenha
ajudado um pouco o reaquecimento da economia americana na década de 90. Isso é uma
coisa que me parece inviável para o Japão, mesmo sendo uma medida heterodoxa.
Como os economistas japoneses vêem a solução para essa crise de superprodução
japonesa, nesse contexto de grande disputa de mercado e com restrições ecológicas?
Dr. Alexandre Uehara:
Aí nós temos uma posição do Japão em relação à última guerra do Golfo. Para
mim, a posição pareceu natural porque, naquele momento, o Japão não iria contra os
Estados Unidos. Pela sua situação atual, vemos que o Japão está perdendo espaço na
política internacional, frente à China. O Japão já tem um histórico de alinhamento com
os Estados Unidos e, naquele momento, ele não tinha nem instrumento e nem motivação
para se opor à ação norte-americana.
Pergunta:
A população era plenamente contra?
Dr. Alexandre Uehara:
A população sim, mas o governo não. Eu penso que, na atual circunstância, o Japão
precisa manter esses laços com os Estados Unidos. Existe um temor muito forte no
governo japonês em perder para a China a sua relação de preferência na Ásia com os
Estados Unidos. Eu vejo que a China, por meio de uma política externa mais ofensiva e
mais afirmativa, tem exigido dos Estados Unidos uma relação mais preferencial,
enquanto o Japão não tem conseguido contestar, nos últimos anos, essa relação. Lembrome que numa das viagens à Ásia, Clinton havia planejado fazer uma visita a Pequim e
depois ir para o Japão. Pequim exigiu que ele fosse apenas à China. Clinton foi para a
China, voltou para os Estados Unidos e, depois, foi para o Japão. Podemos observar que
Pequim tem atuado com uma política externa muito clara, de querer ser a liderança
naquela região, enquanto o Japão, apesar de não quere perder a posição de liderança,
não tem uma política externa agressiva. No caso da última guerra do Golfo, o governo
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japonês não queria ir contra os interesses dos Estados Unidos, ainda que parte da
população não tenha aprovado a guerra.
Em relação à economia japonesa, os próprios japoneses não têm solução. Penso que
a solução é resolver o sistema financeiro, o problema das dívidas insolúveis das
empresas japonesas. O governo já injetou muito dinheiro na economia japonesa,
tentando reverter a situação com a ajuda aos bancos. O efeito disso é que o governo
japonês tem a maior dívida pública do mundo, algo em torno de uma vez e meia o PIB
do Japão.
Pergunta:
Não há nenhuma medida heterodoxa sendo engendrada? Os instrumentos
parecem não surtir mais efeito.
Dr. Alexandre Uehara:
Houve a proposta de uma medida um pouco diferente, que era provocar a inflação
no Japão para fazer com que a população voltasse a consumir, porque tendo inflação
baixa, a pessoa deixa para comprar amanhã porque vai ser mais barato que hoje. E, a
sociedade japonesa está envelhecendo e se preocupando com o futuro. Para ela, é
melhor não gastar hoje porque não se sabe como vai ser o futuro e se haverá emprego.
Além disso, a previdência privada no Japão não é tão boa assim, é melhor que no Brasil,
mas não garante uma vida igual à do trabalhador na ativa. O crescimento da economia
japonesa depende, hoje, da população. E esta está muito reticente em intensificar o
consumo.
Você mencionou a abertura norte-americana para imigrantes. No Japão, também
está acontecendo isso. Houve uma restrição no início da década de 90 para os asiáticos,
porque havia muitos imigrantes asiáticos, não só do Sudeste da Ásia, mas também
indianos e iranianos. Havia muitos imigrantes ilegais desses países. No início da década
de 90, o Japão restringiu a entrada dessas pessoas porque o governo achou que não era
bom ter essas pessoas. Então começaram a chamar os descendentes japoneses do Brasil.
Fizeram uma lei específica para atrair imigrantes brasileiros descendentes. Essa
população tem sido importante e vai ser importante para o Japão e para a economia
japonesa. Se não me engano, a previsão é que em 2008, a população japonesa começará a
decrescer. A manutenção do crescimento dependerá da entrada de imigrantes no Japão.
Além disso, hoje já são três trabalhadores para cada aposentado, e a tendência é
diminuir o número de trabalhadores para cada aposentado. O Japão hoje depende dos
imigrantes e vai depender cada vez mais, porque o nível de natalidade no Japão é muito
baixo, porque as mulheres japonesas não estão casando e não estão tendo filhos, porque
querem ter uma vida profissional. Os imigrantes brasileiros estão contribuindo. Eles vão
para lá e têm três ou quatro filhos e, com isso, estão compensando. A abertura do Japão,
no entanto, ainda tem sido restrita, pois é só para os brasileiros descendentes. Essa
experiência, como a maioria já sabe, não tem sido muito boa em algumas regiões por
causa de problemas de criminalidade e de marginalidade com os brasileiro s, por causa
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da língua. Os jovens brasileiros vão para lá sem saber a língua japonesa e são colocados
na escola obrigatória, mas não conseguem acompanhar o curso. Isso é um problema
muito sério que não está resolvido e precisa ser pensado. Estão sendo discutidas
algumas medidas no Brasil e no Japão para que isso seja resolvido, esse problema das
pessoas que não conseguem estudar. Isso vai ser um problema não só para o Brasil mas
para o Japão, porque esses jovens que estão lá trabalhando vão ter filhos que não vão ser
força de trabalho nem no Japão e nem no Brasil. No Japão, sem uma escolaridade
mínima, você não consegue trabalho.Até mesmo para o trabalho de faxineiro você tem
que ler em japonês – e o pessoal não sabe ler nem em português! Voltar para o Brasil
também é muito complicado para esse pessoal. As estatísticas recentes revelam que, em
1980, havia no Brasil três milhões de pessoas com escolaridade máxima de até 4 anos.
Em 1990, esse número caiu para um milhão e meio. Ou seja, o número de pessoas que
estão empregadas e que têm até 4 anos de escolaridade formal no Brasil caiu pela
metade. O número de pessoas que têm nível universitário, parcela da população
economicamente ativa, passou de um milhão e meio, em 1980, para 3 milhões. Então há
um cruzamento. Hoje, se você não tem estudo, mesmo no Brasil, você não tem condição
de se inserir no mercado de trabalho. E esses jovens que estão no Japão não vão saber
japonês nem português, porque não estão estudando no Japão e nem Brasil. Então vão
retornar para cá sem capacidade de inserção no mercado de trabalho. É um problema
muito sério para ser enfrentado. Só para concluir, o pessoal que está acompanhando o
problema dos jovens descendentes no Japão, visitou uma FEBEM no Japão, que tinha
cerca de 120 jovens. Desses 120 jovens, em torno de 40 eram estrangeiros; e desses 40,
cerca de 30 eram brasileiros. Então é possível ver que é muito sério o que está
acontecendo com esses jovens brasileiros no Japão; e é algo que precisa ser resolvido de
alguma maneira.
Pergunta:
Só tenho duas indagações. Uma é quanto ao processo decisório japonês. Desde que
o Comodoro Perry aportou no Japão e deu uma sacudida naquela sociedade, o Japão
passou a tomar decisões numa velocidade descomunal e em todos os setores. Isso
continuou até o final da Segunda Guerra Mundial, passando pela aliança com os aliados
na Primeira Guerra Mundial e, depois, pela decisão de lutar contra os Estados Unidos
na Segunda Guerra. Então o processo decisório japonês nesse período, pelo menos, era
extremamente eficaz. Pode ter dado errado, mas era extremamente eficaz como processo
decisório. Então eu não entendo por que, de repente, o Japão não pode ter mais um
processo decisório? Será que algumas alterações estruturais na constituição ou as novas
práticas adotadas a partir da derrota para os Estados Unidos, paralisaram, num certo
sentido, o processo político japonês? Não por intenção, mas, provavelmente, por efeito.
Essa é uma indagação que eu tenho. A outra indagação é que a crise atual da Coréia do
Norte está nos dando uma sensação exata do poder da China, por quê? Por que a Coréia
do Norte não é tratada como um Saddam Hussein qualquer?! Porque a China está ao
lado da Coréia! Então qualquer tratamento que os Estados Unidos venham a dar a um
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país asiático que est eja dentro da área de interesse da China será feito com o maior
cuidado. Se nós projetarmos isso para uma ou duas décadas, vamos ver que, pelo lado
político e pelo lado econômico, a China vai alcançar uma projeção inevitável e, talvez,
inigualável. E, com essa projeção, ela vai enfraquecer o Japão pelas razões da falta de
decisão e pelas razões da falta de decisão da sociedade de entrar num regime, vamos
dizer, num programa militar. Com esse enfraquecimento relativo do Japão, não
econômico, mas político-militar, esse processo levará o Japão, num determinado
momento, a escolher qual guarda-chuva que ele vai preferir, se o chinês ou o americano.
Fica aí a pergunta.
Dr. Alexandre Uehara:
Em relação à tomada de decisão no Japão, o que me parece que foi favorável à
decisão rápida e eficaz, antes da Segunda Guerra Mundial, foi o fato de o Japão se sentir
ameaçado. Antes, houve a guerra com a Rússia, que o Japão venceu, o que possibilitou
um certo posicionamento do Japão no mundo. A partir daquele momento e com o apoio
da Inglaterra, o Japão foi ampliando o seu posicionamento naquela região. Depois de
abrir-se ao mundo, com o Comodoro Perry, o Japão percebeu que estava defasado em
relação ao resto do mundo em várias áreas. Então, naquela época, o foco do Japão era
muito claro: na minha opinião, era a revitalização militar e econômica. E, para isso, o
país adotou as medidas que tinham que ser tomadas. Depois da Segunda Guerra, o
Japão também tinha uma meta, que era, novamente, o crescimento econômico. Essa
meta durou até a década de 80. De lá para cá, depois de ter conseguido atingir o
crescimento econômico, parece que o Japão perdeu um pouco o foco, não sabendo
aonde ir: “chegamos aqui, somos a segunda economia do mundo, e agora?”. Não está
claro, para sociedade japonesa, o que deve ser feito, que caminho deve ser seguido, qual
deve ser o posicionamento internacional, qual deve ser o papel do Japão no cenário
internacional. Ainda falta uma formulação. A partir do momento que o Japão conseguir
escolher um rumo a seguir, talvez consiga adotar as políticas necessárias. O que parece é
que hoje falta, realmente, um foco para o Japão: “depois que somos a segunda economia
do mundo o que vamos fazer?”. É um problema em termos de política, de estratégia e
de inserção internacional, saber o que o Japão vai ser como país, se vai ser parceiro dos
Estados Unidos ou não, se vai ser parceiro da China ou não.
Já entrando na segunda parte, em termos de perspectivas, o que me parece é que o
Japão vai tender a se manter ainda atrelado ou alinhado com os Estados Unidos, e não
com a China, por causa do histórico de contenciosos que existem entre os dois países.
Não existe confiança ainda estruturada no relacionamento entre o Japão e China, então é
difícil vislumbrar aí uma parceria entre os dois países na região, que seja para ordenar a
região. Há comércio e investimentos entre o Japão e a China, mas a cooperação política
... Hoje, o Japão recebe muitos estudantes chineses, o que pode intensificar as relações
bilaterais, mas, em termos de parceria política para estruturar e dar uma estabilidade
regional, eu acredito que seja muito pouco provável que isso aconteça. Há, também, a
relação dos Estados Unidos com a região e os interesses dos Estados Unidos na região.
Como foi mencionado, a China pesa muito nas negociações com a Coréia do Norte e, na
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minha opinião, os Estados Unidos vão ter um relacionamento mais próximo com a
China para tentar manter confiável, de alguma forma, o direcionamento da China. Os
Estados Unidos não querem que a China se fortaleça muito, a ponto de competir com o
país no âmbito internacional. E, para que isso não aconteça, o Japão precisa ser o
contrapeso da China na Ásia. Então o relacionamento dos Estados Unidos deve ser
mantido com o Japão naquela região, inclusive com a Coréia do Sul, unificada ou não
com a Coréia do Norte. A Coréia do Sul, o Japão e os Estados Unidos seriam o
contrapeso da China na Ásia, situação que manteria as relações estáveis naquela região.
Pergunta:
Uma questão interessante é a que se refere a Taiwan. O Japão, num tratado com os
Estados Unidos, seria obrigado a intervir em caso de uma intervenção chinesa no
estreito e a participar do teatro de operações navais juntamente com os EUA.
Dr. Alexandre Uehara:
No final da década de 90, numa das revisões do acordo de defesa mútua entre
Estados Unidos e Japão, foi colocada uma cláusula que o Japão se obrigaria a assistir os
Estados Unidos. Não me lembro exatamente o termo, mas era uma coisa ambígua,
porque não estabelecia o limite exato dessa participação japonesa. Hoje, eu diria que é
somente em território japonês e numa área marítima que poderia ser alcançada pelos
navios japoneses. Hoje, o Japão se obriga a dar assistência para o exército norteamericano, que vai além do que estava acordado anteriormente, e não há limites
territoriais, ou seja, pode ser na China, pode ser na Indonésia. Essa é uma discussão que
está ocorrendo ainda dentro do Parlamento japonês sobre os limites da participação
militar japonesa na região. Os países asiáticos, como a China e a Coréia, também estão
reclamando dessa participação do Japão.
Pergunta:
Pelo que o Dr. Uehara nos colocou, parece que a política externa do Japão vai
continuar mais reagindo do que agindo, de acordo com as relações internacionais.
Muitos dos grandes câmbios no Japão, das grandes mudanças, foram por
influência externa e, com freqüência, influência norte -americana, inclusive até a própria
Revolução Meiji – e isso já vem de longa data. Atualmente, existe essa questão do
alinhamento com os Estados Unidos, e, de uma certa forma, os Estados Unidos até têm
exigido que o Japão tenha uma posição mais ativa no cenário internacional. A grande
pergunta aí seria: o que significaria uma posição mais ativa japonesa para os Estados
Unidos? Para os Estados Unidos, o próprio alinhamento do Japão com os interesses
norte-americanos seria considerado como um papel internacional mais ativo. A minha
pergunta é, dado que você mencionou os acordos de Plaza e a própria crise asiática: qual
seria um choque capaz de chacoalhar, digamos, para ser bem coloquial, o Japão daqui
para frente? Ou seja, existe esse foco no sistema de defesa e segurança e na Coréia do
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Norte. Inclusive, tenho a impressão de que a questão do Iraque é muito semelhante à da
Coréia do Norte – não era apenas uma questão de se alinhar aos Estados Unidos, mas
era também o conceito de que você possa intervir e resolver o problema de um país que
o ameace, nesse caso, a Coréia do Norte. Talvez o problema da crise é que seja um
choque prolongado, e não imediato. Uma crise que se prolonga e que não tem solução.
O mesmo pode ser em relação à China, que também é uma questão evolutiva não tem
um caráter de choque propriamente. Mas você vê que é algo que possa acontecer, que
possibilite grandes câmbios no Japão?
Dr. Alexandre Uehara:
Na minha perspectiva, eu acho pouco provável, mas um choque que poderia
provocar mudanças seria se os Estados Unidos deixassem claro que a parceria seria
voltada para a China e não mais o Japão. Isso realmente provocaria um abalo no Japão,
que estimularia um remanejamento, uma reestruturação de sua inserção internacional. É
algo improvável, mas que poderia ser um choque muito forte no orgulho da sociedade
do país e do status do Japão na região. Observa-se que o peso político regional do Japão
está sendo reduzido, mas ainda é mantido com a ajuda dos Estados Unidos. Se esse eixo
mudar para a China, eu acho que seria um choque muito forte para o Japão assimilar e,
conseqüentemente, haveria alguma alteração.
Em relação ao problema do desemprego, a situação é complicada, mas é menos grave do
que em outros países. Falamos que o desemprego é alto no Japão – está em 5%, mas é
baixo quando comparamos com o Brasil e com a Europa. Há uma expectativa de que
esse número não venha a crescer tanto. Espera-se que, a partir de 2006, a situação
comece a melhorar em função das políticas de reestruturação adotadas pelas empresas.
A expectativa é que, daqui a alguns anos, essas empresas consigam reativar a economia
do Japão.
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O CEBRI Tese é uma publicação baseada
na apresentação e no debate, no CEBRI, de
teses ou dissertações acadêmicas em relações
internacionais e política externa brasileira,
elaboradas por brasileiros e defendidas e
aprovadas em instituições de ensino superior
no Brasil ou no exterior .
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